Resumo: A 4ª (quarta) velocidade do Direito Penal foi tratada de maneira inédita. Os aspectos doutrinários a respeito das velocidades do Direito Penal foram devidamente abordados. A permanência do Direito Penal do inimigo, alguns aspectos do TPI, dentre outros assuntos, demonstram a grande importância dessa nova fase vivida pelo Direito Penal, a qual está em construção e vem se consolidando.
Palavras-chave: 4ª (quarta) velocidade. Velocidades do Direito Penal. Direito Penal do inimigo. Aspectos do TPI.
Abstract: The 4th (fourth) speed of the Criminal Law was treated in an unprecedented way. The doctrinal aspects about the speed of the Criminal Law were properly addressed. The permanence of the Criminal Law of the enemy, some aspects of the ICC, among other things, demonstrate the great importance of this new phase experienced by the Criminal Law, which is under construction and has been consolidating.
Keywords: 4th (fourth) speed. Speeds of the Criminal Law. Criminal Law of the enemy. Aspects of the ICC.
Sumário: 1. Introdução. 2. As velocidades do direito penal. 3. A 4ª (quarta) velocidade do direito penal. 4. Considerações finais. Referências.
1. INTRODUÇÃO
Em breve síntese introdutória, sabemos que o Direito Penal apresenta algumas velocidades ou fases que receberam um importante tratamento conferido pela doutrina.
A teoria das velocidades do Direito Penal foi apresentada primeiramente pelo professor catedrático da Universidade de Pompeu Fabra de Barcelona, o espanhol Jesús-Maria Silva Sánchez, revelando existir uma nítida preocupação com a consolidação de um único “Direito Penal moderno”. Assim, busca-se evitar a modernização generalizada pela expansão e flexibilização dos princípios político-criminais e regras de imputação inerentes às penas privativas de liberdade (MASSON, 2010, p. 82).
Silva Sánchez partiu do pressuposto de que o Direito Penal, no interior de sua unidade substancial, é composto de dois grandes blocos, distintos, de ilícitos: o primeiro, das infrações penais às quais são cominadas penas de prisão, e, o segundo, daquelas que se vinculam aos gêneros diversos de sanções penais (MASSON, 2010, p. 82).
Esclarece Silva Sánchez que todos os ilícitos guardam natureza penal e devem ser processados e julgados pelo Judiciário, não sendo possível a retirada das infrações penais para serem cuidadas pelo denominado “Direito Administrativo sancionador” (MASSON, 2010, p. 83).
Como visto, essa foi a primeira noção pelo reconhecimento das velocidades do Direito Penal, abarcando apenas as 1ª (primeira) e 2ª (segunda).
Posteriormente, formou-se a 3ª (terceira) velocidade do Direito Penal, a qual é uma fusão das velocidades supracitadas.
Segundo parte considerável da doutrina, a 3ª (terceira) velocidade teria sido também desenvolvida por Silva Sánchez. Já outros, entendem que ela somente teria sido exposta com minúcias por Günther Jakobs, professor catedrático de Direito Penal e Filosofia do Direito na Universidade de Bonn, Alemanha, o qual traçou lineamentos de uma teoria denominada de Direito Penal do inimigo.
Controvérsias acerca da origem à parte, importa saber que o professor Silva Sánchez definiu o Direito Penal do inimigo como a 3ª (terceira) velocidade do Direito Penal: privação de liberdade e suavização ou eliminação de direitos e garantias penais e processuais.
É importante também destacar que há autores (Ex: Rogério Greco) que afirmam que o criador da teoria do Direito Penal do inimigo teria sido Mezger e não Jakobs, em razão das influências dos movimentos nazistas e fascistas existentes à época.
Observadas tais premissas, parte-se para uma melhor abordagem acerca das velocidades do Direito Penal.
2. AS VELOCIDADES DO DIREITO PENAL
Sem a pretensão de esgotar a matéria neste trabalho, mas visando trazer as principais características das velocidades do Direito Penal, adotou-se uma análise dos institutos cunhada na direção doutrinária.
