Resumo: O presente trabalho visa traçar as linhas, em que se pretende estudar e discutir, sob um prisma legal, a pungente questão da legitimidade para a propositura da Ação Popular, limitada ao cidadão, que vem impondo discussões acerca do conceito de cidadania, nos termos do que expressamente dispõe a carta Magna. A Lei 4.717, de 29 de junho de 1965, dispõe que apenas o brasileiro eleitor, no exercício de seus direitos políticos, poderá propor a Ação Popular, devendo comprovar a sua condição mediante a apresentação do título de eleitor ou de certidão expedida pela Justiça Eleitoral. Entretanto, tal previsão afronta a própria Constituição, visto que restringe o conceito de cidadão, bem como a participação direta do povo no governo, princípio constitucional disposto no parágrafo único do art. 1º e em demais dispositivos da Constituição Federal de 1988. Para tanto, o que se propõe é o desenvolvimento de um estudo que procure elucidar a ampliação do conceito de cidadão, de forma a viabilizar a utilização de instrumentos como a Ação Popular, destacando-se o direito fundamental de participação política.
Palavras-Chave: Ação Popular, legitimidade ativa, cidadão, Poderes políticos, democracia participativa.
Abstract: The current work intends to set the lines into which it’s intended to study and discuss, under a legal prism, the inciting question of the legitimacy for the adjudication of the "Popular Act", which is limited to the citizen, and causes discussions around the concept of citizenship in the way it is disposed in the Constitution. The law number 4.717, from June 29, 1965, determines that only the brazilian voter, in the free exercise of his political rights, may adjudicate the "Popular Act", having to confirm his condition by presenting his voter registration card or the certificate expedited by the Electoral Justice. However, this requirement offends the Federal Constitution, once it restricts the concept of citizen, as well as the straight popular participation in the government, which is a Constitutional principle set up in the unique paragraph of the first article and other dispositives of the Federal Constitution of 1988. The purpose here is to develop a study to elucidate the enlargement of the concept of citizen, intending to make feasible the use of instruments as the "Popular Act", highlighting the fundamental right of the political participation.
Key-Words: Popular Act, legitimacy, citizen, Political power, participative democracy.
Sumário: 1 Ação Popular: conceito e evolução histórica; 2 Dos requisitos necessários a propositura da Ação Popular e aplicação da Lei 4717/65; 3 O conceito de cidadão e a limitação à legitimidade ativa para propor a ação popular; 4 O que significa ser cidadão e a sua compatibilidade com a democracia participativa; Conclusão; Referências.
Introdução
A evolução dos direitos políticos no cenário brasileiro trouxe como consequência a necessidade de ampliação da cidadania, como reflexo da manutenção do Estado Democrático de Direito. Tal evolução se deu principalmente com a abolição do voto censitário, estendendo o direito de participação política para as mulheres e analfabetos.
O Estado Democrático de direito surge como forma de realização de valores como a liberdade e dignidade da pessoa humana e é responsável por conciliar o Estado Democrático e o Estado de Direito, não consistindo apenas no agrupamento dos elementos principais desses dois tipos de Estado, como também na incorporação dos princípios que os norteiam.
Tem-se, portanto, que o Estado de direito surgiu com características do Estado Liberal, quais sejam, a submissão ao comando da lei, divisão dos poderes, sendo responsável pela separação harmônica dos poderes executivo, legislativo e judiciário e por último a garantia dos direitos individuais.
Tal concepção trouxe como consequência o apoio aos direitos individuais do homem, sendo uma criação típica do liberalismo.
O Estado Democrático surge como reconhecimento da soberania popular em respeitos às garantias dos direitos e liberdades fundamentais assentado no pluralismo de expressão e organização política democrática.
A democracia baseia-se numa sociedade livre, justa e solidária, conforme dispõe o artigo 3º, I, da Constituição Federal Brasileira de 1988, em que o poder emana do povo diretamente ou por seus representantes que são eleitos; é participativa uma vez que o povo tem intensa participação no processo decisório e nos atos praticados pelo governo e por último pluralista ao respeitar a grande diversidade de ideias, crenças, culturas e etnias.
Dessa forma, cumpre salientar que o surgimento do Estado Democrático de Direito, tem como fundamento a existência de uma Constituição, sendo esta capaz de regular direitos e garantias fundamentais à existência digna dos cidadãos e por ser o instrumento legal responsável por dar maior realce à vida política do país.
Além disso, diante das transformações da sociedade, a lei deve se adaptar às mudanças sociais e culturais, não devendo ficar numa esfera estritamente normativa.
Dentre os princípios essenciais ao Estado Democrático de Direito destacam-se o princípio da constitucionalidade, sendo este fundando em uma constituição emanada da vontade popular, princípio democrático, no sentido de constituir uma democracia participativa, e o principio da igualdade, sendo este último para assegurar condições e oportunidades de forma proporcional a toda sociedade.
É nesse contexto que a Ação Popular é inserida. Tal instituto reflete o principio democrático do Estado de Direito, baseado em uma democracia participativa e direta, em que ao cidadão é dado o poder de fiscalização de atos praticados pelo poder público ou por entidades que dele participam, bem como do meio ambiente e do patrimônio histórico cultural.
Tendo como base os princípios da legalidade e moralidade, conclui-se que o surgimento da Ação Popular como forma participativa do cidadão no Estado, possibilitou a tutela jurídica de interesses coletivos, sendo estes uns dos instrumentos indispensáveis à realização da justiça social.
