Resumo: Com o advento da EC nº. 45/2004 a competência da Justiça do Trabalho foi ampliada, não mais sendo em razão das pessoas, abrangendo agora também todas as relações oriundas da relação de trabalho, passando ser em razão da matéria. Surge então a seguinte dúvida: terão os Representantes Comerciais a faculdade de escolher em qual Justiça pleitear seus direitos, a competência será exclusiva da Justiça do Trabalho, ou ainda, deverá prevalecer a lei especial que regula as atividades da Representação Comercial ? O presente trabalho busca definir qual Justiça será competente para julgar eventuais controvérsias entre os representados e os representantes comerciais.[1]
Palavras-chaves: Representação Comercial. Emenda Constitucional nº 45/2004. Ampliação da Competência da Justiça do Trabalho.
Sumário: Introdução. 1. Representantes Comerciais e Viajantes Pracistas. 2. A nova competência da Justiça do Trabalho. 2.1. Correntes Doutrinárias acerca da competência da Justiça do Trabalho. 2.1.1.Corrente Restritiva. 2.1.2.Corrente Ampliativa. 2.1.3. Corrente Intermediária. 2.1.4 Quarta Corrente. 2.1.5. Quinta Corrente. 3.Conflito de Normas. 4.Solução do conflito de normas. 4.1.Critério Cronológico. 4.2.Critério Hierárquico. 4.3.Critério da Especialidade. Conclusão. Referências bibliográficas.
INTRODUÇÃO
O Representante Comercial pode ser definido como o profissional que representa comercialmente determinada empresa, pessoa jurídica, sem manter vínculos empregatícios com a mesma, sendo possível que represente mais de uma empresa.
Historicamente, a atividade de representação comercial já existia e era praticada por milhares de pessoas desde o começo do século XX. Nos anos 50, o Plano de Metas permitiu o avanço da economia e do comércio no país, entretanto na década seguinte o processo de industrialização por substituição por importação entrou em crise pelo fato de que para continuar expandindo a indústria, seria necessário passar a produzir aqui produtos que exigiam capitais e tecnologia que poderiam ser fornecidos apenas pelos países capitalistas avançados. Entretanto, as forças políticas dominantes negaram ao Brasil o capital e a tecnologia necessários, iniciando assim uma crise que permitiu o golpe político-militar de 1964.
E foi nesse cenário de crise e turbulência que a classe dos representantes comerciais ganha importância, tendo a sociedade atribuído a ela o merecido reconhecimento, pelos benefícios fornecidos por um comércio cada vez mais forte e regulamentado. Então foi em pleno Regime Militar que surge a Lei nº. 4.886, promulgada no dia 09 de Dezembro de 1965, responsável pela regulamentação da classe dos Representantes Comerciais, lei essa aprovada através do Ministério da Indústria e Comércio, que apresentou o projeto oficial, aprovado pelo Congresso Nacional e sancionado pelo Presidente da República.
A competência judicial pode ser definida como uma parcela da jurisdição, indicadora da área geográfica em que o magistrado irá atuar, da matéria e das pessoa que julgará. É a competência que atribui ao juiz o poder de julgar. Determinada em lei, a competência traça os limites dentro dos quais pode o juiz legalmente atuar. Quando não revestido de tal poder, o juiz é considerado incompetente, e os atos assim praticados podem ser declarados nulos e sem efeitos no plano jurídico. Quando um juiz assume a titularidade de uma Vara de Família, a título de exemplo, não poderá julgar uma ação penal, que é de competência das varas criminais.
