Resumo: O presente trabalho trata de um assunto comumente observado no cotidiano das pessoas: as situações aborrecedoras, não causadas pelos consumidores, e que fazem com eles percam muito tempo de suas vidas para tentar resolvê-las. Tais situações são suscetíveis de reparação por danos morais. Uma nova tese foi desenvolvida justamente para abarcar essas situações: a teoria do desvio produtivo do consumidor ou da perda do tempo útil. O tempo é um bem precioso do ser humano, um bem que, uma vez perdido, não pode ser reavido. E toda violação a esse direito (bem da vida) deve ser indenizado e punido, de forma exemplar, para que se desestimulem práticas semelhantes.
Palavras-chave: Direitos fundamentais, danos morais, desvio produtivo do consumidor, perda do tempo útil.
Sumário: Introdução. 1. Direitos Fundamentais e a Constituição Federal de 1988. 1.1. Conceito de Direitos Fundamentais. 1.2. Direitos Fundamentais de Terceira Dimensão. 1.3. Direitos Fundamentais e os Direitos do Consumidor. 1.4. Direitos Fundamentais e os Grupos Hipossuficientes. 2. O Código de Defesa do Consumidor e a Tutela Constitucional dos Hipossuficientes. 2.1. O Código de Defesa do Consumidor. 2.1.1. Origem do CDC. 2.1.2. Conceito de Danos Morais. 2.1.3. Conceito de Práticas Abusivas. 2.1.4. Hipossuficiência do Consumidor. 3. Responsabilidade Civil Geral. 3.1. Conceito de Responsabilidade Civil. 3.2. O Dano. 3.3. O Nexo de Causalidade. 3.4. Formas de Reparação. 4. Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor ou da Perda do Tempo Útil. 4.1. Responsabilidade Civil pela Perda do Tempo. 4.1.1. O Tempo em Perspectiva. 4.1.2. A Função Punitiva do Dano Moral. 4.1.2.1. Aspecto Compensatório. 4.1.2.2. Aspecto Punitivo. 4.1.2.3. Aspecto Pedagógico. 4.1.3. Indústria do Dano Moral. 5. Meios de Resolução de Práticas Abusivas. 5.1. Ação Civil Pública. 5.2. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas na Lei 13.105/15 (NCPC)
Introdução
I – Direitos Fundamentais e a Constituição Federal de 1988
1.1 – Conceito de Direitos Fundamentais
Os Direitos Fundamentais são definidos como um conjunto de direitos e garantias do ser humano, cuja institucionalização tem por finalidade o princípio da dignidade da pessoa humana e a proteção ao poder estatal, garantindo-lhe condições mínimas de vida e desenvolvimento, ou seja, garantir ao ser humano o respeito à vida, à igualdade e à dignidade para o pleno desenvolvimento de sua personalidade.
Os Direitos Fundamentais são também conhecidos como direitos humanos, direitos subjetivos públicos, direitos do homem, direitos individuais, liberdades fundamentais ou liberdades públicas. Na Constituição Federal de 1988, tais direitos são observados no Título II e também em outros dispositivos nela dispersos nos quais se verifique características de historicidade, universalidade, limitabilidade, concorrência e irrenunciabilidade, próprias dos direitos fundamentais.
1.2. – Direitos Fundamentais de Terceira Dimensão
O conceito de direitos fundamentais evoluiu para alcançar e proteger os direitos decorrentes de uma sociedade modernamente organizada, que se encontra envolvida em relações de diversas naturezas, especialmente aquelas relativas à industrialização e densa urbanização. Nesta situação, outros direitos precisavam ser garantidos, além daqueles normalmente protegidos, uma vez que essas novas relações devem ser consideradas coletivamente. Nesta terceira dimensão de direitos fundamentais, podemos mencionar: o direito ao desenvolvimento, o direito à paz, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, o direito à comunicação, os direitos dos consumidores e vários outros direitos especialmente àqueles relacionados a grupos de pessoas mais vulneráveis (a criança, o idoso, o deficiente físico etc.).
Para Paulo Bonavides:
“são direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou de um determinado Estado. Têm por primeiro destinatário o gênero humano mesmo, em um momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta”.
Os direitos de terceira dimensão são os direitos coletivos em sentido amplo, também conhecidos como interesses transindividuais, gênero em que estão incluídos os direitos difusos, os coletivos em sentido estrito e os direitos individuais homogêneos.
1.3. – Direitos Fundamentais e os Direitos do Consumidor
A proteção ao consumidor, no ordenamento jurídico brasileiro, foi uma novidade trazida pela Constituição de 1988, que em seu rol de direitos fundamentais elencados no art. 5º, declara em seu inciso XXXII, que “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”.
