A análise da aplicação da colaboração premiada na lei nº 12.850/2013 por meio da teoria dos jogos

Estácio Moreira da Silva Junior [1], Isabella Lopes Rocha2

Resumo: A colaboração premiada é o instituto brasileiro que premia indivíduos detentores de informações sobre crimes em fase de investigação, ou ainda não investigados. O objetivo, portanto, desse estudo é a busca pela descriminação de quais seriam os limites da delação premiada, utilizando o elemento comparativo da teoria dos jogos. Dessa forma, através do método indutivo dedutivo, foram realizadas pesquisas bibliográficas, através de livros, legislações, artigos e revistas, para inferir as relações do instituto e sua aplicabilidade prática.

Palavras-chave: Colaboração premiada. Limites. Teoria dos jogos. Aplicabilidade.

 

Abstract: The award-winning collaboration is the Brazilian institute that rewards individuals with information on crimes under investigation, or not yet investigated. The objective, therefore, of this study is the search for the discrimination of which would be the limits of the winning sentence, using the comparative element of game theory. Thus, through the deductive inductive method, bibliographic searches were carried out, through books, legislation, articles and magazines, to infer the relations of the institute and its practical applicability.

Keywords: Award-winning collaboration. Limits. Game theory. Applicability.

 

Sumário: Introdução. 1 Contexto histórico. 2 Colaboração premiada. 3 Limites da aplicação da colaboração premiada. 4 Teoria dos jogos e negociações penais. 5 Mudanças relacionadas ao pacote anticrime. Considerações finais. Referências.

 

INTRODUÇÃO

O processo penal brasileiro sofre constantes transformações de posições dos magistrados, dos legisladores e dos profissionais do direito. Isto porque, as instituições jurídicas permitem várias modalidades de alterações de atos normativos, como entendimentos jurisprudenciais, ações de controle de constitucionalidade, e ações de salva guarda constitucionais dentre as quais estão o Habeas Corpus e o Mandado de Segurança. Além disso, há também a iniciativa de projetos de lei, merecendo destaque, nessa seara, a Lei nº 13.964/2019, baseada nas dez maneiras de combate à corrupção feita pelo Ministério Público e por magistrados.

Assim, observa-se que podem ser gerados diversos posicionamentos sobre matérias processuais, em todos os níveis de instância, o que pode vir a prejudicar o sistema jurídico do processo penal e o seu andamento, ocasionando, em que alguns casos, o desvio de condutas por meio de excessos, como foi o caso da Operação Lava-Jato.

Os excessos de desvios de condutas pelos meios informados, além de outros problemas como vazamentos de informações privilegiadas, ensejaram diversos questionamentos sobre a legalidade dos atos jurídicos existentes, no modo de aplicação do instituto da colaboração premiada[1] – presente na Lei nº 12.850/2013. Dessa forma, o presente artigo traz o conceito da delação premiada, bem como a sua eficácia em relação à teoria dos jogos, para demonstrar de maneira prática a sua aplicação e os respectivos desvios.

Nesse sentido, será realizada a análise bibliográfica de abordagem qualitativa, através do método indutivo dedutivo, para explicar a relação direta entre a delação premiada e a teoria dos jogos, trazendo essa interdicisplinaridade como demonstrativo. Portanto, a função principal desse estudo é explorar as implicações da delação premiada, comparando-a com um jogo, para demonstrar a evolução do sistema vigente.

Para tanto, o artigo será dividido em cinco capítulos, que irão abordar os panoramas gerais da delação premiada. O primeiro capítulo traz, em seu bojo, a trajetória do instituto, seguido do segundo capítulo, que permeia na sua definição trazida pela Lei de Organizações Criminosas. O terceiro capítulo busca produzir a relação de limites no processo de criação dos acordos, enquanto o quarto capítulo visa demonstrar o elemento comparativo com a teoria dos jogos. O último capítulo, por sua vez, desenvolve e constrói a relação das alterações do Pacote Anti-Crime que influenciam no instituto da colaboração premiada.

 

1. CONTEXTO HISTÓRICO

O instituto da colaboração premiada está presente no ordenamento jurídico brasileiro e demonstra que há um incentivo por parte do Estado para a obtenção de informações sobre delitos. Existindo desde os tempos da colônia de Portugal na América, faz parte das Ordenações das Filipinas, e foram idealizadas com a reforma do rei Filipe I ao Código Manuelino, com autorização de D. João I em 1603. Sua vigência no Brasil perdurou até o primeiro Código Criminal do Império brasileiro[2].

O Livro V, item 12, das Ordenações relatava no seu corpo que seria concedido o perdão judicial para aqueles que denunciassem todo e qualquer ato que lesassem a figura do rei, como meio de incentivo para delatar, desde que não fosse o líder da organização[3].

O segundo título do mesmo livro, também abarcava incentivos. Trata-se do Título CXVI referente a “Como se perdoará aos malfeitores que derem outro à prisão[4]”, o qual relatava os crimes de falsificação de moeda, de selo ou sinal, incêndio, falso testemunho, “quebrantar prisões e cadêas de fôra per força”, homicídio, entrar em mosteiro de freiras com propósitos desonestos, cometer falsificações sendo tabelião ou escrivão.[5]

Pode-se ressaltar que os delitos descritos no Título CXVI obedeciam a regra de que, na conclusão bem sucedida da delação, recompensava-se por meio pecuniário com 30 cruzados de mercê[6], engajando a população a delatar aquilo que entendia de errado na esperança de lucro[7]. Não obstante, o instituto fora retirado do ordenamento jurídico brasileiro, sendo apenas retomada a sua aplicação com a Lei de Crimes Hediondos em 1990, configurando-se um lapso de 160 anos[8].

