A usucapião é uma forma legal de adquirir a propriedade de um bem imóvel ou móvel pela posse prolongada, pacífica, contínua e com intenção de dono. Dentre as diversas modalidades existentes, há uma forma específica que permite o reconhecimento da propriedade em um prazo mais curto: a usucapião especial urbana por 5 anos, também chamada de usucapião pro labore ou usucapião urbana especial com função social.
Essa modalidade está prevista no artigo 1.240-A do Código Civil e no artigo 9º da Lei nº 10.257/2001 (Estatuto da Cidade) e tem como objetivo assegurar o direito à moradia àquele que exerce posse de imóvel urbano de maneira regular, com respeito à função social da propriedade.
Neste artigo, vamos explicar de forma detalhada e acessível como funciona a usucapião em 5 anos, quais são os requisitos legais, os documentos necessários, o que diferencia essa modalidade das demais, como ocorre o processo judicial ou extrajudicial, quem pode se beneficiar, o que diz a jurisprudência, e responder às principais dúvidas sobre o tema. Ao final, apresentaremos uma seção de perguntas e respostas e uma conclusão com orientações práticas.
O que é usucapião e quais são seus fundamentos legais
Usucapião é um instituto jurídico que permite a aquisição da propriedade em razão do exercício da posse prolongada, desde que preenchidos certos requisitos previstos em lei. O fundamento da usucapião está relacionado à função social da posse e à regularização de situações fáticas consolidadas ao longo do tempo.
O objetivo do instituto é dar segurança jurídica a quem exerce a posse mansa, pacífica e com ânimo de dono por determinado período. Com isso, evita-se a eternização de litígios e a ociosidade de imóveis que não cumprem sua função social.
As bases legais para a usucapião estão no Código Civil (artigos 1.238 a 1.244), na Constituição Federal (artigo 183), na Lei nº 6.969/1981 e na Lei nº 10.257/2001 (Estatuto da Cidade), além de previsões em legislação registral e processual, como o Código de Processo Civil de 2015.
Modalidades de usucapião e onde se encaixa a usucapião em 5 anos
Existem diversas espécies de usucapião, com prazos e requisitos diferentes. As principais são:
Usucapião extraordinária (15 anos ou 10 com moradia ou benfeitoria)
Usucapião ordinária (10 anos com justo título e boa-fé)
Usucapião especial urbana (5 anos ou 10 anos dependendo do caso)
Usucapião rural (5 anos ou 15 anos conforme a situação)
Usucapião familiar (2 anos para ex-cônjuge que permanece no imóvel)
Usucapião coletiva (áreas urbanas com ocupação por população de baixa renda)
A usucapião de 5 anos que trataremos aqui refere-se a duas hipóteses distintas:
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A usucapião especial urbana coletiva, prevista no artigo 10 da Lei nº 10.257/2001
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A usucapião especial urbana individual por função social da moradia (art. 1.240-A do Código Civil)
Nosso foco será nesta última, voltada para aquele que adquiriu o imóvel de forma onerosa, mas não conseguiu formalizar a escritura, ou que ocupa o imóvel como sua moradia, mesmo sem ser o proprietário formal.
Requisitos para a usucapião de 5 anos
De acordo com o artigo 1.240-A do Código Civil, a usucapião especial urbana em 5 anos exige os seguintes requisitos:
Posse direta, com ânimo de dono, ininterrupta e sem oposição, pelo prazo de 5 anos
Posse exercida sobre área urbana de até 250 m²
Imóvel utilizado para moradia própria ou de sua família
Inexistência de oposição do proprietário ou de terceiros durante o período
O possuidor deve ter realizado obras ou serviços de caráter produtivo no imóvel, ou adquirido o bem de boa-fé, por meio de contrato particular, ainda que não registrado em cartório
Esse último requisito diferencia essa modalidade das demais: ela permite regularizar situações em que o comprador adquiriu o imóvel informalmente, mas não conseguiu registrar a propriedade por problemas com a documentação ou ausência de escritura pública.
A jurisprudência também admite que o contrato particular, mesmo sem registro, serve como prova de boa-fé e como exercício da função social da posse.
Imóvel urbano de até 250 metros quadrados
Um dos requisitos centrais da usucapião em 5 anos é que o imóvel tenha no máximo 250 m². Trata-se de uma limitação objetiva, voltada para moradias simples, geralmente de interesse social.
Caso o imóvel ultrapasse essa metragem, o interessado deverá utilizar outra modalidade de usucapião, como a ordinária (10 anos) ou a extraordinária (15 anos), conforme o caso.