Esse direito fundamental foi regulamentado pela Lei 8.078/90, o Código de Defesa do Consumidor (CDC). Reconhecendo a vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo, o CDC promoveu a harmonização da relação jurídica entre o consumidor e o fornecedor, antes tratada apenas como mera relação contratual. A criação de órgãos públicos encarregados da educação, prevenção e defesa do consumidor, a inversão do ônus da prova favorecendo-o, a responsabilização do fornecedor por vícios dos produtos e serviços, a tipificação de práticas comerciais consideradas abusivas e sua repressão, entre outras medidas, trouxeram uma nova realidade para o mercado de consumo, trazendo, inclusive, uma diferença significativa no tratamento dado ao cliente pelas empresas e fornecedores de produtos e serviços.
No site do Procon/Pará estão elencados alguns dos direitos fundamentais do consumidor, quais sejam:
– o direito à segurança: garantia contra produtos ou serviços que possam ser nocivos à vida ou à saúde;
– o direito à escolha: opção entre vários produtos e serviços com qualidade satisfatória e preços competitivos;
– o direito à informação: conhecimento de dados indispensáveis sobre produtos ou serviços para uma decisão consciente;
– o direito a ser ouvido: os interesses dos consumidores devem ser levados em conta pelos governos no planejamento e execução das políticas econômicas;
– o direito à indenização: reparação financeira por danos causados por produtos ou serviços.
– o direito à educação para o consumo: meios para o cidadão exercitar conscientemente sua função no mercado;
– o direito a um meio ambiente saudável: defesa do equilíbrio ecológico para melhorar a qualidade de vida agora e preservá-la para o futuro.
1.4 – Direitos Fundamentais e os Grupos Hipossuficientes
O dicionário de português Michaelis define hipossuficiente como uma pessoa economicamente muito humilde, que não é autossuficiente.
Para fins processuais, é assegurado àquele que comprovar insuficiência de recursos a assistência jurídica integral e gratuita prestada pelo Estado (art. 5º, LXXIV, CF). Considera-se necessitado, para fins legais, todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários advocatícios, sem prejuízo do sustento próprio ou da família (art. 2º, § único, da Lei 1.060/50).
A assistência jurídica e gratuita prestada pelo Estado é exercida pela Defensoria Pública, instituição criada pela Constituição Federal de 1988, e incumbida da missão de prestar orientação jurídica e a defesa dos necessitados (art. 134, CF).
Em julgado pela Corte Especial do STJ, em sede de embargos de divergência em recurso especial EREsp 1192577/RS, foi firmado o entendimento que a Defensoria Pública possui legitimidade para propor ação civil pública em defesa de direitos individuais homogêneos de consumidores idosos, que tiveram seu plano de saúde reajustado, com arguida abusividade, em razão da faixa etária:
“EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO RECURSO ESPECIAL NOS EMBARGOS
INFRINGENTES. PROCESSUAL CIVIL. LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA PARA A PROPOSITURA DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM FAVOR DE IDOSOS. PLANO DE SAÚDE. REAJUSTE EM RAZÃO DA IDADE TIDO POR ABUSIVO. TUTELA DE INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. DEFESA DE NECESSITADOS, NÃO SÓ OS CARENTES DE RECURSOS ECONÔMICOS, MAS TAMBÉM OS HIPOSSUFICIENTES JURÍDICOS. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA ACOLHIDOS.
1. Controvérsia acerca da legitimidade da Defensoria Pública para propor ação civil pública em defesa de direitos individuais homogêneos de consumidores idosos, que tiveram seu plano de saúde reajustado, com arguida abusividade, em razão da faixa etária.
2. A atuação primordial da Defensoria Pública, sem dúvida, é a assistência jurídica e a defesa dos necessitados econômicos, entretanto, também exerce suas atividades em auxílio a necessitados jurídicos, não necessariamente carentes de recursos econômicos, como é o caso, por exemplo, quando exerce a função do curador especial, previsto no art. 9.º, inciso II, do Código de Processo Civil, e do defensor dativo no processo penal, conforme consta no art. 265 do Código de Processo Penal.
3. No caso, o direito fundamental tutelado está entre os mais importantes, qual seja, o direito à saúde. Ademais, o grupo de consumidores potencialmente lesado é formado por idosos, cuja condição de vulnerabilidade já é reconhecida na própria Constituição Federal, que dispõe no seu art. 230, sob o Capítulo VII do Título VIII ("Da Família, da Criança, do Adolescente, do Jovem e do Idoso"): "A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida".
4. "A expressão 'necessitados' (art. 134, caput, da Constituição), que qualifica, orienta e enobrece a atuação da Defensoria Pública, deve ser entendida, no campo da Ação Civil Pública, em sentido amplo, de modo a incluir, ao lado dos estritamente carentes de recursos financeiros – os miseráveis e pobres -, os hipervulneráveis (isto é, os socialmente estigmatizados ou excluídos, as crianças, os idosos, as gerações futuras), enfim todos aqueles que, como indivíduo ou classe, por conta de sua real debilidade perante abusos ou arbítrio dos detentores de poder econômico ou político, 'necessitem' da mão benevolente e solidarista do Estado para sua proteção, mesmo que contra o próprio Estado. Vê-se, então, que a partir da ideia tradicional da instituição forma-se, no Welfare State, um novo e mais abrangente círculo de sujeitos salvaguardados processualmente, isto é, adota-se uma compreensão de minus habentes impregnada de significado social, organizacional e de dignificação da pessoa humana" (REsp 1.264.116/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/10/2011, DJe 13/04/2012).
