Resumo: O Direito por não ser uma ciência exata se transforma constantemente. Cabe aos operadores jurídicos a responsabilidade de acompanhar tais transformações para que assim a justiça consiga atingir suas finalidades. A modalidade de adoção, conhecida atualmente por “adoção à brasileira” é um didático exemplo de como o Judiciário tem se ampliado, ainda que a curtos passos, para atender os anseios de uma sociedade que não mais aceita limitações outrora impostas em torno das relações socioafetivas. O afeto ganhou importante destaque nessa amplificação jurídica, influenciando debates valorosos para o bem comum e evolução social.
Palavras-chave: adoção; adoção à brasileira; afeto; melhor interesse do menor; socioafetividade.
Abstract: The Law for not being an exact science changes constantly. It is the responsibility of legal operators to follow such transformations so that justice can achieve its goals. The modality of adoption, known today as "Brazilian adoptionis", is a didactic example of how the judiciary has expanded, albeit shortly, to meet the aspirations of a society that no longer accepts limitations once imposed on socio-affective relations . The affection gained important prominence in this juridical amplification, influencing debates valued for the common good and social evolution.
Keyword: adoption; Brazilian adoption; affect; best interests of the child; socio-affective;
Sumário: Introdução. 1. Evolução histórica do processo de adoção. 2. Adoção à brasileira à luz da doutrina. 3. A socioafetividade no direito moderno brasileiro. 4. Formas de legitimação da adoção à brasileira. 4.1. Ações cabíveis nessa modalidade de adoção. 5. Análise do caso concreto.
Introdução
A quantidade de crianças e jovens aptos para a adoção no Brasil está em torno de 8.4 mil – segundo dados de 2017 – do Cadastro Nacional de Adoção (CNA). Apesar desse elevado número, uma prática ainda é muito comum em nosso país, a chamada adoção à brasileira, a qual pode ser entendida quando alguém decide registrar em seu nome, criança que sabe ser de outra pessoa, furtando-se dos devidos meios legais. O presente estudo se digna a verificar esse instituto, no âmbito dos Tribunais brasileiros.
A peculiaridade do tema encontra respaldo por ser tal prática conduta tipificada no Código Penal, em seu artigo 242. Todavia, os tribunais brasileiros têm mudado suas concepções ao longo dos anos, chegando ao entendimento atual de que o vínculo afetivo construído em torno dessas relações deve ser respeitado e conservado.
A aceitação amplificada a esse tipo de conduta simboliza uma representativa adaptação do sistema jurídico, e para embasar suas decisões, os magistrados têm se valido dentre outras fontes, dos princípios, sendo que merece solene destaque, o Princípio da Afetividade.
É importante reconhecer o avanço que mostra não só a capacidade de ajuste do sistema quando necessário como também a preocupação com o melhor interesse da criança, que hoje passa a ser o foco das causas.
Nesse estudo far-se-á uso de métodos científicos para melhor compreensão do tema, utilizando o método dedutivo, na medida em que será observado o posicionamento do Judiciário, até o momento atual, como a premissa maior para se obter a conclusão das situações a serem analisadas.
A pesquisa doutrinária foi a fonte escolhida, na qual foram utilizados livros, artigos e textos eletrônicos, bem como análise à jurisprudência de diferentes Tribunais brasileiros, além da apreciação de princípios, bem como à Constituição Federal, Lei Nacional de Adoção (Lei nº 12.010/2009) e do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990).
1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO PROCESSO DE ADOÇÃO
A adoção pode ser considerada como um dos mais antigos institutos a que se tem notícia e vem se reafirmando com o tempo, através de novas concepções sociológicas, modificando sua finalidade ao longo dos anos.
Para Beviláqua, (1905, apud SILVA, 2015, p.7) “nasceu esta instituição da necessidade de ser mantido o culto doméstico", e de fato ao se analisar a adoção no decorrer da história, percebe-se a sua total predominância ao melhor interesse do adotante, seja por esse apresentar alguma esterilidade, ou por outro motivo o qual não lhe permitia ter alguém para dar prosseguimento à sua geração.
Segundo análise de Pereira (2014, p. 447), a imprescindibilidade de dar continuidade à família, baseado em uma concepção de cunho religioso, com intuito de assegurar um continuador do culto doméstico e a perpetuação do nome àqueles que não possuíssem descendentes, levou os povos antigos a conceber situações jurídicas especiais, sendo a adoção uma das mais difundidas.
Através de estudos, constatou-se que a adoção está presente desde a mais remota Antiguidade, tendo como berço a Índia, sendo transmitida, assim como as crenças religiosas, aos egípcios, persas, hebreus e, posteriormente, aos gregos e romanos.
A Bíblia nos dá notícia de sua aplicação pelos hebreus em dois exemplos notórios: a adoção de Moisés, pela filha do Faraó, no Egito, e a história de Estér, filha adotiva que se tornou rainha, conforme se extrai do Velho Testamento.
