A alienação fiduciária comparada ao leasing e à reserva de domínio

Resumo: Apresentação da alienação fiduciária, comparando-a ao leasing e à reserva de domínio, destacando suas semelhanças e as distinções.

Palavras-chave: Contrato. Propriedade. Alienação Fiduciária. Leasing. Reserva de Domínio.

Abstract: Presentation of the chattel mortgage and its comaparison with the leasing contract and with the contract with reserve of ownership, outlining their similarities and differences.

Key words: Contract. Property. Chattel mortgage.Leasing. Reserve of ownership.

Sumário: 1 Introdução. 2 Alienação Fiduciária –  2.1 Base Legal – 2.2 Características gerais – 2.3 Partes –  2.4 Objeto – 2.5 Eficácia do negócio jurídico – 2.6 A posse na alienação fiduciária – 2.7 Da impenhorabilidade do bem dado em alienação fiduciária. 3 A Alienação Fiduciária e Contrato de leasing (arrendamento mercantil). 4 A Alienação Fiduciária e a Reserva de Domínio. 5 Conclusão

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem o objetivo de apresentar o instituto da alienação fiduciária, comparando-a aos institutos do leasing (arrendamento mercantil) e da compra e venda com reserva de domínio.

Para tanto, em primeiro lugar, serão apresentados os pontos mais característicos da alienação fiduciária. A seguir serão apresentados os institutos do leasing e reserva de domínio, destacando seus pontos em comum e suas distinções com o instituto da alienação fiduciária.

2 ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA

2.1 Base legal

A propriedade fiduciária está incluída no rol de direitos reais do Código Civil Brasileiro (CCB/02) em seu artigo 1.225, I.

Conforme se depreende da leitura do artigo, a referência à propriedade fiduciária não está explícita, mas, sim incluída no inciso I como espécie de propriedade resolúvel.

“Art. 1.225, CCB/02. São direitos reais:

I – a propriedade;

II – a superfície;

III – as servidões;

IV – o usufruto;

V – o uso;

VI – a habitação;

VII – o direito do promitente comprador do imóvel;

VIII – o penhor;

IX – a hipoteca;

X – a anticrese.

XI – a concessão de uso especial para fins de moradia;

XII – a concessão de direito real de uso”.

Antes do advento do CCB de 2002, as questões materiais e processuais referentes à alienação fiduciária eram tratadas no Decreto- Lei nº 911/69 (que modificou o artigo 66 da Lei nº4.728/65).

O novo Código Civil Brasileiro incorporou a matérias nos artigos 1.361 a 1.368, revogando em parte o referido Decreto-Lei.

“Art. 1.361, CCB/02. Considera-se fiduciária a propriedade resolúvel de coisa móvel infungível que o devedor, com escopo de garantia, transfere ao credor.

§ 1º Constitui-se a propriedade fiduciária com o registro do contrato, celebrado por instrumento público ou particular, que lhe serve de título, no Registro de Títulos e Documentos do domicílio do devedor, ou, em se tratando de veículos, na repartição competente para o licenciamento, fazendo-se a anotação no certificado de registro.

§ 2º Com a constituição da propriedade fiduciária, dá-se o desdobramento da posse, tornando-se o devedor possuidor direto da coisa.

§ 3º A propriedade superveniente, adquirida pelo devedor, torna eficaz, desde o arquivamento, a transferência da propriedade fiduciária.

Art. 1.362, CCB/02. O contrato, que serve de título à propriedade fiduciária, conterá:

I – o total da dívida, ou sua estimativa;

II – o prazo, ou a época do pagamento;

III – a taxa de juros, se houver;

IV – a descrição da coisa objeto da transferência, com os elementos indispensáveis à sua identificação.

Art. 1.363, CCB/02. Antes de vencida a dívida, o devedor, a suas expensas e risco, pode usar a coisa segundo sua destinação, sendo obrigado, como depositário:

I – a empregar na guarda da coisa a diligência exigida por sua natureza;

II – a entregá-la ao credor, se a dívida não for paga no vencimento.