5. O Supremo Tribunal Federal, a propósito, recentemente, ao julgar a ADI 3943/DF, em acórdão ainda pendente de publicação, concluiu que a Defensoria Pública tem legitimidade para propor ação civil pública, na defesa de interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos, julgando improcedente o pedido de declaração de inconstitucionalidade formulado contra o art. 5.º, inciso II, da Lei n.º 7.347/1985, alterada pela Lei n.º 11.448/2007 ("Art. 5.º – Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: … II a Defensoria Pública").
6. Embargos de divergência acolhidos para, reformando o acórdão embargado, restabelecer o julgamento dos embargos infringentes prolatado pelo Terceiro Grupo Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que reconhecera a legitimidade da Defensoria Pública para ajuizar a ação civil pública em questão.”
II – O Código de Defesa do Consumidor e a Tutela Constitucional dos Hipossuficientes
2.1 – O Código de Defesa do Consumidor
2.1.1 – Origem do CDC
A Constituição Federal de 1988, também conhecida como Constituição Cidadã, dispôs em seu art. 5º, XXXII que: “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”, e no art. 48, do ADCT que: “o Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição elaborará código de defesa do consumidor”. Assim, para esse fim, o Ministério da Justiça designou uma comissão de juristas para a elaboração de um anteprojeto de lei federal que mais tarde seria aprovado como o Código de Defesa do Consumidor. Tal comissão era presidida pela professora Ada Pellegrini Grinover e integrada por Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamim, Daniel Roberto Fink, José Geraldo Brito Filomeno, Kazuo Watanabe, Nelson Ney Júnior e Zelmo Denari.
Finalmente, em 11 de setembro de 1990, passou a vigorar a Lei 8.078/90, regulando as relações de consumo e buscando propiciar maior tutela ao consumidor, considerado a parte mais frágil dessas relações.
2.1.2 – Conceito de Danos Morais
Para Flávio Tartuce (2014, p. 907), dano moral é uma lesão aos direitos da personalidade (arts. 11 a 21 do Código Civil), e para sua reparação não se requer a determinação de um preço para a dor ou o sofrimento, mas sim um meio para atenuar, em parte, as consequências do prejuízo imaterial. Por isso é que se utiliza a expressão reparação e não ressarcimento para os danos morais.
“Não há no dano moral uma finalidade de acréscimo patrimonial para a vítima, mas sim de compensação pelos males suportados” (TARTUCE, 2014, p. 907).
O dano moral (extrapatrimonial) tem a ver com a ideia de violação a direitos personalíssimos, a afronta à dignidade da pessoa humana, bem como a apuração de sensações e emoções negativas tais como a angústia, o sofrimento, a dor, a humilhação, sentimentos estes que não podem ser confundidos com o mero dissabor, aborrecimento, que fazem parte da normalidade do dia a dia.
Trata-se, evidentemente, de um conceito um tanto quanto subjetivo, pois como mensurar o que é mero aborrecimento para alguém e um sentimento de humilhação para outro? Uma espera de mais de meia hora em fila de banco, ou a jornada angustiante para o cancelamento de um serviço num SAC (Serviço de Atendimento ao Consumidor), poderiam ser classificados apenas como mero aborrecimento?
Enunciado n. 445 aprovado na V Jornada de Direito Civil diz que “o dano moral indenizável não pressupõe necessariamente a verificação de sentimentos humanos desagradáveis como dor ou sofrimento”. Haja vista que de acordo com a súmula 227 do STJ “a pessoa jurídica pode sofrer dano moral”.
2.1.3 – Conceito de Práticas Abusivas
Para Nunes (2012, p. 598),
“As chamadas “práticas abusivas” são ações e/ou condutas que, uma vez existentes, caracterizam-se como ilícitas, independentemente de se encontrar ou não algum consumidor lesado ou que se sinta lesado. São ilícitas em si, apenas por existirem de fato no mundo fenomênico. Assim, para utilizarmos um exemplo bastante conhecido, se um consumidor qualquer ficar satisfeito por ter recebido em casa um cartão de crédito sem ter pedido, essa concreta aceitação sua não elide a abusividade da prática (que está expressamente prevista no inciso III do art. 39 do CDC). A lei tacha a prática de abusiva, portanto, sem que, necessariamente, seja preciso constatar algum dano real.”.
O art. 39 do Código de Defesa do Consumidor apresenta o rol exemplificativo de práticas abusivas, podendo a estes se inserirem outras que abusem do direito ou violem práticas comuns.
Como exemplo de práticas abusivas pode-se citar:
– venda casada;
– exigir vantagem manifestamente excessiva;
– elevar sem justa causa o preço;
– produtos enviados sem solicitação prévia;
– explorar fraqueza ou ignorância do consumidor;
– aplicação de fórmula ou índice de reajuste diverso do legal ou contratualmente estabelecido;
– lista negra (repassar informação depreciativa, referente a ato praticado pelo consumidor no exercício de seus direitos).