Por sua vez, o Código de Hamurabi (1728/1686 ac.), na Babilônia, disciplinava a adoção em seu Capítulo XI, intitulado de “adoção, ofensa aos genitores. Substituição; dos recém-nascidos. (parágrafos 185 a 195)”. A seguir algumas normas extraídas do referido compilado:
“185. Se um homem adotar uma criança e der seu nome a ela como filho, criando-o, este filho crescido não poderá ser reclamado por outrem. 186. Se um homem adotar uma criança e esta criança ferir seu pai ou mãe adotivos, então esta criança adotada deverá ser devolvida à casa de seu pai (…). 190. Se um homem não sustentar a criança que adotou como filho e criá-lo com outras crianças, então o filho adotivo pode retornar à casa de seu pai. 191. Se um homem, que tenha adotado e criado um filho, fundado um lar e tido filhos, desejar desistir de seu filho adotivo, este filho não deve simplesmente desistir de seus direitos. Seu pai adotivo deve dar-lhe parte da legítima, e só então o filho adotivo poderá partir, se quiser. Ele não deve dar, porém, campo, jardim ou casa a este filho”.
Na Roma Antiga, era exigida a idade mínima de 60 anos para o adotante e vedada a adoção aos que já tivessem filhos naturais. O instituto chegou a ser usado pelos imperadores para designar seus sucessores. Depois, perdeu o caráter de natureza pública, limitando-se a ser uma forma de “consolo” para os casais estéreis.
Na Idade Média, em parte por influência da Igreja, a adoção acabou caindo em desuso. Foi ressuscitada somente após a Revolução Francesa, por meio do Código Napoleônico (1804), que a incluiu em seu corpo no “Titre VIII”, intitulado de “De L’adoption Et de La Tutelle Officieuse” sendo entendido como ato jurídico capaz de estabelecer o parentesco civil entre duas pessoas.
Até 1851, porém, na maioria dos países ocidentais as crianças mudavam de família por meio do tradicional sistema de lares adotivos, que muitas nações modernas ainda utilizam. Crianças e adolescentes entre 7 e 21 anos podiam ser temporária e informalmente enviados para outros lares, mas permaneciam legalmente ligados às famílias originais.
Em geral, desempenhavam tarefas de aprendizes, trabalhadores domésticos, mensageiros, governantas, pajens, damas de companhia etc., em troca de abrigo e, às vezes, da chance de educação. Se uma família passava por dificuldades, os filhos podiam ser deixados temporariamente em orfanatos, onde tinham maiores chances de receber cuidados, alimentação e estudos enquanto a família biológica tentava se reerguer. Isso, porém, não lhes dava a condição de serem adotados por alguém.
No Brasil, o Código Civil de 1916 deu ao instituto uma restrita possibilidade de utilização, refletindo a cultura dominante no início do século passado.
No entanto a Lei nº 3.133, de 8 de maio de 1957, alterou a primitiva redação do Código Civilista, mais precisamente dos artigos 368, 369, 372, 374 e 377, aprovando simbólicas mudanças, como por exemplo, a redução da idade mínima para adotar de 50 para 30 anos, e baixando o limite mínimo de diferença de idade entre adotantes e adotados de 18 para 16 anos. Além da redução da idade, a Lei nº 3.133/57 conferiu ainda, aos casados há mais de cinco anos, com ou sem filhos, a possibilidade de adotar.
Em 1965, com o advento da Lei n. 4.665, de 2 de julho, surge a legitimação adotiva, marco no ordenamento brasileiro. Por conseguinte, tem-se ainda a aprovação em 1979 da Lei nº. 6.697, que estabelece o Código Brasileiro de Menores.
Atualmente a legislação vigente que se debruça sobre esse assunto é a Constituição Federal; Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA; Código Civil Brasileiro; e, Lei nº. 9.656/98.
2. ADOÇÃO À BRASILEIRA À LUZ DA DOUTRINA
A Adoção à Brasileira tem sido objeto de atenção não apenas por suas particularidades, mas também, pela forma como o Judiciário Brasileiro tem se fundamentado para justificar a aceitação de tal prática. É interessante, por precípuo, conceituar a modalidade.
O juiz federal Márcio André Cavalcante assim se refere:
“Adoção à brasileira ou ‘adoção à moda brasileira’ ocorre quando o homem e/ou a mulher declara, para fins de registro civil, o menor como sendo seu filho biológico sem que isso seja verdade” (2012, p. 1).
Aduz o Ministro Massami Uyeda[i]: “[…] adoção à brasileira, ocasião em que alguém, sem observar o regular procedimento de adoção imposto pela Lei Civil e, eventualmente assumindo o risco de responder criminalmente pelo ato (artigo 242 do Código Penal), apenas registra o infante como filho.”.