Tendo em vista a evolução da sociedade e dos delitos, constata-se que a sofisticação dificulta a persecução penal. Neste sentido, os criminosos começaram a se organizar em estruturas hierárquicas, para cometer crimes[9].

Desta forma, fez-se necessário que o Estado criasse a contraprestação para inibir estes movimentos. Criou-se a Lei nº 8.072/90[10], Lei de Crimes Hediondos, a qual possibilitou a aplicação da colaboração premiada para o crime de extorsão mediante sequestro. Estabeleceu-se também a primeira tipificação para crimes que eram cometidos com delimitação de função com mais de quatro pessoas – o crime de quadrilha ou bando, que possibilitou a tipificação das organizações criminosas posteriormente[11].

A Lei nº 9.034/95 descreve o que são considerados crimes de colarinho, versando sobre operações financeiras nacionais ilícitas, principalmente sobre as relações delituosas.  Abarcando as relações de lavagem de dinheiro ou ocultação de bens direitos e valores, a Lei nº 9.613/98 cria mecanismos de organização e proteção, o COAF (Conselho de Controle de Atividade Financeiras), possibilitando a fiscalização e investigação das atividade financeiras, para que os delatores, ao se sentirem pressionados, tornem-se colaboradores para a proteção de renda própria.

Na consequência da revolução histórica do ordenamento penal, viu-se a necessidade de proteção das pessoas que voluntariamente procuravam os seus investigadores para prestarem esclarecimentos de delitos, entretanto, com o histórico de retaliações dos acusados, precisavam de segurança para continuarem auxiliando. Nesse contexto, a Lei nº 9.807/99[12] fora criada.

Por se tratar de relatos, a colaboração premiada é confundida com o testemunho, pois, assim como este, também vai descrever os fatos ocorridos. Com isso, o professor Khaled (2015) expõe a diferença:

“A testemunha é uma pessoa diversa dos sujeitos processuais chamada a expor ao juiz as próprias observações de fatos ocorridos, de importância na causa. Essa exposição pode compreender tanto o efeito imediato que sobre os sentidos da testemunha produziu o fato ocorrido em sua presença, quanto às ilações lógicas que ela tirou de tal impressão; em todo caso, as observações da testemunha são expostas como fatos subjetivos, isto é, pessoais a ela, jamais como a expressão do que objetivamente deve se considerar como consequência de determinados fatos segundo os ensinamentos de uma ciência ou de uma arte, o que é mister próprio do perito.”

Cabe frisar, que a colaboração se aproximou novamente das infrações econômicas, por meio do advento da Lei nº 10.149/00[13], a Lei das Infrações contra a Ordem Econômica. No entanto, a problemática surgiu quando da não definição de como seriam determinadas as organizações criminosas, razão pela qual o Brasil precisou definir por meio da ratificação da Convenção de Palermo[14].

A Convenção de Palermo fora feita para poder redigitar o entendimento das organizações criminosas, não sendo bem recepcionada pelas leis vigentes até o julgamento do HC 77771-SP, que se encontra infra citado[15]. Não obstante, foram obtidos sete tópicos importantes para a reconstrução do método de análise e persecução penal, que foram reunidos em quatro grupos para melhor entendimento. Senão, vejamos:

PRIMEIRO GRUPO – 1) previsão de acumulação de riqueza indevida, bastando a só previsão, mesmo que esta não se perfaça; é suficiente o intuito do lucro ilícito ou indevido; 2) organização hierarquizada sob a forma de pirâmide, havendo chefia e comando, muito embora possam os integrantes da base ignorar quem é a pessoa do chefe; 3) divisão funcional de atividades, sendo os integrantes do grupo recrutados, treinados e incumbidos de funções específicas;

SEGUNDO GRUPO – 4) conexão estrutural com o Poder Público, em que agentes estatais passam a integrar a organização ou por ela são corrompidos, tornando-se complacentes com suas atividades (segundo os autores da obra citada, é comum as organizações contribuírem maciçamente em campanhas eleitorais, criando fortes vínculos de mútua dependência com líderes governamentais); cria-se uma barreira na qual o Estado não consegue penetrar;

TERCEIRO GRUPO – 5) utilização do clientelismo, com o emprego de pessoas que nada têm a perder ou que tudo têm a ganhar quando alocam os seus serviços à organização, em detrimento do Estado, que se faz negligente no atendimento a essas pessoas; 6) alto potencial de intimidação, até mesmo aos poderes constituídos, garantindo assim a certeza da impunidade;

QUARTO GRUPO – 7) aptidão para lesar o patrimônio público por meios fraudulentos, dificilmente perceptíveis (prática de crimes do colarinho branco ou criminalidade dourada). No que se refere à configuração mínima de integrantes para caracterizar-se o tipo bando ou quadrilha, o art. 288 do CP é claro ao estabelecer a necessidade da associação de mais de três pessoas, ou seja, mínimo de quatro. No mesmo sentido está firmada a jurisprudência tanto do STJ quanto do STF[16].”