2.1.4 – Hipossuficiência do Consumidor
No âmbito do direito consumerista, a hipossuficiência se confunde com a vulnerabilidade do consumidor. O Código de Defesa do Consumidor considera o consumidor como vulnerável em seu art. 4º, I, in verbis: “A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: I – reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo”.
A hipossuficiência se traduz na fragilidade do consumidor sob a ótica econômica, tendo-se em vista ser ele a parte mais fraca numa relação de consumo. Normalmente, de outro lado dessa relação, encontram-se grandes empresas com grande poder econômico e financeiro. Assim, o consumidor necessita de proteção estatal para que tal desigualdade seja minorada.
III – Responsabilidade Civil Geral
3.1 – Conceito de Responsabilidade Civil
A responsabilidade civil tem como objetivo fazer com que o indivíduo que foi lesado por um ato danoso volte ao seu status quo ante, assim sendo, surge para aquele que causou o dano a obrigação de indenizar o lesado.
No Código Civil de 2002, encontramos respaldo ao instituto da responsabilidade civil nos artigos 186 e 927, in verbis: “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito” e “aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.”.
Para Flávio Tartuce (2014, p. 1122):
“o art. 6º, VI, da Lei 8.078/90 consagra o princípio da reparação integral dos danos, pelo qual tem direito o consumidor ao ressarcimento integral pelos prejuízos materiais, morais e estéticos causados pelo fornecimento de produtos, prestação de serviços ou má informação a eles relacionados (responsabilidade por oferta ou publicidade). Essa também é a lógica interpretativa dos arts. 12, 14, 18, 19 e 20 do CDC, que, reunidos, consagram a previsão das perdas e danos nos casos de mau fornecimento, má prestação ou deficiência de informações relacionadas com os produtos ou serviços. Esses danos reparáveis, ademais, podem ser individuais ou coletivos.”
O consumidor também tem direito à reparação dos danos imateriais quando os seus direitos da personalidade forem atingidos, particularmente a sua honra, sela ela subjetiva ou objetiva, não se esquecendo também dos danos estéticos e de outros danos que podem surgir pela evolução do tema da responsabilidade civil (Súmula 387 do STJ) (TARTUCE, Flavio, 2014, p. 1122).
3.2 – O Dano
Para que haja indenização é necessário que tenha havido um dano patrimonial ou extrapatrimonial sofrido por alguém. O ônus da prova cabe ao autor da demanda (art. 373, I, NCPC) podendo o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso diante de peculiaridade da causa relacionada à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir os encargos ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário (art. 373, §1º, NCPC).
Nas relações de consumo, o juiz dispõe de um instrumento previsto no Código de Defesa do Consumidor para equilibrar a desigualdade existente entre os litigantes, normalmente um grande conglomerado econômico no polo passivo e o consumidor hipossuficiente no polo ativo. O CDC em seu art. 6º, VIII dispõe que é um direito básico do consumidor “a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências”.
Os danos podem ser classificados em patrimoniais/materiais e morais. Flávio Tartuce enumera outros danos: danos estéticos, danos por perda de uma chance, danos morais coletivos e danos sociais ou difusos.
3.3 – O Nexo de Causalidade
O nexo causal é o liame que vincula a conduta do agente ao dano. É elemento essencial para a caracterização da responsabilidade civil. Se constitui na relação de causa e efeito entre a conduta culposa ou o risco criado e o dano suportado por alguém. É por meio dele que se pode concluir quem foi o causador do dano. Seja qual for o sistema adotado no caso concreto, subjetivo (da culpa) ou objetivo (do risco), salvo em circunstâncias especialíssimas, não haverá responsabilidade sem nexo causal.
Na responsabilidade subjetiva, o nexo de causalidade é formado pela culpa genérica ou lato sensu que inclui o dolo e a culpa estrita (art. 186, CC). Na responsabilidade objetiva, o nexo causal é formado pela conduta, cumulada com a previsão legal de responsabilização sem culpa ou pela atividade de risco (art. 927, § único, CC).
É entendimento pacífico em doutrina que o Código Civil de 2002 adotou a teoria da causalidade adequada já conhecida do Direito Penal. Por tal teoria somente causas ou condutas relevantes para a produção do dano são capazes de gerar o dever de indenizar.
Não haverá nexo de causalidade se o dano ocorrer por culpa exclusiva da vítima, culpa de terceiro, por força maior ou caso fortuito. Havendo qualquer dessas excludentes de nexo de causalidade não haverá a responsabilização de indenização.