Ainda sobre a matéria, leciona Paulo Lôbo: “Dá-se com a declaração falsa e consciente de paternidade e maternidade […] sem observância das exigências legais para adoção. O declarante ou os declarantes são movidos por intuito generoso e elevado de integrar a criança à sua família, como se a tivessem gerado. Contrariamente á lei, a sociedade não repele tal conduta. A ‘adoção à brasileira’, fundada no ‘crime nobre’ da falsificação do registro de nascimento, é um fato social amplamente aprovado, por suas razões solidárias […]”.(2012. p. 250.).
Visto tais elucidações, é oportuno relatar que o Superior Tribunal de Justiça anteriormente foi adepto da posição que era considerado irrevogável o conhecimento da paternidade, salvo se o fosse feito, mediante erro, dolo, coação, simulação ou fraude, ou seja, a pessoa que registra como se seu o fosse, filho de outrem, sofreria as consequências do âmbito civil, a saber, a anulação do registro de nascimento, bem como as consequências de natureza penais, visto que o Código Penal, em seu artigo 242, define tal prática como tipo penal e passível à pena de reclusão.
Todavia, o direito foi feito pelo homem e para o homem, não o oposto, compreendendo isso, cabe ao Judiciário reconhecer e acompanhar as mudanças societárias que foram ocorrendo ao longo dos tempos, atribuindo a elas a devida atualização jurídica.
Uma das grandes mudanças perceptíveis foi justamente a forma como as variadas relações passaram a ser vistas, sendo prova disso, a nova abordagem com que os magistrados começaram a analisar a adoção à brasileira.
O já mencionado artigo 242, do Código Penal, em seu parágrafo único, dispõe que “se o crime é praticado por motivo de reconhecida nobreza: Pena – detenção, de um a dois anos, podendo o juiz deixar de aplicar a pena”.
Por meio da expressão “por motivo de reconhecida nobreza”, que até então era uma lacuna, os juízes, diante dos casos sub examine, passaram a assentir que se o reconhecimento do filho alheio possuir causas como o bem-estar da criança ligado principalmente ao vínculo afetivo construído, ou garantia de um futuro melhor para o menor, então o registro teria como fundamento uma causa nobre podendo não estar sujeito à pena alguma.
Perante isso, a maior inovação no que se refere ao assunto está na adaptação desta “isenção de consequências” no âmbito penal para o âmbito civil, ou seja, a conservação do registro mesmo que nele conste o nome de alguém que se saiba não ser o pai. Seria, então, uma espécie de adoção.
Nesse sentido, seguindo lição de Dias:
“Há uma prática disseminada no Brasil – daí o nome eleito pela jurisprudência – de o companheiro da mulher perfilhar o filho dela, simplesmente registrando a criança como se fosse seu descendente. Ainda que este agir constitua crime contra o estado de filiação (CP, 242), não tem havido condenações, pela motivação afetiva que envolve essa forma de agir.
Em muitos casos, rompido o vínculo afetivo do casal, ante a obrigatoriedade de arcar com alimentos a favor do filho, o pai busca a desconstituição do registro por meio de ação anulatória ou negatória de paternidade. A jurisprudência, reconhecendo a voluntariedade do ato, praticado de modo espontâneo, por meio da ‘adoção à brasileira’, passou a não admitir a anulação do registro de nascimento, considerando-o irreversível. Não tendo havido vício de vontade, não cabe a anulação, sob o fundamento de que a lei não autoriza a ninguém vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento (CC, art. 1604)”. (2010, p. 489.)
Por conseguinte será analisado esmiuçadamente o avanço do sistema jurídico em apresentar uma nova visão ao julgar os casos dessa modalidade adotiva e principalmente a preocupação com os interesses da criança, que no presente passa a ser o foco de causas como a da Adoção à Brasileira.
3. A SOCIOAFETIVIDADE NO DIREITO MODERNO BRASILEIRO
Nos últimos anos, o conceito de família vem se modificando. A verdade biológica que outrora preponderava nas relações familiares, atualmente está perdendo destaque.
Durante muito tempo, restringiu-se o reconhecimento de relações parentais apenas aos vínculos biológicos ou registrais. Entretanto, a crescente admissão do elo socioafetivo como elemento hábil para a formação de um vínculo parental alterou esse cenário.
A par disso, os tipos de família presentes no artigo 226, da Carta Magna, hoje dividem espaço com diversas ramificações advindas do atual contexto de amplificação familiar, para citar algumas: Família Eudemonista, Família Paralela, Família Mosaico, Família Socioafetiva, Família Poliafetiva, Família Multiparental, entre várias outras.
Assim, percebe-se que a redefinição do próprio sentido de parentalidade vem sendo assimilada gradativamente pelo direito de família brasileiro.
Todavia, diante da falta de disposições legais, o operador jurídico deverá se valer, dentre outras fontes, dos princípios para solucionar a questão da socioafetividade no Direito Brasileiro, os quais se destacam: o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, o Princípio da Igualdade, o Princípio da Solidariedade familiar, o Princípio da Liberdade, o Princípio do Melhor Interesse da criança e do adolescente, e o Princípio da Afetividade.