Ressalte-se ainda que a postura adotada pelo presente trabalho é a de que o instituto da Ação Popular consiste na defesa pelo cidadão de um direito próprio, que embora influencie diretamente na vida em sociedade, trata-se da sua participação na vida política do Estado, bem como traz a ideia de a coisa pública e patrimônio do povo.
É assim, portanto, que a discussão da Ação Popular ganha notória importância. Os princípios difundidos pela mesma têm por escopo central a valorização do exercício da cidadania em um Estado Democrático de Direito. E, como não poderia deixar de ser, o debate esbarra nas questões jurídicas, especialmente do Direito Constitucional e Administrativo, fazendo surgir, então, o questionamento de como a ampliação do conceito limitado de cidadão estabelecido pela Lei 4.717, de 29 de junho de 1965 pode contribuir para que se atinja, de forma mais eficaz, os objetivos visados pelo instituto legal da Ação Popular, especialmente aqueles preconizados pela Carta Magna de 1988.
Sendo assim, o que se busca no presente trabalho é promover a discussão sobre a legitimidade ativa na propositura da Ação Popular. E claro que não cabe aqui aprofundar demasiadamente a discussão, pois tal iria contra a lógica na qual se insere um trabalho de conclusão de curso de graduação. O intuito, portanto, é apresentar, sob uma ótica jurídica e de forma objetiva, algumas questões que emergem do debate do tema, como por exemplo, a questão do exercício da cidadania no Estado Democrático de Direito.
Para atingir referido intuito e facilitar a compreensão do trabalho, far-se-á, na dissertação aqui realizada, um levantamento histórico da Ação Popular, mostrando como se deu seu surgimento e posterior implantação no Brasil. Em seguida, far-se-á um estudo dos princípios que a orienta, numa constante confrontação com aquela que rege o Direito Constitucional brasileiro. Enfatizar-se-á, ainda, a questão da legitimidade para agir limitada ao cidadão no tocante à propositura da ação popular e consequentemente a definição do conceito de cidadão e a sua compatibilidade com a democracia participativa.
Por fim, apresentar-se-á as respectivas conclusões, buscando-se abrir espaço para futuros debates sobre esse tema que, além de importantíssimo, reflete como um direito que deve ser exercido por todos aqueles que vivem em sociedade no Estado Democrático de Direito.
1 Ação Popular: conceito e evolução histórica
1.1 Conceito
Conceituar Ação Popular não é uma tarefa fácil, e diversas definições já foram apresentadas pelos estudiosos na busca de abranger, em algumas linhas, as ideias centrais e os princípios norteadores que se encontram relacionados ao uso desse instituto característico do Estado Democrático de Direito.
O artigo 5º, inciso LXXIII, da Constituição Federal Brasileira de 1988 assim estabelece:
“Art. 5º. (…)
LXXIII- qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência.”
Dessa forma, verifica-se que a Ação Popular é conceituada como o instrumento colocado à disposição do cidadão, para que este exercite a defesa de seus direitos, que inclui o patrimônio histórico e cultural como bem público colocado à disposição de todos, bem como o controle dos atos praticados pelo poder público ou de entidade que o estado participe.
Hely Lopes Meirelles define a Ação Popular como:
“é o meio constitucional posto à disposição de qualquer cidadão para obter a invalidação de atos ou contratos administrativos- ou a estes equiparados- ilegais e lesivos do patrimônio federal, estadual, e municipal, ou de suas autarquias, entidades paraestaduais e pessoas jurídicas subvencionadas com dinheiros públicos”.[1]
Após a análise do comentário acima demonstrado, imprescindível é que façamos uma conceituação de ato lesivo, sendo este objeto da Ação Popular.
Ainda nos ensinamentos de Meirelles:
“não se exige a ilicitude do ato na sua origem, mas sim a ilegalidade na sua formação ou no seu objeto, razão pela qual a Constituição de 1967 e a Emenda 1/69 (e, hoje, a Constituição de 1988), aboliram a defeituosa reação de 1946, que se referia à anulação ou à declaração de nulidade de atos lesivos, para agora aludir, corretamente, à ação que vise anular atos lesivos(…)“destina-se à invalidade de atos praticados com ilegalidade de que resultou lesão ao patrimônio público. Essa ilegitimidade do ato pode provir de vício formal ou substancial, inclusive desvio de finalidade, conforme a lei regulamentar enumera e conceitua em seu próprio texto”.[2]
Referido conceitos constituem aqueles hoje adotados pela doutrina. Entretanto, para que o instituto da Ação Popular seja devidamente compreendido, faz-se necessário uma abordagem da evolução história de tal instituto, desde o seu surgimento até a sua predominância do Direito Contemporâneo.
1.2 Evolução Histórica
No direito romano, a actio, também denominada como a forma solene de reconhecer na justiça um direito, surgiu como forma de tutela do interesse privado, estendendo-se no máximo à defesa de interesses coletivos do qual o individuo fosse parte.
Tem-se que a ação popular não foi criação do direito romano, mas sim consequência da evolução das instituições jurídicas existentes naquela época, uma vez que constatou-se que a tutela do patrimônio coletivo refletia, em grande parte, nos interesses individuais.
Em tal período histórico, a noção se estado era muito delimitada, consagrando-se a coisa pública como pertencente a cada um dos cidadãos romanos. Dessa forma, todo cidadão se sentia legitimado para pleitear em juízo a defesa de bens e valores mais elevados dentro da comunidade.
