Contrato de namoro: a validade do referido instrumento ante o pedido de reconhecimento de união estável

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Autor: Bárbara Aparecida Nunes Souza, Advogada, OAB/SC 64654, Pós-graduada em Advocacia Extrajudicial, atuante na área do direito das famílias. 

Resumo: Este artigo, desenvolvido a partir de uma pesquisa bibliográfica, teve como objetivo analisar a validade do contrato de namoro ante o pedido de reconhecimento de união estável. O referido instrumento, cumprindo os requisitos do artigo 104 do Código Civil, quais sejam, agente capaz, objeto lícito, determinado ou determinável e não defeso em lei, torna-se completamente válido. Frente à similaridade entre as atuais relações de namoro e a união estável, o contrato de namoro, externando a autonomia da vontade das partes, é eficaz para corroborar com as alegações de que a relação se trata de simples namoro ou ainda de um namoro qualificado. Contudo, a jurisprudência se mostrou, até o presente momento, propensa a reconhecer a validade do referido contrato, porém não o utilizar para afastar o reconhecimento da união estável quando presentes os requisitos impostos pelo artigo 1.723 do Código Civil, sendo eles a convivência pública, contínua, duradoura e com o objetivo de constituir família.  

Palavras-chave: União estável. Namoro. Contrato de namoro. Contrato.

 

Abstract: This study, developed from a bibliographical research, aimed to analyze the validity of the dating contract before the request for recognition of stable union. If the contract meets the requirements of article 104 of the Civil Code, which are: a capable agent, a licit, determined or determinable object, and not prohibited by law, it becomes completely valid. In view of the similarity between the current courtship relations and the stable union, the contract of courtship, expressing the autonomy of will of the parties, is effective to corroborate the allegations that the relationship is a simple courtship or even a qualified courtship. However, the jurisprudence has shown itself, until the present moment, inclined to recognize the validity of the referred contract, but not to use it to rule out the recognition of the stable union when the requirements imposed by article 1.723 of the Civil Code are present, being them the public, continuous, lasting cohabitation and with the objective of constituting a family.  

Keywords: Stable union. Courtship. Dating contract. Contract.

 

Sumário: Introdução. 1. Contratualidade e autonomia da vontade. 2. A união estável, o namoro e as novas relações pessoais. 3. Contrato de namoro e seu efeito jurídico frente ao pedido de reconhecimento de união estável.  Conclusão. Referências.  

 

INTRODUÇÃO 

A cada dia, o Direito de Família vem mudando e fazendo adequações às mais incríveis invenções, no que diz respeito aos laços afetivos e discussões patrimoniais, desenvolvidas espontaneamente pela sociedade. O presente estudo possui como tema principal a análise da validade do contrato de namoro como ato de autonomia da vontade frente ao pedido de reconhecimento de união estável, bem como seus reflexos nas questões patrimoniais do casal. 

Dentre as diversas justificativas para a realização do presente estudo, pode-se dizer que a análise do referido instrumento, bem como sua validade frente ao pedido de reconhecimento de união estável são as principais, uma vez que o contrato de namoro não tem previsão expressa na legislação brasileira, porém muitos doutrinadores dissertam sobre o assunto, demonstrando que é possível firmar um contrato a fim de resguardar as partes diante da dificuldade de identificar o início da união estável não formalizada. 

O contrato de namoro pode(ria) trazer importantes reflexos para questões patrimoniais e pessoais de relações recíprocas e, nesse contexto encontra-se o seguinte questionamento: o contrato de namoro como ato de autonomia da vontade é instrumento válido para o indeferimento do pedido de reconhecimento de união estável? 

Nesse sentido o presente estudo teve como objetivo geral a demonstração da validade do contrato de namoro frente ao pedido de reconhecimento de união estável, e como objetivos específicos a revisão da literatura pertinente à validade do contrato diante do reconhecimento da união estável, a confirmação do entendimento da jurisprudência e doutrina sobre a validade do referido instrumento e a demonstração de os efeitos do citado documento. 

No primeiro capítulo abordou-se o conceito de contratos em geral e explicou-se a definição do negócio jurídico, bem como os requisitos necessários para elaboração e caracterização do referido documento. Abordou-se também o princípio da autonomia da vontade, bem como sua aplicabilidade nos contratos de Direito das Família, tendo em vista a modernização da sociedade e as necessidades da família contemporânea, em diversas situações se utiliza o contrato como declaração de vontade, tais como  contrato de união estável, contrato de pacto antenupcial, contrato de geração de filhos e o contrato de namoro, o qual foi o objeto principal analisado no desenvolvimento do presente estudo. 

No segundo capítulo apresentou-se a distinção entre namoro e união estável, bem como as novas figuras jurídicas que vem sendo criada pelos doutrinadores e jurisprudência a fim de caracterizar as relações pessoais, tais como ifamily e namoro qualificado.  

O contrato de namoro em seus e seus efeitos jurídicos foram abordados no terceiro e último capítulo. Explicou-se seus requisitos, aplicabilidade, implicações jurídicas, bem como o entendimento doutrinário e dos tribunais acerca da validade jurídica do referido instrumento frente ao pedido de reconhecimento de união estável.  

A pesquisa do presente estudo classificou-se: quanto aos fins, como descritiva, por expor as características do objeto de estudo, qual seja o contrato de namoro; e quanto aos meios, como bibliográfica, visto que o estudo foi desenvolvido com base em material publicado em livros, revistas, artigos, jurisprudência, etc. 

 

1. CONTRATUALIDADE E AUTONOMIA DA VONTADE 

Contrato é um documento presente no dia a dia de grande parte da população. Seja ele escrito ou verbal, unilateral ou bilateral, oneroso ou gratuito, de adesão ou paritário, ele é um instrumento de extrema importância para as relações, uma vez que serve como caminho indicando quais são as obrigações e responsabilidades de cada parte envolvida nas mais diversas transações.  

Flávio Tartuce (2018) define contrato como um ato jurídico bilateral, dependente de, pelo menos, duas declarações de vontade, cujo objetivo é a criação, a alteração ou até mesmo a extinção de direitos e deveres.  

De acordo com os ensinamentos de Fiuza (2002), contrato é todo acordo de vontade, que tem por objetivo a aquisição, o resguardo, a transferência, a conservação, a modificação ou a extinção de direitos, o qual é realizado a fim de fazer lei entre as partes, recebendo o amparo do ordenamento legal. 