Art. 1.364, CCB/02. Vencida a dívida, e não paga, fica o credor obrigado a vender, judicial ou extrajudicialmente, a coisa a terceiros, a aplicar o preço no pagamento de seu crédito e das despesas de cobrança, e a entregar o saldo, se houver, ao devedor.

Art. 1.365, CCB/02. É nula a cláusula que autoriza o proprietário fiduciário a ficar com a coisa alienada em garantia, se a dívida não for paga no vencimento.

Parágrafo único. O devedor pode, com a anuência do credor, dar seu direito eventual à coisa em pagamento da dívida, após o vencimento desta.

Art. 1.366, CCB/02. Quando, vendida a coisa, o produto não bastar para o pagamento da dívida e das despesas de cobrança, continuará o devedor obrigado pelo restante.

Art. 1.367, CCB/02. Aplica-se à propriedade fiduciária, no que couber, o disposto nos arts. 1.421, 1.425, 1.426, 1.427 e 1.436.

Art. 1.368, CCB/02. O terceiro, interessado ou não, que pagar a dívida, se sub-rogará de pleno direito no crédito e na propriedade fiduciária.

Art. 1.368-A, CCB/02. As demais espécies de propriedade fiduciária ou de titularidade fiduciária submetem-se à disciplina específica das respectivas leis especiais, somente se aplicando as disposições deste Código naquilo que não for incompatível com a legislação especial.”

As regras do processo de busca e apreensão permaneceram no Decreto-Lei nº 911/69, porém, com as alterações da Lei nº 10.931/04.

Esta lei trouxe também alterações ao Código Civil Brasileiro, incluindo a ele o artigo 1.368 A.

Tal alteração implica na necessidade de se manter o foco na Lei nº 4.728/65 quando se tratar de alienação fiduciária no âmbito do mercado financeiro e de capitais e na Lei nº 9.514/97 quando se tratar de financiamento imobiliário.

2.2 Características gerais

A alienação fiduciária é negócio jurídico bilateral, em que o credor fiduciário adquire propriedade resolúvel e posse indireta do bem, em garantia do financiamento efetuado pelo devedor.

O objetivo da propriedade fiduciária é garantir o cumprimento da obrigação assumida pelo devedor adquirente. Diferentemente do que ocorria no Direito Romano, o instituto não é baseado na fidúcia (confiança), mas, sim na cláusula inserida do negócio jurídico que impõe ao credor a obrigação de devolver a propriedade do bem ao devedor quando do adimplemento da obrigação.

Não adimplida tal obrigação, o credor fiduciário converte-se automaticamente em proprietário, encontrando no valor do bem financiado a garantia de recebimento do débito.

Por outro lado, adimplida a obrigação, resolve-se o direito do credor fiduciário, transferindo ao devedor a propriedade do bem.

O contrato de alienação fiduciária exige forma escrita, é oneroso, bilateral e acessório, já que a sua existência jurídica tem em vista a garantia de um contrato principal.

As partes podem fazer a opção pelo instrumento público ou particular, independentemente do valor atribuído ao contrato, assim como determina o artigo 1.361,§1º, CCB/02.

A exemplo dos contratos de hipoteca, penhor e anticrese, o contrato da alienação fiduciária exige especialização da garantia, com a descrição dos elementos essenciais do negócio jurídico e a individualização da coisa dada em alienação, assim com a data do vencimento do débito e a taxa de juros (art. 1.362, CCB/02).

2.3 Partes

O sujeito ativo do negócio jurídico é credor fiduciário. Como o artigo 1.361, do CCB/02, não faz restrições quanto ao credor fiduciário, entende-se que houve universalização do negócio, podendo ser o credor fiduciário pessoa jurídica ou natural.

Porém, no regime do Decreto-Lei nº 911/69, o credor fiduciário é somente a pessoa jurídica concedente de empréstimo, instituição financeira autorizada pelo Banco Central. Sendo assim, a instituição financeira que realizar negócio de alienação fiduciária, deve ainda observar as regras de tal Decreto-Lei.

O devedor é pessoa natural ou jurídica que busca o crédito, é o fiduciante. O fiduciante, em regra, é o proprietário do bem, que o aliena ao credor fiduciário para fim de obtenção do crédito, surgindo, então, a propriedade fiduciária.