Antes da EC nº. 45/2004, promulgada pelo Congresso Nacional no dia 08 de dezembro de 2004 e publicada pela Imprensa Oficial no dia 30 de dezembro de 2004, a competência para julgar demandas em que fossem partes representantes comerciais era exclusiva da justiça comum, por força da própria lei que disciplina as atividades e os contratos dos Representantes Comerciais, Lei nº. 4.886/65, em seu artigo 39:
“Art. 39. Para julgamento das controvérsias que surgirem entre representante e representado é competente a Justiça Comum e o foro do domicílio do representante, aplicando-se o procedimento sumaríssimo previsto no art. 275 do Código de Processo Civil, ressalvada a competência do Juizado de Pequenas Causas. (Redação dada pela Lei nº 8.420, de 8.5.1992)”
Como uma das inovações da EC nº. 45/2004 teve-se a redefinição da competência da Justiça do Trabalho, que antes se fixava em razão das pessoas (“ex ratione personae”), ou do vínculo de emprego, sendo que a partir da edição da EC nº. 45/2004 a competência agora é considerada ‘genérica’, conjugando todas as ações oriundas da relação de trabalho, sendo assim ampliada a competência da Justiça do Trabalho, que passa a ser em razão da matéria.
Os operadores do direito devem analisar se, a partir da EC nº. 45/2004 teria o representante comercial faculdade para escolher onde postular seus direitos, seja na justiça comum ou na justiça do trabalho, exigindo assim provimento jurisdicional do Estado, ou se ainda irá prevalecer a Lei Especial da Representação Comercial, que estabelece como foro competente para processar e julgar as ações da classe a justiça comum, ou ainda, se com o advento da EC nº. 45/2004 a competência para as ações da classe será exclusiva da Justiça do Trabalho.
Tal questionamento é de fundamental importância, pois é notória a morosidade da Justiça Comum em contrapartida à maior eficiência da Justiça do Trabalho. Tal eficiência é consequência natural da aplicação dos princípios que regem a justiça trabalhista, como por exemplo o princípio da oralidade e da informalidade, que permitem uma maior celeridade processual.
1. representantes comerciais e viajantes pracistas
Há que se fazer a diferenciação entre o representante comercial autônomo e o “vendedor viajante ou pracista”, posto que o último possui vínculo de emprego, não é comissariado, possui salário fixo, além dos demais requisitos para ser considerado empregado, como serviço não-eventual, subordinação, pessoalidade, etc..
“O viajante ou pracista está sempre ligado a um contrato de trabalho e sob os benefícios da lei trabalhista, enquanto o agente comercial não deve estar vinculado a um contrato de locação de serviços, e com maior razão a um contrato de trabalho.”[2]
Salienta-se que os legítimos representantes comerciais são autônomos e não celetistas, o que importa dizer que os mesmos não podem postular na Justiça cobrança de verbas trabalhistas garantidas aos empregados pela CLT, mas sim apenas aquelas verbas a que tenham direito por força do contrato de representação comercial.
Por fim, a principal caraterística que irá diferenciar um representante comercial autônomo de um viajante pracista, é a presença ou não do requisito caracterizador da existência de vínculo empregatício, a subordinação.
Conforme o ensinamento do brilhante Maurício Godinho, em seu Curso de Direito do Trabalho:
“A subordinação por sua vez, é elemento de mais difícil aferição no plano concreto desse tipo de relação entre as partes. Ela tipifica-se pela intensidade, repetição e continuidade de ordens do tomador de serviços com respeito ao obreiro, em direção à forma de prestação dos serviços contratados. Se houver continuidade, repetição e intensidade de ordens do tomador de serviços com relação à maneira pela qual o trabalhador deve desempenhar suas funções, está-se diante da figura trabalhista do vendedor empregado (art. 2 e 3, caput, CLT; Lei n. 3.207, de 1957). Inexistindo essa contínua, repetida e intensa ação do tomador sobre o obreiro, fica-se diante da figura comercial do representante mercantil.”2
2. A NOVA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO
No fim do ano de 2004, foi promulgada a EC nº.45/2004, após tramitar anos no Congresso Nacional. A emenda constitucional em questão diz respeito à tão aguardada reforma do Poder Judiciário, e trouxe profundas modificações à Carta Magna.
Diversas foram as inovações promovidas pela EC. Nº.45/2004, como mudanças no Estatuto Constitucional da Magistratura; atribuição do efeito vinculante às ações diretas de inconstitucionalidade; instituição da súmula vinculante etc. Porém, no presente trabalho vamos nos ater somente à alteração e ampliação da competência da Justiça do Trabalho, com previsão no artigo 114 da Lei Maior, que possuía a seguinte redação, antes da EC nº.45/2004:
“Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público externo da administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas.
