Muitas famílias que convivem com crianças, adolescentes ou adultos diagnosticados com Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) e Transtorno Opositivo-Desafiador (TOD) enfrentam desafios cotidianos que vão além do tratamento clínico. A dificuldade de inclusão escolar, o estigma social, os custos com profissionais especializados e, em muitos casos, a limitação de autonomia para a vida adulta fazem com que surja uma dúvida muito comum: pessoas com TDAH e TOD têm direito ao Benefício de Prestação Continuada (BPC/LOAS)?
A resposta é: sim, é possível, mas não automático. A concessão do BPC depende do preenchimento de requisitos específicos, principalmente no que se refere à comprovação da deficiência e da situação de vulnerabilidade socioeconômica. Neste artigo, vamos abordar em profundidade tudo o que você precisa saber sobre o LOAS para pessoas com TDAH e TOD: os critérios, os documentos, como solicitar, os obstáculos mais comuns, jurisprudência e exemplos práticos.
O que é o BPC/LOAS
O BPC (Benefício de Prestação Continuada) é um benefício assistencial garantido pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) e previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal. Ele é pago pelo INSS, mas não exige contribuição previdenciária.
O benefício consiste no pagamento de um salário mínimo mensal para dois públicos distintos:
Pessoas com deficiência de qualquer idade
Idosos com 65 anos ou mais que não possuem meios de prover sua subsistência
Importante destacar que o BPC não é aposentadoria, não dá direito ao 13º salário, pensão por morte ou outros benefícios previdenciários, e deve ser reavaliado periodicamente.
TDAH e TOD são considerados deficiência para fins de LOAS?
Essa é a questão central da discussão. O conceito de deficiência que rege o BPC/LOAS é amplo e não se resume a deficiências físicas visíveis. Segundo o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015), pessoa com deficiência é aquela que tem impedimento de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, que, em interação com diversas barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
O TDAH e o TOD são transtornos neuropsiquiátricos que afetam a capacidade de atenção, controle de impulsos, planejamento e interação social. Em muitos casos, esses transtornos causam prejuízos significativos na vida escolar, profissional e social, podendo, sim, ser reconhecidos como impedimentos de longo prazo.
Portanto, o TDAH e o TOD podem ser enquadrados como deficiência para fins de concessão do BPC, desde que haja comprovação dos prejuízos funcionais causados pelos transtornos e que eles dificultem de forma relevante a participação da pessoa na sociedade.
Diferença entre diagnóstico e impedimento funcional
É essencial compreender que ter o diagnóstico de TDAH ou TOD não garante automaticamente o direito ao BPC. O que importa para a lei é se esse transtorno causa um impedimento funcional grave e duradouro, capaz de limitar significativamente a vida da pessoa.
Por exemplo:
Um adolescente com TDAH leve, que estuda normalmente, sem grandes dificuldades, não seria considerado uma pessoa com deficiência para fins do BPC.
Por outro lado, uma criança com TDAH severo, com alto grau de impulsividade, comportamento desafiador persistente, dificuldades de aprendizagem e grande dependência de terceiros, pode sim se enquadrar nos critérios do benefício.
Por isso, além do diagnóstico médico, é necessário apresentar laudos que demonstrem o impacto do transtorno na funcionalidade da pessoa.
Como comprovar a deficiência para o BPC
A comprovação da deficiência no processo de solicitação do BPC envolve dois eixos principais:
Avaliação médica
É realizada por peritos do INSS e tem o objetivo de analisar o quadro clínico da pessoa. Para isso, são considerados:
Laudos psiquiátricos e neurológicos
Relatórios psicológicos
CID (Classificação Internacional de Doenças) do transtorno
Tempo de tratamento e medicações utilizadas
Avaliação social
Feita por assistente social do INSS ou do CRAS, busca entender o impacto do transtorno no cotidiano, nos relacionamentos, na autonomia e na interação social.