 

Outro conceito de contrato é o de negócio jurídico bilateral, formado pela convergência de duas ou mais vontades para criar, modificar ou extinguir relações jurídicas de natureza patrimonial (VALENTE, 2017). 

 

Nesta mesma toada, Gomes (2019) traz o conceito de que o contrato é uma espécie de negócio jurídico que se distingue, na formação, por exigir a presença pelo menos de duas partes. 

 

Destarte, extrai-se dos conceitos que a principal função do contrato e a de manifestação de vontade para criação de um ou mais direitos, ou seja, fazer lei entre as partes. 

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Os contratos possuem diversas classificações, seja pela forma, pela quantidade de partes, pela previsão legal, entre outras. Flávio Tartuce (2018) classifica contrato quanto aos direitos e deveres das partes envolvidas como contrato unilateral e contrato bilateral, onde no primeiro apenas um dos contratantes assume deveres em face do outro e no segundo onde os contratantes são simultaneamente credores e devedores; classifica ainda quanto ao sacrifício patrimonial das partes, na qual o contrato oneroso é aquele que traz vantagens para ambos os contratantes e o contrato gratuito ou benéfico é aquele que onera somente uma das partes. 

 

A classificação, ainda sob a ótica de Tartuce (2018), pode ser feita também quanto ao momento do aperfeiçoamento do contrato (contrato consensual e contrato real), quanto aos riscos que envolvem a prestação (contrato comutativo e contrato aleatório), quanto a previsão legal (contrato atípico e típico) e quanto a negociação do conteúdo (contrato de adesão e contrato paritário ou negociado). 

 

Para o contrato de namoro, objeto do presente estudo, cabe destacar outras classificações como a mencionadas por Valente (2017), sendo elas quanto a presença de formalidade, cujo instrumento é classificado como contrato formal, ou seja, aquele que exige qualquer formalidade, e, contrato informal, aquele que consagra o princípio da liberdade das formas; contrato solene, sendo aquele que exige solenidade pública e contrato não solene, aquele que não necessita da realização de escritura pública em Tabelionato de Notas.  

Outra classificação importante é quanto a pessoalidade, podendo o contrato ser pessoal (personalíssimo ou intuitu personae) no qual a pessoa do contratante é elemento determinante de sua conclusão e contrato impessoal, aquele que a pessoa do contratante não é relevante para a conclusão do negócio.  

O Código Civil de 2002 não trouxe a definição de contrato, contudo reservou um título exclusivo para os Contratos em Geral, os quais são classificados quanto a sua previsão legal entre típico e atípico, sendo o contrato de namoro, objeto estudado no presente trabalho, enquadrado como contrato atípico, uma vez que não há uma previsão legal mínima. 

De acordo com Konder (2020), o contrato é tido como espécie do gênero negócio jurídico, que através da manifestação de vontade, traz sua função de autorregulação de interesses, sendo assim, o contrato é visto como um negócio jurídico destinado a autorregulamentar interesses. 

 

Contrato é um negócio jurídico relativo a declaração de vontade direcionada à produção de efeitos jurídicos, permitindo a escolha dos efeitos jurídicos que queria produzir (VALENTE, 2017). 

 

Para Rizzardo (2021), os contratos ocupam o primeiro lugar entre os negócios jurídicos e são, justamente, aqueles por meio dos quais as pessoas combinam os seus interesses, constituindo, modificando ou solvendo algum vínculo jurídico. 

Assim, tendo em vista que contrato é um negócio jurídico, para ter validade é necessário que ele atenda aos requisitos previstos no artigo 1041 do Código Civil, quais sejam: agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei. 

O requisito de agente capaz está previsto no artigo 1º do Código Civil, o qual dispõe que “toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”, trazendo em seus artigos 3º2 e 4º3 os absolutamente incapazes e os relativamente incapazes, respectivamente.  

Quanto ao contrato realizado por agente capaz, Ruben Valente (2017) chama a atenção ao artigo 1054 do Código Civil, uma vez que a pessoa com plena capacidade que contrata com o relativamente incapaz não pode alegar o vício da vontade em benefício próprio. 

No que concerne ao objeto lícito, de acordo com o artigo 1875 do Código Civil, entende-se que é aquele comportamento não contrário ao direito, aos costumes e à boa fé. E, de acordo com os ensinamentos de Valente (2017), para o direito civil, objeto lícito não é apenas aquele que está em conformidade com a lei, mas também com a moral. 

Quanto a possibilidade, esta deve ser analisada sob o aspecto físico e jurídico e sobre o determinado e determinável, o objeto deve conter elementos mínimos de individualização que permita sua caracterização, caso contrário restará prejudicada não apenas a validade, mas também a execução daquilo que fora avençado contratualmente. 

No que diz respeito a forma prescrita ou não defesa em lei, entende-se que será válido o negócio jurídico na forma que a lei determina ou que não proíba, de acordo com o artigo 1076 do Código Civil, o qual prevê expressamente a liberdade de forma, exceto se existir lei exigindo determinado feitio.  

 

Além dos requisitos expressamente previstos, o contrato deve estar de acordo com alguns princípios, os quais são enunciadores de uma orientação geral e convivem dentro do mesmo ordenamento (AGUIAR, 2011). 

 

Os princípios são regramentos básicos aplicáveis a um determinado instituto jurídico, constituindo noções ou máximas elementares de justiça.  

Tartuce (2018) afirma que o Código Civil de 2002 é um código de princípios, os quais podem estar expressos ou não nas normas. Valente (2017) corrobora explicando que o Código Civil de 2002, possui, como princípio básico, as diretrizes citadas na exposição de motivos da lei, sendo elas: socialidade, que prima pela prevalência dos valores coletivos sobre os individuais; eticidade, que consiste em priorizar a equidade, a boa-fé, a justa causa e demais critérios éticos nas relações privadas; e, a operabilidade, no sentido de que o direito é feito para ser efetivado. 

No que concerne aos contratos, diversos são os princípios do Direito Contratual Contemporâneo, Gomes (2019) lista como sendo os principais os seguintes princípios: autonomia da vontade, limitações à liberdade de contratar, consensualismo, força obrigatória, boa-fé, equilíbrio econômico e função social do contrato. 