3.4 – Formas de Reparação
O Código Civil de 2002, em seu art. 942 diz que “os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação”. Na seara consumerista, importante destacar também o art. 931: “ressalvados outros casos previstos em lei especial, os empresários individuais e as empresas respondem independentemente de culpa pelos danos causados pelos produtos postos em circulação”. Assim, nas relações de consumo, toda vez que o consumidor sofrer algum dano provocado por falha na prestação de serviços ou na qualidade dos produtos ofertados, poderá recorrer ao Judiciário (ações de indenização por danos materiais e morais) para que possa voltar ao status quo ante e exigir reparação por danos materiais e morais sofridos, ficando os bens do ofensor sujeitos à reparação.
IV – Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor ou da Perda do Tempo Útil
4.1 – Responsabilidade Civil pela Perda do Tempo
Marcos Dessaune (2011, p. 47-48) em seu livro Desvio Produtivo do Consumidor – O Prejuízo do Tempo Desperdiçado declara:
“Mesmo que o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) preconize que os produtos e serviços colocados no mercado de consumo devam ter padrões adequados de qualidade, de segurança, de durabilidade e de desempenho – para que sejam úteis e não causem riscos ou danos ao consumidor – e também proíba, por outro lado, quaisquer práticas abusivas, ainda são ‘normais’ em nosso País situações nocivas como:
– Enfrentar uma fila demorada na agência bancária em que, dos 10 guichês existentes, só há dois ou três abertos para atendimento ao público;
– Ter que retornar à loja (quando ao se é direcionado à assistência técnica autorizada ou ao fabricante) para reclamar de um produto eletroeletrônico que já apresenta problema alguns dias ou semanas depois de comprado;
– Telefonar insistentemente para o Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC) de uma empresa, contando a mesma história várias vezes, para tentar cancelar um serviço indesejado ou uma cobrança indevida, ou mesmo pra pedir novas providências acerca de um produto ou serviço defeituoso renitente, mas repetidamente negligenciado;
– Levar repetidas vezes à oficina, por causa de um vício reincidente, um veículo que frequentemente sai de lá não só com o problema original intacto, mas também com outro problema que não existia antes;
– Ter a obrigação de chegar com a devida antecedência ao aeroporto e depois descobrir que precisará ficar uma, duas, três, quatro horas aguardando desconfortavelmente pelo voo que está atrasado, algumas vezes até dentro do avião – cansado, com calor e com fome – sem obter da empresa responsável informações precisas sobre o problema, tampouco a assistência material que a ela compete.”
Também nesse sentido, Leonardo de Medeiros Garcia, citado por Guglinski (2016):
“Outra forma interessante de indenização por dano moral que tem sido admitida pela jurisprudência é a indenização pela perda do tempo livre do consumidor. Muitas situações do cotidiano nos trazem a sensação de perda de tempo: o tempo em que ficamos “presos” no trânsito; o tempo para cancelar a contratação que não mais nos interessa; o tempo para cancelar a cobrança indevida do cartão de crédito; a espera de atendimento em consultórios médicos etc. A maioria dessas situações, desde que não cause outros danos, deve ser tolerada, uma vez que faz parte da vida em sociedade. Ao contrário, a indenização pela perda do tempo livre trata de situações intoleráveis, em que há desídia e desrespeito aos consumidores, que muitas vezes se veem compelidos a sair de sua rotina e perder o tempo livre para solucionar problemas causados por atos ilícitos ou condutas abusivas dos fornecedores. Tais situações fogem do que usualmente se aceita como “normal”, em se tratando de espera por parte do consumidor. São aqueles famosos casos de call center e em que se espera durante 30 minutos ou mais, sendo transferido de um atendente para o outro. Nesses casos, percebe-se claramente o desrespeito ao consumidor, que é prontamente atendido quando da contratação, mas, quando busca o atendimento para resolver qualquer impasse, é obrigado, injustificadamente, a perder seu tempo livre.”
Para Pablo Stolze (2012, p. 7), “uma indevida interferência de terceiro, que resulte no desperdício intolerável do nosso tempo livre, é situação geradora de potencial dano, na perspectiva do princípio da função social”.
Vitor Guglisnki, citado por Stolze (2012, p. 8) também diz que:
“a ocorrência sucessiva e acintosa de mau atendimento ao consumidor, gerando a perda de tempo útil, tem levado a jurisprudência a dar seus primeiros passos para solucionar os dissabores experimentados por milhares de consumidores, passando a admitir a reparação civil pela perda do tempo livre”.
Alguns tribunais já vêm aplicando essa nova tese em seus julgados como o TJ-RJ, conforme ementa a seguir:
“DES. LUIZ FERNANDO DE CARVALHO – Julgamento: 13/04/2011 – TERCEIRA CÂMARA CÍVEL. CONSUMIDOR. AÇÃO INDENIZATÓRIA. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE TELEFONIA E DE INTERNET, ALÉM DE COBRANÇA INDEVIDA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. APELAÇÃO DA RÉ. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DA OCORRÊNCIA DE UMA DAS EXCLUDENTES PREVISTAS NO ART. 14, §3º DO CDC. CARACTERIZAÇÃO DA PERDA DO TEMPO LIVRE. DANOS MORAIS FIXADOS PELA SENTENÇA DE ACORDO COM OS PARÂMETROS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS IGUALMENTE CORRETOS. DESPROVIMENTO DO APELO”.
