Resumo: Objetiva este artigo discutir a abrangência da Lei 11.340/06 – Lei Maria da Penha – ao privilegiar a mulher e excluir da sua proteção o homem, constituindo, dessa forma, uma prática discriminatória, o que fere o Princípio da Igualdade previsto na Constituição Federal, e, conseqüentemente, fundamenta a inconstitucionalidade da referida Lei, por não cingir todos os que sofrem com a violência doméstica e familiar.
Palavras-chave: Lei Maria da Penha; Violência doméstica e familiar; Princípio da Igualdade; Discriminação de Gênero.
Abstract: This article aims to discuss the scope of the Law 11.340/06 – Maria da Penha Law – privileging the woman and exclude from its protection man, constituting thus a discriminatory practice, which violates the principle of equality laid down in the Constitution, and, consequently, underlies the constitutionality of that law, by not stick all suffering from domestic violence.
Keywords: Maria da Penha Law, Domestic Violence and Family; Principle of Equality, Gender Discrimination.
Sumário: Introdução – . Histórico da Lei Maria da Penha no Brasil – 2. Principais disposições de proteção à mulher à luz da Lei Maria da Penha Lei n. 11.340/2006 – 2.1. Definição conceitual de violência doméstica e familiar contra a mulher arts. 5 6 e 7 – 2.2 .da assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar – 2.3. Ação penal cabível. 3. Lei Maria da Penha e sua aplicação analógica aos homens vítimas de violência doméstica. Conclusão. Referências bibliográficas.
O tema escolhido para ser trabalhado dará oportunidade de identificar as abordagens da Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/2006), inicialmente em tutela da mulher, vítima de violência doméstica, familiar e de relacionamento íntimo.
Todavia, a problemática aqui apresentada, ampara-se na investigação para saber se a Lei Maria da Penha poderá ser ampliada analogicamente em defesa dos direitos do homem.
Seu planejamento encontra-se amparado na demonstração da divergência doutrinária sobre o tema, buscando-se um posicionamento acerca dessa discrepância de entendimento.
Vale ressaltar, que o método de abordagem utilizado na pesquisa é dedutivo, com utilização das técnicas de pesquisa do tipo bibliográfica e documental visando traçar um emaranhado de informações retiradas de doutrinas, artigos jurídicos e jurisprudências atualizadas, passados por uma seleção minuciosa sobre o respectivo tema.
Este trabalho acha-se distribuído em três capítulos, onde no primeiro será apresentado o histórico da Lei Maria da Penha, realizando um estudo das mudanças, no decorrer dos séculos, da participação da mulher na sociedade. Posteriormente, visa tecer alguns comentários acerca do histórico que marcou a criação desta Lei, em homenagem à biofarmacêutica, Maria da Penha Maia Fernandes, símbolo da luta contra a violência familiar e doméstica no Brasil.
No segundo capítulo será apresentada as principais disposições de proteção à mulher à luz da Lei 11.340/06, buscando a acepção de violência doméstica e familiar, os dispositivos presente nesta lei que visam a assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar. Ao final do capítulo, visa-se enfatizar a mudança quanto à ação penal cabível quando incorrer neste crime, tendo em vista a banalização da proteção dos direitos fundamentais ao aplicar a Lei 9099/95 e condicionamento da ação penal.
Enfim, no terceiro capítulo, questiona-se a constitucionalidade da Lei uma vez que fere o Princípio da Isonomia consubstanciado no art. 5º, inciso I da CF/88, pois a Lei Maria da Penha visa à proteção exclusiva da mulher que sofre de violência em todos os seus aspectos. Assim, almeja-se demonstrar que a mulher não é a única e exclusiva vítima potencial ou real de violência doméstica, familiar ou de relacionamento íntimo. Também o homem pode sê-lo, tanto empírica quanto normativamente, não fazendo restrição a respeito das qualidades de gênero do sujeito passivo, o qual pode abranger ambos os sexos.
1 HISTÓRICO DA LEI MARIA DA PENHA NO BRASIL
A visão naturalista que imperou até o final do século XVIII determinou uma inserção social diferente para ambos os sexos. Aos homens cabiam atividades nobres como a filosofia, a política e as artes; enquanto às mulheres deviam se dedicar ao cuidado da prole, bem como tudo aquilo que diretamente estivesse ligado à subsistência do homem, como: a fiação, a tecelagem e a alimentação. Um exemplo desta posição paradigmática pode ser observado em Rousseau (1817):
“A rigidez dos deveres relativos dos dois sexos não é e nem pode ser a mesma. Quando a mulher se queixa a respeito da injusta desigualdade que o homem impõe, não tem razão; essa desigualdade não é uma instituição humana ou, pelo menos, obra do preconceito, e sim da razão; cabe a quem a natureza encarregou do cuidado com os filhos a responsabilidade disso perante o outro.” (ROUSSEAU apud EGGERT, 2003, p. 03).