Para fins de melhor entendimento do presente estudo é de extrema importante detalhar o princípio da autonomia da vontade, uma vez que tal princípio é de grande valia para a aceitação ou não do contrato de namoro frente ao pedido de reconhecimento de união estável.  

 A autonomia da vontade é o que rege as relações contratuais, uma vez que é a partir de tal poder que se provoca o nascimento de um direito e/ou obrigação. 

Tartuce (2018) alerta que tal autonomia não é absoluta, uma vez que se encontram limitações em normas de ordem pública e nos princípios sociais. Gomes (2019) corrobora explicando que a liberdade de contratar propriamente dita é o poder conferido às partes contratantes de suscitar os efeitos que pretendem, sem que a lei imponha seus preceitos indeclinavelmente, contudo em matéria contratual, as disposições legais têm, em regra, caráter supletivo ou subsidiário, somente se aplicando em caso de silêncio ou carência das vontades particulares, ou seja, salvo disposição contrário em lei, nas relações contratuais prevalecerá a vontade dos contratantes. 

Ressalta-se a definição de autonomia da vontade feita por Rizzardo (2021) que explica que a autonomia da vontade nada mais é do que a liberdade de contratar ressaltada no direito brasileira, a qual não poderá ofender outros princípios ligados a função social do contrato, ou seja, pode-se dizer que as partes possuem autonomia para expor e negociar suas mais diversas vontades desde que não estejam afrontando outros princípios e leis. 

Sendo assim, ante a autonomia da vontade a contratualidade tornou-se comum nas relações inerentes ao direito de família, uma vez que o contrato fica em condições de prestar relevantes serviços ao progresso social contribuindo com a modernização da sociedade e as necessidades da família contemporânea, as quais fizeram surgir diversas espécies de contrato, tais como o de união estável, contrato de pacto antenupcial, contrato de geração de filhos e o contrato de namoro, objeto do presente estudo. 

 

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2. A UNIÃO ESTÁVEL, O NAMORO E AS NOVAS RELAÇÕES PESSOAIS  

A sociedade dispõe de diferentes arranjos que compõem o cenário da família, uma vez que não é característico da natureza humana viver sozinho, e ante o instinto sexual e pela conservação da prole pelas uniões geradas, novas formas de família vão surgindo com a evolução da sociedade. 

 Engels (1980) afirma que família progride na medida em que progride a sociedade, uma vez que é fruto do sistema social e cultural em que está inserida à época. Segundo Barros (2002), a Carta Política de 1988 começou a desconstruir a ideologia da família patriarcal, e a Constituição Federal de 1988 foi promissora em expandir o conceito oficial de família e permitir o reconhecimento de outros modelos de relação familiar, como é o caso da união estável, vista atualmente no cenário da família matrimonial e na família informal/contemporânea. 

De acordo com Madaleno (2013), para as gerações formadas anteriormente à Constituição Federal de 1988, as relações afetivas seguiam clássicos estágios de desenvolvimento, os quais começavam pelo namoro, passavam pelo noivado e, por último, o casamento, única forma de se constituir família à época. Coronel (2021) corrobora afirmando que a prática comum nos países ocidentais é encarar o relacionamento como um processo, que passa por diversas fases, até se tornar estável.  

Contudo a sociedade dispõe de diferentes arranjos que compõem o cenário da família e, segundo Madaleno (2013), dentre as mais diversas formas de família, está presente na sociedade a família informal, também chamada de família contemporânea, uma vez que há um acentuado crescimento de relacionamentos estáveis em detrimento do casamento civil.  

De acordo com Rosa (2020), a Constituição Federal, em 1988, inovou ao elencar, além do casamento, novas entidades com status de família, dentre elas a união estável. Entretanto, apesar de alargar o conceito de família, a carta constitucional não abarcou todos as suas possibilidades, uma vez que a família se encontra em permanente estado de evolução, posto que é um fato natural e se excede à moldura em que o legislador se enquadra. 

 

A união estável surge então a fim de rotular e regulamentar as famílias informais, uma vez que o ser humano quer obedecer ao legislador, mas não pode desobedecer à natureza, pois a família é fato natural, já o casamento é uma convenção social e o homem irá por toda parte constituir família, dentro da lei, se possível, fora da lei, se necessário (PEREIRA, 2002). 

 

Segundo Nigri (2020) a união estável é uma situação de fato que ganhou proteção jurídica no Brasil, contudo, ainda gera dúvidas para aqueles que pretendem comprová-la para produzir seus efeitos, uma vez que a lei civil brasileira lista seus requisitos, porém sendo uma situação fática, esta deve ser comprovada, caso contrário não haverá reconhecimento da união estável e em consequência a relação não produzirá efeitos, sejam econômicos, financeiros e/ou sucessórios.  

Dias (2013) afirma que diante da equiparação entre casamento e união estável pela Constituição e também pela sociedade, não poderia a Lei limitar direitos que já estavam assegurados, vedando o retrocesso social, motivo pelo qual é necessário o entendimento do que se trata da relação caracterizada como união estável. Madaleno (2013) corrobora afirmando que embora sejam institutos semelhantes, união estão estável e casamento não são simétricos e suas diferenças passam desde a formação à intervenção estatal.  

De acordo com Souza (2018), a união estável pode ser traduzida por matrimônio não formalizado ou casamento informal, o qual tem como objetivo a constituição de família, cujo relacionamento é público e duradouro, ou seja, uma ralação afetiva com aparência de casamento, contudo o casal não é casado.  

Para Jesus (2020) a união estável muito se assemelha ao casamento, diferenciando-se apenas no quesito de formalidade legais necessárias ao casamento, onde este há a celebração do enlace matrimonial, enquanto a união estável surge com a consolidação do comprometimento, da convivência e do cruzamento das vidas. 

O Código Civil de 2002 traz um título específico para a união estável e em seu artigo 1.723 dispõe que “é reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família” e a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 226, §3º, prevê que “para efeito de proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher, como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”. 

Jesus (2020) destaca que embora o Código Civil e a Constituição Federal façam menção aos termos “homem e mulher” quando se referem a união estável, o Supremo Tribunal Federal – STF já consolidou o entendimento de que as relações homoafetivas também poderão ser reconhecidas como união estável se preencherem os requisitos necessários. 

Segundo Madaleno (2020), a união estável exige pressupostos mais concretos de configuração, não bastando o mero namoro, pois apenas a convivência como casal e a vontade de constituir família caracterizarão a relação como sendo estável. 