A evolução urbana e o enfraquecimento dos grupos deram espaço ao individualismo, consagrando-se nessa época que ninguém demandar em nome próprio direito alheio.
Por exceção, era permitido demandar em nome de outrem, como no caso da defesa de interesses do povo, pela liberdade, pela coletividade. Foi nesse contexto que houve o surgimento da ação popular no direito romano, sendo esta consagrada como o instituto em que qualquer um defendia um direito não individual, mas de toda a coletividade.
Cumpre ressaltar que em Roma, havia ilícitos que não eram tão grandes a ponto de ofender os Estados e nem tão restritos a ponto de ofender unicamente o individuo lesado: tratavam-se de ilícitos que ofendiam a toda a sociedade ou a uma coletividade, havendo para tais casos, a existência de ações para quem quisesse intentá-las.
Referidas ações, embora intentadas no intuito de obter um ressarcimento, não constituíam um bem privado do ofendido.
Nesses termos, a ação popular era caracterizada sob dois aspectos: qualquer individuo poderia exercitá-la, ao mesmo passo que qualquer pessoa também poderia contestá-la, sendo esta ultima possibilitada por simples juramento de boa fé e que mesmo válida não integrava o patrimônio do autor. Se este vencesse, não seria denominado de credor. Caso contrario, havendo derrota, seria considerado devedor.
Verifica-se, portanto, a ausência de representação na ação popular, sendo vedada a utilização de tal instituto aos incapazes, a impossibilidade de fiança e de transmissão aos herdeiros no caso de morte do réu, permanecendo inalterada a legitimidade passiva. Às mulheres e aos menores, por necessitarem de representação para pleitear atos em juízo, a ação popular só era concedida se o fato lhes interessasse diretamente.
Nas palavras de J. M. Othon Sidou[3]:
“as ações populares colimavam genericamente fazer respeitar um direito comunitário agravado por ato ilícito. Erguiam se em proveito direto da coletividade, da qual, como um de seus componentes, beneficiava-se também o autor popular”.
A representação não era permitida uma vez que o autor da ação popular agiria em nome de outrem na defesa de um interesse alheio, ao mesmo tempo em que esse interesse era também seu. Na interpretação dos romanos, tratava-se de uma enorme contra senso.
Dessa forma, todo procurador seria ao mesmo tempo autor, uma vez que defenderia seus próprios interesses, sendo integrante também da coletividade que teve seu direito violado.
Por último, salienta-se que havia prazo para intentar a ação popular, sendo que este prescrevia-se em um ano.
No direito contemporâneo, verifica-se um considerável avanço na tutela dos interesses coletivos frente ao Estado.
Tal avanço se justifica uma vez que no período absolutista, o estaod era considerado infalível, não sendo necessária a intervenção do indivíduo na defesa de interesses coletivos, genéricos.
No direito brasileiro, tem-se que a evolução da Ação Popular sofreu grande influência do direito lusitano, contando com algumas diferenças e certas similaridades, vejamos:
“A lei 38, de 23.08.1995, a lei que regula a ação popular constitucional em Portugal, visa à proteção dos direitos e interesses denominados transindividuais e conta com algumas diferenças, bem como certas similaridades às leis brasileiras, a Lei 4.717, de 29.07.1975, que regula a ação popular e a Lei 7.347, de 24.07.1985, que confere tratamento à ação civil pública. A lei portuguesa cuida da tutela jurídica de vários interesses, dentre os quais o do ambiente, dispondo sobre o direito de participação do povo na elaboração de planos e determinações de locais e atividades de empreendimentos e investimentos do Poder Público, assim como do direito de ajuizamento da ação popular e da responsabilidade civil e penal. A ação popular foi eleita pelo legislador português para servir de mecanismo de proteção ao direito subjetivo público, de defesa do meio ambiente e de outros bens com o patrimônio cultural, enquanto no Brasil existem, primordialmente, dois instrumentos para a tutela ambiental a saber, a ação popular constitucional e a ação civil pública”[4].
Cumpre ressaltar que no Brasil a ação popular se difere em diversos pontos da ação civil pública, uma vez que aquela é colocada como instrumento à disposição do cidadão para a defesa de toda a coletividade.
Voltando às origens da ação popular, verifica-se que esta apareceu pela primeira vez na Carta Magna de 1924, em seu artigo 113, item 38, que assim dispunha:
“Qualquer cidadão será parte legitima para pleitear a declaração de nulidade ou de anulação dos atos lesivos do patrimônio da União, dos Estados ou dos Municípios”.
Levando-se em consideração a rapidez que a referida Constituição teve em sua vigência, não houve regulamentação da ação popular, tornando impossibilitada a sua utilização.
Nesse sentido, muito bem esclareceu Maria Fernanda de Toledo Rodovalho Podval, “constitucionalmente estabelecida, não foi só recebida com reservas, como também nem chegou a se firmar, muito embora tenha existido um projeto para a sua regulamentação”.
Três anos após a tentativa de regulamentação no texto constitucional em 1934, com o advento do período ditatorial, a ação popular acabou sendo suprimida na Constituição de 1937. Nas palavras de Nelson Carneiro, “sob a longa ditadura, não havia clima para o ressurgimento das ações populares”.[5]
Em 1946 a ação popular ressurgiu como instrumento para anular ou declarar os atos lesivos ao patrimônio da União, dos Estados, do Município, das entidades autárquicas e das sociedades de economia mista.
Percebe-se que ao comparar o texto constitucional de 1934 com o de 1946, há um expressivo alargamento do objeto da ação popular, sendo que agora, abrangia também os atos praticados pela administração indireta, incluindo as autarquias e as sociedades de economia mista, conforme acima demonstrado.
