As novas possibilidades de transação tributária no Brasil

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O panorama de crise sanitária com as medidas necessárias de isolamento social, deflagrou crise econômica essencialmente caracterizada pela de queda das demandas em todos os setores da economia mundial. Consequentemente, as pessoas jurídicas privadas, afetadas diretamente pelo colapso financeiro, deixaram de gerar receitas e aumentaram exponencialmente seu grau de endividamento, incluída a inadimplência tributária.

Neste contexto, no mês de junho do corrente ano, foi publicada a Lei nº 14.375/2022, alterando a Lei nº 13.988/2020, que trata sobre a transação tributária, com a ampliação das possibilidades de para que a União e os devedores realizem transação relativo à cobrança de créditos da Fazenda Nacional, de natureza tributária ou não tributária.

Com o objetivo de atender ao interesse público, reduzir o contencioso judicial, aumentar a arrecadação e, atingir os princípios básicos como transparência e publicidade, isonomia, capacidade contributiva, moralidade, razoável duração dos processos e da eficiência, o instituto da transação tributária desponta como nova forma de relação entre o contribuinte e a Administração Pública, ainda em construção.

Há várias modelos de transação colocadas à disposição dos contribuintes, tais como a por proposta individual ou por adesão, na cobrança de créditos inscritos na dívida ativa da União, de suas autarquias e fundações públicas, na cobrança de créditos que seja da competência da Procuradoria-Geral da União, ou em contencioso administrativo fiscal, a por adesão, nos demais casos de contencioso judicial ou administrativo tributário e, a por adesão, no contencioso tributário de pequeno valor.

É importante ressaltar o impacto da utilização desse instituto que no ano de 2021 teve como resultado R$ 6,4 bilhões recuperados em razão de acordos de transação tributária.

Atualmente, a legislação permite que sejam concedidos descontos nas multas, juros e encargos legais relativos a créditos a serem transacionados, classificados como irrecuperáveis ou de difícil recuperação, conforme critérios estabelecidos pela autoridade competente para a redução de até 65% do valor total dos créditos. Há, ainda, a previsão de oferecimento de prazos e formas de pagamento especiais, incluídos o diferimento e a moratória, no prazo de quitação do débito em até 120 meses.

Além disso, a transação tributária admite duas das possibilidades mais aguardadas pelos contribuintes, quais sejam, a utilização de créditos de prejuízo fiscal e de base de cálculo negativa da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), na apuração do Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e da CSLL, até o limite de 70% (setenta por cento) do saldo remanescente após a incidência dos descontos, se houver, e o uso de precatórios ou de direito creditório com sentença de valor transitada em julgado para amortização de dívida tributária principal, multa e juros.

Neste contexto, a PGFN editou a Portaria nº 6.757/2022, para regulamentar a transação de débitos inscritos em dívida ativa, cuja cobrança está sob a alçada da Procuradoria, nas modalidades de transação por adesão à proposta da PGFN, a transação individual proposta pela PGFN, e transação individual proposta pelo devedor inscrito em dívida ativa da União e do FGTS, inclusive a simplificada, não havendo a hipótese de adesão parcial.

Em relação à migração de parcelamentos vigentes para a transação tributária, na hipótese de créditos negociados em parcelamento ativo e em situação regular, serão mantidos os benefícios concedidos relativamente às parcelas vencidas e liquidadas, não sendo possível a acumulação de descontos entre a transação e o programa de parcelamento.

Ademais, o oferecimento de descontos, bem como a utilização de créditos de prejuízo fiscal e de base de cálculo negativa da CSLL aos débitos, no limite de até 70% (setenta por cento) do saldo remanescente, ocorrerão por critério exclusivo da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, sendo vedado nos casos de transações por adesão e na transação individual simplificada.

A utilização de créditos decorrentes de prejuízo fiscal e de base de cálculo negativa da CSLL tem caráter excepcional, nas hipóteses em que for demonstrada sua imprescindibilidade para composição do plano de regularização, em relação a créditos considerados irrecuperáveis ou de difícil recuperação e se inexistentes ou esgotados outros créditos líquidos e certos em desfavor da União, reconhecidos em decisão judicial transitada em julgado, ou precatórios federais expedidos em favor do sujeito passivo.