A metragem deve ser comprovada por planta, croqui, memorial descritivo assinado por profissional habilitado, ou por documentos públicos que demonstrem a área do lote, como carnê do IPTU ou matrícula do imóvel.
Utilização para moradia
A finalidade habitacional é um ponto essencial. A usucapião de 5 anos não se aplica a imóveis urbanos utilizados exclusivamente para fins comerciais, industriais ou de lazer. O imóvel deve estar destinado à residência permanente do possuidor ou de sua família.
É possível que o imóvel tenha uma pequena parte voltada para comércio (ex: uma mercearia na parte da frente), desde que a moradia seja predominante. A jurisprudência tem sido razoável nesse ponto, reconhecendo a função social da moradia mesmo com uso misto.
Obras e serviços de caráter produtivo
Outro requisito é a realização de obras ou serviços de caráter produtivo no imóvel, ou a posse de boa-fé, derivada de contrato de compra e venda não formalizado.
Exemplos de obras e serviços incluem:
Construção da residência
Melhorias na infraestrutura do imóvel
Ligação de água, luz ou esgoto
Construção de muros, portões ou telhados
Manutenção e conservação da casa
Esse requisito comprova o uso do imóvel de forma produtiva e com interesse de fixação definitiva. Quando o possuidor apresenta contrato de compra e venda, a exigência de comprovação das obras pode ser abrandada.
Posse mansa, pacífica e sem oposição
A posse deve ser exercida de forma contínua, ininterrupta e sem contestação por parte do proprietário ou de terceiros. Caso tenha havido notificação, ação de reintegração ou qualquer contestação judicial da posse dentro do prazo de 5 anos, a contagem será interrompida.
A posse também não pode ser clandestina, precária ou violenta. Se o imóvel foi invadido por meio de esbulho ou violência, o possuidor não poderá se beneficiar da usucapião.
Documentos necessários para entrar com o pedido
Para solicitar a usucapião de 5 anos, é necessário reunir uma série de documentos que comprovem a posse e o atendimento dos requisitos legais. Os principais documentos são:
Cópia de RG e CPF do possuidor
Comprovantes de residência e documentos pessoais dos moradores
Contrato de compra e venda (se houver)
Comprovantes de pagamento do imóvel, como recibos ou transferências
Comprovantes de contas de água, luz, telefone, internet
Carnês de IPTU ou taxas municipais em nome do possuidor
Planta e memorial descritivo do imóvel com ART ou RRT
Declaração de testemunhas que confirmem a posse
Fotos do imóvel
Certidões negativas da matrícula do imóvel e do distribuidor cível
Justificação administrativa ou certidão de ausência de oposição do proprietário
Quanto mais documentos forem apresentados, mais chances terá o pedido de ser deferido sem necessidade de judicialização.
Diferença entre usucapião judicial e extrajudicial
Desde 2015, com a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, é possível realizar a usucapião de forma extrajudicial, ou seja, diretamente em cartório, sem necessidade de processo judicial, desde que haja a concordância dos confrontantes e ausência de litígio.
A usucapião extrajudicial é regulada pelo artigo 216-A da Lei nº 6.015/73 (Lei de Registros Públicos) e pela Resolução nº 35/2007 do CNJ.
Para essa modalidade, é necessário:
Acompanhamento de advogado
Planta e memorial assinados por profissional habilitado
Declaração expressa dos confrontantes concordando com os limites do imóvel
Certidões negativas
Ata notarial lavrada em cartório comprovando a posse
Caso haja qualquer divergência, oposição de vizinhos, dúvida quanto à posse ou irregularidade, o pedido será remetido à via judicial, com tramitação perante a Vara Cível ou da Fazenda Pública.
Como funciona o processo judicial de usucapião
Na via judicial, o processo é mais demorado, mas garante segurança jurídica em situações complexas. O rito pode ser ordinário ou especial, dependendo da situação. O procedimento inclui:
Petição inicial com descrição dos fatos, fundamentos e documentos
Citação dos confrontantes, do proprietário registral e da União, Estado ou Município (se necessário)
Publicação de editais para ciência de eventuais interessados
Prova testemunhal e pericial, se necessário
Audiência de instrução e julgamento
Sentença judicial reconhecendo ou negando o direito à usucapião
Trânsito em julgado e averbação no Cartório de Registro de Imóveis
O prazo médio de um processo judicial de usucapião gira entre 12 e 36 meses, variando conforme a complexidade e a carga do judiciário local.