§ 1º – Frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros.
§ 2º – Recusando-se qualquer das partes à negociação ou à arbitragem, é facultado aos respectivos sindicatos ajuizar dissídio coletivo, podendo a Justiça do Trabalho estabelecer normas e condições, respeitadas as disposições convencionais e legais mínimas de proteção ao trabalho.”
Vejamos agora o teor da nova redação conferida ao mencionado artigo 114:
“Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:
I – as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
II – as ações que envolvam exercício do direito de greve;
III – as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores;
IV – os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data, quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição;
V – os conflitos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista, ressalvado o disposto no art. 102, I, o;
VI – as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho;
VII – as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho;
VIII – a execução de ofício das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir;
IX – outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei.
§ 1º Frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros.
§ 2º Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente.
§ 3º Em caso de greve em atividade essencial, com possibilidade de lesão do interesse público, o Ministério Público do Trabalho poderá ajuizar dissídio coletivo, competindo à Justiça do Trabalho decidir o conflito.”
Anteriormente a competência da Justiça do Trabalho estava prevista no caput do artigo 114, sendo que agora a competência foi desmembrada em nove incisos. Além disso, o artigo 114 previa que “compete a Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores” sendo que agora a previsão legal é de que “compete à Justiça do Trabalho processar e julgar as ações oriundas da relação do trabalho”. As palavras “conciliar e julgar” foram trocadas pelos termos “processar e julgar”, acertando o legislador, haja vista que a conciliação é uma etapa que se encontra dentro do processo.
O ponto central da alteração da competência está previsto no primeiro inciso do artigo 114, pois “relação de trabalho” é deveras mais abrangente do que “relação de emprego”, eis que o segundo diz respeito apenas aos trabalhadores regidos pela CLT. Importante frisar que relação de emprego é espécie do gênero relação de trabalho, expressão essa sobre a qual a doutrina debate intensamente na tentativa de fixar seu sentido e alcance, surgindo então cinco correntes doutrinárias acerca do tema, a saber: A) Restritiva ou fechada; B) Ampliativa ou Aberta; C) Intermediária; D) Considera a dependência econômica do prestador de serviços em relação ao tomador e E) Propugna que relação de trabalho é uma relação de trato sucessivo.
2.1. Correntes Doutrinárias acerca da competência da Justiça do Trabalho
Todas as correntes doutrinárias supra mencionadas objetivam responder à seguinte pergunta: As eventuais controvérsias, por exemplo, entre advogado e cliente, escritor e editora, médico e paciente são da competência da Justiça do Trabalho ou da Justiça Comum ? A hipótese de que ocorra dissenso entre magistrados do trabalho e de direito acerca do juízo competente para tais demandas é apocalíptica, e estaríamos diante de inúmeros conflitos de competência, o que traria imensa insegurança jurídica, justificando assim a magnitude desse debate.
2.1.1. Corrente Restritiva
Em apertada síntese, sustenta a primeira corrente que o termo “relação de trabalho” corresponde a expressão anterior “relação de emprego”. Argumentam os defensores desta corrente que o artigo 7º. da CF utiliza-se das expressões “relação de trabalho” e “trabalhador” de modo a caracterizar relação de emprego, empregando a interpretação sistemática. A maior crítica a tal pensamento é que após doze anos de intensos debates no Congresso Nacional, o constituinte teria alterado a Lei Maior somente para dizer o que já havia sido dito ? A modificação do texto objetiva claramente a ampliação da competência da Justiça do Trabalho, na perspectiva de que a reforma passe a atender melhor os jurisdicionados.
2.1.2. Corrente Ampliativa
A corrente, denominada de ampliativa ou aberta, objetiva uma ampliação total da competência da Justiça do Trabalho, independentemente de lei ordinária, o que implica a rejeição do inciso IX do artigo 114, posto que inútil. A tese de defesa dessa corrente é o fato de que para estar caracterizada a competência da Justiça do Trabalho basta que haja trabalho humano em favor de outrem, quer seja pessoa jurídica ou natural, sendo assim possível até mesmo o julgamento das relações de consumo pela Justiça do Trabalho. A crítica adequada é a de que assim sendo não haveria limites a essa competência, pois como tudo na sociedade decorre de trabalho, a Justiça do Trabalho, especializada, tomaria o lugar da Justiça Comum, restando a essa somente apreciar lides de direito de família, sucessórios e reais.