Tal eixo interpretativo começou a mudar neste mesmo século, a partir da Revolução Francesa (1789). Nela as mulheres participaram ativamente do processo revolucionário ao lado dos homens por acreditarem que os ideais de igualdade, fraternidade e liberdade seriam estendidos a sua categoria. Ao constatar que as conquistas políticas não se estenderiam ao seu sexo, algumas mulheres se organizaram para reivindicar seus ideais não contempladas. Uma delas foi Olympe de Gouges, feminista revolucionária que publicou em 1791, um texto intitulado “Os Direitos da Mulher e da Cidadã” no qual questiona:
“Diga-me, quem te deu o direito soberano de oprimir o meu sexo? […] Ele quer comandar como déspota sobre um sexo que recebeu todas as faculdades intelectuais. […] Esta Revolução só se realizará quando todas as mulheres tiverem consciência do seu destino deplorável e dos direitos que elas perderam na sociedade.” (ALVES, & PITANGUY, 1985, p. 33-34).
No século XIX há a consolidação do sistema capitalista, que acabou por acarretar profundas mudanças na sociedade como um todo. Seu modo de produção afetou o trabalho feminino levando um grande contingente de mulheres às fábricas. A mulher sai do espaço que até então lhe era reservado e permitido e vai à esfera pública. Neste processo, contestam a visão social de que são inferiores aos homens e se articulam para provar que podem fazer as mesmas coisas que eles, iniciando assim, a trajetória do movimento feminista, que pode ser assim definido:
“Grosso modo, pode-se dizer que ele corresponde à preocupação de eliminar as discriminações sociais, econômicas, políticas e culturais de que a mulher é vítima. Não seria equivocado afirmar que feminismo é um conjunto de noções que define a relação entre os sexos como uma relação de assimetria, construída social e culturalmente, e na qual o feminismo é o lugar e o atributo da inferioridade.” (GREGORI, 1993, p. 15).
A violência contra a mulher traz em seu seio, estreita relação com as categorias de gênero, classe e raça/etnia e suas relações de poder. Tais relações estão mediadas por uma ordem patriarcal proeminente na sociedade brasileira, a qual atribui aos homens o direito a dominar e controlar suas mulheres, podendo em certos casos, atingir os limites da violência.
O diploma legal criado em 07 de agosto de 2.006, é uma homenagem à biofarmacêutica, Maria da Penha Maia Fernandes, símbolo da luta contra a violência familiar e doméstica no Brasil. O caso se iniciou em 1983, quando sofreu duas tentativas de homicídio por parte do ex-marido. O agressor foi julgado duas vezes pelos tribunais locais (1991 e 1996), e devido aos sucessivos recursos contra as decisões do tribunal do júri, sempre permaneceu solto. Maria da Penha então resolveu enviar o caso para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (OEA) devido a demora injustificada na decisão definitiva do processo. Só, assim, em 2001, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos responsabilizou o Estado brasileiro por negligência e em 2003 finalmente o ex-marido de Penha foi preso. [1]
Todavia, esse caso não foi o primeiro passo brasileiro na luta contra a violência familiar e doméstica contra a mulher, mas sim a ratificação da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher – Cedaw (Convention on the Elimination of All Forms of Discrimination against Women), em 1º de fevereiro de 1984. Seus objetivos principais são promover os direitos da mulher na busca da igualdade de gênero e reprimir quaisquer discriminações contra a mulher nos Estados-Parte. A adoção da Convenção da Mulher foi o ápice de décadas de esforços internacionais visando a proteger e promover os direitos das mulheres de todo o mundo.