Conforme Cunha (2004), a “união estável é a relação afetiva amorosa com estabilidade e durabilidade, vivendo ou não sob o mesmo teto, constituindo família sem o vínculo do casamento civil”.  O fato de viver ou não sob o mesmo teto já fora bastante discutido, contudo, a sociedade vem evoluindo cada vez mais no campo dos relacionamentos e residir sob o mesmo teto deixou de ser requisito para a formação de um casal e de uma família.  

Coronel (2021) ressalta que a vida em comum na mesma residência não é um requisito para a caracterização da união estável, assim como um casal que resida no mesmo lugar pode não ter a relação estável reconhecida. Nesse sentido, o STJ, no REsp 474962, em sua ementa, esclareceu que a Lei n.º 9.728/967 não exige como requisito essencial para a caracterização da união estável a coabitação, e que a convivência na mesma moradia pode ser prova para demonstrar a relação comum, contudo sua ausência não afasta a existência da união estável.  

 

Nesse contexto, nasce o conceito da Ifamily, que são os casais que não coabitam e que formam as famílias virtuais, seja em caráter provisório (em virtude de compromissos profissionais, viagens e etc.), ou em caráter permanente (quando o casal se identifica como família, mas reside em locais diversos e convive, na maioria das vezes, pela internet) (ROSA, 2020).  

 

A Ifamily surgiu com a revolução das novas tecnologias, as quais possibilitaram aos casais, através de conexões virtuais, manterem relações afetivas e, segundo Rosa (2020), o estado físico independe da proximidade física, e a constituição de uma Ifamily está baseada simplesmente na busca da felicidade, diante da concretização e da vontade da realização afetiva. Rosa (2020) explica ainda que, apesar de não estar prevista na legislação brasileira, a Ifamily é mais comum do que se imagina, como é o caso de casais que possuem carreiras distintas e um deles precisa se afastar do país durante determinado período (como exemplo, os diplomatas), assim como casais ‘concurseiros’ que são aprovados para concursos em diferentes estados e optam por seguir a carreira em estados distintos, contribuindo para o aumento do número de famílias virtuais.  

Assim como a ausência coabitação não afasta de imediato a existência de uma união estável, a moradia conjunta por si só não caracteriza a relação estável, uma vez que cada vez mais a modernidade vem alterando o comportamento social, fazendo com que as pessoas se reúnam a fim de atingir seus objetivos, contudo sem possuir qualquer tipo de vínculo e/ou compromisso entre elas. 

Barchet (2018) adverte que diversos são os julgados que reconhecem a união estável mesmo diante da ausência de alguns dos requisitos, e que a coabitação é um elemento dispensável, motivo pelo qual sempre deve ser analisado o caso contrato. De acordo com Madaleno (2013), é facilmente possível justificar a ausência de coabitação entre casal por razões de trabalho, uma vez que podem possuir interesse econômicos e profissionais em regiões geograficamente distantes, contudo, a regra da união estável é a coabitação, devendo ser admitida sua ausência em situações cristalinas e comprovadas.  

Cabe destacar que o Código Civil em seu artigo 1.723 não lista a coabitação com requisito para caracterização da união estável, listando apenas a convivência pública, contínua e duradoura com a intenção de constituir família, motivo pelo qual entende-se ser possível admitir a ausência de coabitação nos pedidos de reconhecimento de união estável quando preenchido os requisitos dispostos pela norma.  

Rosa (2020) afirma que o alto custo da manutenção de moradia, assim como a busca da independência, faz com que casais de namorados passem a residir juntos, porém sem o ânimo de constituição de família, ou seja, vivem sob o mesmo teto, porém permanecem com o status de namorados. 

 

Em tempos passados, o namoro servia para as pessoas se conhecerem e o casal não mantinha relação sexual. Hoje em dia é comum, natural e saudável que casais de namorados mantenham relacionamento sexual sem que isso signifique nada além de um namoro (PEREIRA, 2004). 

 

Silveira (2018) afirma que atualmente, em virtude da facilidade na comunicação e da liberdade das relações sexuais, o que propicia a imediatidade de relacionamentos, novas facetas além de namoro surgiram nas relações amorosas, sendo elas o “amasso”, “ficar”, “amizade-colorida”, os quais não possuem repercussões jurídicas e/ou patrimoniais. 

Não há definição em lei sobre o que é de fato o namoro, mas os doutrinadores apontam como sendo um relacionamento entre duas pessoas, sem caracterizar uma entidade familiar e sem nenhuma dependência. Madelano (2013) afirma que a união estável merece a proteção do Estado, posto que é semelhante ao casamento, no qual os parceiros têm o objetivo comum de constituir família, sendo esta a principal característica para diferenciá-la de um simples namoro.  

Para Jesus (2020), dentre os diversos conceitos de namoro, o do dicionário Houaiss é aquele que mais se enquadra a realidade do momento, posto que sua definição se dá no que diz respeito a aproximação não só física, mas também psíquica entre dois indivíduos que convivem num relacionamento e que almejam sua extensão para o futuro. 

De acordo com Nigri (2020) a lei brasileira não aborda a definição de namoro, tampouco atribui efeitos jurídicos, o que dificulta a diferenciação entre namoro e união estável, uma vez que os namoros de hoje em dia têm liberdade maior, onde as pessoas viajam juntas, dormem juntas e muitas vezes moram juntas, sem que ambos se considerem casados. 

Para Campos (2020) o namoro sofreu grandes alterações com a evolução da sociedade, principalmente no que diz respeito as quebras de paradigmas quando a proibição da relação sexual antes do casamento, assim sendo os casais passaram a ter mais liberdade, aproximando-se na prática da relação já existente entre casais formalmente enlaçados.   

Coronel (2021) afirma que, no namoro, o foco do relacionamento é viver novas experiências, conhecer a outra pessoa e se adequar aos costumes entre aqueles que nutrem sentimentos mútuos. Souza (2018) define namoro como sendo o relacionamento físico e psíquico que aspira continuidade, respeito mútuo e fidelidade, sem a obrigação de casamento. 

De acordo com Santos (2020), o namoro é um relacionamento amoroso de duas pessoas, baseado na afetividade, sem a intenção de constituir família, mas que têm outros objetivos e buscam evoluir também em suas vidas particulares, na sua carreira e estudos.  