No entanto, o CCB/02, trouxe a possibilidade da realização da alienação fiduciária, mesmo que o fiduciante ainda não tenha a propriedade do bem, bastando que, em momento superveniente, se promova tal aquisição (art. 1.361,§ 3º).

O CCB/02 também inovou ao permitir ao terceiro, interessado ou não, subrrogar-se no crédito, bastando que proceda no pagamento do débito em favor do credor fiduciário (art. 1.368). É uma regra excepcional, já que a teoria geral das obrigações autoriza ao terceiro não interessado o direito de reembolso, sem os privilégios do credor originário.

“Art. 304, CCB/02. Qualquer interessado na extinção da dívida pode pagá-la, usando, se o credor se opuser, dos meios conducentes à exoneração do devedor.

Parágrafo único. Igual direito cabe ao terceiro não interessado, se o fizer em nome e à conta do devedor, salvo oposição deste.

Art. 346, CCB/02. A sub-rogação opera-se, de pleno direito, em favor:

I – do credor que paga a dívida do devedor comum;

II – do adquirente do imóvel hipotecado, que paga a credor hipotecário, bem como do terceiro que efetiva o pagamento para não ser privado de direito sobre imóvel;

III – do terceiro interessado, que paga a dívida pela qual era ou podia ser obrigado, no todo ou em parte.”

A intenção dessa inovação é permitir que qualquer pessoa possa garantir a dívida por meio de alienação fiduciária em garantia, ou seja, não há necessidade de que o bem dado em garantia seja de propriedade do devedor da obrigação. Caso haja o inadimplemento, o terceiro garantidor é quem sofre as consequências da supressão do bem.

Esclarece-se que vendedor do bem, que figura no primeiro momento do negócio fornecendo o bem ao fiduciante, não é parte no negócio jurídico da alienação fiduciária, pois, não lhe remanesce crédito.

2.4 Objeto

Segundo dispõe o CCB/02, o objeto do contrato de alienação fiduciária é o bem móvel infungível (art. 1.361, caput). Isso porque a própria volatividade dos bens infungíveis impede que eles sirvam ao propósito de garantia.

Conforme já exposto, a propriedade fiduciária de bem imóveis, bens fungíveis e demais espécies submetem-se à regulamentação da legislação especial. Portanto, é possível a alienação fiduciária de direitos sobre bens móveis, como os títulos de crédito (art. 66, § 3º, Lei n º4.728/65), de bens imóveis (art. 22, Lei nº 9.514/97), bens fungíveis (art. 66, § 3º, Lei nº 4.728/65).

“Art. 66-B Lei 4.728/65 – O contrato de alienação fiduciária celebrado no âmbito do mercado financeiro e de capitais, bem como em garantia de créditos fiscais e previdenciários, dever conter, além dos requisitos definidos na10.406 de 10 de janeiro de 2002– Código Civil, a taxa de juros, a cláusula penal, o índice de atualização monetária, se houver, e as demais comissões e encargos. (…)

 § 3º É admitida a alienação fiduciária de coisa fungível e a cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis, bem como de títulos de crédito, hipóteses em que, salvo disposição em contrário, a posse direta e indireta do bem objeto da propriedade fiduciária ou do título representativo do direito ou do crédito é atribuída ao credor, que, em caso de inadimplemento ou mora da obrigação garantida, poderá vender a terceiros o bem objeto da propriedade fiduciária independente de leilão, hasta pública ou qualquer outra medida judicial ou extrajudicial, devendo aplicar o preço da venda no pagamento do seu crédito e das despesas decorrentes da realização da garantia, entregando ao devedor o saldo, se houver, acompanhado do demonstrativo da operação realizada.

Art. 22- Lei 4.728/65- A alienação fiduciária regulada por esta Lei é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel.

§ 1oA alienação fiduciária poderá ser contratada por pessoa física ou jurídica, não sendo privativa das entidades que operam no SFI, podendo ter como objeto, além da propriedade plena

I – bens enfitêuticos, hipótese em que será exigível o pagamento do laudêmio, se houver a consolidação do domínio útil no fiduciário;

II – o direito de uso especial para fins de moradia;

III – o direito real de uso, desde que suscetível de alienação;

IV – a propriedade superficiária.