Preliminarmente, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, previsto no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal, traz em seu bojo o direito à identidade biológica e pessoal, assegurando assim, que todo indivíduo conheça sua verdade biológica.
O Princípio da Igualdade Jurídica entre os filhos encontra sua base no artigo 227, § 6º, da Constituição Federal, combinado com o artigo 1.596, do Código Civil. Com isso, atualmente não há qualquer discriminação sobre filhos, ignorando sua origem, o que revela o novo suporte fático das relações familiares: a afetividade.
O Princípio da Solidariedade familiar, ganha sua máxima no tema em estudo, tendo em vista que a filiação socioafetiva representa um grau elevadíssimo de respeito e solidariedade para com o outro sendo “a superação do individualismo jurídico pela função social dos direitos”. (LÔBO, 2013, p.1).
Ainda baseando-se no entendimento do supra-autor: “O princípio da solidariedade incide permanentemente sobre a família, impondo deveres a ela enquanto ente coletivo e a cada um de seus membros, individualmente. Ao mesmo tempo, estabelece diretriz ao legislador, para que o densifique nas normas infraconstitucionais e para que estas não o violem; ao julgador, para que interprete as normas jurídicas e solucione os conflitos familiares contemplando as interferências profundamente humanas e sentimentais que encerram”. (LÔBO, 2013, p.1).
O Princípio da Liberdade está presente no artigo 1.513, do Código Civil, onde é defeso a qualquer pessoa de direito público ou direito privado interferir na comunhão de vida instituída pela família.
Tal princípio possui total ligação com o princípio da autonomia privada, que diz respeito à liberdade do particular em escolher e auto regulamentar sua própria vida, fazendo as suas escolhas conforme melhor lhe convém (com quem se relacionar, com quem se casar, quem adotar), sendo que o Estado não pode intervir de maneira coativa nessas relações familiares.
Porém, é importante ressaltar que mesmo não intervindo coativamente, é papel do Estado desempenhar políticas públicas para incentivar o próprio controle familiar.
O melhor interesse da criança e do adolescente é um princípio explicitado no caput, do artigo 227, da Constituição Federal e também condizente com o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.º. 069/1990), o qual regulamenta a proteção do menor, e de forma implícita, está presente em dois dispositivos do Código Civil, a saber, artigos 1583 e 1584.
Tais artigos tratam acerca da guarda da criança em casos de dissolução conjugal, onde será observado qual responsável tem melhores condições para exercê-la e, para isso, o juiz avaliará o fator econômico e psicossocial, sempre em busca das circunstâncias mais favoráveis para proporcionar o bem estar da criança e do adolescente.
Por fim, apresenta-se o Princípio da Afetividade, o qual sem dúvida foi um dos grandes contribuintes na construção de uma nova visão no âmbito familiar, implantando a concepção da família de acordo com o meio social.
A prevalência do afeto está gerando vastas alterações nas formas de se pensar a família brasileira. As pessoas atualmente se unem muito mais por meio dele do que por qualquer outro laço, seja biológico, econômico, reprodutivo ou outro vínculo diverso. Consequentemente, o elo socioafetivo passou a ser merecedor de eminência para o Direito.
Por não estar explícito no Código Civil Brasileiro, o reconhecimento jurídico das relações de socioafetividade como suficiente vínculo parental, está ligado veemente à forma jurisprudencial, obtendo cada vez menos resistência em grande parte dos nossos tribunais.
Em tal ponto, o Superior Tribunal de Justiça desempenha papel precípuo, por afirmar que “ao afeto vem se atribuindo valor jurídico e a dimensão socioafetiva ganha espaço na doutrina e na jurisprudência em detrimento das relações de consanguinidade.” e principalmente reconhecendo a adoção à brasileira como expressão máxima da socioafetividade, conforme se vê da lição jurisprudencial (STJ, Habeas Corpus nº 250.203 SP, Relator. Ministro Ricardo Villas Boas Cueva, Julgado em 07 Ago.2012).
Limitar a filiação, a tão somente o vínculo biológico, é restringir as variadas manifestações de carinho, amor e cuidado que se pode encontrar em uma relação familiar.
Em uma sociedade que está se tornando cada vez mais egoísta e particular, o Judiciário Brasileiro tem andando em objeção a isto, ao reconhecer que o conceito de verdadeiras mães e pais não está restritamente ligado ao liame genético, contemplando assim a verdade afetiva, pois afinal não será uma decisão judicial tampouco um exame que tornará alguém, de fato, pai ou mãe.
Por fim, oportunamente cabe ainda citar uma máxima popular que em poucas palavras resume o sentido de todo esse estudo, “pai é quem cria e não quem gera”.