Madaleno (2013) afirma que o namoro clássico poderia ser visto como o envolvimento do casal recente, onde um quase não tinha conhecimento do outro, tratando-se de um período experimental, que após tornarem-se afins, partiriam para o noivado, a fim de estreitar os laços e amadurecer a relação, contudo tal definição não cabe mais aos tempos atuais, visto que a relação de namoro coloca o casal cada vez mais próximo e conhecedor um do outro.  

Diante da proximidade do namoro e da união estável, imensa é a preocupação daqueles que desejam resguardar seu patrimônio, uma vez que o namoro não possui impactos patrimoniais e a união estável sim, posto que, além das consequências jurídicas, se não pactuado de forma diferente, tal relação será regida pela comunhão parcial de bens8. 

Recentemente, tendo em vista a confusão entre namoro e união estável, e o grande volume de pedidos de reconhecimento de união estável no Poder Judiciário, a jurisprudência vem trazendo um novo tipo de relacionamento, o namoro qualificado, o qual é conceituado como relacionamento com objetivo futuro de constituição de família. 

O Supremo Tribunal de Justiça, em diversos julgados, já citou a relação de namoro qualificado como sendo aquele com o animus futuro de constituição de família, diferente do namoro em que não há o mesmo interesse  e diferente ainda da união estável, uma vez que esta tem o animus atual de constituição familiar. 

 

Por conta disso, o namoro em si, qualificado ou não, não possui consequências jurídicas e, portanto, tampouco patrimoniais, já que nele não existe o animus familiae, motivo pela qual existem “namoros longos que nunca se transformaram em entidade familiar e relacionamentos curtos que logo se caracterizam como união estável” (PEREIRA, 2004). 

 

As definições, bem como as características das relações de namoro, namoro qualificado e união estável são de suma importância para a interpretação do presente estudo, uma vez que será a diferenciação deles que irá determinar a necessidade ou não da formalização do relacionamento através do contrato de namoro.  

De acordo com Coronel (2021), existe uma linha tênue entre namoro e união estável, e na prática são bem difíceis de distinguir e demonstrar, o que muitas vezes é necessário em virtude dos reflexos que o término do relacionamento pode resultar, pois na união estável haveria reflexos de questões patrimoniais e no namoro não. 

Dias (2015) corrobora afirmando que não é fácil distinguir o namoro e união estável, uma vez na atualidade são relacionamentos muito semelhantes, distinguindo-se apenas pelo nível de comprometimento do casal a fim de constituir família. 

 

O namoro não tem prazo, por muitas vezes nem marco inicial possui, também não possui regras e tampouco consequências jurídicas. É possível acompanharmos longos namoros que nunca viraram família e namoros curtos que logo se transformaram em união estável ou casamento. Já a união estável é uma situação fática, um fato da vida reconhecido pelo Direito de Família, em que o casal se porta como casado (GAGLIANO, 2004). 

 

De acordo com Madaleno (2013) é possível identificar a diferença entre namoro e união estável através do comportamento exteriorizado do casal, o qual se apresentam socialmente como se casados fossem, com sinais notórios de existência de rotina familiar, bem como a dependência alimentar ou dependência em clubes, cartões etc. 

No mesmo sentido, Silveira (2018) afirma que para a relação amorosa ser enquadrada como união estável, devem estar presentes todos os requisitos necessários caracterizados da referida união, principalmente aquele que diz respeito a intenção de constituir família naquele momento e não no futuro, posto que se trata do principal diferenciador da relação de namoro para a de união estável, sendo assim, o casal deve ser visto pela sociedade como se casados fossem. 

Campos (2020) destaca que ainda que o namoro seja prolongado, público e contínuo, para ser confundido com união estável é necessário que ele apresente também o requisito diferenciador dos dois institutos, quais seja a intenção de constituir família, posto que é cristalino que no namoro não há entidade familiar, pois naquele momento o casal se prepara para constituir uma família no futuro, sendo que na união estável a família já existe. 

No entanto, tendo em vista a evolução da sociedade e com ela os relacionamentos afetivos, está cada vez mais difícil diferenciar o namoro da união estável, posto que possuem as mesmas características, com a exceção a de constituir família, sendo esta exclusiva da união estável. Contudo, os requisitos de convivência duradoura, pública e contínua, os quais são elencados pela Lei 9.728/97, estão presentes em ambas as modalidades de relacionamento amoroso, deixando a cargo do julgador, mesmo diante da existência de um contrato de namoro ou escritura de união estável, a análise das provas e fatos a fim de reconhecer ou não a união estável. 

A diferenciação é necessária, pois, no término do relacionamento, muitos buscam o reconhecimento da relação como sendo união estável, uma vez que trará impactos patrimoniais. De acordo com Rosa (2020), cada um quer ser indenizado pelo prejuízo sofrido em nome do amor que acabou, e assim, o dinheiro torna-se pleno de significações simbólicas.  

Vale ressaltar que, de acordo com Gagliano (2004), a união estável é um ato-fato jurídico, e que seus efeitos não dependem da vontade do casal. Destaca-se ainda que a existência de uma escritura pública de união estável também não é suficiente para demonstrar que o casal possuía um relacionamento estável, sendo necessário o preenchimento dos requisitos para o reconhecimento da união estável. Neste sentido, a 8º Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul julgou improcedente uma ação de reconhecimento/dissolução de união estável9: “APELAÇÃO CÍVEL. FAMÍLIA. UNIÃO ESTÁVEL. NÃO CONFIGURAÇÃO. RELAÇÃO NÃO DURADOURA. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO DECLARATÓRIO DE DISSOLUÇÃO. 1. O curto relacionamento vivenciado entre o par (seis meses) não se amolda às previsões do art. 1.723 do CC, não tendo se revestido de durabilidade, estabilidade e seriedade inerentes ao objetivo de constituir família. 2. A simples existência de escritura pública de declaração de união estável não possui força probante absoluta, notadamente porque relacionamento estável é fato, cuja efetiva existência não foi demonstrada durante a instrução do feito. APELAÇÃO DESPROVIDA.” (Grifei) 

 

Segundo Scherer (2020), a diferença entre namoro (seja ele qualificado ou não) e a união estável é o intuito de constituir família, sendo este um requisito subjetivo, que já deve estar consumado quando ocorrer o pleito do reconhecimento da união estável. 

