A antecipação da tutela ex officio no processo do trabalho

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Com o objetivo de imprimir celeridade e efetividade na função jurisdicional do Estado, uma das inovações  mais importantes – se não a mais importante – do rol de reformas do Código de Processo Civil foi o instituto da tutela antecipada, que alterou a redação do art. 273 deste diploma legal.


Tal artigo passou a autorizar o juiz, em caráter geral, a antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendidos pelo autor na exordial, desde que preenchidos os requisitos do referido, quais sejam: existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, ou que fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.


Embora o instituto civilista em apreço não seja tratado expressamente na CLT, esta que contempla apenas duas hipóteses especiais que permitem ao Magistrado conceder medida liminar no curso do processo de conhecimento (incisos IX e X do art. 659)[1], a tutela antecipada é instrumento totalmente aplicável (e indispensável) na Justiça Laboral, haja vista a omissão da CLT em relação ao assunto e por sua compatibilidade com os princípios trabalhistas. Assim, nos moldes do art. 769, tal norma processual civil deve ser aplicada em caráter subsidiário no processo trabalhista.


Sobre o assunto, merecem destaque as palavras de Sérgio Pinto Martins, in verbis:


“Assim, seria plenamente aplicável nos dissídios individuais, dada a omissão da CLT e sua compatibilidade com seus preceitos no que diz respeito aos dissídios coletivos, os de natureza jurídica comportariam a tutela, apenas para declarar a existência ou não de determinada relação jurídica ou da interpretação de certa norma. Quanto aos dissídios de natureza econômica, o objetivo é realmente a criação de novas e melhores condições de trabalho para a categoria, pois ainda não há direito concreto a ser deferido, mas está ele sendo discutido para a criação ou modificação das condições de trabalho. Teoricamente, também é cabível nos dissívios coletivos de natureza econômica” (MARTINS, 2008, p.534).


Retornando ao Processo Civil, com a leitura do art. 273, nota-se a impossibilidade de a tutela antecipada ser declarada ex officio, já que é exigência expressa o requerimento da parte. Porém, ao trazer para o âmbito trabalhista , tal dispositivo deve ser aplicado de acordo com a realidade laboral, na qual é permitido o jus postulandi e as verbas trabalhistas, em geral, têm natureza alimentar.


Defende o Desembargador Carlos Henrique Bezerra Leite (2009, p.426) a aplicação da antecipação da tutela de ofício pelo juiz, independente de requerimento da parte:


“Ora, se estamos diante de um ato judicial com característica de provimento mandamental e executivo lato sensu e se o juiz do trabalho está autorizado a promover a exercução ex officio (CLT, art. 878), então não seria legalmente proibido ao juiz determinar, de ofício, a antecipação dos efeitos da tutela de mérito, desde que presentes os demais requisitos autorizadores”.


Ainda, deve-se considerar que, por ser parte vulnerável perante o empregador, este que tem o poder de direção e é a parte mais forte economicamente, o operário foi amparado pelo princípio da proteção no Direito Trabalhista, a fim que haja tratamento isonômico entre as partes, tratando os desiguais – trabalhadores – de maneira desigual, na busca substancial entre os sujeitos.


Em artigo, Almir Carlos Silvestre, citando Adamovich entende que a vinculação da possibilidade de deferimento da antecipação da tutela à iniciativa da parte […]


“[…] inverteria a lógica que prevalece no Processo do Trabalho, na medida em que só a colocaria ao alcance daqueles empregados mais qualificados e bem remunerados que, capazes de contratar os melhores advogados, mais facilmente poderiam reclamar aqueles benefícios, deixando menos protegidos aqueles outros que recorressem a profissionais não tão afeitos ao trato com a tutela de urgência e completamente sem socorro os demais que exercessem per se a capacidade postulatória que lhes dá o art. 791, da CLT, cuja consonância com as mais modernas visões da amplitude de acesso ao Judiciário é quase inconteste” (SILVESTRE, 2003).


