Solicitar um laudo ou relatório médico é um passo fundamental e, muitas vezes, indispensável para o exercício de diversos direitos, seja para requerer um benefício no INSS, instruir um processo judicial, acionar um seguro ou simplesmente para obter uma segunda opinião sobre um diagnóstico. A maneira correta de fazer essa solicitação é através de um requerimento formal, por escrito, direcionado ao médico, à clínica ou ao hospital responsável pelo seu atendimento. Este pedido deve ser claro, objetivo, preferencialmente protocolado para garantir a comprovação da entrega, e deve especificar as informações necessárias, como o diagnóstico (com o código CID), o histórico do tratamento, as limitações impostas pela condição de saúde e o prognóstico. Este é um direito inquestionável do paciente, amparado pelo Código de Ética Médica e pela legislação brasileira.
Muitos pacientes, no entanto, enfrentam dificuldades e até negativas ao tentar obter essa documentação essencial. A falta de conhecimento sobre como proceder, quais informações requisitar e o que fazer diante de uma recusa pode criar barreiras significativas. A boa notícia é que a lei está do seu lado.
Este guia completo foi elaborado para ser sua principal fonte de consulta, detalhando não apenas o “como fazer”, mas também o “porquê” de cada passo. Abordaremos seus direitos como paciente, a diferença entre os tipos de documentos médicos, o que um laudo completo deve conter, um passo a passo prático para a solicitação, como agir em caso de negativa e a importância de um laudo bem elaborado para finalidades específicas, como os processos previdenciários.
O Direito à Informação e o Acesso ao Prontuário Médico: Seus Direitos Fundamentais
Antes de detalhar o processo de solicitação, é crucial que você, como paciente, compreenda a base legal que sustenta o seu direito. O acesso às informações sobre a sua própria saúde não é um favor prestado pelo profissional ou pela instituição de saúde; é um direito fundamental, garantido por lei.
O prontuário médico, que contém todo o histórico do paciente — incluindo laudos, exames, descrições de cirurgias, evolução clínica e prescrições —, pertence ao paciente. O hospital ou o médico são os fiéis depositários, ou seja, têm o dever de guardar e proteger esses documentos, mas a titularidade das informações é sua.
Este direito é assegurado por diversas normativas, sendo as principais:
- Código de Ética Médica (Resolução CFM nº 2.217/2018): Em seu artigo 88, o código é explícito ao vedar ao médico “negar, ao paciente, acesso a seu prontuário, deixar de lhe fornecer cópia quando solicitada, bem como deixar de lhe dar explicações necessárias à sua compreensão, salvo quando a comunicação direta possa lhe provocar dano, devendo, nesse caso, a comunicação ser feita ao seu representante legal”.
- Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990): A relação entre paciente e instituição de saúde privada é uma relação de consumo. Assim, o paciente tem direito à informação adequada e clara sobre os serviços prestados e sobre sua condição de saúde.
- Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD – Lei nº 13.709/2018): A LGPD reforça o controle do titular sobre seus dados pessoais. Dados de saúde são classificados como “dados sensíveis”, e o paciente tem o direito de acessá-los, solicitar cópias, corrigir informações e saber quem os acessou.
Portanto, guarde esta informação: você tem o direito de solicitar e receber uma cópia integral de seu prontuário médico, o que inclui todos os laudos, exames e relatórios. Qualquer obstáculo imposto a este direito é uma prática ilegal.
Atestado, Relatório ou Laudo Médico: Entendendo as Diferenças
No dia a dia, os termos “atestado”, “relatório” e “laudo” são frequentemente usados como sinônimos, mas para fins jurídicos e periciais, eles possuem diferenças importantes. Saber o que pedir é o primeiro passo para obter o documento correto para a sua necessidade.
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Atestado Médico: É o documento mais simples. Geralmente, tem como finalidade justificar a ausência do paciente em suas atividades (trabalho, escola) por um determinado período. Ele informa a necessidade de afastamento, mas não costuma detalhar o diagnóstico ou o tratamento, salvo quando solicitado pelo paciente. Para o INSS, por exemplo, um simples atestado de afastamento é insuficiente.
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Relatório Médico: É um documento mais detalhado que o atestado. Um bom relatório descreve o histórico do paciente, o diagnóstico, os tratamentos realizados, os medicamentos em uso e a evolução da condição de saúde. É um resumo descritivo do quadro clínico, muito útil para dar ciência a outro profissional de saúde ou para iniciar a comprovação de uma condição de saúde.