Em 1967, a ação popular manteve sua previsão constitucional, com uma ínfima modificação, qual seja o legislador optou por utilizar o termo “entidades públicas” ao invés de “empresas autárquicas e sociedades de economia mista”, como na Carta de 1946. Embora tal diferença pareça ser pouco significativa, houve grande questionamento do objeto da ação popular referente à Constituição de 1967. Isto porque, o termo “entidade pública” não incluiria as autarquias ou sociedades de economia mista, uma vez que estas têm natureza essencialmente privada.
Entretanto, cumpre salientar que a lei responsável pela regulamentação da ação popular, qual seja, a Lei 4.717, foi promulgada em 1965, sendo responsável por indicar os entes da administração indireta que eram alcançados pela ação popular, sanando o problema acima apontado.
Verifica-se, portanto, que a ação popular tem índole constitucional, sendo regulamentada, em seus aspectos processuais, pelo advento da Lei 4.717/65.
Por fim, a Constituição Federal de 1988, também recepcionou, e muito bem, a ação popular, estabelecendo em seu artigo 5º, inciso LXXIII:
“Qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise anular ato lesivo ao patrimônio público ou d e entidade que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência”.
Nesse ponto, estabelece José Afonso da Silva:
“O objeto da ação popular foi ampliado, em nível constitucional à proteção da moralidade administrativa, do meio ambiente e do patrimônio histórico e cultural. Este último já estava contemplado na lei que regula o processo popular”.[6]
Dessa forma, não restam dúvidas que o objeto da ação popular foi ampliado ao longo dos anos, como reflexo de exercício pleno da cidadania, característica esta imprescindível ao Estado Democrático de Direito.
2 Dos requisitos necessários à propositura da Ação Popular e aplicação da Lei 4717/65
A ação popular, embora possua legislação específica, sendo esta regulamentada pela lei 4717/65, segue o rito ordinário passando pelo processo de conhecimento, bem como produção de provas e prolação de sentença.
O primeiro requisito imprescindível à propositura da ação é no tocante à legitimidade ativa. Esta limita-se ao cidadão, no exercício de seus direitos cívicos e políticos. Portando, não basta apenas ser cidadão: o indivíduo deve possuir a qualidade de eleitor. E ainda, não é suficiente somente a prova do título, é preciso que o eleitor esteja em pleno gozo de seus direitos políticos.
Nas palavras de Di Pietro, o segundo requisito para a propositura desta ação constitucional é “a ilegalidade ou imoralidade do ato praticado”. [7]
Também no que tange ao segundo requisito, muito bem se posicionou o doutrinador Hely Lopes, senão vejamos:
“o segundo pressuposto da Ação Popular é a ilegalidade ou ilegitimidade do ato a invalidar, ou seja, que o ato seja contrário ao Direito, por infringir as normas específicas que regem sua prática ou por se desviar dos princípios gerais que norteiam a Administração Pública.”[8]
Quanto ao terceiro requisito para que seja intentada a ação popular mister se faz a existência de lesão do ato ou omissão em relação à moralidade administrativa, ao patrimônio público, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural. Dessa forma, basta que o estado participe da entidade, seja de forma majoritária ou minoritária que estará protegido pela ação popular.
Ressalta-se que embora a lei disponha sobre “ato”, nada impede o ajuizamento da ação popular contra a omissão de poder público quando este, por disposição legal, deveria agir e assim não procedeu.
Novamente, muito bem se posiciona Meirelles:
“todo ato ou omissão administrativa que desfalca o erário ou prejudica a administração, assim como o que ofende bens ou valores artísticos, cívicos, culturais, ambientais ou históricos da comunidade.” [9]
E arremata:
“a ação popular pode ter finalidade corretiva da atividade administrativa ou supletiva da inatividade do Poder Público nos casos em que devia agir por expressa imposição legal. Arma-se, assim, o cidadão para corrigir a atividade comissiva da Administração como para obrigá-la a atuar, quando sua omissão também redunde em lesão ao patrimônio público”[10].
Cumpre ainda ressaltar que o ato além de lesivo, deve também ser ilegal. Nesse sentido julgou o Superior Tribunal de Justiça afirmando que “para ensejar a propositura de ação popular, não basta ser o ato ilegal, deve ser ele lesivo ao patrimônio público”[11].
Com o advento da Lei 4717/65, a ação popular passou a ser regulamentada de forma específica, aplicando-se o Código de Processo Civil de forma subsidiária, sempre em observância aos dispositivos constitucionais.
Respectiva lei foi responsável por incluir modificações no rito ordinário da ação popular, conforme será analisado nos itens a seguir.
2.1 Legitimidade ativa
O artigo 5º, caput, da Constituição Federal de 1988, garante aos brasileiros e estrangeiros, residentes no País, os direitos fundamentais à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, à propriedade, mencionando-os por partes nos itens seguintes, sendo que o item LXXIII limita a legitimidade ativa para a propositura da ação popular a “qualquer cidadão”.
Já a Lei que regula a Ação popular (Lei 4717/65), assim dispõe em seu artigo 1º:
“Art. 1º Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados, dos Municípios, de entidades autárquicas, de sociedades de economia mista (Constituição, art. 141, § 38), de sociedades mútuas de seguro nas quais a União represente os segurados ausentes, de empresas públicas, de serviços sociais autônomos, de instituições ou fundações para cuja criação ou custeio o tesouro público haja concorrido ou concorra com mais de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita ânua, de empresas incorporadas ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios, e de quaisquer pessoas jurídicas ou entidades subvencionadas pelos cofres públicos”.
