Resumo: A partir de uma abordagem qualitativa e da
utilização dos métodos descritivo e bibliográfico, o presente estudo tem por
finalidade analisar a possibilidade de adoção, no Brasil, por estrangeiros. O
Direito à Filiação é previsto constitucionalmente. A lei especial, Lei n.
8.069/90, prevê a adoção por estrangeiros como exceção à regra Esta, somente é possível nos casos em que a
criança não puder ser adotada por pessoa brasileira ou estrangeira residente no
Brasil. É necessária a realização de destituição do poder familiar antes que
realizar a adoção. Em determinados casos, a adoção internacional é a única
opção para crianças consideradas inadotáveis no Brasil.
Palavras-chave: Adoção – estrangeiro – legislação.
1.
Considerações iniciais acerca do tema.
A Constituição Federal de 1988 contempla, como
preceito fundamental, o direito à filiação, garantido a todos.
Conforme Alexandre de Moraes[1]:
“Filiação: os
filhos havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção terão os mesmos
direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias
relativas à filiação. Essa norma constitucional tem aplicabilidade imediata,
garantindo-se imediata igualdade, sem que possa resistir qualquer prejuízo ao
filho adotivo ou adulterino, que poderá, inclusive ajuizar ação de investigação
de paternidade e ter sua filiação reconhecida, além de ter o direito de
utilização do nome do pai casado”;
A adoção é uma alternativa à constituição de
famílias naturais, nos casos em que o casal não possui condições de gerar
prole, ou ainda, opte pela adoção, por diversos critérios, sejam eles
humanitários, éticos, morais ou sociais.
Tal instituto é previsto no artigo 227, § 5º, da
Constituição Federal, sendo regulada pela Lei n. 8.069/90, conhecida por
Estatuto da Criança e do Adolescente, em seus artigos 35/52, quando se tratar
de adoção de pessoa menor de 18 anos e por meio dos artigos 1.618 e seguintes
do Código Civil, quando o adotando for pessoa maior de 18 anos.
O Código Civil de 2002, limita-se a repetir as
previsões do Estatuto da Criança e do Adolescente ao tratar da adoção de
crianças e adolescentes, trazendo poucas modificações.
Analisando-se os artigos da Lei n. 8.069/90,
destinados ao instituto da adoção, verifica-se que o legislador prefere os
adotantes nacionais aos estrangeiros, considerando prioritária a colocação do
adotando em família substituta brasileira e a adoção estrangeira como medida
excepcional – artigo 31 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
De acordo com a recomendação do XIII Congresso da
Associação Internacional de Magistrados de Menores e Família, realizado em
Turim, Itália, em 16 a 21/09/90, verifica-se “Que seja confirmado o caráter
subsidiário da adoção internacional, a qual poderá ocorrer somente depois de
esgotados todas as possibilidades de manutenção da criança na própria família
ou em outra família no país de origem”.
Tal postura tem por objeto a manutenção da cultura
de origem do adotando, visando a preservação de sua nacionalidade.
Nos casos em que estrangeiros habilitados vierem a preencher
os requisitos do art. 51 do Estatuto da Criança e do Adolescente,
considerando-se a adoção no melhor interesse da criança, esta será deferida.
2. A
adoção internacional
A Convenção de Haia, recepcionada pela legislação
pátria por meio do Decreto Legislativo 3087/99, enumera os requisitos da adoção
internacional em seu artigo 4º:
“Artigo 4
As adoções abrangidas por esta Convenção só poderão
ocorrer quando as autoridades competentes do Estado de origem:
a) tiverem determinado que a criança é adotável;
b) tiverem verificado, depois de haver examinado
adequadamente as possibilidades de colocação da criança em seu Estado de
origem, que uma adoção internacional atende ao interesse superior da criança;
c) tiverem-se assegurado de:
1) que as pessoas, instituições e autoridades cujo
consentimento se requeira para a adoção hajam sido convenientemente orientadas
e devidamente informadas das conseqüências de seu consentimento, em particular
em relação à manutenção ou à ruptura, em virtude da adoção, dos vínculos
jurídicos entre a criança e sua família de origem;
2) que estas pessoas, instituições e autoridades
tenham manifestado seu consentimento livremente, na forma legal prevista, e que
este consentimento se tenha manifestado ou constatado por escrito;
3) que os consentimentos não tenham sido obtidos
mediante pagamento ou compensação de qualquer espécie nem tenham sido
revogados, e
4) que o consentimento da mãe, quando exigido,
tenha sido manifestado após o nascimento da criança; e
d) tiverem-se assegurado, observada a idade e o
grau de maturidade da criança, de:
1) que tenha sido a mesma convenientemente
orientada e devidamente informada sobre as conseqüências de seu consentimento à
adoção, quando este for exigido;
2) que tenham sido levadas em consideração a vontade
e as opiniões da criança;
3) que o consentimento da criança à adoção, quando
exigido, tenha sido dado livremente, na forma legal prevista, e que este
consentimento tenha sido manifestado ou constatado por escrito;
4) que o consentimento não tenha sido induzido
mediante pagamento ou compensação de qualquer espécie”.