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Laudo Médico: Este é o documento mais completo e técnico. Um laudo não apenas descreve o quadro clínico, mas também emite uma opinião técnica, um parecer conclusivo do especialista sobre a condição do paciente. Ele é resultado de uma avaliação ou de exames específicos. Por exemplo, o laudo de uma ressonância magnética descreve as imagens e conclui sobre a existência de uma lesão. Para fins periciais (como no INSS ou na Justiça), o documento ideal é um laudo médico detalhado ou um relatório médico completo com caráter de laudo, que combine a descrição do quadro com as conclusões do médico sobre as limitações e a incapacidade do paciente.
Para evitar confusão, ao fazer sua solicitação, utilize termos como “laudo médico detalhado”, “relatório médico circunstanciado” ou “cópia integral do prontuário médico”. O importante é deixar claro que você precisa de um documento completo, e não de um simples atestado.
O Que Deve Constar em um Laudo Médico Completo e Eficaz
Um laudo médico bem elaborado é aquele que “conversa” com o perito ou o juiz, fornecendo todas as informações necessárias para que um terceiro, que não acompanhou seu tratamento, possa compreender perfeitamente a sua condição e suas limitações. Um laudo fraco, genérico ou incompleto é uma das principais causas de indeferimento de benefícios e perda de ações judiciais.
Um laudo médico robusto para fins periciais deve, idealmente, conter os seguintes elementos:
- Identificação Completa: Nome completo do paciente e do médico (com CRM e especialidade), além do nome e carimbo da instituição.
- Histórico Clínico (Anamnese): Um breve resumo de como e quando a condição de saúde começou, quais foram os primeiros sintomas e como evoluiu ao longo do tempo.
- Diagnóstico Claro e Código CID: O nome da doença ou lesão deve ser expresso de forma clara. É fundamental que o médico inclua o código correspondente da Classificação Internacional de Doenças (CID). O CID é a linguagem universal que o INSS e outros órgãos utilizam. Um laudo sem CID perde muita força probatória. Se houver doenças secundárias (comorbidades), todas devem ser listadas com seus respectivos CIDs.
- Tratamentos Realizados e em Andamento: Descrição das cirurgias, fisioterapias, terapias e, principalmente, dos medicamentos em uso (com nome e dosagem). Isso demonstra a busca pelo tratamento e a gravidade da condição.
- Exames Complementares: Citar os resultados de exames importantes (ressonâncias, tomografias, exames de sangue, biópsias) que confirmam o diagnóstico.
- Quadro Clínico Atual e Limitações Funcionais: Esta é a parte mais importante. O médico deve descrever os sintomas atuais (dor, fraqueza, falta de ar, tontura, etc.) e, crucialmente, traduzir esses sintomas em limitações funcionais. Ou seja, como a doença impede o paciente de realizar atividades da vida diária e, especialmente, do trabalho.
- Exemplo ruim: “Paciente refere dor lombar.”
- Exemplo bom: “Paciente apresenta dor lombar crônica e irradiada para membro inferior esquerdo (CID M54.5), que o impede de permanecer sentado por mais de 30 minutos, de levantar pesos acima de 5 kg e de realizar movimentos de flexão da coluna, atividades essenciais para sua profissão de motorista.”
- Prognóstico e Caráter da Incapacidade: O médico deve emitir sua opinião sobre o futuro da condição. A incapacidade é temporária ou permanente? Existe possibilidade de recuperação ou reabilitação profissional? Esta conclusão é de extrema valia para a análise do perito.
- Data, Assinatura e Carimbo: O documento deve ser datado, assinado e carimbado pelo médico responsável.
Ao solicitar o laudo, tenha essa lista em mente e, se possível, converse com seu médico sobre a finalidade do documento para que ele possa enfatizar os pontos mais relevantes para o seu caso.
Guia Prático: Como Fazer a Solicitação Passo a Passo
Agora que você conhece seus direitos e a importância do documento, vamos ao passo a passo prático para fazer a solicitação de forma segura e eficaz.
Passo 1: Prepare o Requerimento por Escrito
Embora um pedido verbal possa funcionar em alguns casos, a solicitação por escrito é a sua maior segurança. Ela cria um registro formal da sua demanda e do início da contagem do prazo para a entrega.
Seu requerimento não precisa ser complexo. Ele deve ser um documento simples, claro e objetivo. Você pode redigi-lo à mão ou digitá-lo.
