Sim, se uma companhia aérea comete maus-tratos a um animal de estimação durante o transporte, o tutor tem direito de buscar indenização por danos morais, materiais e eventualmente estéticos. No Brasil, o ordenamento jurídico reconhece os pets como seres sencientes, e o Código de Defesa do Consumidor, combinado com a Constituição Federal, garante proteção ao consumidor em casos de negligência, imprudência ou imperícia cometidas por prestadores de serviço — o que inclui companhias aéreas.
Neste artigo, você vai entender os direitos do tutor, os deveres das companhias aéreas, como comprovar o ocorrido, quais os tipos de indenização cabíveis, além de exemplos de decisões judiciais e orientações práticas para processar uma companhia aérea por maus-tratos ao seu animal.
O que são considerados maus-tratos em voos com animais
Maus-tratos, segundo a legislação brasileira, abrangem qualquer ação ou omissão que cause sofrimento físico ou psicológico ao animal. No contexto do transporte aéreo, isso pode incluir situações como:
Transporte em condições inadequadas (temperatura extrema, falta de ventilação, espaço insuficiente)
Falta de alimentação ou água durante voos longos
Exposição prolongada ao estresse ou barulho excessivo
Manipulação agressiva no embarque ou desembarque
Negligência na vigilância e cuidado com o animal durante escalas ou conexões
Perda do animal ou entrega equivocada a terceiros
Morte do pet durante ou após o voo em decorrência das condições do transporte
É importante observar que nem todo desconforto configura maus-tratos, mas qualquer conduta que gere sofrimento evitável ou que infrinja normas sanitárias e de bem-estar animal pode ensejar responsabilidade civil da empresa.
O que diz a lei sobre o transporte de animais por companhias aéreas
A legislação brasileira sobre transporte de animais por via aérea envolve diferentes normas. As principais são:
Código de Defesa do Consumidor (CDC): estabelece a responsabilidade objetiva das companhias aéreas pelos danos causados aos consumidores (artigo 14)
Constituição Federal (artigo 225, §1º, VII): protege os animais contra crueldade
Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/98, artigo 32): criminaliza os maus-tratos aos animais
Regulamento da ANAC: permite que as companhias definam regras para transporte de animais, desde que respeitem princípios de segurança e bem-estar
As companhias são obrigadas a seguir procedimentos que garantam o transporte adequado do animal, conforme as diretrizes internas e regras internacionais, como as estabelecidas pela IATA (International Air Transport Association).
Responsabilidade civil das companhias aéreas por danos causados a pets
Quando ocorre um incidente envolvendo o pet, a companhia aérea pode ser responsabilizada com base na responsabilidade civil objetiva. Isso significa que, a empresa responde independentemente de culpa, bastando que o consumidor prove:
A relação de consumo entre ele e a companhia aérea
O dano sofrido (morte, ferimento, desaparecimento, trauma ou sofrimento do animal)
O nexo de causalidade entre o serviço prestado e o dano
Com isso, a indenização pode ser exigida mesmo que a empresa alegue que seguiu os protocolos internos. Se o serviço foi prestado de maneira defeituosa ou com risco excessivo, a empresa será responsabilizada.
Tipos de indenização cabíveis
O tutor pode pleitear diferentes formas de indenização, dependendo do caso concreto. As principais são:
Danos materiais
Abrangem todos os prejuízos financeiros que o tutor teve por conta do ocorrido, como:
Gastos com atendimento veterinário emergencial
Compra de nova caixa de transporte
Medicamentos ou tratamentos
Hospedagem em caso de voos cancelados ou atrasados
Valor do animal (no caso de perda ou morte)
Danos morais
São os mais comuns nesses casos. A jurisprudência brasileira entende que o sofrimento psicológico do tutor pela dor ou perda do animal de estimação configura violação à esfera íntima, dando ensejo a reparação moral.