Os seguintes documentos podem ser utilizados como suporte:
Relatórios escolares que demonstrem dificuldade de aprendizagem
Avaliações multidisciplinares
Declarações de cuidadores, terapeutas ou escolas
Provas de dependência para atividades básicas do dia a dia
Quanto mais completos forem os documentos, maiores são as chances de demonstrar a existência de impedimentos de longo prazo.
O critério de renda para concessão do BPC
Além da deficiência, o segundo grande requisito para o BPC/LOAS é o critério de renda. A renda mensal familiar per capita deve ser inferior a 1/4 do salário mínimo.
Por exemplo, em 2025, com o salário mínimo em R$ 1.412, a renda per capita máxima permitida é de R$ 353,00.
A composição da renda familiar deve considerar os seguintes pontos:
São consideradas as pessoas que moram na mesma casa e compartilham despesas (inclusive pais, irmãos, filhos)
Entram na conta salários, pensões, aposentadorias e outros benefícios
Não entram alguns benefícios como BPC de outro membro da família e Bolsa Família (após decisão do STF)
Mesmo que a renda ultrapasse ligeiramente esse limite, é possível tentar demonstrar que a família enfrenta gastos excessivos com saúde, medicamentos, terapias, transporte etc. Nesse caso, pode-se solicitar a aplicação do chamado “princípio da dignidade da pessoa humana”, com base na jurisprudência do STF que flexibilizou o critério de renda.
O papel do CRAS no processo
O CRAS (Centro de Referência da Assistência Social) é a porta de entrada para as políticas de assistência. É no CRAS que a família deve procurar orientação e apoio para solicitar o BPC, especialmente quando se trata de criança ou adolescente com TDAH e TOD.
O CRAS pode ajudar com:
Preenchimento do Cadastro Único (CadÚnico), exigido para todos os requerentes do BPC
Avaliação social inicial
Encaminhamento para serviços de proteção social básica ou especial
Emissão de relatórios sociais
É fundamental que a família mantenha o CadÚnico atualizado, pois ele será analisado pelo INSS no momento da concessão do benefício.
Como solicitar o BPC para pessoa com TDAH e TOD
O pedido pode ser feito:
Pelo site ou aplicativo Meu INSS
Pelo telefone 135
Diretamente em uma Agência da Previdência Social (com agendamento prévio)
O procedimento envolve:
Preenchimento do requerimento
Análise dos documentos pessoais e da renda familiar
Agendamento da perícia médica e avaliação social
Apresentação dos documentos médicos, laudos, relatórios escolares, entre outros
Decisão do INSS (deferimento ou indeferimento)
Em caso de negativa, é possível apresentar recurso administrativo ou ingressar com ação judicial com base em laudos e provas complementares.
Documentos necessários para o pedido
É importante reunir com antecedência todos os documentos que podem fortalecer o pedido, como:
Documentos de identidade da criança e dos responsáveis
CPF
Comprovante de residência
Cadastro Único atualizado
Laudos médicos com CID do TDAH e/ou TOD
Relatórios de tratamento (psiquiatra, psicólogo, neurologista)
Histórico escolar, relatórios de acompanhamento pedagógico
Comprovantes de renda familiar
Declarações do CRAS ou da escola sobre dificuldades de inclusão
Quanto mais robusta a documentação, maiores são as chances de sucesso no pedido.
Quando recorrer ao Judiciário
Infelizmente, muitos pedidos de BPC para pessoas com TDAH e TOD são indeferidos administrativamente sob o argumento de que o transtorno não se enquadra como deficiência. No entanto, o Judiciário tem demonstrado uma postura mais sensível e abrangente, acolhendo muitos desses pedidos com base na análise dos impactos funcionais do transtorno.