Modelo de Solicitação de Laudo/Prontuário Médico:
À [Nome do Hospital ou Clínica ou Dr(a). Nome do Médico]
Ref.: Solicitação de Cópia de Prontuário Médico / Laudo Médico Detalhado
Eu, [Seu Nome Completo], portador(a) do RG nº [seu RG] e do CPF nº [seu CPF], nascido(a) em [sua data de nascimento], venho, por meio desta, na qualidade de paciente, solicitar formalmente que me seja fornecida:
(Escolha uma das opções abaixo ou adapte conforme sua necessidade)
[Opção A] Cópia integral de meu prontuário médico, incluindo todos os laudos, relatórios, resultados de exames, folhas de evolução, descrições cirúrgicas e demais documentos referentes aos meus atendimentos nesta instituição.
[Opção B] Laudo médico detalhado e atualizado sobre minha condição de saúde, contendo, no mínimo: histórico clínico, diagnóstico completo com o(s) respectivo(s) código(s) da CID, tratamentos realizados e em curso, quadro clínico atual, descrição das limitações funcionais que minha condição impõe (especialmente para atividades laborais) e prognóstico.
A presente solicitação encontra amparo no artigo 88 da Resolução CFM nº 2.217/2018 (Código de Ética Médica), bem como no Código de Defesa do Consumidor e na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
Informo que o documento é necessário para fins de [informe a finalidade, se desejar, por exemplo: “requerimento de benefício junto ao INSS”, “processo judicial”, “obtenção de segunda opinião médica”].
Aguardo o retorno sobre os procedimentos e o prazo para a retirada da documentação.
[Sua Cidade], [Data]
_________________________ [Seu Nome Completo] [Seu Telefone de Contato] [Seu E-mail]
Passo 2: Protocole a Solicitação
Leve duas vias do seu requerimento ao setor administrativo ou de arquivos do hospital ou clínica (geralmente o SAME – Serviço de Arquivo Médico e Estatística). Entregue uma via e peça para que o funcionário assine, date e carimbe a sua via. Este protocolo é a sua prova de que o pedido foi feito e recebido. Se a instituição se recusar a protocolar, anote o nome do funcionário, a data e a hora da recusa.
Passo 3: Aguarde o Prazo
Não existe um prazo único e fixo em lei para a entrega de todos os tipos de documentos médicos, mas o bom senso e as normativas do setor indicam que a entrega deve ocorrer em um prazo razoável. Para a entrega do prontuário, muitos conselhos de medicina e juristas trabalham com o prazo de até 15 dias. O importante é que a instituição informe uma previsão e a cumpra.
Passo 4: Verifique a Cobrança de Taxas
A instituição pode cobrar uma taxa para fornecer as cópias do prontuário, mas essa taxa deve corresponder unicamente aos custos da reprodução (custo do papel, da tinta, etc.). A cobrança de valores abusivos para “liberar” o documento é uma prática ilegal e pode ser questionada.
O Que Fazer em Caso de Recusa ou Demora Excessiva
Infelizmente, negativas acontecem. Se o hospital, a clínica ou o médico se recusarem a fornecer o laudo ou o prontuário, ou se houver uma demora injustificada, você não está de mãos atadas. Existem caminhos para fazer valer o seu direito.
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Notificação Extrajudicial: O primeiro passo formal é enviar uma notificação extrajudicial, geralmente elaborada por um advogado. Este documento tem um tom mais impositivo, citando as leis e as penalidades, e estabelecendo um prazo final para a entrega (por exemplo, 48 ou 72 horas), sob pena de serem tomadas as medidas judiciais cabíveis. Muitas vezes, a notificação resolve o problema sem a necessidade de um processo.
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Denúncia ao Conselho Regional de Medicina (CRM): A recusa em fornecer o prontuário é uma infração ética grave. Você pode registrar uma denúncia formal no CRM do seu estado contra o médico ou o diretor técnico do hospital. O CRM abrirá uma sindicância para apurar o caso, o que pode resultar em sanções para o profissional.
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Ação Judicial (Habeas Data ou Obrigação de Fazer): Se a via administrativa falhar, o caminho é a Justiça. Um advogado pode ingressar com uma ação judicial para forçar a entrega dos documentos. A depender do caso, pode ser um Habeas Data (instrumento que garante o acesso à informação pessoal em bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público) ou uma Ação de Obrigação de Fazer com pedido de tutela de urgência (liminar). Com uma liminar, o juiz pode determinar que a instituição entregue os documentos em um prazo curtíssimo (24 ou 48 horas), sob pena de multa diária.