O Direito Penal de 1ª (primeira) velocidade ficou caracterizado pelo respeito às garantias constitucionais clássicas. Aqui temos a pura e simples essência do Direito Penal que é a aplicabilidade de penas privativas de liberdade, como última razão, combinadas com garantias. O Direito Penal é representado pela “prisão”, mantendo rigidamente os princípios político-criminais clássicos, as regras de imputação e os princípios processuais.
O Direito Penal de 2ª (segunda) velocidade ou Direito Penal reparador se caracterizou pela substituição da pena de prisão por penas alternativas (penas restritivas de direito, pecuniárias etc.) que delimitam a vida do criminoso e impõe obrigações, proporcionalmente ao mal causado. Aqui há uma relativização das garantias penais e processuais penais. Observem que as duas tendências incorporadas ao presente modelo são aparentemente antagônicas.
Na lei dos Juizados (nº 9.099/95), o instituto da transação penal (art. 76) é um ótimo exemplo da mencionada velocidade. Não há necessidade de advogado, não há processo e nem há denúncia, visto que na transação já se tem um tipo específico de pena. Outro bom exemplo é o art. 28, da Lei nº 11.343/2006 (Lei de Drogas). Isto posto, há aqui um Direito Penal representado pela “não prisão”.
O Direito Penal de 3ª (terceira) velocidade ficou marcado pelo resgate da pena de prisão por excelência, além de flexibilizar e suprimir diversas garantias penais e processuais penais. Trata-se de uma mescla entre as velocidades acima, vale dizer, utiliza-se da pena privativa de liberdade (Direito Penal de 1ª (primeira) velocidade), mas permite a flexibilização de garantias materiais e processuais (Direito Penal de 2ª (segunda) velocidade).
É também aqui que se expande o Direito Penal do inimigo ou inimigos do Direito Penal, consistindo num direito de emergência, de exceção.
Segundo a concepção de Günther Jakobs, trabalhada em 1980, 1990 e 2003, o “inimigo” seria o indivíduo que cognitivamente não aceita submeter-se às regras elementares de convívio em sociedade. Sendo assim, haveria uma divisão do Direito Penal: do Cidadão – com respeito aos direitos e garantias legais constitucionalmente previstas; e do Inimigo – com a flexibilização ou eliminação de direitos e garantias constitucionais e legais. Exemplos: interceptação telefônica sem prazo; caneleira eletrônica; lei dos crimes hediondos (nº 8.072/90); lei do crime organizado (nº 9.034/95), dentre outros. O inimigo é o não-cidadão e não pode ser tratado como pessoa pelo Estado.
Em resumo, alguns pontos definem bem as implicações da adoção do Direito Penal do inimigo. Vejamos: I) Antecipação da punibilidade – tipificam-se os atos preparatórios. Ex: art. 288, CP. Jakobs afirma que determinados atos preparatórios devem ser punidos. A doutrina ensina que formação de quadrilha ou bando é um caso excepcional em que atos preparatórios são puníveis; II) Criação de tipos de mera conduta. Ex: ato obsceno (art. 233, CP), violação de domicílio (art. 150, CP); III) Criação de crimes de perigo abstrato. Ex: tráfico de drogas (art. 33 e seguintes, da Lei nº 11.343/2006); IV) Flexibilização do princípio da legalidade – descrição vaga dos crimes e das penas (para que o Estado possa punir como bem entender); V) Inobservância do princípio da ofensividade e da exteriorização do fato; VI) Preponderância do Direito Penal do autor; VII) Desproporcionalidade de penas; VIII) Restrições de garantias penais e processuais – refere-se ao Direito Penal de 3ª (terceira) velocidade; e IX) Endurecimento da execução penal. Ex: Regime Disciplinar Diferenciado (art. 52, da Lei nº 7.210/84). Para muitos, é considerado como expoente do Direito Penal do inimigo.
Segundo Silva Sánchez, a transição do “cidadão” ao “inimigo” seria produzida mediante a reincidência, a habitualidade, a delinquência profissional e, finalmente, a integração em organizações delitivas estruturadas (MASSON, 2010, p. 85).