E acrescenta em seu parágrafo 3º:
“§ 3º A prova da cidadania, para ingresso em juízo, será feita com o título eleitoral, ou com documento que a ele corresponda”.
Tem-se, portanto, que a legitimidade ativa para propor a ação popular é limitada ao cidadão, devendo este estar no gozo de seus direitos políticos, mediante comprovação do título de eleitor.
Assim, para que seja compreendido o conceito de cidadão abordado pela Constituição de 1988, necessário é verificar a distinção existente entre os conceitos de cidadania e nacionalidade. Isto porque ao analisar o do artigo 5º, LXXIII, da Carta Magna de 1988, não é possível identificar se o termo cidadão refere-se às pessoas residentes no país, sejam elas brasileiras natas ou estrangeiras; à todas pessoas nacionais ou se restringe aos nacionais em pleno exercícios dos direitos políticos.
A Constituição Federal de 1988 utiliza o vocábulo cidadania no mesmo sentido de nacionalidade, uma vez que ao mencionar o termo cidadão no artigo 5º, LXXIII, não se refere a qualquer pessoa residente no país nem ao nacional em exercício dos direitos políticos, mas ao brasileiro nato ou naturalizado, nos termos de seu artigo 12, que assim dispõe:
“Art. 12. São brasileiros:
I – natos:
a) os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país;
b) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil;
c) os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira;
II – naturalizados:
a) os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas aos originários de países de língua portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral;
b) os estrangeiros de qualquer nacionalidade, residentes na República Federativa do Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeiram a nacionalidade brasileira”
Nesse sentido, a Lei 4717/64, que regula a ação popular, considera-se cidadãos todos os indivíduos que se encaixam nas disposições do artigo acima mencionado, desde que em gozo de seus direitos políticos, preenchendo portando, a qualidade de eleitor. Tal conceituação encontra-se prevista no artigo 1º, §3º, que estabelece: “A prova da cidadania, para ingresso em juízo, será feita com o título eleitoral, ou com documento que a ele corresponda.”
Tem-se, assim, a limitação da legitimidade ativa na ação popular, admitindo-se em algumas hipóteses o litisconsórcio facultativo, com outros cidadãos, nos termos do disposto no artigo 6º, §5º da Lei 4717/65, que estabelece “é facultado a qualquer cidadão habilitar-se como litisconsorte ou assistente do autor da ação popular”.
Observa-se ainda nos termos do artigo acima mencionado, em seu parágrafo 3º a possibilidade de a própria pessoa jurídica de direito público ou de direito privado, cujo ato seja objeto da impugnação, de atuar ao lado do autor, caso seja de utilidade ao interesse público. Referido dispositivo é de grande importância, uma vez que pouco se conhece a possibilidade do ente público requerer o ingresso no polo ativo da demanda ao lado do autor.
Em tais casos, salienta Alexander dos Santos Macedo:
“Se a pessoa jurídica, portanto, convencer-se da ilegalidade e lesividade do ato, mesmo depois da ação ter sido contestada, pode e deve mudar de posição no processo, passando do polo passivo para o polo ativo, em prol do interesse público e em obediência ao principio da moralidade administrativa, aspectos que caracterizam a finalidade da ação popular.”[12]
Verifica-se, portanto, que a legitimidade ativa em sede de ação popular é extremamente limitada, se restringindo ao cidadão, mediante a comprovação do título de eleitor. Tal limitação é aspecto de suma importância, uma vez que a ação popular é garantia fundamental e é tida como remédio constitucional, sendo imprescindível sua existência no Estado Democrático de Direito.
2.1.1 Eleitor menor de vinte e um anos, mas maior de dezesseis ou dezoito anos
Conforme dispõe o artigo 14 da Constituição Federal, podem votar e ser votados os maiores de 18 (dezoito) anos. Tal disposição é facultativa aos analfabetos, maiores de setenta anos e os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos.
Em tais casos, o eleitores maiores de dezesseis anos e menores de dezoito, por estarem em pleno gozo de seus direitos políticos, poderão intentar a ação popular independente de assistência.
Nesses termos, se posicionou José Afonso da Silva:
“(…) no vocábulo cidadão, constante do art. 5º, LXXIII da Lei das leis encontra-se presente tanto a legitimatio ad causam, como a legitimatio ad processum. Como a Lex Legum conferiu ao maior de dezesseis anos a possibilitar de votar, de ser eleitor, como expressão de um direito político, não poderíamos partir para uma interpretação restritiva, negando seu direito de, livremente, estar em juízo, na defesa da coletividade. Não há necessidade alguma de assistência.”[13]
Verifica-se, portanto que a própria Constituição Federal que estabelece a situação do autor popular. Sendo a cidadania comprovada com o título de eleitor, não restam dúvidas de que o maior de dezesseis e menor de dezoito anos, caso seja eleitor, poderá ingressar com a ação popular sem necessidade de ser assistido[14].
2.1.2 Ministério Público
Conforme já mencionado, a legitimidade ativa para propor a ação popular é limitada ao cidadão. Verifica-se que embora a presença do Ministério Público seja indispensável ao procedimento ordinário da ação, é vedado a sua legitimação para figurar como autor no ato da propositura da mesma.
Tem-se, portanto, que o representante do Ministério Público não atua nem no polo ativo e nem no passivo. O seu dever é de fiscalização, devendo ser ouvido antes de qualquer decisão.