Desta forma, devido a essa evolução de entendimento, fora promulgada a Lei nº 12.850/2013, abarcando a maior modalidade de investigação de provas relacionadas a organizações criminosas, tipificados em seus artigos 4º a 7º. Passaram-se, então, a respaldar os meios de colheita de prova e formas de aplicação do sistema, como também os benefícios e as obrigações dos delatores[17], tornando-se famosa com suas diversas utilizações e modalidades dentre as quais a Operação Lava-Jato.

 

2. COLABORAÇÃO PREMIADA

Observa-se que as organizações criminais acometiam crimes de grande potencial ofensivo para a administração pública, utilizando-se de elementos estruturais de organização, dentre os quais pode-se destacar a repartição de funções, ou seja, uma pessoa para contabilizar propinas, outra para cobrar, outra para repassar, que dificilmente se conheciam ou sabiam para quem trabalhavam de fato, o que acabava dificultando o ponto de investigação sobre os organismos nas quais estavam envolvidos. Nesse contexto, fora criada a Lei nº 12.850/2013, que possibilitou novos meios de persecução penal para fazer justiça aos integrantes desses tipos de organizações de crime, por meio da colaboração premiada[18].

O status empresarial que fora dado pelos líderes da organização criminosa para cometer crimes dificulta a persecução penal. A estrutura hierárquica possibilita que a reposição de empregados seja de fácil aplicação, impossibilitando a desestruturação do sistema. A resposta encontrada para este problema foi o endurecimento de penas, o que não apresentou efetividade e eficácia, aumentando a taxa de condenação. Ainda assim, os delitos não tiveram fim, pois foram passíveis de aperfeiçoamento pelos criminosos. Restou, pois, ao Estado, a instauração da colaboração premiada para tentar realizar a prisão dos chefes, com a utilização de informações de ex-membros[19].

A colaboração premiada consiste em um instituto de despenalizar, por meio da procura de integrante da facção pelos órgãos de aplicação penal, com o objetivo de conseguir premiar suas informações para evitar possíveis condenações sobre crimes nos quais estão sendo imputados. Dessa forma, o delator poderá assumir a posição de culpado sobre os crimes que já lhe foram imputados, além de trazer informações sobre esquemas e prestar auxílio na produção de provas, abdicando de maneira voluntária sobre o seu direito ao silêncio[20].

Para a realização dos acordos de delação, é valido ressaltar o cumprimento dos incisos do artigo 4º da Lei nº 12.850/2013 como pré-requisito de validade do objeto contratual. Portanto, compreende a realização bem sucedida de informações dos esquemas delituosos, no tocante à sua estrutura, às prevenções de crimes futuros, a recuperação do produto fruto de crime, parcial ou total, e a localização da vítima, em casos de cárcere privado, com sua integridade preservada[21].

Os benefícios que o Estado pode ceder aos colaboradores são a redução da pena privativa de liberdade em 2/3 (dois terços) ou a substituição por pena restritiva de direitos, além de, em casos especiais, a concessão de proteção do delator e de sua família nos mesmos moldes do artigo 7º da Lei de Proteção de Testemunha. Ainda, é possível conceder acordos de leniência para que as empresas envolvidas voltem ao seu funcionamento e, em poucos casos, abster-se do oferecimento da denúncia[22].

Analisado os resultados da delação, é cediço ressaltar que para o seu respectivo cumprimento, o delator não pode ser o líder da organização, sendo necessário que seja o primeiro a colaborar. Isto porque, além do ato, é importante a comprovação daquilo que fora descrito para ser utilizado como prova[23].

Ademais, a legislação admite rescindir os acordos de delação premiada por algumas modalidades, dentre as quais estão: não comprimento dos termos do acordo – no sentido de atrasos de investigação; reincidência dos crimes; ou, não compartilhamento de informações para que seja acobertado os esquemas desconhecidos e/ou entregue aqueles que já estavam no sistema carcerário.[24]

 

3. LIMITES DA APLICAÇÃO DA COLABORAÇÃO PREMIADA

Os atos normativos, como também doutrinas e entendimentos pacificados dos órgãos colegiados, ressaltam os princípios limitadores que deverão ser utilizados para as homologações dos acordos e suas negociações, quais sejam: oportunidade, sigilo, segurança, simplicidade, voluntariedade, complementariedade, corroboração e especificidade[25].

O princípio da oportunidade ressalta que as operações policiais deverão ter tempo certo para a sua deflagração[26]. Desta forma, a doutrina exemplifica que, na primeira hora em que o acusado se encontra preso, é recomendável a utilização do dilema do prisioneiro para que a delação premiada se torne mais efetiva, possibilitando que, após a delação, realize-se novas prisões em caráter cautelar para que provas não sejam perdidas no processo[27].

Entende-se por dilema do prisioneiro:

“Resumidamente, a história é a seguinte: dois suspeitos, A e B, são presos pela polícia. Como não existem provas suficientes para condená-los, eles são presos em celas diferentes e é oferecido a ambos o mesmo acordo: Se um deles confessar o crime (ou seja, trair o comparsa) e o outro permanecer em silêncio, quem confessou sai livre enquanto o cúmplice silencioso cumpre dez anos. Se ambos ficarem em silêncio (colaborarem um com ou outro), a polícia só pode condenar cada um dos suspeitos a um ano de prisão. Se ambos confessarem (traírem o comparsa), cada um ficará cinco anos na cadeia. O Dilema dos Prisioneiros foi inventado em 1950 por Merrill Flood e Melvin Dresher e foi adaptado e divulgado por A. W. Tucker. (ROSA, Teoria dos Jogos, 2016,s.p.)”