2.1.3. Corrente Intermediária
A Corrente Intermediária, que tem ganhado força e destaque em nossa doutrina, faz a distinção entre relação de trabalho e relação de consumo: nessa o consumidor não adquire o serviço de outrem com o intuito de repassa-lo para obter lucro, enquanto naquela o tomador possui fins lucrativos, posto que exerce atividade empresarial. Assim, a Justiça do Trabalho é competente para dirimir conflitos decorrentes da relação de trabalho, mas não de consumo. A ponderação que se tem feito a essa corrente é a de que a diarista teria de reivindicar seus direitos na Justiça Comum, o que foge ao bom-senso, eis que os tomadores de serviço – pessoa ou família -, destinatário final, sabidamente não tem fins lucrativos.
2.1.4. Quarta Corrente
A quarta corrente defende que “relação de trabalho” engloba trabalhadores que não possuem subordinação jurídica em face do empregador, mas sim dependência econômica, isso porque, na atualidade, existem outras formas de relação de trabalho em que a subordinação jurídica é mitigada, como é o exemplo dos representantes comerciais. A crítica que se tem feito a essa corrente se justifica na medida em que a dita dependência econômica não é requisito para que se caracterize relação de emprego, pois em certas situações o trabalhador é economicamente superior ao tomador dos serviços. Tal crítica é um tanto forçada, eis que dificilmente tal situação possa realmente ocorrer em nosso país, parecendo improvável que, para ilustrar a questão, um representante comercial possua mais dinheiro do que a(s) fábrica(s) que representa; ou então que o trabalhador eventual ou trabalhador de domicílio seja mais rico do que a família ou pessoa tomadora do serviço.
2.1.5. Quinta Corrente
A quinta e última corrente doutrinária nos diz que a relação de trabalho exige um caráter obrigacional de trato sucessivo, de modo que o adimplemento da obrigação não se dá em um só momento, mas é desenvolvido num lapso temporal. Defende que devemos interpretar “relação de trabalho” sob uma ótima de trabalho periódico, do cumprimento de uma obrigação que se faz de modo dilatado no tempo, e não instantâneo. Exemplos de situações que se esgotam instantaneamente são a consulta médica a um paciente, a consulta a um advogado, dentista ou psicólogo – que são no fundo relações de consumo e não de trabalho -, entretanto, caso seja caracterizado o trabalho repetitivo por um espaço de tempo, será competente a Justiça do trabalho para processar e julgar tais relações.
A doutrina ainda não se pacificou no sentido de qual corrente deverá ser adotada, abrindo assim margem para questionamentos e controvérsias.
3. CONFLITO DE NORMAS
Com o advento da EC nº. 45/2004, ocorreu grande alvoroço entre os operadores do direito, especialmente os advogados, que vislumbraram a possibilidade de ingressar com ações na Justiça do Trabalho com demandas judiciais relativas à atividade de representação comercial autônoma.
Porém, a matéria ainda não é pacífica na doutrina, porquanto na Jurisprudência tem-se algumas poucas decisões, mas nenhuma ainda que resolva tal antinomia jurídica.
O lado doutrinário que defende a incompetência da Justiça do Trabalho para conhecer e julgar das ações pertinentes à representantes e representados, entende que a relação entre eles é a de resultado, não existindo salário e subordinação, ou seja, não se pode deixar de considerar a previsão legal expressa nos artigos 2º e 3º da CLT. Além disso, alegam que impossível é desconsiderar o disposto no artigo 39 da Lei 4.886/65, que conforme exposto dispõe que para o julgamento das controvérsias que surgirem entre representante e representado a competência é da Justiça Comum.
Os ferrenhos defensores dessa tese vão além, quando afirmam que mesmo após a ampliação da competência da Justiça do Trabalho com a reforma do Judiciário, através da EC. Nº. 45/2004, não estaria no rol da competência trabalhista o julgamento de causas relativas à mera prestação de serviço entre representante e representado, em razão de ser a lei 4.886/65 específica.