A quantia da indenização pode variar conforme:
Grau de sofrimento causado
Circunstâncias do ocorrido
Porte e valor afetivo do animal
Grau de negligência da companhia aérea
Danos estéticos
Podem ser pleiteados em casos em que o pet sofreu lesões visíveis e permanentes, como mutilações, cicatrizes ou alterações físicas que impactem sua qualidade de vida ou aparência.
Como reunir provas para processar a companhia aérea
Em qualquer ação judicial, a prova é fundamental para fundamentar o pedido de indenização. O tutor deve reunir:
Bilhete aéreo ou comprovante de despacho do pet
Laudos veterinários apontando as lesões ou o estado de saúde do animal após o voo
Fotos ou vídeos do animal antes e depois do transporte
Testemunhos de outros passageiros ou funcionários
Comunicados da companhia aérea, e-mails ou mensagens de atendimento
Boletins de ocorrência, se registrados
Relatórios de empresas terceirizadas (se o transporte foi feito via cargueiro ou serviço logístico vinculado)
Documentar desde o embarque até a chegada é essencial. Em caso de suspeita de maus-tratos, leve o animal imediatamente ao veterinário e solicite um laudo clínico descritivo, mencionando que houve transporte recente por companhia aérea.
Como funciona o processo de indenização
O processo de indenização pode ser realizado por diferentes meios:
Via Procon
O primeiro passo pode ser uma reclamação administrativa nos órgãos de defesa do consumidor (como o Procon). Eles podem tentar uma mediação, aplicando multas em caso de descumprimento.
Via Juizado Especial Cível
Para valores de até 20 salários mínimos, o tutor pode ingressar com ação sem advogado no Juizado Especial Cível. Acima disso, é necessário constituir advogado. A tramitação é mais rápida e voltada a litígios simples, como pedidos de indenização moral e material.
Ação judicial comum
Se o caso for mais grave (como morte ou lesão irreversível), é possível ingressar com ação na Justiça comum (Vara Cível), com advogado, podendo haver perícia veterinária e tramitação mais detalhada.
Em todos os casos, o tutor deve ter em mãos as provas mencionadas anteriormente.
Prazo para processar a companhia aérea
O prazo para entrar com ação é de até 5 anos, conforme o Código de Defesa do Consumidor. No entanto, o ideal é agir o quanto antes, para preservar provas e garantir a efetividade do processo.
Exemplo de casos reais e jurisprudência
Há diversos julgados em que tribunais reconheceram o direito à indenização por maus-tratos a pets em voos. Alguns exemplos:
TJSP – Apelação Cível 1001349-88.2019.8.26.0590
Uma cadela de pequeno porte morreu durante voo nacional por suposta falta de climatização no porão da aeronave. A companhia foi condenada a indenizar o tutor por danos morais no valor de R$ 10.000.
TJPR – Processo 0004090-76.2016.8.16.0017
Um cão sofreu lesões durante o transporte aéreo, sendo comprovado por laudo veterinário. A empresa foi condenada a pagar R$ 7.000 por danos morais e R$ 1.500 por danos materiais.
TJRS – Apelação Cível 70080189550
A companhia perdeu o animal durante o desembarque e só o localizou após 24 horas. Foi fixada indenização por danos morais em R$ 15.000, além de ressarcimento de despesas emergenciais.
Essas decisões demonstram que o Judiciário tem reconhecido o sofrimento dos tutores e a importância do cuidado com os animais em voos.
Companhias aéreas e suas responsabilidades contratuais
Ao vender a passagem e aceitar o transporte do pet, a companhia aérea assume uma obrigação contratual de segurança e integridade do animal. Isso inclui:
Garantir condições adequadas de temperatura e ventilação
Transportar o animal em compartimento apropriado
Treinar os funcionários para manuseio cuidadoso
Evitar longas esperas ou desconexão logística
Informar ao tutor em caso de imprevistos
Falhar nesses deveres caracteriza inadimplemento contratual e reforça o direito à indenização.