O sigilo, como o próprio nome demonstra, significa que todas as operações da polícia terão mais sucesso desde que permaneçam em segredo. Assim, são executadas com rapidez e eficiência, para que não possibilite alterações de provas em locais delatados ou fuga de pessoas[28].

A segurança do delator é, além de um dos princípios da delação premiada, a base principal dos seus termos de acordo. Embora tipificado por meio do inciso V do artigo 6º da Lei nº 12.850/2013, possibilitando a proteção física, não se relaciona à segurança contra a vingança das organizações, em razão do descrédito ou constrangimento público, causando prejuízos ao delator, sua família, seus amigos e vizinhos[29].

O princípio da simplicidade, diferente dos demais, demonstra duas vertentes de aplicação. A primeira é denominada pelos instrumentos das operações, como os contratos de colaboração, que deverão ser escritos de forma clara, transparente e objetiva para que sejam de fácil compreensão para todos os atores do sistema penal, conforme o artigo 6º da Lei nº 12.850/2013. A segunda vertente é considerada com o princípio da proporcionalidade operacional, para evitar transgressões do Estado para os seus investigados[30].

A voluntariedade é considerada uma qualidade ou característica do que é voluntário, ou seja, age-se de própria vontade sobre o ato. Assim, aquele que procura os órgãos penais para “trair” seus antigos parceiros, serão isentos das medidas de coação ou constrangimento pessoal para realizar a sua coparticipação na produção de prova[31].

Pode-se, ainda, validar este princípio na avaliação da pessoa que está disposta a participar da colaboração premiada para ser creditada, ou seja, sua confiabilidade e personalidade, constituindo pareceres subjetivos da persecução, com o intuito de vedação de reincidência ou de morosidade forçada por delação vazia[32].

A colaboração premiada, como já descrita anteriormente, refere-se ao acordo para a obtenção de prova, que deverá ser endossado com outros meios de comprovações, possibilitando o convencimento motivado jurisdicional[33]. Portanto, não deveria ser a única e exclusiva forma de prova para conseguir uma condenação.

Dessa forma, criou-se o princípio da complementariedade, que deverá seguir o §16 do artigo 4º da Lei nº 12.850/2013, cuja disposição é no sentido de que “nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações de agente colaborador”, limitando o poder processual do acordo e engajando que o delator busque provas para o Estado[34].

Contemplado o pré-acordo de delação, para a efetivação do princípio da complementariedade, é necessário que o sistema penal acusatório busque provas para validar aquilo que foi lhe proposto. Nestes casos, o princípio da corroboração é colocado em prática, para buscar a verdade dos fatos trazidos pelos delatores, e auxiliar na criação de novos processos ou na extinção dos que já estão em andamento[35].

O último princípio descrito é a especificidade das delações, ou seja, o delator deverá atentar-se à temática do processo ao qual está vinculado, elucidando a situação casuística. Tal fato acaba demonstrando a fragilidade do ato, uma vez que o investigador que desconhecer o panorama geral da situação poderá qualificar as informações, que são desnecessárias à persecução, como úteis[36].

Ademais, o texto legislativo proporciona para a figura do acusado a possibilidade de realização de acordos a qualquer tempo do processo, podendo ocorrer antes do aditamento da denúncia ou após o trânsito em julgado, conforme artigos 3º e 4º, §5º, da Lei nº 12.850/2013. Desta forma, possibilita para o Estado a colheita de material para servir de base condenatória a qualquer tempo do processo, auxiliando velhos condenados e incentivando novos a delatarem[37].

Uma vez realizada e findada a parte da oitiva, os dados são transcritos e encaminhados ao juiz que deverá, por meio de seu livre convencimento, decidir se irá homologar os documentos já descritos, ou não, por falta de materiais necessários para a concessão[38].

Não obstante, é vedado expressamente ao juiz, sob pena de nulidade, participar do processo de construção de prova com a finalidade de um acordo, conforme artigo 4º,

  • 6º, da Lei de Organizações Criminosas. O objetivo é evitar vícios de forma sobre as decisões, garantindo a soberania dos princípios penais, dentre os quais são: imparcialidade do juiz, devido processo legal e paridade de armas[39].

Nesse sentido, é imprescindível abordar aspectos da famosa Operação Lava-Jato. Isto porque, é possível realizar uma análise crítica das movimentações processuais no contexto da delação e suas principais reverberações na tentativa de restabelecer a “ordem”. Como por exemplo, a concessão de 227 mandados de condução coercitiva de acusados perante a Operação Lava Jato, que possibilitou o Conselho Federal da OAB, além do Partido dos Trabalhadores, por meio das Arguições De Preceitos Fundamentais (ADPF) nº 395 e 444, solicitar a não recepção do instituto, arguindo a concessão de medida cautelar para sanar o vício[40].

O fundamento da ADPF baseou-se justamente nos direitos fundamentais constitucionais, como o silêncio, a não autoincriminação e a paridade de armas, como também nos princípios da colaboração, a exemplo da segurança e voluntariedade, que vinham sendo lesados por meio de reiteradas decisões sobre o prosseguimento da condução. Com efeito, no âmbito da delação premiada, por não haver restrições sobre a condução e, muitas vezes, desconhecimento de direitos pelas pessoas conduzidas, utilizava-se da coação para a obtenção das informações, o que acaba afetando a percepção de provas processuais para o andamento do processo[41].