 

Tendo em vista a ausência de diferenças mais cristalinas quanto ao namoro comparado à união estável, entidades que aparecem separadas por uma linha tênue, quase impossível de se perceber, diversos autores admitem que a diferença é imperceptível, fato este potencializado quando comparada a união estável ao namoro qualificado (XAVIER, 2020).  

 

Segundo Madaleno (2020), o namoro qualificado surgiu em virtude da liberdade sexual e da facilidade dos rompimentos afetivos, posto que em diversos namoros não há qualquer compromisso em constituir família, embora os namorados estejam sempre juntos, frequentem festas e possuam seu relacionamento público, assim como rotineiramente pernoitem um na casa do outro, ou já em definitivo coabitem.  

Coronel (2021) afirma que o elemento decisivo para diferenciar namoro de união estável é a intenção em constituir família, o que na prática é algo sensível e delicado, posto que se trata de uma característica subjetiva, o que dificulta a diferenciação em ambos os tipos de relacionamentos, fato este que leva alguns doutrinadores defenderem a viabilidade do contrato de namoro, pois restaria cristalino que aquela relação não possuía a intenção de estabelecer família.  

Tão tênue é a diferença entre namoro e união que estável que, quando comparada esta segunda com o dito namoro qualificado, torna-se quase impossível ter clara a distinção entra ambos. Em pedido de reconhecimento de união estável julgado pelo Supremo Tribunal de Justiça, a decisão10 se deu no sentido de que as partes não haviam vivenciado união estável e sim namoro qualificado, o qual projetam para o futuro e não para o presente a criação de uma entidade familiar.  

Souza (2018), em poucas frases, consegue diferenciar o namoro e união estável, sendo o namoro algo cujo objetivo de constituir família é futuro e na união estável a família já está constituída.  

 

Na mesma toada pode-se afirmar que “o namoro é o relacionamento no qual a expectativa de constituição de família é futura, enquanto na união estável ambos sentem que a família já está constituída” (NIGRI, 2020, p. 40). 

 

Sendo assim, diante do cenário pós-moderno, é necessário estar atento aos fatos da vida real, posto que para o reconhecimento judicial da união estável será necessário um esforço probatório que não deixe dúvidas quanto à intenção ou a já constituição de uma entidade familiar, uma vez que atualmente grande parte das relações afetivas são duradouras, públicas e contínuas.  

 

  1. CONTRATO DE NAMORO E SEU EFEITO JURÍDICO FRENTE AO PEDIDO DE RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL

O contrato de namoro surgiu no âmbito do Direito de Família com a intenção de reforçar entre as partes que aquele momento se trata apenas de um namoro, ou seja, visa a afastar a união estável, declarando que o relacionamento afetivo não se enquadra como entidade familiar e tampouco possui intenção de constituição de família, evitando, assim, futuras discussões acerca de herança, alimentos e partilha de bens por ocasião do término do relacionamento. 

 

Não há proibição da pactuação do contrato de namoro no ordenamento jurídico brasileiro, embora sejam contratos atípicos. Contudo, para que sejam válidos é necessário que os agentes sejam capazes, e o objeto seja lícito, determinado ou determinável ou não defesa em lei (VENOSO, 2010). 

 

Não há exigência de forma especial para declaração da vontade, sendo livre a escolha do contrato particular ou público, embora o último seja mais seguro, na hipótese de discussão judicial acerca da eficácia do negócio jurídico. 

De acordo com Xavier (2020), no referido instrumento, as partes poderão dispor expressamente que, caso o namoro evolua para união estável, tal situação será formalizada mediante instrumento público, bem como já definir qual será o regime de bens e declarar a não caracterização de dependência econômica recíproca. 

 

Neste sentido, há possibilidade de ser inserido no contrato uma cláusula darwiniana, ou seja, contratação de uma cláusula de evolução, na qual em que havendo evolução de fato no relacionamento de namoro, passando a configurar união estável, as partes livremente resolvem adotar determinado regime de bens (DIAS, 2015). 

 

Algumas outras avenças são consideradas imprescindíveis para a confecção do contrato de namoro, sendo elas: lista de bens individuais de cada namorado e regras das cláusulas de incomunicabilidade; a possibilidade de o namoro vir a se transformar em união estável com o tempo, e para esse caso os futuros conviventes estabelecem desde já determinado regime de bens; data de início do namoro; declaração de que no momento a relação não constitui união estável e que no momento não tem intenção de se casar e/ou constituir família; entre outros. 

O casal pode, ainda, estipular cláusulas existenciais, meramente íntimas e privadas entre as partes, como, por exemplo, a posse do animal em caso de término e se presentes trocados durante a união serão devolvidos ou não, dentre outras avenças. 

Madaleno (2020) sugere que como conteúdo mínimo do contrato entre namorados devem estar presentes o tempo de convívio, indicando sua data de início apenas, pois não há como pré-determinar o prazo do relacionamento.  

Diante de tantas possibilidades de avenças possíveis de se realizar através do contrato de namoro, é importante destacar que não poderá haver ajuste entre as partes acerca de direitos hereditários, uma vez que é expressamente vetado pelo Código Civil, em seu artigo 42611. 

Ressalta-se que o contrato de namoro deve ser elaborado pela interseção entre o Direito de Família e Direito dos Contratos, uma vez que deverá observar as previsões legais de ambas as áreas a fim de se tornar um contrato válido. Pereira (2002) nos lembra que o contrato deve ser celebrado na conformidade da lei, e com a finalidade de adquirir, resguardar, transferir, conversar, modificar ou extinguir direitos.  

O enunciado n.º 24 do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM prevê que, em pacto antenupcial ou contrato de convivência, podem ser celebrados negócios jurídicos processuais, o que por similitude se aplica ao contrato de namoro. 

Nesse sentido, por analogia ao contrato de convivência, deve-se ter a devida atenção ao enunciado 63512 do CNJ, o qual dispõe que “o pacto antenupcial e o contrato de convivência podem conter cláusulas existenciais, desde que estas não violem os princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade entre os códigos e da solidariedade familiar”. 

Souza (2018) ressalta que a liberdade de contratar não é absoluta, posto que encontra óbices na imposição de que haja respeito à lei, aos bons costumes e a observância à função social do contrato, que deverá limitar a autonomia da vontade quando esta colidir com o interesse social.  