O papel das agências reguladoras e como denunciar
Além do processo judicial, o tutor pode denunciar o caso para agências e órgãos de controle, como:
ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil): pode ser acionada pelo site oficial, relatando a conduta da companhia
MAPA (Ministério da Agricultura): em casos que envolvem transporte internacional ou condições sanitárias
Procon estadual ou municipal
Delegacia do Meio Ambiente, em caso de maus-tratos evidentes
Essas denúncias não geram indenização, mas podem levar a fiscalizações, multas e sanções administrativas.
Como evitar maus-tratos antes da viagem
Para reduzir riscos e preservar o bem-estar do pet, o tutor deve:
Escolher voos diretos, sem conexões
Confirmar se o animal viajará na cabine ou no porão
Usar caixas de transporte recomendadas pela IATA
Chegar com antecedência para acompanhar o embarque
Providenciar atestado de saúde e vacinas atualizadas
Monitorar o desembarque com atenção
Além disso, consultar o veterinário antes da viagem é fundamental para avaliar a saúde do animal e seu preparo para o voo.
É possível registrar boletim de ocorrência por maus-tratos?
Sim. A prática de maus-tratos a animais é crime ambiental, conforme artigo 32 da Lei 9.605/1998. Se houver suspeita de violência, negligência ou crueldade, o tutor pode:
Registrar boletim de ocorrência em delegacia comum ou especializada
Solicitar investigação
Apresentar laudo veterinário como prova
O responsável pelo ato poderá responder criminalmente e a empresa também poderá ser responsabilizada civil e administrativamente.
Animais têm direitos reconhecidos pela justiça?
Sim. Embora os animais ainda sejam considerados “bens semoventes” no Código Civil, o Judiciário brasileiro reconhece que são seres sencientes e que a relação afetiva entre humanos e pets deve ser protegida.
Decisões recentes reconhecem o direito dos tutores ao luto animal, à convivência familiar e à reparação por sofrimento psicológico. Esse avanço tem impacto direto em casos de transporte, reforçando a responsabilização de companhias aéreas por falhas com pets.
Perguntas e respostas sobre indenização por maus-tratos em voo
A companhia aérea matou meu pet. Posso processar?
Sim. A morte do animal por falha da empresa gera direito à indenização por danos morais e materiais.
Preciso de advogado para entrar com o processo?
Até 20 salários mínimos no Juizado Especial Cível, não é obrigatório. Acima disso, ou em ações complexas, é recomendável contratar advogado.
Quanto posso receber de indenização?
Depende do caso. Os valores variam entre R$ 3.000 e R$ 50.000, dependendo do dano, provas e entendimento do juiz.
Se o animal tiver sequelas, também posso pedir indenização?
Sim. Além dos gastos com tratamento, você pode pleitear danos morais e eventualmente danos estéticos.
Posso filmar ou fotografar o embarque do pet?
Sim. Isso pode ser uma prova importante em caso de problemas. Registre desde a chegada até o desembarque.
Se a companhia perdeu meu pet, posso pedir compensação?
Sim. A perda temporária ou definitiva do animal configura falha grave na prestação do serviço.
Conclusão
O transporte aéreo de animais de estimação exige responsabilidade, zelo e respeito por parte das companhias aéreas. Quando há negligência, imprudência ou descaso, o tutor tem pleno direito de exigir indenização por danos causados ao seu pet. A justiça brasileira tem reconhecido cada vez mais o valor afetivo dos animais e punido práticas que resultam em sofrimento, lesão ou morte.
Para garantir a reparação, é fundamental reunir provas, registrar o ocorrido e acionar os meios legais apropriados. Além disso, é dever do tutor planejar a viagem com atenção, escolhendo rotas, companhias e modalidades que priorizem a segurança e bem-estar do seu companheiro animal.
Se o seu pet foi maltratado por uma companhia aérea, não se cale: documente, denuncie e exija seus direitos. O sofrimento de um animal não pode ser tratado como mero incidente logístico. É uma questão de dignidade, respeito e responsabilidade.