 

4. TEORIA DOS JOGOS E NEGOCIAÇÕES PENAIS

As negociações da delação premiada não diferem das estratégias dos jogos de lógica, como o game de cartas UNO. Dessa forma, a análise da comparação interdisciplinar pode ser feita pela teoria dos jogos – um instrumento de análise econômica da relação jurídica. Permite-se, assim, que os detentores da relação jurídica de base delituosa observem a relação de causa e efeito, ou seja, as possibilidades de ganho e/ou perda que geram, como consequência, a realização de novas decisões, facilitando criações de estratégias de barganha[42].

Em razão disso, a delação premiada se porta no meio da obscuridade da relação entre o Estado e os investigadores, sob o jogo da busca de condenação versus a inimputabilidade. Assim, a organização criminosa, que começou a ser desaprovada pelo sistema penal, pode ser comparada com o jogo UNO, sendo utilizado, tanto na colaboração premiada quanto no jogo, artifícios de barganha com a finalidade de evitar maiores prejuízos.

Ao iniciar o jogo, é necessário conhecer quem são os players (jogadores), sendo eles Ministério Público, delegado de polícia, delatores, delatados e, por último, os juízes para homologação dos acordos. Superada essa fase de conhecimento, faz-se necessário conhecer a função de cada jogador para poder criar as estratégias. Assim, cabe aos órgãos de investigação (Ministério Público e polícia) incentivar a delação, pelos meios descritos na Lei nº 12.850/2013, com a finalidade de produção de provas e acusações de líderes das organizações criminosas e, aos delatores, o dever de concernir toda a informação que portar para que se escuse da condenação e angariem prêmios[43].

Destarte que, as jogadas começam a partir do descobrimento da maior carta para saber quem inicia as negociações, tendo a finalidade de definir qual a ordem de distribuição das cartas subsequentes. Nesse sentido, faz-se necessário que o player delator esteja disposto a descartar a sua carta de peso: líderes, políticos, agentes públicos e/ou esquemas de pagamento da manutenção (a exemplo: as malas de dinheiro da JBS) – elementos que proporcionem ao Ministério Público o interesse de jogar, delimitando quais são as demais opções a serem jogadas[44].

Após o início realizado pelo delator, criam-se duas “pilhas”: uma relacionada ao descarte, referente às provas já produzidas pelos players colaboradores para serem entregues ao Estado, e pelo segundo player, Ministério Público, a concessão de benefícios após a análise de validade do material, conforme dispõe a Lei de Organização Criminosa. Na segunda pilha (pilha de compra), encontram-se as possibilidades de negociações, sendo analisado aquilo que já se encontrava na pilha de descarte, além da produção de provas conjuntas entre os delatores e os órgãos de investigação, a exemplo de gravações de conversas para relatar esquemas e fotos dos delitos em fase de execução[45].

Vale ressaltar que, o juiz, em todo esse processo, figura como parte na aplicação de regras e não na participação do processo em execução. Na delação apresentada, por exemplo, o magistrado autorizaria ao Ministério Público a concessão de benefícios aos colaboradores, não participando diretamente das negociações, bem como determina o §5º, do artigo 4º, da Lei nº 12.850/2013[46].

Nas relações de negociações para possíveis acordos lato sensu se faz-se necessário a análise, por pessoa imparcial, dos termos, como também das colaborações, com a finalidade de evitar problemas de evasão de direitos. Porém, percebe-se, na prática, a desvirtuação das normas preexistentes que acarreta no transpasse de regras da Lei de Organizações Criminosas, com a modificação da atuação do juiz para player, quando este participar diretamente da “jogada”, ou seja, há um descumprimento de lei e a atuação direta no jogo, como ocorre no UNO, quando todos aqueles que são jogadores atuam em função dos seus próprios objetivos, sendo comparado com a falta de imparcialidade na atuação do juiz.

Nestes termos, fora julgado o Habeas Corpus nº 2221.231-PR, pelo Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, que delimitou em seu voto a interpretação extensiva do texto normativo da Lei de Organizações Criminosas, possibilitando aos juízes participarem da colheita de provas para validar o ato jurídico. Porém, ressalta-se que a decisão proveniente das provas legitimadas por eles não deve ter caráter parcial, apenas isento e homologatório, transformando-o em parceiro do Ministério Público.[47]

Na relação de compra e descarte aparecem as cartas de ação que conseguem abalar as negociações, como exemplo temos os acordos de leniência e delações que relatam o envolvimento nas alterações de resultados eleitorais.

Seguindo o enfoque da teoria dos jogos, cada jogador teria a possibilidade de realizar movimentos estratégicos para salvar seus interesses, ou seja, utilizar-se da maior carta em seu poder, no caso do UNO,  a “mais quatro”  (carta que impõe maior prejuízo para o próximo jogador), como foi feito pelo grupo da JBS, ao gravar conversas do ex-presidente da República de forma ilícita, supostamente o envolvendo em esquema criminoso para continuar o pagamento de propina, com a finalidade de evitar novas delações, e obter vantagens em cima disso[48].

Esta delação foi considerada uma das mais repercutidas em meios midiáticos, acarretando em abalos na democracia e em vantagens para o grupo econômico na figura dos irmãos Batista, que logrou com o maior acordo de leniência da história do Brasil. E, além de possibilitar os abalos na democracia de maneira ilícita, apresentaram mais  gravações, agora lícitas, denunciando os assessores do governo em esquema de pagamento ilegal, apontando também senadores, deputados federais e estaduais, governadores e prefeitos, que lucraram com o pagamento de propinas, vendas de concessões ilícitas para propostas legislativas e participação em organizações criminosas.[49].