4.1.1 – O Tempo em perspectiva
Para Pablo Stolze (2012, p. 2, 3) devemos considerar o tempo em dupla perspectiva: dinâmica e estática. Dinamicamente o tempo é um fato jurídico em sentido estrito ordinário, ou seja, um acontecimento natural, apto a deflagrar efeitos na órbita do Direito. Os fatos jurídicos ordinários são fatos da natureza de ocorrência comum, costumeira, cotidiana: o nascimento, o decurso do tempo, a morte.
Em perspectiva estática, o tempo é um valor, um relevante bem, passível de proteção jurídica. As exigências da contemporaneidade têm nos defrontado com situações de agressão inequívoca à livre disposição e uso do nosso tempo livre, em favor do interesse econômico ou da mera conveniência negocial de um terceiro.
4.1.2 – A Função Punitiva do Dano Moral
4.1.2.1 – Aspecto Compensatório
A função compensatória traduz-se na tentativa de amenizar, atenuar o dano de maneira a minimizar suas consequências, satisfazendo assim a vítima com uma quantia econômica que servirá como consolo pela ofensa cometida.
Fernando Noronha, apud Rizzato Nunes (2012, p. 907/908) esclarece que:
“a reparação de todos os danos que não sejam suscetíveis de avaliação pecuniária obedece em regra ao princípio da satisfação compensatória: o quantitativo pecuniário a ser atribuído ao lesado nunca poderá ser equivalente a um ‘preço’, será o valor necessário para lhe proporcionar um lenitivo para o sofrimento infligido, ou uma compensação pela ofensa à vida ou à integridade física.”
Tartuce (2014, p. 1403) esclarece que “não há no dano moral uma finalidade de acréscimo patrimonial para a vítima, mas sim de compensação pelos males suportados”.
4.1.2.2 – Aspecto Punitivo
A função punitiva consiste em punir o agente lesante pela ofensa cometida, mediante a condenação ao pagamento de um valor indenizatório capaz de demonstrar que o ilícito praticado não será tolerado pela justiça. Caso não aplicada essa função no momento da condenação, há o estímulo indireto da prática de novas infrações. Essa consequência indesejada ocorre em virtude da sensação de impunidade do lesante.
Muito embora, haja uma resistência histórica por parte dos tribunais da reparação dos danos extrapatrimoniais com aspecto punitivo, o ilustre desembargador do TJ-SP Rizzato Nunes em seu livro Curso de Direito do Consumidor declara que:
“é preciso realçar um dos aspectos mais relevantes – e que, dependendo da hipótese, é o mais importante – que é o da punição ao infrator. O aspecto punitivo do valor da indenização por danos morais deve ser especialmente considerado pelo magistrado. Sua função não é satisfazer a vítima, mas servir de freio ao infrator para que ele não volte a incidir no mesmo erro. Esse aspecto ganha relevo nas questões de massa, como são, em regra, as que envolvem o direito do consumidor. Se, por exemplo, um banco vier a ser condenado a indenizar um consumidor, que teve seu talão de cheques furtado da agência bancária, o que gerou toda sorte de problemas (cheque voltou, foi “negativado” nos serviços de proteção ao crédito etc.) e de consequência causou danos morais, na fixação da indenização o magistrado tem de considerar o fato de que, se o banco não for severamente punido, poderá não tomar nenhuma providência para que o mesmo evento não torne a ocorrer. E o risco de causar o mesmo dano para dezenas, centenas de consumidores existe, ele é real. Por isso, o quantum deve ser elevado. A condenação tem de poder educar o infrator, que potencialmente pode voltar a causar o mesmo dano”.
Outro aspecto a considerar consiste nas reiteradas práticas abusivas praticadas pelos grandes conglomerados econômicos. Um exemplo: uma cobrança de um valor irrisório a título de “outros serviços” (sem a devida discriminação), efetuada nas contas telefônicas de todos os clientes cadastrados de uma companhia telefônica. O valor, pequeno para o usuário, multiplicado por toda a clientela da empresa resultará em um ganho milionário para a empresa. Usando dessa estratégia (engano, roubo) a companhia sabe que pouquíssimos consumidores procurarão a via judicial para se verem ressarcidos dos prejuízos. E mesmo que alguns deles consigam serem indenizados, por via judicial, ainda assim, essas companhias auferirão altos lucros, o que estimulará a perpetuação dessas práticas abusivas.