4. FORMAS DE LEGITIMAÇÃO DA ADOÇÃO À BRASILEIRA
A Constituição de 1988, em seu artigo 266, inovou ao ampliar o conceito de família, protegendo de forma igualitária, todos os seus membros. Nas palavras de Dias:
“Instaurou a igualdade entre o homem e a mulher e esgarçou o conceito de família, passando a proteger de forma igualitária todos os seus membros. Estendeu igual proteção à família constituída pelo casamento, bem como a união estável entre o homem e a mulher e á comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, que recebeu o nome de família monoparental. Consagrou a igualdade dos filhos, havidos ou não fora do casamento, ou por adoção, garantindo-lhes mesmos direitos e qualificações.
Essas profundas modificações acabaram derrogando inúmeros dispositivos da legislação então em vigor, por não recepcionados pelo novo sistema jurídico”. (2011, p. 31).
A nova concepção familiar trazida pela Carta Magna atingiu também a forma como o instituto da adoção passou a ser tratada.
A Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente) e posteriormente com a inclusão da Lei nº 12. 010/09 (Lei da Adoção), a prioridade pelo melhor interesse e qualidade de vida da criança foram determinados como propósitos da adoção no Brasil.
Desde 2008 existe o Cadastro Nacional de Adoção, criado pelo CNJ – Conselho Nacional de Justiça, que permite uma maior facilidade na condução dos processos de adoção em todo país. Para ser um futuro adotante, é necessário estar devidamente inscrito neste cadastro.
Porém, a prática de adoção à brasileira, consiste em justamente burlar todo esse processo. A conduta, como já visto nesse estudo, inclusive, é tipificada no Código Penal, em seu artigo 242, in verbis:
“Art. 242 – Dar parto alheio como próprio; registrar como seu o filho de outrem; ocultar recém-nascido ou substituí-lo, suprimindo ou alterando direito inerente ao estado civil: Pena – reclusão, de dois a seis anos”. (grifo nosso).
Todavia, a ilegalidade de não estar regularmente inscrito no cadastro nacional e ainda pleitear adoção, não é absoluta. O artigo 50, § 13, da Lei 8.069/90 elenca algumas exceções, a saber:
“§ 13. Somente poderá ser deferida adoção em favor de candidato domiciliado no Brasil não cadastrado previamente nos termos desta Lei quando:
I – se tratar de pedido de adoção unilateral;
II – for formulada por parente com o qual a criança ou adolescente mantenha vínculos de afinidade e afetividade;
III – oriundo o pedido de quem detém a tutela ou guarda legal de criança maior de 3 (três) anos ou adolescente, desde que o lapso de tempo de convivência comprove a fixação de laços de afinidade e afetividade, e não seja constatada a ocorrência de má-fé ou qualquer das situações previstas nos arts. 237 ou 238 desta Lei”.
No âmbito dos julgamentos a respeito do tema é visto que os nobres magistrados aderem seu embasamento de acordo com o melhor interesse do menor, tendo em vista o vínculo afetivo criado entre as crianças e seus pais adotantes em todo o seu período de convívio.
“(…) A observância do cadastro de adotantes, vale dizer, a preferência das pessoas cronologicamente cadastradas para adotar determinada criança não é absoluta. Excepciona-se tal regramento, em observância ao princípio do melhor interesse do menor, basilar e norteador de todo o sistema protecionista do menor, na hipótese de existir vínculo afetivo entre a criança e o pretendente à adoção, ainda que este não se encontre sequer cadastrado no referido registro; (…)”. (STJ – REsp 1172067/MG RECURSO ESPECIAL 2009/0052962-4, Relator (a) Ministro MASSAMI UYEDA – Órgão Julgador T3 – TERCEIRA TURMA Data do Julgamento 18/03/2010 – Data da Publicação/Fonte DJe 14/04/2010).
A partir disso, percebe-se que o deferimento ou não do pedido de adoção quando caracterizada à moda brasileira, tem seguido leitura feita a partir de outro dispositivo do Estatuto da Criança e do Adolescente, o qual possui interpretação semelhante ao que é disposto no parágrafo único do artigo 242, do Código Penal, que aborda justamente a ausência de ilicitude no crime constante em seu caput, Para uma melhor visualização confira-se referida norma inscrita no ECA: “Art. 43. A adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos.”.
Assim, tem-se como “motivos legítimos” justamente o forte vínculo socioafetivo construído na relação, sendo sua ruptura um abalo emocional devastador na vida da criança. Não cabe, portanto, à adotada sofrer as penalidades advindas de uma eventual separação, seria o equivalente a castigá-la injustamente por um crime o qual não escolheu cometer.
4.1. AÇÕES CABÍVEIS NESSA MODALIDADE DE ADOÇÃO
É possível analisar a questão de maneira mais aprofundada trazendo à baila duas vertentes muito comuns:
1.Ação negatória de paternidade e de nulidade do registro proposta pelo pai registral.
Para uma análise inicial sobre o tema, é interessante atentar-se à seguinte indagação, de Max Kopper:
“Freqüentemente, os operadores do direito deparam-se com a seguinte situação fática: certo homem, ao ser demandado para fornecer alimentos a determinada criança que ele reconheceu como filha, opõe-se ao respectivo pagamento sob o argumento de não ser seu genitor biológico. Proposta por tal homem ação de anulação/cancelamento/desconstituição do registro de nascimento da criança, indaga-se: basta, para autorizar-se o processamento do feito e para julgar-se procedente o pedido deduzido, a argüição e comprovação da inexistência de vínculo genético entre o homem e a criança […]?”. (1998, p.15).
