Princípio da primazia da realidade

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O princípio da primazia da realidade é um dos pilares do Direito do Trabalho e significa, de maneira geral, que os fatos prevalecem sobre os documentos. Em outras palavras, se há uma contradição entre o que está escrito em um contrato e o que ocorre na prática, a Justiça do Trabalho considerará a realidade vivida pelo trabalhador como verdadeira.

Esse princípio visa proteger o trabalhador de fraudes, dissimulações ou omissões que possam encobrir uma relação de emprego ou suprimir direitos trabalhistas. Ele é constantemente invocado em ações judiciais nas quais há tentativa de mascarar vínculos empregatícios com contratos de prestação de serviço, MEIs ou PJs.

A seguir, exploraremos detalhadamente como o princípio da primazia da realidade se aplica, seus fundamentos, exemplos práticos, efeitos nas decisões judiciais e estratégias de prevenção para empregadores.

Fundamentos do princípio da primazia da realidade

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O princípio da primazia da realidade tem origem na própria proteção ao hipossuficiente — o trabalhador — dentro do Direito do Trabalho. Ele está implícito na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), mas também é respaldado por normas constitucionais e convenções internacionais.

Esse princípio se fundamenta nas seguintes ideias:

  • A realidade dos fatos prevalece sobre a forma escrita;

  • A proteção ao trabalhador, parte mais frágil da relação laboral, deve ser assegurada;

  • O contrato não pode servir como escudo para fraudes;

  • A verdade formal (documento) não pode anular a verdade material (conduta real).

Trata-se, portanto, de um instrumento interpretativo que garante a efetividade dos direitos trabalhistas, impedindo que acordos formais ocultem obrigações legais da empresa contratante.

Aplicação prática nas relações de trabalho

A aplicação do princípio da primazia da realidade ocorre de forma intensa nas reclamações trabalhistas, especialmente quando há alegações de:

  • Vínculo empregatício disfarçado, como no caso de trabalhadores contratados como PJ;

  • Função registrada diferente da função exercida;

  • Salário “por fora” ou parte não registrada na folha;

  • Jornada de trabalho diferente daquela que consta nos registros oficiais;

  • Trabalho informal, sem assinatura da carteira de trabalho.

Nesse sentido, a Justiça do Trabalho analisa testemunhos, provas materiais, e-mails, mensagens, depoimentos e outros elementos que demonstrem o dia a dia da relação entre trabalhador e empregador.

Por exemplo, se um trabalhador foi registrado como “consultor externo PJ”, mas presta serviços diários, em horário fixo, subordinado a um superior direto e sem liberdade para recusar ordens, há grande chance de o juiz reconhecer vínculo de emprego, mesmo com contrato formal de prestação de serviço.

A importância do princípio para a proteção do trabalhador

O princípio da primazia da realidade é essencial para garantir que a justiça seja feita mesmo diante de contratos dissimulados ou montagens jurídicas artificiais. Muitos empregadores, ao longo do tempo, passaram a utilizar instrumentos como:

  • Contratos de freelancer;

  • Regime de cooperativa;

  • MEI (Microempreendedor Individual);

  • PJ (Pessoa Jurídica);

  • Contrato de estágio fraudulento;

  • Bolsas ou ajuda de custo com natureza salarial disfarçada.

Essas ferramentas são legais, mas seu uso indevido para mascarar relações empregatícias representa fraude à legislação trabalhista, o que o princípio da primazia da realidade visa coibir.

É justamente por esse princípio que o juiz não está preso ao contrato, podendo interpretar os fatos com liberdade, respeitando as provas constantes nos autos.

Exemplos clássicos de aplicação

Trabalhador PJ que cumpre jornada e tem chefe direto

Um profissional contratado como PJ, com CNPJ ativo e emissão de notas fiscais mensais, mas que:

  • Trabalha de segunda a sexta, das 9h às 18h;

  • Está subordinado a um chefe;

  • Tem metas a cumprir e sofre sanções;

  • Não pode indicar substitutos;

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Esse é um caso típico onde a Justiça pode reconhecer vínculo empregatício, pois os elementos da relação de emprego estão presentes (pessoalidade, habitualidade, onerosidade e subordinação).

Estagiário que executa tarefas típicas de empregado

Outro exemplo comum é o estagiário que:

  • Trabalha além das 6 horas permitidas;

  • Realiza atividades que não estão ligadas à sua formação;

  • Não tem plano de atividades;

  • Está sob ordens diretas como um empregado comum.

Nesse caso, o estágio pode ser considerado fraudulento, sendo reconhecido como relação de emprego com todas as verbas trabalhistas devidas, como FGTS, férias, 13º, INSS, entre outras.

Diferença entre função registrada e função real

Um trabalhador registrado como “auxiliar administrativo”, mas que, na prática, atua como gerente, tomando decisões estratégicas, coordenando equipe e assumindo responsabilidades superiores, pode pleitear o pagamento de salário compatível com a função exercida.

A CLT, inclusive, garante ao empregado o direito à equiparação salarial, com base no que de fato ele exerce.

Relação com outros princípios do Direito do Trabalho

A primazia da realidade se articula com diversos outros princípios trabalhistas, entre eles:

Princípio da proteção

Visa garantir que, na dúvida, a interpretação das normas seja feita a favor do trabalhador.

Princípio da condição mais benéfica

O trabalhador deve se beneficiar da condição mais favorável, caso haja conflito entre normas ou acordos.