Nos esquemas de negociações dos acordos da delação premiada, observa-se a necessidade de imputar cartas de alto valor para poder gerar os maiores lucros na barganha, a exemplo do caso JBS supracitado. Destarte que, o doleiro Alberto Youself, que já obtinha experiência por meio da primeira delação do país sob a vigência da operação Banestado, entra no jogo UNO por meio da jogada do Ministério Público com uma carta de alto valor, através do indiciamento dos crimes de lavagem de dinheiro, corrupção e participação em organização criminosa pela Operação Lava Jato. Após sua prisão, foi solicitado aos órgãos de investigação a possibilidade de colaboração novamente, e, desta vez, delatando políticos[50].

Assim que entrou no jogo, o doleiro forneceu, para os membros da força tarefa da Lava Jato, nomes de políticos, seus assessores, empresários e agentes públicos que estavam diretamente envolvidos nos esquemas de corrupção, utilizando do descarte simultâneo de cartas subsequentes do jogo (aplicada quando o jogador descarta em uma única rodada todas as suas cartas na sequência específica, aproximando-o da sua vitória), angariando, assim, um novo acordo de delação[51].

Mediante a relação descrita, abriu-se o questionamento a respeito da validade da delação supracitada, em consequência do descumprimento do seu primeiro acordo na operação Banestado[52], o que culminou ao precedente de não confiabilidade judicial. Neste contexto, os delatados ingressaram no tribunal para que fosse anulada a decisão judicial de caráter homologatório.

Motivado pelo delatados, o Supremo Tribunal Federal decidiu, com acompanhamento do voto do relator – Ministro Dias Toffoli, denegar o pedido, por meio do julgamento do Habeas Corpus nº 127.483-2015. O entendimento formulado pelo Supremo fora que ex-colaboradores, que forem indiciados pelos mesmos crimes, podem optar por realizar novas participações na produção de prova. Logo, eles permanecem com o direito de realizá-las, embora a Lei de Organizações Criminosas possibilite a revogação dos direitos conquistados nos acordos que forem descumpridos[53].

Como dito, a delação premiada também pode ser influenciada pela utilização do dilema do prisioneiro, que consiste no sistema de oferecer a dois ou mais prisioneiros o prêmio de não arcar com a responsabilidade penal para quem delatar os crimes e o responsável da organização[54]. Dessa forma, a colaboração premiada, quando interpretada pelo jogo UNO, poderá ser comparada com a utilização das cartas de bloqueio, que impede o jogador subsequente de jogar. Na mesma ótica, aqueles que estão sob o dilema do prisioneiro são impedidos de colaborar após a primeira delação.

A alegação de UNO é realizada quando o player está com uma única carta na mão. O objetivo do jogo é finalizá-lo sem nenhuma carta. O jogador que declara UNO está anunciando estar próximo da vitória do jogo. Em paralelo à decisão interlocutória do juiz, a parte delatora está a um passo da homologação em sentença, e com ela o recebimento de seus prêmios.

Assim, quando o jogador se encontra próximo da vitória, os outros players têm como objetivo descobrir qual vai ser a última cartada do seu adversário, tentando, de todos os meios possíveis ler o jogo, para que aquele não consiga descartar a sua melhor carta e ganhar o jogo. Ato semelhante ao que ocorre durante a quebra do sigilo da delação, levando prejuízos ao delator, dentre as quais são as divulgações dos termos do acordo, descrédito público e possibilidade de vingança pelos delatados.

Ocorre também no jogo UNO, com a utilização da carta “0”, a possibilidade do detentor da respectiva carta visualizar o jogo de seu adversário, quebrando o sigilo obrigatório. Sendo, assim, similar à relação descrita na Lei de nº 12.850/2013, que visa, em seu artigo 5º, a proteção de seus dados nos autos e nos meios de comunicação, até findado o processo de homologação modificando a res publica.

Em decorrência da Lei citada, o instituto da delação premiada possibilitou a recuperação de números históricos de dinheiro público, todavia prejudicou aqueles que auxiliaram, em razão da divulgação sistemática de vazamentos judiciais ou quebra de sigilo pelos magistrados sobre os delatores, investigados, familiares e antigas conduções coercitivas. Além disso, recentemente fora divulgado, por meio de jornais, conversas por aplicativos de membros da própria Operação Lava Jato, que relataram o repasse de informações e ordens de como deveria ser a acusação para que houvesse maior condenação, contrariando todo o histórico jurídico brasileiro e a eficácia da lei[55].

Diante do exposto, percebe-se a similaridade entre a aplicação da delação e a lógica dos jogos, em quesitos de estratégias, cortes de participação de jogadas, organização dos jogadores com a finalidade de prejuízo para um jogador específico e visualização do seu próprio benefício. Essas semelhanças existentes são alarmantes, já que o processo de justiça deveria ser baseado nas garantias do Código Penal, do Código de Processo Penal e da Lei nº 12.850/2013.

 

  1. MUDANÇAS RELACIONADAS AO PACOTE ANTI-CRIME

             Em dezembro de 2019 fora promulgada a Lei nº 13.964, também conhecida como Pacote Anti-Crime, de iniciativa do ex-Ministro da Justiça Sérgio Moro. A citada lei dispõe sobre os modelos de combate a crimes de corrupção, e busca uma tentativa de alteração de garantias, bem como o endurecimento da persecução penal.