§ 2oOs direitos de garantia instituídos nas hipóteses dos incisos III e IV do § 1odeste artigo ficam limitados à duração da concessão ou direito de superfície, caso tenham sido transferidos por período determinado.”

Não há impedimento também que a propriedade fiduciária incida sobre bem que já pertencia anteriormente ao devedor, assim como dispõe a Súmula nº 28, do Superior Tribunal de Justiça (STJ):

“STJ Súmula nº 28- 25/09/1991 – DJ 08.10.1991

Alienação Fiduciária em Garantia – Patrimônio do Devedor

O contrato de alienação fiduciária em garantia pode ter por objeto bem que já integrava o patrimônio do devedor.”

2.5 Eficácia do negócio jurídico

No ordenamento jurídico brasileiro, os contratos não possuem eficácia real, por isso, faz-se necessária a tradição para a transferência da propriedade de bens móveis ou o registro para a transferência da propriedade de bens imóveis.

“Art. 1.226 – CCB/02. Os direitos reais sobre coisas móveis, quando constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com a tradição.

Art. 1.227- CCB/02. Os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos referidos títulos (arts. 1.245 a 1.247), salvo os casos expressos neste Código.”

Dessa forma, o contrato de alienação fiduciária consiste apenas em um título, que deve ser seguido do modo de aquisição específico.

No caso dos bens infungíveis, a transferência se dá pela tradição e pelo registro do instrumento no Cartório de Títulos e Documentos do domicílio do devedor, nos termos do artigo 1.361,§1º, do CCB/02.

Já nos casos de alienação fiduciária de veículos automotivos, soma-se ao registro no Cartório de Títulos e Documentos, a necessidade de anotação no Certificado de Registro de Veículo (CRV).

Há entendimento de que, nesses casos, não basta a anotação no CRV, sendo este o requisito cumulativo ao registro no Cartório de Títulos e Documentos. Isso porque o cadastro no DETRAN não é registro de propriedade, mas, mero registro em banco de dados. A realização dos dois registros tem a finalidade de garantia de validade do contrato perante terceiros, conforme o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Supremo Tribunal Federal (STF):

“STJ Súmula nº 92- 27/10/1993 – DJ 03.11.1993

Terceiro de Boa-Fé・- Alienação Fiduciária – Certificado de Registro

A terceiro de boa-fé não é oponível a alienação fiduciária não anotada no Certificado de Registro do veículo automotor.

STF Súmula nº 489- 03/12/1969 -DJ de 10/12/1969, p. 5931; DJ de 11/12/1969, p. 5947; DJ de 12/12/1969, p. 5995.

Republicado: DJ de 11/6/1970, p. 2381; DJ de 12/6/1970, p. 2405; DJ de 15/6/1970, p. 2437.

Compra e Venda de Automóvel – Direitos de Terceiros de Boa-Fé・- Transcrição no Registro de Títulos e Documentos

A compra e venda de automóvel não prevalece contra terceiros, de boa-fé, se o contrato não foi transcrito no registro de títulos e documentos.”

Conforme dispõe a Lei nº 9.514/97, a alienação fiduciária de bens imóveis é instituída mediante registro no ofício imobiliário.

“Art. 23, 9.514/97 Constitui-se a propriedade fiduciária de coisa imóvel mediante registro, no competente Registro de Imóveis, do contrato que lhe serve de título.

Parágrafo único. Com a constituição da propriedade fiduciária, dá-se o desdobramento da posse, tornando-se o fiduciante possuidor direto e o fiduciário possuidor indireto da coisa imóvel.”

Portanto, conclui-se que nas diversas espécies de alienação fiduciária, caso o contrato não seja levado à registro, presume-se que haverá mero direito de crédito e não terá eficácia perante terceiros de boa-fé.

Ademais, o fiduciante que alienar o bem dado em garantia estará dispondo de coisa alheia como se fosse própria e ficará sujeito às penas do artigo 171, do Código Penal (CP).