Exemplos de casos julgados favoravelmente:
Criança com TDAH severo e TOD, com histórico de internações psiquiátricas e dificuldades extremas de convivência social, teve o benefício concedido judicialmente
Adolescente com impulsividade grave, agressividade e necessidade de constante supervisão foi reconhecido como pessoa com deficiência em ação judicial
Juízes têm determinado perícias médicas complementares e avaliações interdisciplinares mais profundas, considerando a realidade funcional do indivíduo, e não apenas o CID
Portanto, se o pedido for negado pelo INSS, é altamente recomendável buscar um advogado especialista em direito previdenciário para judicializar a questão, munido de todos os laudos e relatórios.
Principais motivos de indeferimento do benefício
Os principais motivos pelos quais o INSS costuma negar o BPC para pessoas com TDAH e TOD são:
Alegação de que o transtorno não se enquadra como deficiência
Falta de documentos que demonstrem impedimento de longo prazo
Laudos médicos genéricos ou incompletos
Critério de renda não atendido
CadÚnico desatualizado
Evitar esses erros é essencial para aumentar as chances de sucesso. Por isso, é recomendável que as famílias busquem orientação no CRAS ou com um profissional do direito desde o início.
Dicas práticas para aumentar as chances de concessão
Mantenha o CadÚnico sempre atualizado
Tenha relatórios médicos detalhados, com descrição dos sintomas, evolução e limitações funcionais
Peça ao psiquiatra ou psicólogo para explicar como o transtorno afeta a autonomia e a capacidade de socialização
Guarde relatórios escolares e evidências de exclusão ou repetência
Apresente declarações do CRAS, cuidadores ou instituições que acompanham o caso
Se possível, inclua vídeos ou registros que demonstrem a dependência e as dificuldades no dia a dia
Essas estratégias podem ser decisivas na avaliação social e médica do INSS.
Perguntas e respostas
TDAH e TOD dão direito automático ao BPC/LOAS?
Não. O direito ao BPC depende da comprovação de que esses transtornos causam impedimento de longo prazo e que a renda familiar per capita seja inferior a 1/4 do salário mínimo.
É preciso estar com o CadÚnico atualizado?
Sim. O Cadastro Único é obrigatório para o requerimento do BPC e deve estar atualizado nos últimos dois anos.
Meu filho tem TDAH, mas estuda normalmente. Pode receber o BPC?
Se ele tiver boa funcionalidade e autonomia, provavelmente não se enquadrará como pessoa com deficiência para fins do BPC.
E se o INSS negar o pedido?
Você pode apresentar recurso administrativo ou ingressar com ação judicial, com o apoio de um advogado especializado.
TOD é reconhecido como deficiência?
Assim como o TDAH, o TOD pode ser reconhecido como deficiência se causar prejuízos graves e duradouros à funcionalidade e à participação social da pessoa.
O BPC pode ser cortado depois de concedido?
Sim. O benefício está sujeito à reavaliação periódica, tanto médica quanto social. Se houver melhora do quadro ou aumento da renda, o benefício pode ser suspenso.
Conclusão
O TDAH e o TOD são transtornos que, embora não causem necessariamente deficiência física, podem gerar impedimentos significativos na vida de crianças, adolescentes e adultos. Quando esses transtornos resultam em limitações graves e duradouras, que comprometam a autonomia e a participação social da pessoa, é possível sim buscar o BPC/LOAS como forma de garantir dignidade e apoio financeiro.
No entanto, é fundamental compreender que o diagnóstico isolado não é suficiente. É necessário comprovar que a condição impacta profundamente a vida da pessoa e que a família se encontra em situação de vulnerabilidade social. A qualidade dos documentos médicos e sociais, a atualização do Cadastro Único e, se necessário, o apoio jurídico, são fatores decisivos nesse processo.
O acesso ao BPC pode representar uma mudança significativa na qualidade de vida da pessoa com TDAH ou TOD e de toda a sua família. Por isso, estar bem informado, documentado e assistido é o melhor caminho para garantir esse direito.