Parte da resistência dos tribunais brasileiros em proferir decisões que imponham multas vultosas a essas empresas consiste no temor de que o consumidor venha a se enriquecer sem causa (art. 884, CC). Não é o que ocorre nos Estados Unidos, onde a jurisprudência norte-americana demonstra um histórico menos tolerante, arbitrando indenizações que efetivamente servem para punir o ofensor. Ali, os chamados “punitive damages” ou “exemplar damages” são pautados no seguinte critério: qual seria o quantum a ser arbitrado, considerando que esse montante vá afetar a saúde financeira do ofensor, de tal modo que lhe será um prejuízo dar continuidade à conduta lesiva? Para afastar o argumento do enriquecimento sem causa do lesado, uma das soluções seria o direcionamento da indenização para fundos públicos voltados para a proteção dos consumidores. Outro exemplo: sentença proferida pelo MM. Juiz de Direito da Vara do Juizado Especial Cível e Criminal de Jales-SP: “…Assim, fica a requerida (Tim Celular) condenada na indenização por danos morais, no valor de R$6.000,00, em relação à parte-autora. Além disso, deverá a ré suportar uma indenização de R$5 milhões, referente ao dano social que vem ocasionando à coletividade. A reparação pelo dano social será entregue segundo a seguinte distribuição: R$3,5 milhões à Santa Casa de Jales-SP e R$1,5 milhão ao Hospital do Câncer de Jales-SP. Justifica-se o valor maior à Santa Casa de Jales-SP, porquanto a fonte de recursos que a abastece é menor. O Hospital de Câncer conta com campanhas na região toda, logo, tem maior facilidade na obtenção de recursos financeiros….Trata-se de sentença inovadora, desafiadora e que apresenta uma nova visão do direito do consumidor, a qual, sem dúvidas, é incipiente, razão pela qual é polêmica, mas que aponta para um novo horizonte que busca a efetividade da garantia constitucional da defesa do consumidor.”
4.1.2.3 – Aspecto Pedagógico
Também chamada dissuasora ou preventiva, a função pedagógica tem um duplo objetivo: dissuadir o responsável pelo dano a cometer novamente a mesma modalidade de violação e prevenir que outros pratiquem ilícito semelhante. O primeiro afeta o agente lesante, ao passo que o outro reflete na sociedade em geral, que é advertida por meio da reação da justiça frente à agressão dos direitos da personalidade.
Segundo Bittar (1999, p. 121):
“De fato, não só reparatória, mas ainda preventiva é a missão da sanção civil. Possibilita, de um lado, a desestimulação de ações lesivas, diante da perspectiva desfavorável com que se depara o possível agente, obrigando-o, ou a retrair-se, ou, no mínimo, a meditar sobre os ônus que terá de suportar. Pode, no entanto em concreto, deixar de tomar as cautelas de uso: nesses casos, sobrevindo o resultado e à luz das medidas tomadas na prática, terá que atuar para a reposição patrimonial, quando materiais os danos, ou a compensação, quando morais.”
Assim, a indenização por danos morais, em seu aspecto pedagógico, visa enviar uma mensagem à sociedade como um todo, de que toda violação ao direito de personalidade, notadamente aos direitos do consumidor, não será tolerada pela Justiça, visando com isso desestimular que novos ilícitos semelhantes sejam cometidos.
4.1.3 Indústria do Dano Moral
O dano moral se configura em uma violação ao direito de personalidade de outrem, como a honra, a imagem, enfim, sua dignidade. Todavia, ocorre em nossos dias uma banalização do instituto do dano moral. Não é todo dano sofrido pela vítima que deve ser indenizado a título de dano moral. Uma espera de duas horas em fila de banco, uma inscrição indevida em cadastro de inadimplentes no SCPC/Serasa, uma cobrança indevida em conta telefônica, a cobrança de tarifa de cadastro para empréstimo em instituição bancária. O que diferencia uma situação que causa abalo emocional e psíquico de uma situação de “mero aborrecimento” (expressão cunhada em nossos tribunais e colégios recursais para reduzir o valor das indenizações)?
É certo que, para se verificar essa diferenciação entraríamos numa esfera subjetiva, pois ninguém é capaz de mensurar especificamente o grau de prejuízo emocional e psíquico sofrido por alguém. Parte-se então do que se espera, como reação, de um homem médio. Presume-se que uma situação ofensiva, também considerada lesiva, inaceitável, revoltante e que traga considerável prejuízo para a pessoa vitimada, não seja tratada apenas como um mero aborrecimento. Tal situação deve sim, ser vista como passível de ser indenizada com danos morais.
Ocorre que, por ganância de muitos (partes e advogados), tornou-se normal a propositura de muitas ações com o único intuito de auferir ganhos a título de indenização por danos morais. Temos visto, no Juizado Especial Cível de Jales, diversas ações que, para um homem médio, não configura violação a direito de personalidade, mas simplesmente uma questão de fato e de direito a ser resolvida com a devolução de valores ou reparação de danos materiais. Abarrotou-se o Judiciário com tais ações, pois se criou a mentalidade de que tudo poderia ser objeto para requerimento de danos morais, auferindo assim altas somas de dinheiro.
V – Meios de Resolução de Práticas Abusivas
5.1 – Ação Civil Pública
Para se evitar o acúmulo de ações individuais no Judiciário, aumentando assim o volume de processos e ocasionando uma maior morosidade no sistema, a ação civil pública pode ser uma excelente opção para que seja atingido os objetivos das funções da indenização por danos morais e também para agilizar a obtenção da tutela jurisdicional.