Imperiosa é a análise da sentença proferida no ano de 2005, pelo juiz titutar da 5⁰ Vara do Trabalho de Santos/SP, Roberto Vieira de Almeida Rezende, nos autos de n⁰ 00397.2005.445.02.00-5, na qual concedeu, de ofício, tutela antecipada à trabalhadora, por considerar imoral o fato de a empresa reclamada não ter pago as verbas rescisórias à reclamante, estas imprescindíveis ao seu sustento e de sua família. O Magistrado ressaltou que não pode o Judiciário quedar-se inerte ao se deparar que a parte que o provocou pode sofrer prejuízo em razão do tempo, sendo dever do juiz tomar as medidas cabíveis para evitar tais danos. De acordo com o Magistrado,


“Deve-se assinalar também que o juiz é um ser político, no sentido de que deve permanecer sensível aos valores sociais e às mutações axiológicas de sua sociedade. O juiz haverá de estar comprometido com esta e com suas preferências. Repudia-se o juiz indiferente, o que corresponde a repudiar também o pensamento do processo como instrumento meramente técnico. Ele é um instrumento político, de enorme conotação ética, fato que ao juiz não é dado ignorar. Sendo assim, o fato de o juiz estar sujeito à lei não significa que está cingido ao rigor das palavras que os textos legais contém, mas sim ao espírito do direito de seu tempo. Se o texto aparenta apontar para uma solução que não satisfaça ao seu sentimento de justiça, isso significa que provavelmente as palavras do texto ou foram mal empregadas pelo legislador; ou o próprio texto, segundo a idéia do legislador não está em consonância com os valores aceitos pela nação no tempo presente” (CONJUR, 2005).


Juntamente com os doutrinadores que admitem a concessão do instituto no Processo do Trabalho, Cláudio Armando Couce de Menezes aduz que o Processo do Trabalho […]


“[…] é regrado pelo princípio do inquisitório e tem também como característica a capacidade postulatória das partes, o que permite ao empregado, em determinados casos, postular diretamente em juízo. Além do mais, salienta, imaginar que candangos, bóias-frias, peões de obra, peçam ao juiz uma “tutela antecipatória dos efeitos da sentença de mérito” é cair no plano do fantástico, do delírio ou da mais pura hipocrisia” (MENEZES, apud SILVESTRE, 2003).


Portanto, diante do exposto, conclui-se ser inteiramente possível – e necessária – a concessão da tutela antecipada de ofício pelo juiz, em face aos princípios de proteção ao trabalhador e o dever do julgador em tomar imperiosas decisões a fim de evitar os danos decorrentes da morosidade do Poder Judiciário.


 


Referências:

BRASIL.  Lei 5.869 de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/L5869compilada.htm> . Acesso em set/2010.

_______. Decreto-Lei 5.452, de 1⁰ de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Disponivel em <http://www.planalto.gov.br/ccivil/decreto-lei/del5452.htm> Acesso em set/2010.

LEITE, Carlos Henrique Bezerra Leite. Curso de Direito Processual do Trabalho. 7a ed. São Paulo: LTr, 2009.

JUIZ concede tutela antecipada ex officio a trabalhadora. Consultor Jurídico. 04 de agosto de 2005. Disponível em <http://www.conjur.com.br/2005-ago-04/juiz_concede_tutela_antecipada_ex_officio_trabalhadora>. Acesso em set. 2010.

PINTO, Sérgio Martins. Direito Processual do Trabalho. 28a ed. São Paulo: Atlas, 2008.

SILVESTRE, Almir Carlos. Particularidades da antecipação de tutela no processo do trabalho. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 184, 6 jan. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4658>. Acesso em: 14 set. 2010.


Nota

[1] Art. 659 – Competem privativamente aos presidentes das Varas, além das que lhe forem conferidas neste Título e das decorrentes de seu cargo, as seguintes atribuições: […] IX- conceder medida liminar, até decisão final do processo em reclamações trabalhistas que visem a tornar sem efeito transferência disciplinada pelos parágrafos do art. 469 desta Consolidação; X- conceder medida liminar, até decisão final do processo, em reclamações trabalhistas que visem reintegrar no emprego dirigente sindical afastado, suspenso ou dispensado pelo empregador.


Informações Sobre o Autor

Giselle Leite Franklin

Advogada, pós graduada em Direito Imobiliário e pós graduanda em Direito e Processo do Trabalho