A CEDAW foi idealizada desde 1946, quando a Assembléia Geral da ONU instituiu a Comissão sobre o status da Mulher para estudar, analisar e criar recomendações que oferecessem subsídios à formulação de políticas aos diversos Estados signatários do referido tratado, vislumbrando o desenvolvimento das mulheres enquanto seres humanos. A Comissão sobre o Status da Mulher, no período de 1949 a 1962, fez muitos estudos sobre a condição das mulheres no mundo, o que culminou na elaboração de vários documentos pela ONU, dentre os quais se podem mencionar: Convenção dos Direitos Políticos das Mulheres (1952), Convenção sobre a Nacionalidade das Mulheres Casadas (1957), Convenção sobre o Casamento por Consenso, Idade Mínima para Casamento e Registro de Casamentos (1962). (PIOVESAN, 2008, p.202-207).
Em 1967, a CEDAW se empenhou para elaborar a Declaração sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher, que se constituiu em um instrumento legal de padrões internacionais que propunha direitos iguais para homens e mulheres, contudo não chegou a ser efetivada como tratado, pois não estabeleceu obrigações aos Estados signatários.
Dessa forma, a ONU proclamou 1975 como o Ano Internacional da Mulher e declarou o período entre 1976 a 1985 como a Década da Mulher. Foi nessa época que muitas mulheres se reuniram em vários espaços, a exemplo da I Conferência Mundial sobre a Mulher, e formularam propostas referentes aos Direitos Humanos, buscando incluir questões específicas que pudessem melhorar as condições de vida das mulheres no mundo. Esses acontecimentos impulsionaram a ONU a aprovar a Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher. (PIOVESAN, 2008, p.207).
Posteriormente, em 1994, tendo em vista o reconhecimento pela Constituição Federal brasileira de 1988 da igualdade entre homens e mulheres, em particular na relação conjugal, ratificou plenamente o texto e o preâmbulo da Convenção e assinalou o entendimento dos Estados-Partes para a concepção do problema da desigualdade de gênero e da necessidade de solucioná-lo, ao assinalar que "a participação máxima da mulher, em igualdade de condições com o homem, em todos os campos, é indispensável para o desenvolvimento pleno e completo de um país, para o bem-estar do mundo e para a causa da paz". (BRASIL, 1994).
O segundo passo adotado pelo Brasil nessa direção foi a ratificação da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher – conhecida como Convenção de Belém do Pará. Essa Convenção foi adotada pela Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos – OEA, em 6 de junho de 1994, e ratificada pelo Brasil em 27 de novembro de 1995. (BRASIL, 1995).
É de suma importância demonstrar que, o bojo da Convenção de Belém do Pará assinala
"A violência contra a mulher é uma ofensa à dignidade humana e uma manifestação de relações de poder historicamente desiguais entre mulheres e homens. A adoção de uma convenção para prevenir, punir e erradicar toda forma de violência contra a mulher, no âmbito da Organização dos Estados Americanos, constitui uma contribuição positiva para proteger os direitos da mulher e eliminar as situações de violência que possam afetá-las”. (BRASIL, 1995).
A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, nome este que já revela seu objetivo entende por violência contra a mulher qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado. Além disso, defende que a violência configura tanto uma violação dos direitos humanos quanto das liberdades fundamentais das mulheres. Esta Convenção foi responsável por ratificar e ampliar a Declaração e o Programa de Ação de Viena e por exigir dos Estados-membros da OEA a erradicação da violência contra a mulher. Assim, esta problemática ganhou mais visibilidade no âmbito universal, gerando meios mais eficazes de fiscalização e de combate.
Este instrumento é de grande relevância, na medida em que foi uma das reivindicações dos movimentos de mulheres e feminista durante muito tempo. Assim, é o primeiro tratado internacional de proteção aos direitos humanos das mulheres a reconhecer expressamente a violência contra a mulher como um problema generalizado na sociedade.
A Convenção complementa a CEDAW e reconhece que a violência contra a mulher constitui uma violação aos direitos humanos e às liberdades fundamentais, de forma a limitar total ou parcialmente o reconhecimento, gozo e exercício de tais direitos e liberdades.
Outro importante avanço foi a ratificação pelo Brasil, em 28 de junho de 2002, do Protocolo Facultativo à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher (CEDAW), que ofereceu a possibilidade de as denúncias individuais serem submetidas ao Comitê. (BRASIL, 2002).