Tendo em vista que à época do fato, o pai adotante era ciente das consequências de seus atos, e ainda assim, o ultimou, não é condizente após certo período de tempo, o mesmo vir a juízo pleitear a sua anulação registral depois de formado o vínculo afetivo em torno da relação.
Mesmo com a irregularidade inicial em torno deste processo de adoção, analisar “friamente” a situação como esta que foi proposta, seria o mesmo que condenar a criança ou adolescente por um crime que a própria foi vítima, sendo que, a rápida ruptura de um vínculo construído por anos, além de uma futura mudança familiar, abalaria de maneira inimaginável o psicológico deste jovem indivíduo.
A partir disso, é possível ver uma preocupação dos magistrados brasileiros em analisar cada caso com a devida cautela. Atente-se ao trecho do voto condutor do desembargador Felippe Schmitz[ii]:
“[…] Se tomado pela via real da ilegalidade, da ‘adoção à brasileira’, pensamos que a criança pagará um alto valor, pois possivelmente tomará o percurso de retirada desse casal – instituição – novo casal. […] na busca de evitar tais riscos que seriam imensamente prejudiciais para o presente e repercutirão no futuro da criança, na possibilidade de não conseguir ou de não ter ajuda para ressimbolizar essas fraturas dos laços primeiros de inscrições internas, acredito que o risco menor seria o de permanecer com o casal a qual já está inserida e inscrita como filha. Se for um erro essa idéia aos olhos da Lei, sem dúvida é a escolha de preferir o ‘erro’ ao abandono”.
A nobre Corte já solidificou seu entendimento acerca do tema em debate:
“RECURSO ESPECIAL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE REGISTRO CIVIL – NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL – ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO GENÉRICA – RECURSO ESPECIAL, NO PONTO, DEFICIENTEMENTE FUNDAMENTADO – APLICAÇÃO DA SÚMULA N. 284/STF – ADOÇÃO À BRASILEIRA – PATERNIDADE SÓCIO-AFETIVA – IMPOSSIBILIDADE, NA ESPÉCIE DE DESFAZIMENTO – RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO. […] 2. Em se tratando de adoção à brasileira, a melhor solução consiste em só permitir que o pai-adotante busque a nulidade do registro de nascimento, quando ainda não tiver sido constituído o vínculo de sócio-afetividade com o adotado. 3. Recurso especial improvido”.(STJ – REsp: 1088157 PB 2008/0199564-3, Relator: Ministro MASSAMI UYEDA, Data de Julgamento: 23/06/2009, T3 – TERCEIRA TURMA, DJe 04/08/2009) (grifo nosso).
É visível que a relação socioafetiva deve ser considerada como uma das novas manifestações familiares, instituídas por meio daquilo que o direito brasileiro tem visto como norteador das relações: o afeto.
Diante disso, é concluso que o vínculo sanguíneo tornou-se secundário, perdendo seu espaço como principal motivador na determinação da paternidade. Trata-se do fenômeno doutrinariamente conhecido como a “desbiologização da paternidade”, a qual leva em consideração o fato de a paternidade e a maternidade estarem mais estreitamente ligados à convivência familiar do que ao mero vínculo biológico.
Passa-se agora a outra vertente a ser analisada em torno da adoção à moda brasileira:
2.Filho decide ajuizar ação de investigação de paternidade e de nulidade do registro.
A ação investigatória de paternidade se faz presente na busca pela verdade biológica. O direito da pessoa ao reconhecimento de sua ancestralidade e origem genética está inserido nos atributos da própria personalidade, sendo assim, personalíssimo, indisponível e imprescritível.