A ação civil pública é disciplinada pela Lei 7.347/85 e tem como legitimados para propô-la: o Ministério Público, a Defensoria Pública, a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios, a autarquia, a empresa pública, a fundação, a sociedade de economia mista e a associação constituída há pelo menos um ano e tenha como uma de suas finalidades a proteção ao consumidor.
Esta lei trata das ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados ao consumidor (art. 1º, II). Está previsto em seu art. 7º que: “se, no exercício de suas funções, os juízes e tribunais tiverem conhecimento de fatos que possam ensejar a propositura da ação civil, remeterão peças ao Ministério Público para as providências cabíveis”; e seu art. 6º diz que “qualquer pessoa poderá e o servidor público deverá provocar a iniciativa do Ministério Público, ministrando-lhe informações sobre fatos que constituam objeto da ação civil e indicando-lhe os elementos de convicção” (grifo nosso).
Quando o magistrado se deparar com um grande volume de processos acerca de um mesmo objeto, uma mesma causa de pedir e o mesmo pedido, ou seja, sobre fatos semelhantes, deverá o juiz oficiar ao representante do Ministério Público para o ajuizamento de ação civil pública, abarcando todos os processos semelhantes. Dentre as vantagens e benefícios podemos citar:
– Economia processual; ao reunir inúmeros processos em apenas um, evita-se muitos atos processuais repetitivos e desnecessários.
– Diminuição do volume de processos no Judiciário, aumentando sua produtividade e diminuindo a duração média de um processo.
– Julgando apenas uma ação que envolve muitos e até milhares de consumidores, pode o juiz arbitrar uma multa milionária, a título de sanção, revertida ao Fundo dos Direitos Difusos. Agindo assim, afasta-se a alegação do enriquecimento sem causa dos consumidores.
5.2 – Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas na Lei 13.105/15 (NCPC)
O Novo Código de Processo Civil traz em seus artigos 976 a 987, o incidente de resolução de demandas repetitivas. Boa parte das ações que tramitam no Judiciário dizem respeito a demandas ditas repetitivas, que contém controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito (art. 976, I). Os princípios que regem tal instituto são a segurança jurídica, a economia processual, a previsibilidade e a isonomia. Para se evitar que decisões diferentes sobre a mesma questão de direito tragam insegurança jurídica, o novo Código de Processo Civil previu o incidente de resolução de demandas repetitivas, pelo qual o juiz, de ofício, as partes, o Ministério Público ou a Defensoria Pública poderá pedir a instauração do incidente ao presidente de tribunal. O incidente será julgado no prazo de 1 ano e tramitará com preferência sobre os demais feitos (art. 980). Admitido o incidente, o relator suspenderá os processos pendentes que tramitam no Estado ou na região, conforme o caso. Julgado o incidente a tese jurídica será aplicada a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito e que tramitem na área de jurisdição do respectivo tribunal, inclusive àqueles que tramitem nos juizados especiais do respectivo Estado ou região; e aos casos futuros que versem idêntica questão de direito e que venham a tramitar no território de competência do tribunal (art. 985, I, II). Se o incidente tiver por objeto questão relativa à prestação de serviço concedido, permitido ou autorizado, o resultado do julgamento será comunicado ao órgão, ao ente ou à agência reguladora competente para fiscalização da efetiva aplicação por parte dos entes sujeitos a regulação, da tese adotada (art. 985, §2º). Tomemos como exemplo, centenas de ações pedindo indenização por danos materiais e morais por má prestação de serviço telefônico pelas concessionárias ou permissionárias de telefonia celular. Utilizando-se do instituto do incidente, o magistrado, ao se deparar com a grande demanda de ações idênticas, poderá se dirigir ao presidente do Tribunal ao qual está vinculado, pedindo a instauração do incidente. Isso fará com que haja uma grande economia processual, evitando milhares de atos processuais desnecessários. Uma vez decidida a questão no Tribunal, comunicar-se-á à agência reguladora competente (no caso a Anatel) para as providências cabíveis, inclusive com imposição de multa pecuniária com valores não irrisórios, cumprindo as funções punitiva e pedagógica.
Considerações Finais
Neste era pós-moderna, neoliberal, com grande concentração de riquezas, faz-se necessária uma maior proteção estatal ao consumidor. O consumidor hipossuficiente se encontra em clara desvantagem, nas relações de consumo, perante os grandes conglomerados econômicos que ditam as regras do mercado e influenciam poderes políticos e nações. O Poder Judiciário pode e deve ser um contrapeso nessa balança desigual, buscando equilibrar as forças divergentes com um viés protetivo à parte mais frágil, o consumidor. Uma das armas de que pode se socorrer o cidadão que tem seus direitos de personalidade violados, é apresentado neste trabalho: a indenização por danos morais decorrente da teoria do desvio produtivo ou da perda do tempo útil do consumidor. O crescente uso desse instrumento pode diminuir consideravelmente certas práticas abusivas praticadas pelos grandes grupos econômicos.
Escrevente Técnico Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
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