Dessa forma, o Estado brasileiro deu cumprimento aos acordos internacionais previstos na Convenção de Belém do Pará e a Recomendação Geral n. 19 do Comitê da CEDAW/ONU que, em sua 29ª Sessão, ocorrida em 2003, recomendou ao Estado brasileiro a elaboração de uma legislação específica sobre violência doméstica contra a mulher. Ademais, a violência contra a mulher foi um dos temas tratados também durante a 39ª Sessão do Comitê da CEDAW/ONU, ocorrida em 2007. A partir da Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006, iniciou-se, no Estado brasileiro, uma nova era no combate à violência doméstica e intrafamiliar contra a mulher e, desse modo para a proteção e promoção dos direitos das mulheres.[2]
Até agosto de 2006, 184 países haviam aderido à CEDAW.[3]
Esse mecanismo adicional firmado pelo Brasil veio integrar a sistemática de fiscalização e adoção de medidas contra Estados signatários desses acordos internacionais que estejam condescendentes com casos isolados de discriminação e violência contra a mulher. Um desses acontecimentos ganhou repercussão internacional: o caso Maria da Penha Maia Fernandes, que expôs as entranhas do lento processo judicial brasileiro ao mundo.
A Lei Maria da Penha incorporou o avanço legislativo internacional e se transformou no principal instrumento legal de enfrentamento à violência doméstica contra a mulher no Brasil, tornando efetivo o dispositivo constitucional que impõe ao Estado assegurar a "assistência à família, na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência, no âmbito de suas relações” (art. 226, § 8º, da Constituição Federal).
Os benefícios alcançados pelas mulheres com a Lei Maria da Penha são inúmeros. A Lei criou um mecanismo judicial específico – os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra as Mulheres com competência cível e criminal; inovou com uma série de medidas protetivas de urgência para as vítimas de violência doméstica; reforçou a atuação das Delegacias de Atendimento à Mulher, da Defensoria Pública e do Ministério Público e da rede de serviços de atenção à mulher em situação de violência domestica e familiar; previu uma série de medidas de caráter social, preventivo, protetivo e repressivo; definiu as diretrizes das políticas públicas e ações integradas para a prevenção e erradicação da violência doméstica contra as mulheres, tais como: implementação de redes de serviços interinstitucionais, promoção de estudos e estatísticas, avaliação dos resultados, implementação de centros de atendimento multidisciplinar, delegacias especializadas, casas abrigo e realização de campanhas educativas, capacitação permanente dos integrantes dos órgãos envolvidos na questão, celebração de convênios e parcerias e a inclusão de conteúdos de eqüidade de gênero nos currículos escolares.
Em suma, a Lei Maria da Penha, reconhece a obrigação do Estado em garantir a segurança das mulheres nos espaços público e privado ao definir as linhas de uma política de prevenção e atenção no enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher, bem como delimita o atendimento às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar e inverte a lógica da hierarquia de poder em nossa sociedade a fim de privilegiar as mulheres e dotá-las de maior cidadania e conscientização dos reconhecidos recursos para agir e se posicionar, no âmbito familiar e social, garantindo sua emancipação e autonomia.
2 PRINCIPAIS DISPOSIÇÕES DE PROTEÇÃO À MULHER À LUZ DA LEI MARIA DA PENHA – LEI N. 11.340/2006.
A nova lei veio com o intuito de resguardar os direitos da mulher vítima de violência doméstica assegurando que todas gozam de direitos fundamentais inerentes à pessoa humana e que lhe são resguardados, os direitos previstos constitucionalmente tais como: direito à vida, à segurança, à liberdade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.
Nesse contexto a nova lei enfatiza em seu art. 3°, §1°, que: “O poder público desenvolverá políticas que visem garantir os direitos humanos das mulheres no âmbito das relações domésticas e familiares no sentido de resguardá-las de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. (BRASIL, 2006).
Dessa forma, nota-se que cabe ao poder público a garantia desses direitos. Porém, o que observamos, são severas críticas sobre a aplicação da Lei Maria da Penha, de modo que os avanços foram muito pequenos pois, sem dúvida que a violência contra a mulher é um dos mais graves ícones da violação dos direitos humanos.
Todavia, é de suma importância, tratar das demais disposições contidas na Lei Maria da Penha, no que tange à proteção da mulher vítima de violência doméstica.
2.1 DEFINIÇÃO CONCEITUAL DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER – ARTS. 5°, 6° e 7°
A violência direcionada à mulher consiste em todo ato de violência de gênero que resulte em qualquer ação física, sexual ou psicológica, incluindo a ameaça. Dentre as formas de violência contra a mulher, encontra-se a violência doméstica.
São os arts. 5o e 7o os responsáveis por determinar o âmbito de incidência desta Lei, já que são eles que definem o que configura e quais as formas de violência doméstica e familiar contra a mulher.