Conforme estudo apresentado por Weber (1998), os
casais estrangeiros, diferente dos brasileiros, constantemente realizam adoções
visando a ajuda humanitária, estando mais abertos a adotar crianças de etnias
diferentes das suas, bem como de mais idade, crianças que em nosso país são
consideradas inadotáveis, tendo em vista a grande procura por parte de casais
brasileiros de filhos adotivos que possuam características físicas semelhantes
às suas, visando, desta forma, evitar a constatação imediata da origem da
filiação por parte de terceiros.
Outro dado que dá maior impulso à adoção
internacional é a baixa taxa de natalidade dos países desenvolvidos, fazendo
com que o número de crianças disponíveis para a adoção seja bastante reduzido.
Desta forma, o adotante passa a buscar alternativas em países com maior taxa de
crianças adotáveis.
Importante ressaltar que por criança adotável se
entende aquela desprovida de qualquer vínculo familiar. Tal situação, qual seja
de abandono, é difícil de ser declarada, uma vez que, os pais, apesar de não
entrarem em contato com os filhos por anos, ainda possuem o poder familiar e
não pretendem abrir mão deste, o impossibilitando a adoção, haja vista que é
necessário que a criança não tenha os pais, seja por desconhecimento ou
destituição do poder familiar deste, para que seja realizada a adoção.
Cabe ao Magistrado nas ações de destituição do
poder familiar agir com bom senso, buscando o melhor interesse do infante,
mesmo que para isso ele tenha que abrir mão de sua identidade nacional.
3.
Requisitos para a adoção por estrangeiros:
Os artigos 51 e 52 d Lei n. 8.069/90, estabelecem
os requisitos para que os estrangeiros não residentes em nosso país (uma vez
que, a estes, a lei confere as mesmas prerrogativas dos brasileiros): a
apresentação da documentação pertinente, presença diante do juízo, estudo
psicossocial realizado por agência especializada e credenciada no país de
origem.
O objetivo de tais demandas é a proteção do
infante, evitando-se que esta venha a sofrer transtornos no país de origem dos
candidatos a pais, considerando-se que existem países que vedam a adoção de
estrangeiros por seus cidadãos, devendo a adoção ser precedida de estudo, com o
objetivo de apurar se o casal adotante possui reais condições de receber um
filho com diferente características físicas e sociais de si próprio.
O nosso país utiliza, como forma de cadastro dos
estrangeiros interessados em adotar uma criança brasileira, Agências de Adoção
Internacional, facultando-se aos
candidatos que compareçam ao país somente no momento de encontrar a criança.
Não obstante, também é possível que o adotantes
habilitem-se diretamente junto ao órgão oficial no Brasil e em seu país de
origem, sendo necessário que os estrangeiros, primeiro, procedam a habilitação
em seu pais de origem, para obter homologação em seu pedido no Brasil.
Portanto, a habilitação dos estrangeiros será
diferente da habilitação dos brasileiros adotantes, porquanto estes devem ser
submetidos à entrevistas de técnicos do Juizados e receber visitas dos
assistentes sociais em suas residências, enquanto aqueles passarão pelo
procedimento previsto em seu país de origem, sendo chamados ao Juizado somente
quando forem receber a criança brasileira em adoção.
Conforme o estudo supracitado, a maioria dos
estrangeiros, bem como a maioria absoluta dos brasileiros, não possuem filhos
naturais, buscando a adoção como forma alternativa de constituição de família e
não visando a inclusão de crianças sem família.