A Lei estabelece que o Ministério Público deve acompanhar a ação, sendo imprescindível o seu parecer antes de qualquer decisão (artigos. 82, III, e 83, ambos do CPC); apressar a produção de provas (artigo 83, II, do CPC); promover a responsabilidade civil, em benefício da coletividade, quando for o caso (artigo 129,II,III e IX, da CF). No mesmo sentido institui que o Ministério Público poderá prosseguir na ação se o autor desistir a mesma (art. 9.º da Lei 4717/65); recorrer da decisão contra o autor (artigo 19, §2º, da Lei 4717/65), “sendo vedada a defesa do ato impugnado como lesivo ou os apontados como autores ou responsáveis pelo mesmo[15]”.
Nos dizeres de José Afonso da Silva:
“parecendo que ora age como defensor da lei, ora como assistente, como autor ou parte, como exeqüente, recorrente, litisconsorte ativo, pelo que se torna difícil estabelecer a natureza dessa intervenção. Há, porém, na gama dessas atividades, uma missão, da qual ele não desgarra e nem pode desgarrar-se só um instante: a sua missão de defensor da lei, da ordem jurídic”.[16]
Cabe ao Ministério Público zelar para que a ilegalidade do ato mencionada pelo autor popular seja objeto de hábil investigação de provas, a fim de formar ao final, seu parecer, que poderá ser contra ou a favor do autor popular. Tal convicção, partindo do conjunto de provas e devidamente analisada pelo representante do Parquet deverá ter como fundamentação primordial a prevalência do interesse público.
Ainda nos dizeres de José Afonso da Silva:
“o Ministério Público defende o interesse da comunidade num sentido mais amplo, mais total, mais global; tanto que, nessa defesa, pode ele voltar-se contra o autor popular, nas hipóteses em que sob a capa de defensor da comunidade, pratique atos danosos ao patrimônio jurídico-legal da comunidade” [17].
Em tais casos, verificando eu o ato praticado foi lícito em respeito ao interesse público, deve o representante do Parquet opinar pela improcedência da ação popular. Ademais, havendo inexistência de algumas das condições da ação ou de pressuposto processual de inexistência ou validade do processo, o Ministério Público deve-se pronunciar, uma vez que é de seu interesse que a sentença proferida ao final tenha total eficácia.
Ressalta-se, por fim, que o Ministério Público poderá figurar como substituto processual, nos casos em que o autor for inerte e não promover o prosseguimento regular da ação, como também nos casos de abandono da causa.
Novamente, nos ensina Afonso da Silva acerca do papel do promotor em sede de ação popular:
“É como se fosse auxiliar do autor popular. Mas é preciso entender que este auxiliar não implica numa atividade secundária do Ministério Público. Ele auxilia, mas no exercício de função própria. Não é mero ajudante, mero assistente do autor. Sua atividade é inteiramente autônoma em relação ao autor popular. Só se traduz num auxílio, porquanto sua atividade corresponde a uma atividade que deveria ser cumprida somente pelo autor”[18].
2.2 Legitimidade passiva
Nos termos do artigo 6º da Lei que regula a ação popular (Lei 4717/64), será legitimado para figurar no polo passivo da demanda todas as pessoas públicas ou privadas e as entidades enumeradas no artigo 1º [19] da respectiva lei, bem como todas as autoridades, funcionários ou administradores que autorizarem, ratificarem ou praticarem o ato lesivo e impugnado e ainda, contra os beneficiários diretos do ato danoso.
Conforme já destacado em tópico anterior, existe, ainda, a possibilidade de figurar no pólo passivo todas as entidades e pessoas jurídicas acima mencionadas que ao deixarem de agir, ou seja, que por omissão, praticarem atos lesivos.
Ressalta-se ainda a possibilidade de ajuizar a ação popular contra o agente público causador da lesão ao patrimônio público ou contra as pessoas públicas ou privadas, nos casos em que há um desconhecimento do beneficiário direto do ato lesivo, nos termos do artigo 6º, §1º, da lei acima mencionada.
Adverte-se, ainda, que conforme já mencionado em item 3.1, a pessoa jurídica que figurar no polo passivo poderá atuar ao lado do autor popular se, no decorrer da ação, verificar a prática da ilegalidade apontada pelo autor, sendo esta a ela mesmo danosa.
Nesse sentido, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça com relação a uma empresa de economia mista:
“citada para a ação popular, contestou-a, mas passado certo tempo, mudados a sua diretoria e o próprio governo (…), resolveu ficar ao lado dos autores populares, pleitear pela procedência da ação e pela decretação de nulidade dos atos impugnados nesta ação. É claro que ela poderia agir desta forma. O que ela não podia era continuar defendendo a persistência de atos a ela danosos e se conformar com vultosos prejuízos a ela por eles causados. Com a mudança da (…) do polo passivo para o ativo, não houve mudança do pedido. Os autores não alteraram a sua pretensão ou a causa de pedir, não podendo falar em contrariedade ao art.264 do CPC. Também não foi vulnerado ao RT. 303 do CPC. A (…) passou a ficar ao lado dos autores populares por expressa autorização legal (art. 6º, §3º, da Lei 4717/65) e podia deduzir novas alegações (art. 303,III, do CPC)”.[20]
Não restam dúvidas de que a intenção do legislador foi abranger o máximo possível o rol de pessoas que podem figurar no polo passivo da ação popular, a fim de que haja a identificação do responsável pela produção do ato lesivo ou causador do mesmo. Incluem também todos aqueles que contribuíram para a lesividade do patrimônio público, seja por ação ou por omissão.