O art. 5° fixou o conceito de violência doméstica e familiar contra a mulher e estabeleceu sua abrangência. Desse dispositivo se pode extrair a ideia de sofrimento sexual por omissão.
“Art. 5o. Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;
II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.
Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.” (BRASIL, 2006).
Ainda, o novel texto legal, em seu art. 7°, revelou a ideia de vigilância constante como forma de violência psicológica, enumerando também as formas de manifestação da violência doméstica e familiar contra a mulher.
“Art. 7o São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:
I – a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;
II – a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;
III – a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não
desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao
matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;
IV – a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;
V – a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.” (BRASIL, 2006).
Diante do caso concreto, observa-se que caberá aos jurisdicionados impedir eventuais excessos interpretativos, de modo a não permitir, por exemplo, que se queira aplicar a Lei ao marido que simplesmente não cumpra regularmente com suas obrigações sexuais para com sua esposa, rejeitando, se for o caso, por atipicidade material, eventual queixa que, neste sentido, por absurdo, imagine tal comportamento como capaz de configurar crime de injúria.
A definição conceitual do que seja violência doméstica e familiar contra a mulher e a prudência que se espera dos operadores do Direito, em especial Juízes e Promotores, no mister de restringir sua incidência diante de normas tão abertas, é vital em se levando em conta que qualquer crime previsto no Código Penal ou em Legislação Penal Especial, que tutelem as integridades física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral da mulher, podem, em tese, estar sujeitos às prescrições da Lei “Maria da Penha”.
Nesse sentido, o Art. 6o dispõe que “A violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos”. (BRASIL, 2006).
Resulta desse dispositivo a legitimidade para intervenção protetiva por parte dos organismos internacionais e nacionais de defesa dos direitos da mulher em níveis políticos e judiciais.
É impressionante o número de mulheres que apanham de seus maridos, além de sofrerem toda uma sorte de violência que vai desde a humilhação, até a agressão física. A violência de gênero é, talvez, a mais preocupante forma de violência, porque, literalmente, a vítima, nesses casos, por absoluta falta de alternativa, é obrigada a dormir com o inimigo. É um tipo de violência que, na maioria das vezes, ocorre onde deveria ser um local de recesso e harmonia, onde deveria imperar um ambiente de respeito e afeto, que é o lar, o seio familiar.
2.2 DA ASSISTÊNCIA À MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR
A Lei 11.340/06 traz medidas cautelares alternativas à prisão combinadas a outras medidas cautelares de caráter extrapenal e também as medidas administrativas de proteção à mulher, agregadas nos arts. 10, 11, 22, 23 e 24, de modo que os últimos sob o título de medidas protetivas de urgência.
O caput do art. 10 desta lei prevê não somente a proteção repressiva, ou seja, aquela que se dá no momento da prática de violência contra a mulher, mas, inclsuive, a proteção preventiva, onde ocorrendo atos de violência contra a mulher ou mesmo ameaças a mesma, a autoridade deverá prestar assistência à vítima, adotando as providências legais cabíveis. (BRASIL, 2006).
Dentre as providências legais possíveis, citamos aquelas elencadas no art. 11 da referida lei, a saber:
“Art. 11 (…) I – garantir proteção policial, quando necessário, comunicando de imediato ao Ministério Público e ao Poder Judiciário; II – encaminhar a ofendida ao hospital ou posto de saúde e ao Instituto Médico Legal; III – fornecer transporte para a ofendida e seus dependentes para abrigo ou local seguro, quando houver risco de vida; IV – se necessário, acompanhar a ofendida para assegurar a retirada de seus pertences do local da ocorrência ou do domicílio familiar; V – informar à ofendida os direitos a ela conferidos nesta Lei e os serviços disponíveis.” (BRASIL, 2006).
Nesse contexto, sem sombra de dúvida, apesar das medidas administrativas previstas no dispositivo acima, nem sempre as vítimas poderão contar com proteção policial (art. 11, I), quando necessário, coisa que nem as autoridades públicas podem contar regularmente.
A Lei 11.340/06 introduziu nos artigos 22 e 23 as medidas protetivas como forma de aumentar a garantia de proteção às vítimas de violência doméstica. O objetivo principal diz respeito, obviamente, a sua integridade física, mas não foi esquecidas outras medidas muito importantes para as mulheres tentarem levar, no máximo possível, uma vida normal, digna e que possa enfim exercendo diversos atos importantes de sua vida civil, com a maior tranqüilidade.