Entretanto, deve-se buscar entender o espírito do legislador ao instituir a EC nº. 45/2004 (que ampliou a competência material da Justiça do Trabalho). Muito embora a Lei dos Representantes Comerciais, Lei 4.886/65 seja uma Lei Especial, ela não é irrevogável, ainda mais quando consideramos a data de sua promulgação, bem anterior à atual Carta Magna.
Na verdade, o presente quadro é uma antinomia jurídica entre a Lei dos Representantes Comerciais (que elege como foro competente a justiça comum) e a EC nº. 45/2004, que amplia a competência da Justiça do Trabalho para julgamento das causas que versem sobre relação de trabalho.
Como se trata de matéria relativamente nova, considerando a mora das leis em acompanhar a evolução da sociedade e a mora do próprio homem em se adequar a lei, não é de se estranhar as reações causadas pela ampliação da competência material da justiça do trabalho; entretanto, vagarosamente vislumbramos manifestações de apoio à dita emenda, tal como a Lei 12.967 de 2008, que houve por instituir pisos salariais mensais de classes no estado de São Paulo, dentre elas o representante comercial (Art. 1º, III), com piso salarial de R$ 505,00 (quinhentos e cinco reais).
Naturalmente tal lei, que trata os representantes comerciais como se estes fossem vinculados à CLT, recebeu duras críticas, posto que os representantes são autônomos com legislação própria, ou seja, sem vínculo empregatício. Os críticos alegam ainda que o representante comercial é remunerado à base de comissões sobre as vendas que media, não havendo que se falar em criação de piso salarial à categoria.
Nos critérios estritamente legais, a razão assiste aqueles que defendem tais idéias, posto que o representante comercial é remunerado à base de comissões, possuindo legislação própria e especial. Por outro lado, considerando os princípios de proteção à dignidade e integridade do cidadão, bem como o amparo legal àquele que em uma relação seja hipossuficiente, necessário se faz ter uma visão mais ampla do quadro que se apresenta, posto que as empresas cada vez mais buscam fraudar a lei no tocante à representação comercial, quando contratam vendedores pracistas para que exerçam as mesmas funções de um representante comercial, porém sem o benefício da comissão, além de outros previstos na Lei dos Representantes Comerciais, sendo os pracistas trabalhadores assalariados.
Além disso, tendo em mente a idéia da facilidade do acesso à Justiça e o Princípio da Isonomia, mais claro torna-se o intuito do legislador ao garantir o acesso à Justiça do Trabalho aos representantes comerciais, visto que estes se encontram sob a tutela de uma lei ‘arcaica’ e carente de reformas, movimento perceptível em nossos diplomas legais de Processo Civil, Código Civil e Código de Processo Penal, que recentemente passaram por grandes mudanças.
Contudo, deve-se conter o entusiasmo para que não se perca o foco, salientando que os legítimos representantes comerciais são autônomos e não celestistas, o que importa dizer que os mesmos não podem postular na Justiça cobrança de verbas trabalhistas garantidas aos empregados pela CLT, mas sim apenas aquelas verbas a que tenham direito por força do contrato de representação comercial.
4.SOLUÇÃO DO CONFLITO DE NORMAS
Conforme exposto ao longo do presente artigo, temos um quadro de antinomia jurídica, estando de um lado a Lei 4.886/65, e do outro a EC nº.45/2004, no tocante à competência para julgar e processar eventuais litígios entre representantes comerciais e representados.
Torna-se necessário a partir de então buscar a solução do conflito, que se define por três critérios, o cronológico, o hierárquico e o critério da especialidade.
4.1.Critério Cronológico
O critério cronológico diz que entre duas normas incompatíveis prevalece a norma posterior. Por esse critério, irá prevalecer a EC. Nº.45/2004, eis que promulgada 39 anos após a publicação da lei 4.886/65.