O Pacote traz consigo alterações significativas na delação premiada, na tentativa de suprir as lacunas e adaptar, de maneira legislativa, os processos de controle constitucional, além de numerosos habeas corpus, como fora descrito anteriormente.

A principal mudança que a Lei nº 13.964/2019 traz é a instalação do instituto do juiz das garantias. Nesse sentido, a sua função começa após iniciada a ação penal, ainda no processo de conhecimento. Será sorteado um magistrado para tomar conhecimento da causa, que ficará responsável pelo auxílio na produção de provas, bem como para guiar o processo até a homologação do acordo, evitando, assim, que o juiz titular tenha juízo de valor no processo original[56].

Cabe frisar, por oportuno, que a temática de grande importância na delação é a segurança do colaborador, inclusive estabelecida como princípio. Isto porque, foi alvo de diversas discussões doutrinárias e processuais, todavia, sem sucesso. Assim, na tentativa de suprir a lacuna, o Pacote Anti-Crime previu a necessidade do sigilo no momento da proposta, com a exceção para os casos de não aceitação do pré-acordo, causando repercussões jurídicas para aqueles que eventualmente rescindissem os termos e/ou divulgassem informações[57].

Portanto, observa-se a preocupação do legislador em proteger os princípios da segurança e da privacidade. De tal modo, constata-se, ainda, que, após a tentativa de colaboração, o processo passa a tramitar de maneira apartada dos autos da delação premiada, para que os corréus não saibam da existência do acordo, objetivando a proteção do delator e a manutenção de sua privacidade. Ressalta-se que tal fato não ocorria antes dessa alteração dada pela lei, prejudicando, então, a relação processual.[58]

No tocante ao procedimento de provas, as alterações que ocorreram referem-se à vedação de utilização de provas obtidas em delações frustradas e à obrigatoriedade de apresentação dos anexos, por meio dos quais o delator deverá individualizar todos os crimes das pessoas que relatou e eventuais provas para serem utilizadas no processo principal. É importante frisar que não é bem delimitado na lei quais as medidas de aplicação dos anexos[59].

Observa-se que a Lei nº 13.964/2019 proporcionou uma nova roupagem da colaboração premiada, dando aspectos mais próximos ao direito contratual civilista, como a procuração especial para ser intermediador de acordo. Passa a ser obrigatório, como a maioria dos acordos civilistas, a necessidade de advogado devidamente qualificado com poderes especiais através de procuração[60].

Outrossim, para corresponder a lacuna deixada na Lei nº 12.850/2013, em relação aos limites de termos de acordo, a exemplo das modalidades e regime iniciais de cumprimento de pena, o Pacote Anti-Crime vedou a possibilidade da utilização do domicílio do réu como local de reclusão, delimitando como únicas as medidas da Lei de Execução Penal e do próprio Código Penal[61].

Outra mudança refere-se aos estabelecimentos penais, pois o colaborador não deverá permanecer no mesmo ambiente dos delatados, a fim de evitar eventuais retaliações[62]. Logo, sob a ótica do princípio da voluntariedade, agora o juiz da garantia deverá observar a existência de medidas cautelares ou condenações do colaborador, para analisar se não estaria, de fato, sofrendo coações para a realização ou não da delação[63].

Ressalta-se que ocorreram alterações de caráter processual, não podendo as medidas cautelares serem embasadas somente no conteúdo da delação para a promoção de um fair play[64]. Isto é, para desenvolvimento do processo em si, deverá sempre seguir o Ministério Público, o colaborador e o delatado, para a construção de provas e a persecução penal[65].

Válido destacar que algumas dessas alterações se encontram suspensas em razão de decisão monocrática dos Ministros Toffoli e Fux. A saber:

“PROCESSUAL PENAL. ART. 3o-A, 3°-B, 3°-C, 3°-D, 3°-E e 3°-F DO CPP. JUIZ DAS GARANTIAS. REGRA DE ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. ARTIGO 96 DA CONSTITUIÇÃO. INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL. AUSÊNCIA DE DOTAÇÃO ORÇAMENTÁRIA PRÉVIA. ARTIGO 169 DA CONSTITUIÇÃO. AUTONOMIA FINANCEIRA DO PODER JUDICIÁRIO. ARTIGO 96 DA CONSTITUIÇÃO. IMPACTO SISTÊMICO. ARTIGO 28 DO CPP. ALTERAÇÃO REGRA ARQUIVAMENTO. ARTIGO 28-A DO CPP. ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL. SISTEMA DE FREIOS E CONTRAPESOS ENTRE ACUSAÇÃO, JUIZ E DEFESA. ARTIGO 310, §4o, DO CPP. RELAXAMENTO AUTOMÁTICO DA PRISÃO. AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA. PROPORCIONALIDADE. FUMUS BONI IURIS. PERICULUM IN MORA. MEDIDAS[66].”

Desta forma, percebe-se que, as relações de acordos na delação premiada, permanecem sob a égide da Lei nº 12.850/2013, porém, com leves alterações realizadas pelo Pacote Anti-Crime, como por exemplo o novo sistema de provas e a utilização de anexos. Sendo assim, faz-se necessário aguardar o posicionamento e provimento do Supremo Tribunal Federal, para verificar os novos paradigmas que serão adotados para a colaboração premiada.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo se propôs a descrever as relações que envolvem a delação premiada, como também os seus limites e controvérsias, por meio da análise comparativa com a teoria dos jogos. Levou-se em consideração, em especial, a grande repercussão do tema em razão da Operação Lava-Jato.