Jakobs cita o ataque às torres gêmeas de Nova York, em 11 de setembro de 2001, como exemplo desse Direito Penal do inimigo. Também aponta os integrantes de organizações criminosas, terroristas, delinquentes econômicos, autores de crimes contra a liberdade sexual, além dos responsáveis pela prática de infrações graves e perigosas (MASSON, 2010, p. 85).
No Brasil, é possível citar alguns exemplos de inimigos do Estado (“Fernandinho Beira-Mar”, “Marcola”, “PC Farias”, dentre outros).
Cumpre destacar que Jakobs é também o criador de uma nova teoria da ação jurídico-penal, o funcionalismo radical, monista ou sistêmico, ou seja, o pensamento que reserva elevado valor à norma jurídica como fator de proteção social. Para ele, apenas a aplicação constante da norma penal é que imprime à sociedade as condutas aceitas e os comportamentos indesejados (MASSON, 2010, p. 84).
Em síntese, ao mesclarmos o Direito Penal do inimigo com a 3ª (terceira) velocidade, teremos como resultado, uma maior tendência no rigorismo por parte dos poderes, in casu, bipartido, Legislativo e Judiciário.
Com a existência de novas discussões e debates doutrinários na seara criminal, começou a se consolidar uma nova velocidade para o Direito Penal. Com relação às velocidades já analisadas acima, a doutrina é, ao menos, pacífica.
Nestes termos, cabe uma profunda análise acerca do que vem a se caracterizar como a 4ª (quarta) velocidade do Direito Penal.
3. A 4ª (QUARTA) VELOCIDADE DO DIREITO PENAL
Nos manuais de Direito Penal, ainda é mínimo o tratamento conferido à temática acerca da existência da 4ª (quarta) velocidade do Direito Penal. A contrario sensu, as demais velocidades são satisfatoriamente abordadas.
O que vem a ser então o Direito Penal de 4ª (quarta) velocidade? A presente indagação deve ser respondida por partes. Vejamos:
Uma parcela da doutrina destaca que a citada velocidade surgiu na Itália e hoje está relacionada ao Neo-Positivismo, período este marcado pela predominância dos princípios, os quais passaram a ter força normativa.
Ao que tudo indica, o Direito Penal de 4ª (quarta) velocidade já pôde ser observado no Julgamento de Nuremberg (1945-1949), responsável por apurar e julgar os crimes nazistas durante a Segunda Guerra Mundial e passar a discutir os crimes contra a humanidade.
A 4ª (quarta) velocidade do Direito Penal está ligada ao Direito Internacional. Para aqueles que uma vez ostentaram a posição de Chefes de Estado e como tais violaram gravemente tratados internacionais de tutela de direitos humanos, serão aplicadas a eles as normais internacionais. O TPI (Tribunal Penal Internacional) será especialmente aplicado a esses réus. Nessa velocidade, há uma nítida diminuição das garantias individuais penais e processuais penais desses réus, defendida inclusive pelas ONGs.
Podem ser citados como exemplos (Sadam Russem, Muammar Kadafi, Adolf Hitler, dentre outros).
Fazendo uma pequena abordagem sobre TPI, frisa-se que este foi criado em 1998 e passou a ser conhecido como Estatuto de Roma (composto de 128 artigos). Ele possui sede em Haia (art. 3º), na Holanda, mas nada impede que seja em outra sede. O citado tribunal visa julgar os crimes de “lesa humanidade” (art. 5º).
Os crimes de “lesa humanidade” julgados pelo TPI são: o genocídio (art. 6º), os crimes contra a humanidade (art. 7º), os crimes de guerra (art. 8º) e os crimes de agressão (art. 9º). O genocídio significa destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso. A Lei nº 2.889/56 traz conceito semelhante e é uma norma penal em branco ao revés. O crime contra a humanidade é um ataque sistemático ou generalizado contra a população civil. Os crimes de guerra são violações graves às Convenções de Genebra de 1949. Por fim, os crimes de agressão são as violações referentes à Convenção da ONU de 1974.