4.2.Critério Hierárquico
Esse que talvez seja o mais importante dos três critérios, nos oferece o raciocínio de que quando em conflito, a norma que for superior hierarquicamente à outra terá prevalência. Isso significa dizer que, a título de exemplo, caso uma lei ordinária contrarie norma com status constitucional, a última irá prevalecer. Novamente, por esse critério, a EC. Nº.45/2004 irá sobressair-se à lei 4.886/65, eis que a dita emenda goza status de norma constitucional, estando naturalmente no topo da pirâmide das leis.
4.3.Critério da Especialidade
O não menos importante critério da especialidade nos doutrina no sentido de que quando da existência de duas normas incompatíveis, sendo uma de ordem geral, abstrata, e outra de natureza especial, também comumente conhecida como excepcional, prevalecerá a última. Este critério é utilizado como uma das teses dos defensores da prevalência da lei 4.886/65 em detrimento da EC.nº.45/2004, por regular especificamente as atividades e os contratos dos representantes comerciais, possuindo assim natureza de lei especial. Entretanto, data venia, este pensamento contraria diretamente o espírito do legislador quando da promulgação da EC. Nº.45/2004, que foi justamente ampliar e facilitar o acesso à Justiça do Trabalho para os jurisdicionados, tendo como norte o Princípio da Isonomia.
Conclusão
No Direito do Trabalho brasileiro sempre houve a distinção entre a relação de trabalho e a relação de emprego. A primeira como gênero da qual a relação de emprego seria uma espécie, um desdobramento, ganhando assim tratamento especial.
A tênue linha que separa os dois termos está na subordinação sob a ótica jurídica, ou seja, a existência de um poder ou direito do tomador do serviço de dirigir e fiscalizar o serviço do empregado, em atividade realizada em prol daquele, que está sujeito as ordens e à disciplina do contratante do seu trabalho.
Esta peculiaridade muita das vezes não é facilmente distinguida, seja pela transformação que passa o trabalho na atualidade, gerada pela nova economia, seja pelo elo estreito existente entre os determinados tipos de prestação de trabalho, como é o caso dos vendedores pracistas e os representantes comerciais.
Tal circunstância nos obriga a repensar os moldes da relação de emprego, e mais importante ainda, do próprio Direito Trabalhista, para inserir no âmago deste ramo do Direito toda forma de trabalho que guarde traço de pessoalidade, continuidade e, sobretudo, de dependência econômica.
Na esfera dessa nova competência, a continuidade e a dependência econômica serão fundamentais para buscar o alcance do termo “relação de trabalho”, para todos efeitos do art. 114, da Carta Magna, pois o movimento expansionista do Direito do Trabalho repercute na ampliação da competência da Justiça do Trabalho, conforme atesta a Emenda nº.45/2004.
Resta agora à lei, à jurisprudência e à doutrina a definição e construção dos meios necessários à proteção do trabalhador que não está sob o manto da relação de emprego e irá se dirigir à Justiça do Trabalho em busca da tutela de seus direitos.
Entretanto, peço vênia para expressar o que entendo ser o modo mais justo para se definir o alcance da expressão “relação de trabalho”, e para tal devemos apurar a seguinte distinção: se o trabalhador é contratado para possibilitar a viabilização econômica de certo empreendimento, existe relação de trabalho; entretanto, se o trabalhador oferece seus serviços ao público em geral, e o tomador beneficiado for o usuário final (consumidor), não há relação de trabalho, e sim de consumo, pois a relação de trabalho não ocorre entre o trabalhador e o usuário final do serviço.
Assim, teremos relação de trabalho quando houver de um lado o trabalhador, pessoa física, e do outro o fornecedor, pessoa física ou jurídica que desenvolva atividade de produção, montagem, criação etc., de produtos ou prestação de serviços.
Portanto, se o representante comercial é pessoa física; guarda relação de dependência econômica para com o tomador de serviço e seu serviço é prestado de modo sucessivo, entendo por bem ser a competência da Justiça Obreira, mesmo que ausente a subordinação. Porém, caso o representante comercial seja verdadeira pessoa jurídica e/ou não guarde relação de dependência econômica para com o representado, a competência será da Justiça Comum.
Informações Sobre o Autor
Andrei Colli Ortiz
Acadêmico do curso de Direito da Universidade Presidente Antônio Carlos,