Não hesite em buscar seus direitos. A informação contida em seu prontuário pode ser decisiva para o seu futuro.
Dicas Específicas para Laudos Destinados ao INSS
Quando o objetivo do laudo é um requerimento no INSS (seja para auxílio-doença, aposentadoria por invalidez ou BPC/LOAS), alguns pontos merecem atenção redobrada:
- Foco na Incapacidade Laboral: O perito do INSS não quer saber apenas qual é a sua doença, mas sim como essa doença o incapacita para o seu trabalho. Peça para seu médico detalhar exatamente quais atividades da sua profissão você não pode mais exercer por causa da sua condição.
- Data de Início da Incapacidade (DII): Se possível, peça para o médico estimar uma data de início da incapacidade. Isso é muito importante para o INSS, pois define a partir de quando os pagamentos retroativos podem ser devidos.
- Laudos de Especialistas: Se você tem uma doença cardíaca, o laudo de um cardiologista terá mais peso. Se o problema é psiquiátrico, o laudo do psiquiatra é fundamental. Sempre que possível, o laudo deve ser do médico especialista que acompanha o seu caso.
- Atualização: O laudo deve ser o mais recente possível. Um laudo emitido há mais de 90 dias pode perder sua força na perícia.
Perguntas e Respostas Frequentes
1. Familiares podem solicitar o laudo ou prontuário do paciente? Sim, mas com regras. O prontuário é sigiloso. A solicitação por terceiros, mesmo familiares, geralmente exige uma procuração assinada pelo paciente. Em caso de paciente falecido, o cônjuge/companheiro ou herdeiros diretos podem solicitar. Em caso de paciente incapacitado de expressar sua vontade (em coma, por exemplo), o representante legal (curador) pode fazer o pedido.
2. O hospital pode se recusar a entregar o laudo se eu tiver dívidas com ele? Não. A entrega de laudos e prontuários é um direito do paciente e não pode, de forma alguma, ser condicionada ao pagamento de débitos hospitalares. Condicionar a entrega à quitação da dívida é uma prática ilegal e pode ser considerada coação.
3. Preciso de um advogado para solicitar meu prontuário? Para a solicitação inicial, não. Você mesmo pode redigir o pedido e protocolá-lo. No entanto, se houver recusa, demora excessiva ou se você precisar de um documento muito específico para um processo judicial, a orientação de um advogado é altamente recomendável para garantir que seus direitos sejam respeitados de forma rápida e eficaz.
4. Meu médico pode se recusar a colocar o CID no atestado ou laudo? Não sem uma justificativa plausível e a sua concordância. A Resolução CFM n° 1.658/2002 determina que a colocação do CID é um direito do paciente. O médico só pode omiti-lo se o paciente solicitar, devendo registrar essa solicitação no prontuário. Para fins periciais, o CID é essencial.
5. Posso solicitar meu prontuário por e-mail? Sim, é possível. Muitas instituições já aceitam pedidos por canais digitais. No entanto, para sua segurança jurídica, certifique-se de que o e-mail foi recebido (use a função de “confirmação de leitura”) e guarde uma cópia da mensagem enviada. O pedido protocolado fisicamente ainda é o método mais seguro para comprovar a solicitação.
Conclusão
A solicitação de um laudo médico ou de uma cópia do prontuário é um procedimento que deveria ser simples e direto, mas que pode se tornar um campo de batalha para o paciente desinformado. O conhecimento é a sua principal ferramenta. Entender que o acesso à sua informação de saúde é um direito fundamental, saber a diferença entre os tipos de documentos e o que um laudo eficaz deve conter, transforma você de um solicitante passivo em um agente ativo na defesa dos seus interesses.
O processo, em resumo, envolve um pedido formal por escrito, devidamente protocolado, aguardando um prazo razoável para a entrega. Diante de qualquer obstáculo, lembre-se de que existem mecanismos legais para remover essas barreiras, desde uma denúncia ao conselho de classe até uma ação judicial.
Seja para garantir um benefício, defender-se em um processo ou simplesmente para ter o controle sobre sua própria jornada de saúde, o laudo médico é uma peça de poder. Use este guia para solicitá-lo da maneira correta e garanta que sua voz e sua condição sejam devidamente documentadas e reconhecidas.