É sabido que o instituto não fora um desenvolvimento recente. Percebe-se, na história, a sua evolução do período imperial, através de leis espaças, até a recente centralização na Lei nº 12.850/2013. Tal legislação, por sua vez, inovou na definição do que seria uma organização criminosa, os meios de colaboração, seus métodos de colheita de provas e seus prêmios para os responsáveis de novas informações.

Desta forma, grandes acordos de delação premiada traziam informações que não eram obtidas por métodos convencionais, ou seja, com provas apenas construídas pelo rito da investigação policial, passando a depender da descrição do crime e produção de provas pelos envolvidos, em troca de acordos sem precedentes. Por essa razão, o instituto fora popularizado, mas continuou sofrendo diversos questionamentos de aplicabilidade, devido às lacunas existentes nas leis que abarcavam tal ato.

Em oposição à popularização do instituto, frisa-se a ausência de precedentes em relação aos acordos celebrados, desde o seu conteúdo, aos seus prêmios e, também, à contraprestação imposta pelo Estado, considerando a manutenção do acordo e as medidas contra os delatados. Assim, tendo em vista a recorrente utilização do instituto, obteve-se o resultado de 227 mandados de condução coercitiva de acusados em delações perante a Operação Lava Jato, além de outras providências que poderiam coagir os envolvidos, a exemplo dos excessos de cautelares, baseado apenas nas colaborações e no interesse inquisitivo.

Analisando a relação da construção da delação premiada, verifica-se que os limites do instituto estão devidamente ligados ao interesse de magistrados em condenações e na longevidade da decisão. Desta forma, ainda que existam movimentações de advogados com ações de salvaguardo, e/ou alterações legislativas, faz-se necessário a presença de juízes com o teor de imparcialidade para a garantia do movimento processual direto.

Nesse sentido, traçou-se o elemento comparativo com as regras do jogo de UNO, para descrever quais seriam os limites das jogadas, e quem seriam os jogadores da relação. Por essa razão, foi constatado que o magistrado estava presente na relação como jogador, demonstrando interesses e influenciando nas jogadas, através de mudanças na interpretação durante o andamento do processo.

Ademais, foi promulgada a Lei nº 13.964/2019, conhecida como Pacote Anti-Crime, que tentou suprimir as omissões da Lei vigente. No entanto, percebe-se que ainda permanecem lacunas, que poderão ser resolvidas quando findada a suspensão, através de decisão em Ação Direta de Inconstitucionalidade.

 

REFERÊNCIAS

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1Graduando do Curso de Direito do Centro Universitário FG-UniFG, autor e ex-pesquisador.

2Docente do Curso de Direito do Centro Universitário FG-UniFG, coautora, atuante como professora nas disciplinas Direito Penal IV, Direito Processual Penal II, Direito Processual III e Direitos Humanos e Cidadania.

Endereço para correspondência: Rua Humberto de Campos, nº386, Centro – Guanambi, Bahia. CEP: 46430-000.

Endereço eletrônico: e-mail: [email protected], [email protected]

 

 

[1] Para a construção deste artigo fora utilizado os termos delação premiada e colaboração premiada como sinônimos.

[2] BRASIL, 2017

[3] BONALDI,2015.

[4] BRASIL, 2017.

[5] BRASIL, 2015.

[6] BRASIL, 2017.

[7] BONALDI,2015.

[8] OLIVEIRA,2017.

[9] SILVA,2018.

[10] ROSA, 2018.

[11] ROSA,2018.

[12] KHALED, 2014.

[13] ROSA,2016

[14] CUNHA,2019

[15] CUNHA 2019

[16] BRASIL, 2008.

[17] SILVA, 2018.

[18] CORDEIRO, 2019.

[19] OLIVEIRA, 2017.

[20] BONALDI,2015.

[21] OLIVEIRA, 2017.

[22] BONALDI,2015

[23] Idem.

[24] ROSA,2018

[25] ELZIO.2016

[26] Idem.

[27] ELZIO.2016

[28] SILVA, 2018.

[29] Idem.

[30] Idem.

[31] SILVA,2018.

[32] BRASIL,2017.

[33] BRASIL.2018.

[34] SILVA, 2018.

[35] Idem.

[36] SILVA,2018.

[37] BONALDI,2015.

[38] SILVA, 2018.

[39] ROSA 2018.

[40] BRASIL,2018.

[41] BRASIL,2018.

[42] ROSA,2018.

[43] Idem.

[44] LANDIM,2019.

[45] LANDIM,2019.

[46] MINISTÉRIO PÚBLICO,2013.

[47] BRASIL,2017.

[48] LANDIM,2019.

[49] Idem.

[50] MINISTÉRIO PÚBLICO, 2012.

[51] MINISTERIO PÚBLICO,2015.

[52] LAMDIN, 2019.

[53] BRASIL,2015.

[54] ROSA,2018.

[55] GREENWALD e POUGY,2019.

[56] BRASIL, 2019.

[57] Idem.

[58] Idem.

[59] CUNHA,2020.

[60] ROSA.2020.

[61] BRASIL,2019.

[62] Idem.

[63] CUNHA,2020.

[64] ROSA,2020

[65] BRASIL, 2019

[66] CUNHA, 2020.

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