“Art. 66-B. Lei 4.728/65. O contrato de alienação fiduciária celebrado no âmbito do mercado financeiro e de capitais, bem como em garantia de créditos fiscais e previdenciários, deverá conter, além dos requisitos definidos na Lei no10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil, a taxa de juros, a cláusula penal, o índice de atualização monetária, se houver, e as demais comissões e encargos.(…)

§ 2º O devedor que alienar, ou der em garantia a terceiros, coisa que já alienara fiduciariamente em garantia, ficará sujeito à pena prevista no art. 171, § 2o, I, do Código Penal.

Art. 171, CP – Estelionato- Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:

Pena – reclusão, de um a cinco anos, e multa, de quinhentos mil réis a dez contos de réis.(…)

§ 2º – Nas mesmas penas incorre quem:

Disposição de coisa alheia como própria

I – vende, permuta, dá em pagamento, em locação ou em garantia coisa alheia como própria;”

2.6  A posse na alienação fiduciária

Na alienação fiduciária, ocorre o desdobramento da posse, pois, o fiduciante conserva o poder imediato sobre o bem, podendo dele usar e gozar, as suas expensas e riscos, responsabilizando-se pela sua destruição, perda ou deterioração, na qualidade de depositário. Por outro lado, o credor fiduciário detém a posse indireta do bem.

A realização do contrato de alienação fiduciária, provoca a inversão do título da posse do bem: o fiduciante (que originalmente era o proprietário), continua a mantê-lo, porém, agora na condição de depositário. Já o credor fiduciário, recebe a posse indireta do bem, adquirida por ficção, tendo em vista que não é necessário que o fiduciante de fato entregue o bem ao credor fiduciário.

“Art. 1.267, CCB/02. A propriedade das coisas não se transfere pelos negócios jurídicos antes da tradição.

Parágrafo único. Subentende-se a tradição quando o transmitente continua a possuir pelo constituto possessório; quando cede ao adquirente o direito à restituição da coisa, que se encontra em poder de terceiro; ou quando o adquirente já está na posse da coisa, por ocasião do negócio jurídico.”

Em função da posse imediata do bem, o fiduciante tem legitimidade para ajuizar ações possessórias para a tutela da posse em face de terceiros e também do próprio credor fiduciário.

Além das ações possessórias, o fiduciante pode também manejar ações reais para a defesa da propriedade do bem, tendo em vista a sua expectativa de propriedade e do caráter resolúvel da propriedade do credor fiduciário.

2.7 Da Impenhorabilidade do bem dado em alienação fiduciária

O bem dado em garantia em alienação fiduciária é impenhorável por dívidas do fiduciante, já que o bem não integra o ativo do devedor (fiduciante) por ter somente a posse, sendo a propriedade do credor fiduciário.

O credor fiduciário é legitimado para oposição de embargos de terceiro, em caso de penhora do bem dado em garantia, ou pode, preventivamente, requerer a restituição do bem quando o fiduciante estiver em situação de falência ou insolvência.

Conforme prevê o artigo 1.365, do CCB/02, o credor fiduciário não pode ficar com o bem em caso de inadimplemento. Sendo assim, deve proceder na alienação do bem e, se houver valor excedente, restituí-lo ao fiduciante (art. 1.364, CCB/02). Se o valor da venda for insuficiente, o fiduciante continua obrigado pelo restante (art. 1.366, CCB/02).

Há também a hipótese prevista no parágrafo único do artigo 1.365, do CCB/02, em que o fiduciante pode conceder o direito eventual sobre o bem para pagamento de outro débito, desde que haja autorização do credor fiduciário.

O bem dado em garantia também tem proteção em relação às penhoras por dívidas do credor fiduciário. Trata-se do instituto da afetação patrimonial, pelo qual o bem dado em garantia, que é de propriedade do credor fiduciário, seja considerado independente do seu patrimônio geral, ficando, portanto, imune à ação de terceiros.

A afetação patrimonial tem grande relevância, principalmente, no ramo imobiliário, pois, a Lei nº 10.931/04, que alterou a Lei nº 4.591/64, permite que tal instituto seja aplicado às incorporações.