Neste contexto, para a mensuração do grau de recuperabilidade das dívidas sujeitas à transação, diversos critérios de avaliação podem ser utilizados, como por exemplo: o tempo em cobrança, a suficiência e liquidez das garantias associadas aos débitos e a existência de parcelamentos. Nos termos da regulamentação da PGFN, classificam-se com débitos irrecuperáveis aqueles inscritos em dívida ativa, há mais de 15 (quinze) anos e sem anotação atual de garantia ou suspensão de exigibilidade, com exigibilidade suspensa por decisão judicial há mais de 10 (dez) anos, de titularidade de devedores falidos, em recuperação judicial ou extrajudicial, em liquidação judicial ou em intervenção ou liquidação extrajudicial, entre outros.

No mesmo sentido, a Receita Federal regulamentou a transação tributária por meio da Portaria 208/2022, envolvendo os débitos em disputa na esfera administrativa. Em regra, a norma adota os mesmos critérios da PGFN para a transação, no entanto a Receita Federal trata de forma mais abrangente do que a transação da dívida ativa quanto à utilização dos créditos de prejuízo fiscal e da base negativa da CSLL para abater o valor do débito após os descontos.

Isso porque, nos termos da Portaria 208/2022, apesar de se tratar de autorização por exclusivo critério do fisco, a Receita Federal não limitou o uso do prejuízo fiscal e da base negativa da CSLL a débitos irrecuperáveis ou de difícil recuperação ou, ainda, somente para situações excepcionais.

Os referidos créditos podem ser utilizados em todas as modalidades de transação, sem ordem de preferência e sendo de titularidade do responsável tributário ou corresponsável pelo débito, de pessoa jurídica controladora ou controlada, de forma direta ou indireta, ou de sociedades que sejam controladas direta ou indiretamente por uma mesma pessoa jurídica, apurados e declarados à RFB, independentemente do ramo de atividade.

Ademais, nos casos de transação tributária com a Refeita Federal, é possível a adesão parcial dos débitos elegíveis do sujeito passivo, diferentemente da PGFN que obriga a inclusão integral dos débitos inscritos, com exceção dos débitos garantidos e com exigibilidade suspensa.

Em ambas as regulamentações à lei nº 13.988/2020, da Receita Federal e da PGFN, verifica-se que, dentre outras medidas, a transação tributária se apresenta como possibilidade de trazer maior efetividade na recuperação dos créditos inscritos em dívida ativa da União e, ainda, possibilita a redução da litigiosidade relacionada a controvérsias tributárias, com consequente redução de custos, ganho de eficiência e redução de prejuízos à Administração Tributária Federal.

Por outro lado, a transação tributária é instrumento de solução ou resolução para o contribuinte, mediante concessões mútuas, credor e devedor, como alternativa à extinção do crédito tributário, prática incomum nesta relação, sendo possível aos contribuintes parcelar os débitos em um prazo mais amplo e obter descontos no valor principal, multa e juros.

O efeito prático e imediato de ambas as transações, tanto em âmbito da PGFN quanto na Receita Federal, é o de viabilizar a superação da situação transitória de crise econômico-financeira do sujeito passivo, especialmente no quadro atual de crise econômica gerada pela pandemia do COVID-19, fomentando a atividade econômica e empresarial, com a redução da inadimplência de tributos.

 

Cristina Mancebo Camara é sócia da área tributária da SiqueiraCastro, especialista em Direito Tributário, formada em direito pela Universidade Candido Mendes e mestranda na Universidade Candido Mendes. Possui vinte anos de experiência no direito tributário, atuando em grandes escritórios e empresas multinacionais, tanto em tributos diretos quanto indiretos, assistindo clientes em âmbito nacional e internacional. Atua em litígios, consultoria estratégica e planejamento tributário, reorganizações societárias e planejamento sucessório. Suporte jurídico tributário em diversos setores como petróleo, mineração, agronegócio, esportes, automotivo, comércio, entre outros. Membro da Ordem dos Advogados do Brasil. Membro da Comissão Tributária da Câmara de Comércio França-Brasil.

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