Encontra-se respaldada no Superior Tribunal de Justiça, a possibilidade de o filho buscar esse direito mesmo se já constar em seu assento de registro uma filiação paternal. Confira-se:
“Direito civil. Família. Recurso especial. Ação de investigação de paternidade e maternidade. Vínculo biológico. Vínculo sócio-afetivo. Peculiaridades. – A adoção à brasileira”, inserida no contexto de filiação sócio-afetiva, caracteriza-se pelo reconhecimento voluntário da maternidade/paternidade, na qual, fugindo das exigências legais pertinentes ao procedimento de adoção, o casal (ou apenas um dos cônjuges/companheiros) simplesmente registra a criança como sua filha, sem as cautelas judiciais impostas pelo Estado, necessárias à proteção especial que deve recair sobre os interesses do menor. – O reconhecimento do estado de filiação constitui direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, que pode ser exercitado sem qualquer restrição, em face dos pais ou seus herdeiros. – O princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, estabelecido no art. 1º, inc. III, da CF/88, como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, traz em seu bojo o direito à identidade biológica e pessoal. – Caracteriza violação ao princípio da dignidade da pessoa humana cercear o direito de conhecimento da origem genética, respeitando-se, por conseguinte, a necessidade psicológica de se conhecer a verdade biológica. – A investigante não pode ser penalizada pela conduta irrefletida dos pais biológicos, tampouco pela omissão dos pais registrais, apenas sanada, na hipótese, quando aquela já contava com 50 anos de idade. Não se pode, portanto, corroborar a ilicitude perpetrada, tanto pelos pais que registraram a investigante, como pelos pais que a conceberam e não quiseram ou não puderam dar-lhe o alento e o amparo decorrentes dos laços de sangue conjugados aos de afeto. – Dessa forma, conquanto tenha a investigante sido acolhida em lar “adotivo” e usufruído de uma relação sócio-afetiva, nada lhe retira o direito, em havendo sua insurgência ao tomar conhecimento de sua real história, de ter acesso à sua verdade biológica que lhe foi usurpada, desde o nascimento até a idade madura. Presente o dissenso, portanto, prevalecerá o direito ao reconhecimento do vínculo biológico. – Nas questões em que presente a dissociação entre os vínculos familiares biológico e sócio-afetivo, nas quais seja o Poder Judiciário chamado a se posicionar, deve o julgador, ao decidir, atentar de forma acurada para as peculiaridades do processo, cujos desdobramentos devem pautar as decisões. Recurso especial provido”.(STJ – REsp: 833712 RS 2006/0070609-4, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 17/05/2007, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 04/06/2007) (grifo nosso).
Como depreendido, do supra julgado, mesmo com a presença de uma filiação socioafetiva desenvolvida com o pai registral, o direito do filho de ver reconhecida a sua filiação biológica não é afastado, caso assim não o fosse, significaria impor-lhe que se conforme com essa situação criada à sua revelia e à margem da lei.
Mesmo absorvendo a ideia que o estado de filiação é mais que simplesmente uma doação genética, sendo o cuidado e status de filho perante a sociedade que qualificam quem é de verdade pai e mãe, não cabe ao Judiciário impedir o interessado em ter acesso à parte de sua história que lhe foi dispersa, consubstanciada na oportunidade de conhecer seus genitores biológicos, em homenagem ao princípio da dignidade da pessoa humana.
5. ANÁLISE DO CASO CONCRETO
O Superior Tribunal de Justiça, no ano de 2009, analisou a temática da adoção à brasileira sob o vínculo socioafetivo. Tratava-se do Recurso Especial nº 1.088.157/PB que teve como relator o Ministro Massami Uyeda.
No caso sub examine, tem-se que a recorrente após a morte de seu marido, ajuizou ação pleiteando a declaração de nulidade do registro civil de sua enteada, então recorrida, a qual foi registrada no ano de 1965. Em suma foram alegadas as seguintes teses recursais:
a) O de cujus em vida manifestou de forma evidente seu arrependimento em ter declarado a recorrida como sua filha;
b) O registro civil de nascimento da então recorrida da ação é nulo porquanto foi levado a efeito mediante declaração falsa de paternidade, fato este que o impede de ser convalidado pelo transcurso de tempo.
Diante de tais alegações, cabe agora analisar a posição da Suprema Corte a respeito da problemática, o qual contribui substancialmente no debate acerca do aspecto socioafetivo no direito brasileiro.
Em relação ao primeiro argumento trazido aos autos pela recorrente, o Ministro Massami Uyeda no teor de seu voto sustentou que a via eleita, a saber, o recurso especial não tem como objetivo rediscutir a base fática que originou o então acórdão, mas sim, se presta a definir a interpretação da lei federal, respeitando o disposto na Súmula nº 07, do STJ, “a pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial”.
Após tais elucidações, permaneceu o entendimento feito pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraíba, ao julgar a problemática, via interposição de recurso de apelação. Transcrevam-se os fundamentos do E. Tribunal, in verbis:
“Sendo assim, quando inexistir vontade ou mera aparência deste, não há sequer negócio jurídico, fato este que prejudica até mesmo a verificação dos elementos essenciais do ato jurídico, visto que o ato não foi criado. Analisando os autos, não há prova que ateste a vontade do 'de cujus' em proceder à desconstituição da adoção, pelo contrário, diante do lapso temporal de mais de 35 anos sem efetuar tal ato e dos depoimentos testemunhais, infere-se que o adotante não possuía nenhuma intenção de extinguir a adoção”.(REsp nº1. 088.157/PB, p. 4).
Passa-se agora à analise da segunda tese articulada, que tem como cerne saber se o decurso de tempo tem ou não o condão de convalidar o registro civil dentro de um contexto em que, na origem, foi realizada sem a devida observância dos requisitos legais.