Benefícios da usucapião de 5 anos
Regularização da propriedade com segurança jurídica
Possibilidade de registrar o imóvel e obter matrícula no cartório
Valorização do imóvel
Acesso a crédito, financiamento e programas habitacionais
Proteção patrimonial e transmissão por herança
Cumprimento da função social da posse
Eliminação de conflitos futuros com terceiros ou herdeiros do antigo dono
A regularização do imóvel por usucapião é especialmente importante para pessoas de baixa renda, que muitas vezes vivem por décadas em imóveis informais, sem escritura ou registro.
Casos práticos e jurisprudência
Os tribunais brasileiros têm reconhecido com frequência a usucapião especial urbana de 5 anos, especialmente quando o possuidor apresenta contrato de compra e venda não registrado, comprova a moradia e realiza melhorias no imóvel.
Em decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo:
“O autor apresentou contrato particular de compra e venda, moradia por mais de 5 anos, contas de água e luz em seu nome, além de ter construído a residência sobre o lote. Preenchidos os requisitos legais, é de rigor o reconhecimento da usucapião especial urbana.” (TJSP, Apelação Cível 100XXXX-XX.2021.8.26.0000)
Cada caso é analisado individualmente, mas a tendência da jurisprudência é favorável ao reconhecimento da propriedade quando há prova robusta da posse qualificada.
Posso perder o imóvel se não fizer a usucapião?
Sim. Embora a posse possa permanecer por anos, ela não gera automaticamente o direito de propriedade. Se o possuidor não regulariza sua situação, corre o risco de ser demandado judicialmente pelo proprietário formal e ter que desocupar o imóvel.
Além disso, sem a matrícula em seu nome, o possuidor não pode vender, doar ou transmitir o imóvel legalmente, o que dificulta a organização patrimonial e o acesso a serviços públicos e bancários.
A usucapião é, portanto, um mecanismo de proteção da posse legítima e de regularização fundiária, com impacto direto na cidadania e no direito à moradia.
Perguntas e respostas
Quem pode entrar com o pedido de usucapião de 5 anos?
Qualquer pessoa que ocupe imóvel urbano de até 250 m² para moradia própria ou de sua família, com posse ininterrupta e pacífica por 5 anos, e que tenha realizado melhorias ou adquirido o imóvel informalmente.
Preciso de contrato de compra e venda para usucapião?
Não é obrigatório, mas o contrato é uma prova forte da posse de boa-fé e da intenção de aquisição.
A usucapião pode ser feita em cartório?
Sim, desde que não haja litígio ou oposição, e estejam presentes todos os documentos exigidos por lei.
O que acontece se os confrontantes não assinarem a planta?
O processo será encaminhado para a via judicial, pois a anuência dos vizinhos é requisito essencial da usucapião extrajudicial.
A posse tem que ser registrada no cartório?
Não. A posse não precisa estar registrada. O importante é que seja contínua, mansa e pacífica por 5 anos, com ânimo de dono.
Quem herda um imóvel ocupado pode continuar o pedido de usucapião?
Sim. O herdeiro pode somar o tempo de posse com o do antecessor, desde que mantenha o mesmo tipo de ocupação e finalidade.
A prefeitura pode contestar o pedido de usucapião?
Sim, especialmente quando o imóvel pertence ao município ou integra área pública. Imóveis públicos são imprescritíveis e não podem ser usucapidos.
Conclusão
A usucapião especial urbana em 5 anos é um instrumento jurídico poderoso para regularizar a posse legítima de imóveis urbanos utilizados como moradia. Ela reconhece o esforço, a boa-fé e a função social do imóvel ocupado por famílias que, muitas vezes, investem tempo, recursos e trabalho em propriedades sem titulação formal.
Com os requisitos preenchidos e as provas adequadas, o possuidor pode obter o reconhecimento da propriedade, garantindo segurança jurídica, valorização patrimonial e acesso a direitos fundamentais, como moradia digna, herança e crédito.
Em um país com elevada informalidade imobiliária, a usucapião de 5 anos representa um caminho eficaz para a justiça social e a consolidação da cidadania. Para tanto, o acompanhamento por advogado especializado e a organização documental são fatores essenciais para o sucesso do pedido, seja pela via extrajudicial, seja judicial.
Se você ou sua família ocupam um imóvel nessas condições, procure orientação jurídica e saiba como exercer seu direito à propriedade com base na usucapião urbana.