Neste sentido, cabe ressaltar o artigo 2035 do Código Civil, o qual determina que “nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos”. 

De acordo com Coronel (2021), o contrato visa a afastar os direitos e deveres contemplados na união estável com o fito de ser utilizado como elemento probatório para evitar que o ex-parceiro lucre com o término do relacionamento. Contudo, parte da doutrina entende que o referido contrato de namoro não possui tal efeito, uma vez que sua existência não é capaz de afastar o reconhecimento da união estável se esta for devidamente provada. 

Assim, se o magistrado estiver convencido de que aquela relação envolvida no litígio poderia ser caracterizada como união estável, pois preenchia todos os requisitos, sua sentença poderá ser proferida no sentido de considerar nulo o contrato de namoro. 

Segundo Nigri (2020) há cada vez mais casais firmando o referido instrumento, porém ainda não é pacífica a jurisprudência, havendo os juristas que defendem a validade do contrato de namoro e aqueles que invalidam sua eficácia, ante a mutabilidade das relações.  

De acordo com Dias (2015), a criação do contrato de namoro se deu em virtude do medo de que as simples relações pudessem ser entendidas pelo judiciário como uma forma de união estável, gerando consequências patrimoniais aos namorados. No entanto, parte dos doutrinadores entendem que tal contrato não possui validade, uma vez que o referido instrumento não poderia afastar um fato jurídico protegido pela legislação, a união estável. 

Para que o namoro não configure união estável, não basta apenas firmar um contrato, é necessário verificar se a relação afetiva não possui os requisitos necessários para o relacionamento estável, pois, segundo Madaleno (2020), nenhuma validade terá um precedente contrato de namoro se a relação conjugal estiver contemplando as características previstas no artigo 1.72313 do Código Civil. 

Gagliano (2004) corrobora afirmando que o referido contrato é desprovido de validade jurídica, uma vez que a união estável é um fato da vida reconhecida pelo Direito de Família e com indícios de definitividade, motivo pelo qual o jurista defende que o contrato de namoro não poderia ser reconhecido a fim de afastar a união estável, uma vez que sua regulação é feita por normas cogentes, de ordem pública e indisponíveis pela simples vontade das partes. 

 

Outra corrente dos doutrinadores reconhece a possibilidade do referido contrato, com a condição de que sejam estabelecidos visando unicamente à constatação realidade fática (MADALENO, 2020). De acordo com Figueiredo (2018), o qual defende a validade do contrato de namoro, tal pacto é importante porque “finda o enquadramento automático e avolitivo da união estável – o qual retrata publicização injustificada e indevida intromissão estatal na autonomia e evita-se, para quem não deseja, a conferência de consequências jurídicas como alimentos, regime de bens, sucessão, previdência. Outrossim, rechaça-se conferência de união a quem, sequer, sabe vivenciar tal situação jurídica ou, até mesmo, declarou não ter desejo de vivenciá-la” (FIGUEIREDO, 2018, p.419). 

 

Coronel (2021) ressalta que não existem requisitos legais para a formação do contrato de namoro, entretanto, como qualquer escritura pública, é necessário que ambas as partes compareçam ao cartório e firmem sua vontade de afastar a união estável e sua divisão de bens através de contrato, atestando a ausência de interesse em constituir família.  

 

Sendo um documento fidedigno, ou seja, celebrado entre os interessados, os quais declaram que estão tendo um relacionamento afetivo, porém sem interesse ou vontade de constituir família, bem como a incomunicabilidade de seus patrimônios, não teria a outra parte direito de exigir da primeira nenhum tipo de direito (VENOSA, 2010). 

 

Contudo, cabe ressaltar que independentemente da existência de um contrato de namoro, quando pleiteado o reconhecimento da união estável na esfera judicial, caberá ao magistrado analisar se o relacionamento possuía os requisitos para caracterizá-lo como união estável, fazendo com que tal pacto seja irrelevante ou não para a resolução do litígio.  

O STJ, no REsp. 145464314 firmou posicionamento de que namoro, mesmo quando o casal coabita, não tem intenção presente de constituição de família, e neste caso não teria consequência patrimonial. Os tribunais estão seguindo o entendimento do STJ e nas ações de reconhecimento de união estável buscam diferenciar as relações, incluindo o status de “namoro qualificado”, conforme acórdão exposto: “ADMINISTRATIVO E CIVIL. PENSÃO ESTATUTÁRIA POR MORTE. COMPANHEIRO. CONDIÇÃO NÃO OSTENTADA.UNIÃO ESTÁVEL. INEXISTÊNCIA. NAMORO QUALIFICADO. REQUISITOS OBJETIVOS. PUBLICIDADE, CONTINUIDADE E DURABILIDADE PREENCHIMENTO. ELEMENTO SUBJETIVO (AFFECTIO MARITALIS). AUSÊNCIA. FORMAÇÃO DA FAMÍLIA. PROJEÇÃO PARA O FUTURO.CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. IMPOSSIBILIDADE.SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA REFORMADA. I. Tanto a união estável quanto o namoro qualificado são relações públicas, contínuas e duradouras (requisitos objetivos). O requisito subjetivo (affectio maritalis: ânimo de constituir família) é o elemento diferenciador substancial entre ambas. II. Na união estável, a família já está constituída e afigura um casamento durante toda a convivência, porquanto, nela, a projeção do propósito de constituir uma entidade familiar é para o presente (a família efetivamente existe). No namoro qualificado, não se denota a posse do estado de casado: se há uma intenção de constituição de família, é projetada para o futuro, através de um planejamento de formação de um núcleo familiar, que poderá ou não se concretizar. Precedente do STJ. III. Verificado, no caso concreto, que o Autor mantinha com a falecida um namoro qualificado, não faz jus à pensão estatutária por ela instituída. Embora a relação fosse pública, contínua e duradoura, não possuía o elemento subjetivo característico da união estável. O casal planejava formar um núcleo familiar, mas não houve comunhão plena de vida. IV. Remessa necessária provida. Apelação do Autor prejudicada. TRF-2 – 00047793820144025101 0004779- 38.2014.4.02.5101 (TRF-2)” (grifei). 

 

O contrato de namoro serve para demonstrar também casos típico de namoro qualificado, cujo documento constituirá prova para ratificar que a relação era algo a mais que namoro, porém sem intenção de constituir família, ou seja, uma relação além do namoro, porém longe de ser união estável.  