Tal disposição legal tem como fundamento à efetiva proteção aos direitos difusos, o resguardo do patrimônio coletivo, do meio ambiente, da moralidade administrativa e do patrimônio histórico e cultural.
3 O conceito de cidadão e a limitação à legitimidade ativa para propor Ação Popular
3.1 Aspectos relevantes na conceituação de cidadão e de “nacional do país”
Conforme já demonstrado, é constitucionalmente previsto, nos termos do artigo 5º, LXXIII, que o cidadão é parte legítima para figurar no polo ativo na propositura da ação popular.
Para que haja uma compreensão da legitimidade para agir em sede de ação popular, necessário é que se faça uma conceituação de cidadão.
Ab initio, conforme já ressaltado em item 3.1 do presente trabalho, imprescindível é distinguir o conceito de cidadão do conceito de “nacional do país”. Este último abrange todos os brasileiros, ou seja, que possuem nacionalidade brasileira, que pode ser decorrente do nascimento em território brasileiro ou ter sido adquirida posteriormente, como nos casos de brasileiros naturalizados. Enquanto a nacionalidade revela-se por vincular a pessoa à nação, a cidadania é o vinculo que liga o indivíduo ao Estado, através do direito de participação na vida política do mesmo.
Verifica-se que apenas a condição de ser brasileiro, não preenche o requisito de ser cidadão para figurar no polo ativo da ação popular. A lei 4717/65, em seu artigo 1º, § 3º[21], estabelece que a prova da cidadania se comprova mediante apresentação do título de eleitor, ou seja, a prova de estar o brasileiro em pleno gozo de seus direitos políticos.
Dessa forma, para o exercício da ação popular, exige-se a presença de dois requisitos para o autor, quais sejam a condição de ser brasileiro e eleitor. Tais requisitos têm como justificativa a ideia de que somente o brasileiro em pleno gozo de seus direitos políticos, terá condições de fiscalizar os representantes que elege para o Parlamento e consequentemente os demais agentes responsáveis pela gestão do patrimônio público.
Nesse raciocínio:
“Os direitos políticos constituem o conjunto dos direitos de voto e elegibilidade, habilitando ainda o cidadão a uma fiscalização no exercício do poder público”.[22]
O direito de voto, de ser votado, bem como o direito de iniciativa popular no processo legislativo, caracterizam-se como direito do indivíduo de participar da vida política e da estrutura do próprio Estado em que vive.
Nas palavras de Bilac Moreira Pinto:
“Ora, sendo o direito público subjetivo de mover a ação popular especial um direito político, que compete a qualquer brasileiro, pode ser exercido pelo brasileiro nato ou naturalizado ou pelo que haja obtido a nacionalidade brasileira mediante título declaratório.”[23]
No tocante à propositura da ação popular, tem-se que a legitimidade ativa é limitada ao cidadão, sendo este aquele que encontra-se em pleno gozo de seus direitos políticos.
3.2 Conceito de cidadania
A necessidade de compreensão do termo cidadania veio junto dos legados do processo de formação das democracias modernas.
A cidadania encontra-se intrinsecamente ligado à vida em sociedade. A princípio, entende-se que todo cidadão que integra a vida em sociedade no Estado Democrático de Direito faz jus ao exercício da cidadania, sendo esta o conjunto de direitos e deveres perante o poder Público.
Trata-se da participação do indivíduo na vida política do Estado e não se restringe à eleição dos representantes, revelando-se apenas como o direito de voto, mas também através de opiniões acerca do que seria justo, certo e conveniente para a gestão do patrimônio público.
Tal exercício almeja à garantia e efetividade de valores fundamentais imprescindíveis para o pleno desenvolvimento de uma sociedade digna e solidária.
Como vivemos em uma democracia representativa, para que o exercício da cidadania seja eficaz é necessário que haja a participação popular nas tomadas de decisões pelo Poder Público.
Hoje, após um extenso processo de evolução, torna-se indispensável o entendimento de que a cidadania vai muito além do que votar e ser votado. Trata-se de participação na vida em sociedade, na defesa pelos direitos de igualdade e liberdade e é através dessa participação coletiva que se encontra a essência da cidadania atual.
4 O que significa ser cidadão e sua compatibilidade com a democracia participativa
A democracia participativa é pressuposto indispensável à existência do Estado Democrático de Direito, consistindo na participação dos indivíduos na vida política do estado, possuindo direitos e deveres, bem como na existência de mecanismos efetivos para o controle dos atos praticados pelo poder público na gestão de todo o patrimônio coletivo.
O próprio conceito de cidadania compreende um governo do povo, em que haja prevalência da soberania popular e distribuição igualitária de poder.
Abraham Lincoln definiu democracia como: “governo do povo, pelo povo e para o povo”. É neste contexto que se insere a ação popular. Esta é tida como um meio à disposição de qualquer cidadão para proteger os direitos fundamentais difusos, tais como o patrimônio coletivo, à moralidade administrativa, bem como a preservação do meio ambiente e o patrimônio histórico e cultural. Revela-se, portanto, como uma das formas de participação na vida política do Estado, indo além do direito de votar e ser votado.
Por tais razoes é que o exercício da ação popular tem ganhado tamanha importância no passar dos anos. Embora tal instituto seja pouco utilizado nos dias atuais, muitas vezes por falta de informação dos próprios cidadãos, reflete como um dos instrumentos mais relevantes para o exercício da cidadania.