Seguindo tal alteração na lei, os terrenos e as acessões podem ser separadas do patrimônio do incorporador e constituem patrimônio destinado a entrega das unidades imobiliárias aos adquirentes, estando, portanto, imunes à falência ou insolvência do incorporador.

Realizada a devida averbação no registro imobiliário, o patrimônio afetado somente pode ser objeto de garantia em operação de crédito se este for destinado integralmente à consecução da edificação das unidades imobiliárias.

3 A ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA E O CONTRATO DE LEASING (ARRENDAMENTO MERCANTIL)

O contrato de leasing é o meio pelo qual pessoa jurídica ou natural, visando a utilização de bem móvel ou imóvel, procede para que instituição financeira o adquira (o bem) e o alugue por prazo determinado, estabelecendo que, ao término do prazo, possa escolher entre três opções: devolução do bem, renovação da locação por valor inferior ao do primeiro período ou aquisição do bem por preço residual pré estabelecido.

Tal modalidade de negócio jurídico é regulado no Brasil pela Lei nº 6.099/74, alterado pela Lei nº 7.132/83.

A principal modalidade no país é o leasing financeiro seja para móveis ou imóveis. Nessa modalidade, o arrendatário pretende o financiamento para aquisição de um bem para não imobilizar seu capital em produto que pode se tornar obsoleto em curto ou médio prazo. Enquanto o arrendador visa recuperar os custos investidos e ainda receber uma margem de lucro.

Assemelha-se à alienação fiduciária, já que em ambos os modelos, há desdobramento da posse (direta para o usuário e indireta para o proprietário).

Porém, o leasing é negócio jurídico mais complexo, pois, reúne pluralidade de relações de direito obrigacional. Conforme já exposto, reúne características da locação, financiamento e compra e venda.

No leasing não há propriedade resolúvel, já que as prestações pagas têm natureza de aluguel, que justifica a inclusão do valor residual ao final no caso de opção pela compra do bem, convertendo-se as parcelas pagas a título de aluguel em amortização de parcela do débito.

Já na propriedade fiduciária, o fiduciante amortiza o débito a cada prestação, não lhe restando qualquer valor residual ao tempo do adimplemento.

No leasing, a responsabilidade civil por obrigação decorrente de danos causados a terceiros provocados pelo uso do bem é solidária entre o arrendatário e arrendante. A responsabilidade do arrendante é objetiva em razão do proveito econômico que obtém pelo exercício da atividade lucrativa, conforme dispõe a Súmula 492, do STF: “Empresa Locadora – Danos a Terceiro – Carro Locado – Responsabilidade Solidária. A empresa locadora de veículos responde, civil e solidariamente com o locatário, pelos danos por este causados a terceiro, no uso do carro locado.” Enquanto na alienação fiduciária, a responsabilidade civil se restringe à pessoa do fiduciante.

No leasing, ao tempo da resolução do contrato por inadimplemento, não são devidas as prestações vincendas, pois, as parcelas são a contrapartida do uso e gozo do bem. No caso de inadimplemento, o arrendador pode exigir o cumprimento do contrato ou a resolução com perdas e danos, cláusula penal e as parcelas vencidas até a retomada do bem.

Conforme já visto, na alienação fiduciária, em caso de inadimplemento, o credor fiduciário pode exigir a retomada do bem e utilizar o valor da sua venda para cobrir o valor das parcelas não pagas vencidas e vincendas, devendo restituir ao fiduciante se houver saldo remanescente ou, sendo insuficiente o valor da venda, continua o fiduciante obrigado sobre o restante do débito.

Pode o contrato de leasing conter cláusula resolutiva expressa, determinando que o simples inadimplemento leva à resolução do contrato, sem necessidade de interpelação ou notificação para a constituição em mora. Porém, atenta-se que, nos casos de relação de consumo, serão consideradas abusivas as cláusulas que não concedam ao arrendatário a faculdade de purgar a mora.