Inicialmente, esclareceu o Ministro Relator, que a hipótese retratada, in casu, configura aquilo que a doutrina nomeou de adoção à brasileira, ocasião em que alguém, sem observar o regular procedimento de adoção imposto pela Lei Civil e, eventualmente assumindo o risco de responder criminalmente pelo ato (art. 242, do CP), apenas registra o infante como filho. Acrescenta ainda:
“[…] quem adota à moda brasileira não labora em equívoco, ao revés, tem pleno conhecimento das circunstâncias que gravitam em torno de seu gesto e, ainda assim, ultima o ato. Nestas circunstâncias, nem mesmo o pai, por arrependimento posterior, pode se valer de eventual ação anulatória postulando desconstituir o registro, afinal nemo auditur propriam turpitudinem allegans”. (REsp nº1. 088.157/PB, p. 6).
Continuando suas explanações, o Relator brilhantemente elucida aquilo que já foi objeto de análise nesse estudo: os valores que estão em rota de colisão na abordagem da adoção à brasileira quais sejam, a ilegalidade deste gênero adotivo bem como a sua repercussão na formação e desenvolvimento do adotado.
Diante disso, assim direcionou:
“[…] A família, nos tempos modernos, não se perfaz apenas por aquelas pessoas com as quais se têm ligações biológicas, senão também com aquelas outras pelas quais se mantêm um elo de afetividade. […] Com essas ponderações, em se tratando de adoção à brasileira, a melhor solução consiste em só permitir que o pai-adotante busque a nulidade do registro de nascimento, quando ainda não tiver sido constituído o vínculo de sócio-afetividade com o adotado. Após formado o liame sócio-afetivo, não poderá o pai-adotante desconstruir a posse do estado de filho que já foi confirmada pelo véu da paternidade sócio-afetiva”. (REsp nº1. 088.157/PB, p. 5) (grifo nosso).
Por meio dessa análise concreta é mais do que visível o importante papel que os operadores do Direito desempenham na sociedade. Ao se exercer a função jurisdicional, o lado social, educacional e principalmente humano e afetivo jamais devem ser esquecidos, em particular, quando se trata das relações abrangentes ao Direito de família.
Maria Berenice Dias (2009) defende a “sensibilidade da justiça”, sobretudo no âmbito adotivo. O Judiciário ao prestar seu serviço não pode colocar percalços no caminho daqueles que pretendem de alguma forma contribuir para o sadio desenvolvimento de uma criança que outrora foi abandonada.
É de máxima importância posicionamentos como esse retro analisado da Suprema Corte, uma vez que não cabe à justiça brasileira tapar os olhos diante das mudanças que ocorrem diariamente na sociedade.
A fossilização do Direito em nada contribui para a transformação de um país que tem, com o passar dos anos, destruído, de forma ainda lenta, os dogmas e preconceitos que ainda existiam em torno das mais variadas relações. A consagração e defesa do afeto como sendo um dos principais elementos em torno das relações é um importante passo rumo à verdadeira democratização do Direito.
CONCLUSÃO
Ao analisar a adoção em sua perspectiva histórica percebe-se, por precípuo, apenas a vontade de dar filhos a quem não os tinha, sendo inclusive uma forma de “consolo” aos pais estéreis durante a Roma Antiga. O vínculo afetivo não tinha relevância jurídica alguma, sendo evidente a ausência de caráter assistencialista.
As primeiras normas formais da adoção entraram em vigor no ordenamento jurídico brasileiro, com o Código Civil de 1916, as quais eram provenientes de uma sociedade patrimonialista, cultura dominante no início do século passado.
Contudo, a partir do advento do Código Civilista de 2002, o qual reiterou os princípios da Carta Magna de 1988, a saber, isonomia entre os filhos e dignidade da pessoa humana; do Estatuto da Criança e do Adolescente e da Lei Nacional de Adoção, os interesses das crianças passaram a ser os principais protegidos pelo Estado.
O bem-estar da criança bem como sua estabilidade familiar ganhou maior importância dentro do Direito, importância essa que se refletiu no sistema atual de adoção. Com isso, a adoção deixou de ser analisada apenas sob o prisma dos adotantes, passando a ter um caráter primeiramente humanitário, garantindo a oportunidade do adotando ter de fato um sadio convívio familiar.
O fruto dessa pesquisa foi justamente trazer à baila as novas concepções presentes no campo jurídico brasileiro em que há um reconhecimento da família e suas variadas ramificações, como sendo um grupo social fundado essencialmente nos laços do afeto, tendo o princípio da socioafetividade como norteador das decisões referentes ao Direito Familiar, em especial a adoção à brasileira.
Como resultado, essa modalidade adotiva, dentro desse contexto de “desbiologização” da paternidade, começou a receber um tratamento mais complacente por parte do Judiciário, o que reflete uma importante flexibilização da justiça brasileira, indo de encontro às mudanças vistas na sociedade para com isso alcançar de fato a finalidade do Direito, como ciência social e humana.
Informações Sobre o Autor
Brunna Frota Silva
Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás PUC Goiás Advogada Pós-graduanda em Direito Público pelo Instituto Brasileiro de Pós-Graduação