A democracia participativa requer que toda a coletividade se empenhe na construção de uma sociedade mais justa e igualitária, com a participação dos indivíduos na vida política do Estado e na tomada de decisões pelo poder público.
A verificação do grau de democracia de uma sociedade é feita mediante a análise do empenho de toda a coletividade na defesa de direitos fundamentais, bem como através dos instrumentos colocados à disposição dos indivíduos para que exerçam referidos direitos. Entretanto, a própria eficácia dos direitos fundamentais prescinde da existência de uma sociedade democrática. Tem-se, portanto, que democracia e existência de direitos fundamentais eficazes são conceitos inseparáveis, visto que traduzem o exercício pleno da cidadania.
Dessa forma, tem-se que a ação popular constitui-se como uma das formas de defesa dos direitos fundamentais. Não apenas pelo fato da demanda se inserir no rol de tais direitos previstos no artigo 5º da Carta Magna de 1988, mas também por afirmar um dos princípios basais do Estado Democrático de Direito, qual seja a dignidade da pessoa humana.
A participação política do povo nas tomadas de decisões do Estado trata-se de direito fundamental garantido constitucionalmente, razão pela qual deve ser assegurado a todos, sem distinções.
Conclusão
O debate sobre a legitimidade ativa no âmbito da ação popular é, certamente, muito mais abrangente do que aquele feito no presente trabalho. Muito embora não se trate de assunto novo, este só ganhou destaque nos últimos anos, encontrando-se, ainda, em fase de amadurecimento.
Dessa forma, devem ser incentivados, ao máximo, a discussão e a produção acadêmicas, no que tange aos assuntos ligados à Ação Popular.
Após traçar a evolução do conceito de cidadania e democracia, verifica-se que ambos os institutos se desenvolveram com o passar dos anos e encontram-se intimamente vinculados. Por tais motivos, torna-se imprescindível a análise de referidos conceitos nos dias atuais, visto que apresenta aspectos relevantes para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. É nesse contexto que entra a necessidade de ampliação do vocábulo cidadão como legitimado ativo no tocante à propositura da ação popular.
Conforme já demonstrado no presente trabalho, a ação popular é um dos meios à disposição de qualquer cidadão e reflete a participação dos mesmos no poder político do Estado, na gestão do patrimônio coletivo e no controle dos atos praticados pela administração pública.
Questiona-se, por exemplo, a possibilidade da pessoa jurídica, diante do ato lesivo ao patrimônio público ou equiparado, figurar no polo ativo no ajuizamento da demanda, uma vez que paga tributo e participa da vida em sociedade.
Seguindo o mesmo raciocínio, questiona-se a possibilidade das associações de classe, as associações de bairro e à Ordem dos Advogados ajuizarem a ação popular, visto que tem se revelado tão atuante ao longo dos anos, desde que em prol do bem comum e atendendo aos anseios coletivos. Nesta linha, deve-se ressaltar que os operadores do Direito (sejam eles advogados, juízes, promotores, consultores) têm papel fundamental na divulgação de institutos como a ação popular, principalmente por se tratar de umas das funções essenciais à justiça, sendo indispensável à administração desta.
Salienta-se que em tais casos, as instituições acima apontadas dispõem de toda estrutura organizacional, ao mesmo tempo em que servem de incentivo a toda a sociedade para se utilizar desse remédio constitucional.
Cabe ainda levantar à questão de estrangeiros residentes no país, que embora não se encontrem em pleno gozo de seus direitos políticos, pagam impostos, participam da vida em sociedade e das tomadas de decisões pelo poder público. Em tais casos, se o estrangeiro é capaz de averiguar a lesividade do ato praticado na esfera pública, não há porque desconsiderá-los do rol de legitimados ativos no ato de ajuizamento da demanda popular.
Para tanto, não é necessário esperar a alteração do texto constitucional para que ele expanda a legitimidade ativa no âmbito da ação popular. O conceito de cidadão deve ser interpretado de forma ampla e não restrita como tem sido feito ao longo dos anos, permitindo, assim, o exercício pleno da cidadania.
Por tais motivos, torna-se tão importante repensar o problema da legitimação. Desvendar novas possibilidades de extensão às pessoas jurídicas, às entidades públicas e até mesmo às associações, são diversas formas de ampliar as possibilidades de construção de uma sociedade com qualidade de vida merecida por todos os indivíduos sem restrições. Para tanto, a concretização de referido ideal precisa de um empenho coletivo.
A limitação da legitimidade ativa figura-se como afronta ao principio basilar do estado democrático de direito, qual seja o exercício pleno da cidadania. Ademais, restringir o conceito de cidadão como legitimado ativo, de certa forma, constitui-se como ofensa à própria Constituição, uma vez que a ação popular é tida como garantia constitucional na defesa dos direitos fundamentais difusos.
Conclui-se, sobretudo, que a ampliação do conceito de cidadão como legitimado ativo para a propositura da ação popular busca promover a igualdade de condições processuais para o exercício da titularidade de um instituto constitucional e, consequentemente, a defesa de direitos fundamentais.
A compreensão de todos acerca do instituto da ação popular é uma forma de enriquecer o presente debate, que além de multidisciplinar, apresenta soluções sólidas e seguras para os questionamentos que surgem.
Advogada. Bacharela em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais PUC Minas. Especialista em Direito Público pelo Instituto de Educação Continuada na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais IEC PUC Minas. Currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/3025316271732770
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