Suprimindo-se a eficácia da Súmula 263, do STJ, que estabelecia que a cobrança antecipada do valor residual embutida nas prestações mensais desfigurava o contrato de leasing, transformando-o em compra e venda à prestação, editou-se a Súmula 293, também do STJ, dispondo que “a cobrança antecipada do valor residual garantido (VRG) não descaracteriza o contrato de arrendamento mercantil.”

No entanto, deve-se observar que é considerada abusiva a cláusula que exija o pagamento antecipado do valor residual, sem que haja previsão da devolução desse montante, devidamente corrigido, caso não exercida a opção de compra ao final do contrato.

Além da, até então comentada, modalidade de leasing financeiro, existem outras modalidades, tais como o leasing operacional e o lease back.

O leasing operacional é uma locação com prestação de serviços, sendo que o fornecedor do bem é o próprio arrendador, que deve manter o bem em perfeitas condições de utilização, porém, sem a obrigatoriedade de opção de compra ao final.

Já no lease back, o arrendatário é o proprietário do bem que o aliena à instituição financeira com o intuito de obtê-lo mediante locação. Essa modalidade de leasing se assemelha à alienação fiduciária enunciada na Súmula 28, do STJ, já exposta anteriormente.

Enfim, o Código Civil de 2002 não disciplinou o leasing, ao contrário do que ocorreu com a alienação fiduciária. Equivocou-se o legislador ao se omitir em relação a essa modalidade, já que o leasing é modelo sedimentado na experiência jurídica brasileira.

No entanto, não há grande prejuízo por essa emissão, tendo em vista que o CCB/02 permite que as partes estipulem contratos atípicos, desde que observadas as regras gerais do código.

4 A  ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA E A RESERVA DE DOMÍNIO

Nos termos do artigo 521 e seguintes, do CCB/02, a reserva de domínio pode ser utilizada na compra e venda, em que o vendedor mantém a propriedade do bem móvel sob condição suspensiva do pagamento integral das prestações pelo comprador. Adimplidas todas as prestações a propriedade do bem é transferida ao comprador.

“Art. 521, CCB/02. Na venda de coisa móvel, pode o vendedor reservar para si a propriedade, até que o preço esteja integralmente pago.

Art. 522, CCB/02. A cláusula de reserva de domínio será estipulada por escrito e depende de registro no domicílio do comprador para valer contra terceiros.

Art. 523, CCB/02. Não pode ser objeto de venda com reserva de domínio a coisa insuscetível de caracterização perfeita, para estremá-la de outras congêneres. Na dúvida, decide-se a favor do terceiro adquirente de boa-fé.

Art. 524, CCB/02. A transferência de propriedade ao comprador dá-se no momento em que o preço esteja integralmente pago. Todavia, pelos riscos da coisa responde o comprador, a partir de quando lhe foi entregue.

Art. 525, CCB/02. O vendedor somente poderá executar a cláusula de reserva de domínio após constituir o comprador em mora, mediante protesto do título ou interpelação judicial.

Art. 526, CCB/02. Verificada a mora do comprador, poderá o vendedor mover contra ele a competente ação de cobrança das prestações vencidas e vincendas e o mais que lhe for devido; ou poderá recuperar a posse da coisa vendida.

Art. 527, CCB/02. Na segunda hipótese do artigo antecedente, é facultado ao vendedor reter as prestações pagas até o necessário para cobrir a depreciação da coisa, as despesas feitas e o mais que de direito lhe for devido. O excedente será devolvido ao comprador; e o que faltar lhe será cobrado, tudo na forma da lei processual.

Art. 528, CCB/02.  Se o vendedor receber o pagamento à vista, ou, posteriormente, mediante financiamento de instituição do mercado de capitais, a esta caberá exercer os direitos e ações decorrentes do contrato, a benefício de qualquer outro. A operação financeira e a respectiva ciência do comprador constarão do registro do contrato.”

Frisa-se que a compra e venda com reserva de domínio não se confunde com a compra e venda à crédito, já que nesta a propriedade é transferida imediatamente ao comprador.

Além disso, a compra e venda com reserva de domínio exige instrumento escrito público ou particular, seja qual for o valor do bem, enquanto que a maioria dos negócios de compra e venda de bens móveis se dá pela forma verbal seguida da tradição.