Há uma exceção prevista no art. 70, do Estatuto, de que os crimes contra a administração da justiça do TPI serão também julgados pelo próprio TPI.
Os princípios regentes do TPI são: da legalidade-anterioridade (arts. 22º e 23º), irretroatividade (art. 24º), uma vez que até então os Tribunais eram de exceção; e da complementariedade (preâmbulo e art. 1º), visto que a jurisdição do TPI é complementar à jurisdição dos Estados-Membros. A exceção ocorre quando já se determina a absolvição, podendo julgar imediatamente.
A Composição (art. 38º) do TPI é formada por 18 (dezoito) juízes. Existe mandato de 9 (nove) anos, vedada a recondução. Não existe concurso. Há 6 (seis) juízes para a investigação; 6 (seis) para o processo; e 6 (seis) para o segundo grau, se houver. O TPI só julga pessoa física (art. 25º) e maiores de 18 (dezoito) anos (art. 26º). O TPI não admite aprovação com reservas (art. 120º).
Os instrumentos do TPI, tais como: imprescritibilidade (29º); ato de entrega (art. 89º); e prisão perpétua (art. 77º), devem se compatibilizar com o nosso direito interno. Há o entendimento de que a extradição se dá no plano horizontal, de Estado para Estado. Já a entrega, será de Tribunal para Estado, no plano vertical. Ambas não se confundem. Com relação à prisão perpétua, esta deverá ser adaptada ao direito interno.
Frise-se que hoje na atual sistemática internacional, a diferença dos sistemas da Civil Law (a base é a lei escrita) e do Common Law (a base é o precedente), vem perdendo espaço, uma vez que já se discute uma fusão entre ambos, formando um sistema eclético.
No Brasil, o TPI passa a viger apenas em 2002, a partir do Decreto nº 4.388/2002. O art. 7º do ADCT estabelecia que “O Brasil propugnará pela formação de um tribunal internacional dos direitos humanos”. Posteriormente, a EC nº 45/2004, acrescentou o § 4º, no art. 5º, da CF, dispondo que “O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão”.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como visto, observa-se que o Direito Penal de 4ª (quarta) velocidade está relacionado com aquelas pessoas que violam e violaram tratados e convenções internacionais de tutela de direitos humanos, ostentando a condição de Chefes de Estado, devendo sofrer a incidência das normas internacionais.
Transparece a ideia de que da 1ª (primeira) velocidade até a 4ª (quarta), cada vez mais as garantias individuais foram sendo mitigadas e suprimidas. Aos que sustentam que o Direito Penal de 3ª (terceira) velocidade não pode ser sequer aceito, visto que o Direito Penal do inimigo acaba se afastando do sistema garantista e constitucionalizado, o mesmo pode ser utilizado também como argumento para afastar o Direito Penal de 4ª (quarta) velocidade. Contudo, surgirá outra relevante discussão acerca da prevalência ou não da norma internacional sobre a norma interna.
Com efeito, embora existam críticas e questionamentos quanto à supracitada velocidade aqui abordada, parece razoável o entendimento de que o Direito Penal do inimigo permanece mais “vivo e “oxigenado” do que nunca. Contudo, a ótica agora passa a ser também no plano internacional, envolvendo países, nações, fruto de um mundo globalizado, não se restringindo apenas aos limites do Estado. Destarte, vem se reconhecendo e se consolidando a 4ª (quarta) velocidade do Direito Penal.
Informações Sobre o Autor
Alex Pacheco Magalhães
Delegado de Polícia Civil do Estado de Minas Gerais.
Especialista em Direito Processual Civil (Universidade Anhanguera – UNIDERP/LFG). Especialista em Direito do Estado (JusPodivm/Faculdade Baiana de Direito). Ex-Consultor Jurídico da Procuradoria Jurídica da Câmara Municipal de Salvador/BA. Ex-Advogado. Bacharel em Direito (FIB – Centro Universitário da Bahia)