Princípio da indisponibilidade dos direitos trabalhistas

Os direitos garantidos por lei não podem ser renunciados ou reduzidos, mesmo com a concordância do empregado.

A primazia da realidade reforça todos esses princípios ao impedir que formas jurídicas incompatíveis com a realidade sejam usadas para burlar direitos inalienáveis.

Consequências jurídicas da aplicação do princípio

Quando um juiz reconhece que a realidade fática diverge do contrato, os efeitos podem ser severos para o empregador:

  • Reconhecimento de vínculo empregatício com efeitos retroativos;

  • Pagamento de todas as verbas trabalhistas devidas, como férias, 13º, FGTS, INSS e aviso prévio;

  • Multas legais e indenizações por dano moral, se for o caso;

  • Anulação de contratos fraudulentos;

  • Responsabilização civil e fiscal da empresa;

Além disso, a empresa pode ser autuada por órgãos como o Ministério do Trabalho ou Receita Federal.

Como o empregador pode se proteger legalmente

É possível adotar medidas preventivas para evitar condenações baseadas na primazia da realidade, sempre que a relação for de fato de prestação de serviços e não de emprego.

As principais estratégias são:

Contratar apenas com escopo claro

O contrato deve ter objeto definido, prazos e formas de pagamento específicas, sem imitar um contrato de trabalho.

Garantir autonomia técnica do prestador

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Evite controle de horários, imposição de metas internas, exclusividade ou ordens diretas. Permita que o prestador atue como empresa.

Permitir substituição do profissional

A pessoalidade é um forte indício de vínculo. Se a empresa contratada puder indicar outro profissional para o serviço, menor o risco.

Evitar tratamento típico de empregado

Não conceda benefícios como vale-transporte, vale-refeição, plano de saúde, e-mail corporativo ou crachá. Tudo isso aproxima o PJ de um CLT.

Fazer reavaliações periódicas

Revisar contratos e a prática com frequência permite ajustes antes que se forme um passivo trabalhista.

A jurisprudência sobre o princípio da primazia da realidade

Os tribunais trabalhistas aplicam amplamente o princípio da primazia da realidade. Eis algumas decisões ilustrativas:

“Na Justiça do Trabalho, vigora o princípio da primazia da realidade sobre a forma. Não importa o rótulo jurídico dado pelas partes à relação contratual, mas sim o que se verifica na prática.”
(TRT-3, RO 0010126-72.2021.5.03.0038)

“A existência de CNPJ, contrato de prestação de serviços e emissão de nota fiscal não afastam, por si só, o vínculo empregatício, se presentes os elementos da relação de emprego.”
(TRT-2, RO 1001912-35.2020.5.02.0006)

Essas decisões mostram que o Judiciário não se prende a formalidades, e sim à realidade dos fatos.

A Reforma Trabalhista afetou o princípio da primazia da realidade?

A Reforma Trabalhista de 2017 (Lei 13.467/2017) trouxe maior segurança jurídica para contratos alternativos, como os de autônomos e intermitentes, mas não revogou nem limitou o princípio da primazia da realidade.

Ou seja, mesmo após a reforma, continua prevalecendo a realidade fática sobre os documentos, e qualquer contrato que encubra uma relação de emprego pode ser desconsiderado judicialmente.

O que a reforma fez foi permitir novas formas de contratação, desde que estas sejam reais e não fraudulentas.

Perguntas e respostas sobre o princípio da primazia da realidade

O contrato de prestação de serviços protege contra processo trabalhista?
Não necessariamente. Se a prática revelar vínculo de emprego, o contrato pode ser desconsiderado.

Um PJ pode ser reconhecido como empregado?
Sim, se houver subordinação, pessoalidade, habitualidade e onerosidade.

Se a empresa pagar tudo em dia, ainda assim pode ser condenada?
Sim. Mesmo que o pagamento ocorra regularmente, se for verificada a relação de emprego, os direitos CLT devem ser pagos.

E se o prestador tiver outros clientes?
Ajuda a demonstrar autonomia, mas não impede o reconhecimento de vínculo se, na sua empresa, ele atuar como empregado.

O juiz pode anular cláusulas contratuais?
Sim. Cláusulas que contradigam a realidade ou retirem direitos legais podem ser invalidadas.

Como provar que não havia vínculo?
Com documentos, e-mails, testemunhas e provas que demonstrem autonomia, escopo pontual, ausência de ordens diretas, e que o prestador tinha liberdade e outros clientes.

É possível ser condenado mesmo com nota fiscal?
Sim. A nota fiscal, por si só, não afasta o reconhecimento do vínculo, se os elementos da CLT estiverem presentes.

Conclusão

O princípio da primazia da realidade é uma ferramenta fundamental de justiça social e equilíbrio nas relações de trabalho. Ele garante que o empregador não possa se esconder atrás de contratos formais para suprimir direitos do trabalhador, e assegura que a prática e o cotidiano profissional sejam analisados com base em fatos reais, e não apenas na formalidade documental.

Para empresas, isso exige cautela redobrada nas contratações de prestadores de serviço, especialmente em contratos de PJ, MEI e freelancer. Já para os trabalhadores, o princípio é uma garantia de que os direitos trabalhistas serão preservados, mesmo diante de manobras contratuais.

Empregadores responsáveis devem, portanto, atuar preventivamente, buscando orientação jurídica, contratos transparentes e condutas coerentes com a natureza das contratações. Somente assim é possível garantir segurança jurídica e relações justas para ambas as partes.

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