A reserva de domínio se aproxima da alienação fiduciária, pois, para que tenha eficácia, exige o registro no cartório competente, que neste caso (o da reserva de domínio) é cartório de Títulos e Documentos.

O registro também é importante para converter o bem em patrimônio de afetação, separando-o do patrimônio geral do vendedor para que não sirva aos seus credores como garantia de débitos.

Em se tratando de reserva de domínio sobre veículos, exige-se também a anotação no Certificado de Registro de Veículo (CRV) para a oponibilidade contra terceiros.

Outro ponto em comum é a ocorrência do desdobramento da posse (posse direta para o comprador e posse indireta para o vendedor) e a propriedade resolúvel do vendedor.

Assim como acontece na alienação fiduciária, na reserva de domínio, o pagamento das prestações consiste em amortização da compra pelo valor do bem. Diferentemente do que ocorre no leasing, em que as prestações tem natureza de aluguel e, caso haja a opção de compra do bem, é necessário o pagamento de valor residual.

Também do mesmo modo do que ocorre na alienação fiduciária, havendo inadimplemento na reserva de domínio, faz-se necessária a constituição em mora do devedor, através do protesto ou por interpelação judicial.

Após a constituição em mora, o vendedor poderá cobrar as prestações vencidas e vincendas ou requerer o desfazimento do negócio jurídico, não sendo possível a cumulação dos pedidos, a não ser que de forma subsidiária.

Mesmo com tantas semelhanças entre a alienação fiduciária e a reserva de domínio, existem distinções que merecem ser expostas.

Na alienação fiduciária há possibilidade de se ter como objeto bem imóvel, enquanto a reserva de domínio o objeto é restrito aos bens móveis.

Conforme já elucidado, na alienação fiduciária, vendedor do negócio originário não figura como parte, figurando somente o fiduciante e o credor fiduciário, que recebe a propriedade como garantia do adimplemento do financiamento.

Por outro lado, na reserva de domínio, as partes são o vendedor e comprador, e é o próprio vendedor quem financia o negócio, condicionando a transferência da propriedade ao adimplemento integral das prestações.

Porém, vale lembrar que o artigo 528, do CCB/02, admite a intervenção de instituição financeira, que adiantará o pagamento integral ao vendedor.  Nesse caso, formam-se duas relações simultâneas: entre vendedor e comprador e entre vendedor e instituição financeira.

A instituição financeira subrroga-se na posição do vendedor para a realização da cobrança, nos termos do artigo 347, I, do CCB/02. No entanto, o vendedor mantem-se na posição de proprietário, não a transferindo para a instituição financeira (caso contrário, se desvirtuaria a compra e venda e se transformaria em alienação fiduciária). Ademais, para que a subbrogação tenha eficácia, são necessários a notificação por escrito do devedor e o registro no cartório de Títulos e Documentos.

5 CONCLUSÃO

A análise do instituto da alienação fiduciária e  sua comparação com os institutos do leasing e reserva de domínio realizada neste trabalho, permite ao profissional do direito identificar com clareza a autonomia de cada um, evitando, apesar das várias semelhanças entre eles, que se confunda na utilização prática de tais institutos.

Mais que isso, a análise realizada neste trabalho tem o intuito de auxiliar o profissional do direito na escolha de qual desses institutos utilizar a depender do caso concreto, permitindo a identificação de qual o instituto mais adequado e vantajoso para o caso específico.

 

Referências
ALVES, Vilson Rodrigues. Alienação Fiduciária.
CANUTO, Elza Maria Alves. Alienação Fiduciária de Bem Móvel. Editora Del Rey.
GOMES, Orlando. Direitos Reais. 2012. Editora Forense.
ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais. 7ª Edição. Editora Lumen Juris.
ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil Contratos Teoria Geral e Contratos em Espécie. 2 Edição. Editora Jus PODIVM.
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos. 13ª Edição. Editora Atlas.

Informações Sobre o Autor

Ana Carolina Paiva e Silva

Advogada especialista em Direito Civil e Empresarial. Graduação em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Pós Graduação em Direito Empresarial na Faculdade Milton Campos


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