De acordo com Xavier (2020), não se sabe precisar com exatidão quantas vezes o contrato de namoro foi analisado pelos magistrados. Embora já tenha sido apontado algumas vezes, nos tribunais o posicionamento acerca do referido instrumento ainda é discreto.  

Em acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, o magistrado registrou a admissibilidade de o contrato de namoro ao asseverar que “se desincumbiu o falecido de evitar mal-entendidos acerca de seu relacionamento com a autora, o que poderia ter feito, por exemplo, formalizando um contrato de namoro, que afastasse a hipótese de que estivesse vivendo em uma união estável”15. 

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo também já se manifestou acerca do contrato de namoro frente ao pedido de reconhecimento de união estável, e conforme se pode aferir na ementa abaixo, o contrato é prova documental, contudo não afasta a análise dos requisitos legais exigidos para a configuração da união estável. “APELAÇÃO. Ação de reconhecimento e dissolução de união estável cumulada com partilha de bens. Sentença que julgou improcedente a ação. Inconformismo da parte autora. Não preenchidos os elementos essenciais caracterizadores da união estável previstos na lei. Contrato de namoro firmado pelas partes. Caracterizado simples namoro, sem intenção de formação de núcleo familiar. Sentença mantida. Recurso desprovido.”16 (grifei) 

Dessa forma, encontra-se que o contrato de namoro terá validade jurídica quando registrar a relação fática de namoro, contudo quando o namoro se transmuta em união estável, ele poderá ser considerado inválido para descaracterizar a união. Destaca-se que o referido instrumento se torna prova válida também nos casos típicos de namoro qualificado, aquela relação mais próxima à união estável, porém sem comunicabilidade patrimonial. Nesse caso, o documento constituirá prova para demonstrar que a relação era algo a mais que namoro, porém sem intenção de constituir família, não se enquadrando no cenário da união estável.  

Neste sentido Nigri (2020) destaca que mesmo havendo o contrato de namoro, será a realidade do casal que prevalecerá, uma vez que o referido instrumento não terá validade jurídica se o casal na realidade fática estiver vivendo em uma união estável. 

Jesus (2020) corrobora afirmando que mesmo existindo a possibilidade da celebração do contrato de namoro, as partes não conseguirão afastar o reconhecimento da união estável se a realidade do relacionamento demonstrar que estão presentes os requisitos que a caracteriza como união estável, não servindo assim o negócio jurídico afastar os efeitos da união que existe de fato. 

De acordo com Barchet (2018) quando o contrato de namoro tiver como propósito o afastamento do reconhecimento dos efeitos da união estável, ele será nulo de pleno direito, posto que não há como se gravar incomunicabilidade futura de bens proveniente de esforço comum se esta for a realidade fática vivida pelo casal, motivo pelo qual o contrato torna-se inexistente e desprovido de eficácia no ordenamento jurídico.  

Destarte, frente à divergência doutrinária, entende-se inicialmente o contrato de namoro pode servir como instrumento para afetar o psicológico, produzindo efeitos de natureza afetiva e emocional, posto que, de acordo com Ferreira (2003), a família é bem maior, protegida constitucionalmente, devendo ser tutelada, independente da vontade das partes, sendo assim, não teria validade o contrato de namoro para evitar os efeitos da união estável, a qual se constituirá desde que suas características estejam presentes de fato.  

 

CONCLUSÃO 

O presente trabalho teve como objetivo principal analisar a validade do contrato de namoro frente ao pedido de reconhecimento da união estável. A pesquisa fora dividida em três capítulos, os quais trouxeram aprofundado o estudo acerca de contratos em geral, negócio jurídico e autonomia da vontade no primeiro capítulo, a distinção de namoro e união estável, bem como as novas figuras jurídicas que caracterizam as relações pessoais no segundo capítulo e no terceiro e último capítulo demonstrou o que é o contrato de namoro e quais são seus efeitos jurídicos. 

Por meio do estudo realizado, conclui-se que o contrato de namoro surgiu com a intenção de reforçar entre as partes que aquele momento se trata apenas de um namoro, evitando futuras discussões em relação a herança, pensão e partilha de bens por ocasião do término do relacionamento. 

Verificou-se que, no referido instrumento, as partes podem dispor expressamente que caso o namoro evolua para união estável, tal situação seria formalizada mediante instrumento público.  

Sendo um contrato, exige agente capaz, objeto lícito ou não defesa em lei e não há exigência de forma especial para declaração da vontade, sendo livre a escolha do contrato particular ou público. Contudo, trata-se de um contrato atípico, não previsto em lei e não possuindo validade jurídica para afastar o direito daqueles que de fato vivem em união estável, uma vez que mesmo havendo o contrato de namoro assinado, predominará sempre a realidade, tornando-se tal instrumento inválido se na verdade o casal tiver uma união estável. 

Observou-se que a doutrina e a jurisprudência ainda não são consolidadas quanto à validade jurídica do contrato de namoro, uma vez que há aqueles que consideram o contrato de namoro um instrumento que é válido e tem sua eficácia, posto que formalizado atendendo a vontade das partes, e há outros que o consideram inválido, uma vez que não se pode contratar ou renunciar a um direito futuro, posto que a realidade vivida pelo casal se transforma diariamente, e a qualquer momento, com instrumento formal ou não, pode ser caracterizada como união estável.  

Destaca-se que o contrato de namoro pode ser uma tentativa de formalizar a não caracterização da união estável, uma vez que atualmente a diferença entre a relação de namoro e de união estável é algo subjetivo, em razão de que não se prova de maneira fácil e clara a intenção do casal em constituir família, motivo pelo qual aqueles que desejam se proteger firmam o contrato de namoro, declarando claramente que não possuem intenção de formar família. 

Destarte, percebe-se que o contrato de namoro pode auxiliar em demanda judicial a fim de demonstrar que o casal não possuía vontade de constituir família, contudo, havendo provas contrárias, o instrumento não será válido para produzir qualquer efeito jurídico ou afastar os efeitos da união estável, uma vez que esta é reconhecida por aspectos da realidade. Caso preencha os requisitos de união pública, contínua, duradoura e com intenção de constituir família, muito certamente será reconhecida e o contrato de namoro será inválido, não afastando o direito daquele que buscou o reconhecimento da relação. 

 

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