Outrossim, grande parte dos estrangeiros que buscam
um filho no Brasil, diferente dos brasileiros, adotam crianças acima dos quatro
anos de idade, são indiferentes a raça, estando dispostos a adotar crianças
pardas e negras, bem como não se importam em adotar irmãos, o que demonstra que
os estrangeiros desejam, primeiramente, serem pais, enquanto os brasileiros
procuram criar a ilusão de família natural, tendo como objetivo adotar bebes
brancos e saudáveis, nos primeiros seis meses de vida.
O lapso de tempo que dura o trâmite do o processo
de adoção varia entre poucos meses e até dois anos. Nos casos dos estrangeiros,
considerando que estes já estão devidamente habilitados junto ao seu país de
origem, ou ainda o processo tramita por meio de entidade conveniada, poderá o
procedimento levar poucos meses, dependendo do perfil de criança buscada pelos
adotantes, sendo bastante ágil o procedimento para adoção de uma criança negra
acima de cinco anos, por exemplo.
Outro fator que deve ser mencionado é a destituição
do poder familiar, exigido para adoção de pessoas menores de 18 anos.
Conforme estabelece o Estatuto da Criança e do
Adolescente, em seu artigo 45, é necessária a autorização dos pais do adotante
para que a adoção ocorra, ou ainda a destituição do poder familiar.
Segundo Cury, Garrido e Marçura[2]:
A destituição do poder familiar
não pode ser decretada incidenter tantum
nos procedimentos de adoção, reclamando o devido processo legal, que obviamente
não prescinde de inicial na qual fatos ensejadores do pedido sejam devidamente
descritos, a possibilitar o exercício da ampla defesa. Nada obsta, contudo, a
cumulação objetiva, porquanto “os dois pedidos, ainda que um deles (destituição
do pátrio poder) esteja implicitamente vinculado ao outro (adoção), podem ser
tratados num único processo, posto que compatíveis entre si, para ambos é
competente o mesmo juízo e o tipo de procedimento é adequado para todos” (RT
692/58).
O art. 1.635 Código Civil trás as hipóteses de
extinção do poder familiar:
Art. 1.635. Extingue-se o poder
familiar:
I – pela morte dos pais ou do filho;
II – pela emancipação, nos termos do art. 5o, parágrafo
único;
III – pela maioridade;
IV – pela adoção;
V – por decisão judicial, na forma do artigo 1.638.
Sendo
previsto ainda, pelo art. 1.638 do Código Civil, as causas da perda judicial do
poder familiar:
Art. 1.638. Perderá por
ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que:
I – castigar imoderadamente o filho;
II – deixar o filho em abandono;
III – praticar atos contrários à moral
e aos bons costumes;
IV – incidir,
reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente.
4.
Considerações finais
É bastante comum encontrarmos em abrigos e casas de
passagem, crianças deixadas pelos pais, que passam anos sem vê-las, não
obstante, estes não abrem mão do poder familiar, o que impossibilita a adoção,
salvo ser for decretada judicialmente a perda desta, e razão do abandono.
Dessa forma, conclusão a que se chega, é que muito
embora a adoção internacional seja medida extrema, que nega o direito a
nacionalidade brasileira ao adotado, integrando-o a um novo país, uma nova
realidade, muitas vezes é a única hipótese para algumas crianças de crescerem
dentro de um ambiente familiar, sendo recomendável, de acordo com as
circunstancias fáticas a serem apuradas.
Bibliografia:
Brasil, Constituição Federal,
Brasil, Lei n. 8.069/90,
CURY, Garrido e MARÇURA. Estatuto da criança e do adolescente anotado. 3ª Edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.
NÉRI JÚNIOR, Nelson, Nery e NERY, Rosa Maria de
Andrade. Código civil comentado. 4ª Edição. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2006.
WEBER, Lídia Natália Dobrianskyj, O filho universal – um estudo comparativo de
adoções nacionais e internacionais. revista Direito de Família e Ciências
Humanas – Caderno de Estudos, n.º 2, 1998, p. 119/125.
Notas:
[1] Direito
Constitucional, 13ª Edição, Editora Atlas, 200 (p. 683).
[2] Estatuto da
Criança e do Adolescente Anotado, 3ª Edição, Editora Revista dos Tribunais,
2002(p. 37).
Acadêmica do Curso de Direito da Universidade da Região da Campanha – URCAMP (campus São Gabriel/RS)
Doutor em Direito (UBA), Doutorando em Administração (USP), Mestre em Administração (UFRGS). Professor da Universidade Federal do Pampa
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