Assim, leciona o dispositivo que
“Art. 23. Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas: I – encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento; II – determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo domicílio, após afastamento do agressor; III – determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos; IV – determinar a separação de corpos”. (BRASIL, 2006).
Têm-se no art. 23, I e II medidas de cunho administrativo que, no entendimento de Bastos, “(…) em que pesem atribuídas ao Juiz desnecessariamente. Nada impede que fossem determinadas pelo Ministério Público, do que, aliás, cuida o art. 26, I, que atribui ao promotor de justiça o papel de requisitar força policial e serviços públicos de saúde, educação, de assistência social e de segurança, entre outros” [4].
Já o art. 23, III e IV contempla medidas cautelares típicas da seara do Direito de Família, necessitando, em razão disto, que a ofendida se faça representar por Advogado ou Defensor para requerê-las.
Já no art. 24 se compreende que são medidas cautelares de cunho patrimonial, com natureza extrapenal. Desse modo, se conclui que quem tem a legitimidade para requerer é a interessada, porém assistida por Advogado ou Defensor. Assim leciona o dispositivo que:
“Art. 24. Para a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou daqueles de propriedade particular da mulher, o juiz poderá determinar, liminarmente, as seguintes medidas, entre outras: I – restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida; II – proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra, venda e locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial; III – suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor; IV – prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a ofendida. Parágrafo único. Deverá o juiz oficiar ao cartório competente para os fins previstos nos incisos II e III deste artigo”. (BRASIL, 2006).
Todavia, apesar de todas essa medidas protetivas ora demonstradas, a juíza de Direito, aposentada do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Maria Lúcia Karan, critica a Lei Maria da Penha nos seguintes termos:
“O enfrentamento da violência de gênero, a superação dos resquícios patriarcais, o fim desta ou de qualquer outra forma de discriminação não se darão através da sempre enganosa, dolorosa e danosa intervenção do sistema penal […]. Esse doloroso e danoso equívoco vem de longe. Já faz tempo que os movimentos feministas, dentre outros movimentos sociais, se fizeram co-responsáveis pela hoje desmedida expansão do poder punitivo. Aderindo à intervenção do sistema penal como pretensa solução para todos os problemas, contribuíram decisivamente para a legitimação do maior rigor penal que, marcando legislações por todo o mundo a partir das últimas décadas do século XX, se faz acompanhar de uma sistemática violação a princípios e normas assentados nas declarações universais de direitos e nas Constituições democráticas […]. A restrição e suspensão de visitas a filhos viola o direito fundamental de crianças e adolescentes a convivência familiar […]. Quando se insiste em acusar da prática de um crime e ameaçar com uma pena o parceiro da mulher, contra a sua vontade, está se subtraindo dela, formalmente dita ofendida, seu direito e seu anseio a livremente se relacionar com aquele parceiro por ela escolhido. Isto significa negar-lhe o direito à liberdade de que é titular, para tratá-la como se coisa fosse, submetida à vontade de agentes do Estado que, inferiorizando-a e vitimizando-a, pretendem saber o que seria melhor para ela, pretendendo punir o homem com quem ela quer se relacionar – e sua escolha há de ser respeitada, pouco importando se o escolhido é ou não um "agressor" – ou que, pelo menos, não deseja que seja punido” (KARAN, 2007, pp. 10-11).
Conclui-se que, mesmo com tantas medidas protegidas para prevenir e punir a violência doméstica e familiar contra a mulher, o legislador não foi feliz quando insistiu em punir a prática de um crime o parceiro da mulher, contra a sua vontade, pois viola seu direito de liberdade e a própria dignidade da pessoa humana.
Uma das determinações contidas no diploma legal em proteção da mulher é a de que, nos termos de seu artigo 41, “aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995”. (BRASIL, 2006).
Essa decisão foi unânime por parte do Supremo Tribunal Federal (STF) no Habeas Corpus (HC) 106212, que afastou a aplicação do artigo 89 da Lei n. 9.099/95, tornando impossível a aplicação dos institutos despenalizadores nela previstos, como a suspensão condicional do processo (sursis). O sursis, permite que o Ministério Público suspenda o processo, por dois a quatro anos, nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime .
A constitucionalidade do artigo 41 da Lei Maria da Penha dá concretude ao artigo 226, §8°da Constituição Federal, que dispõe que o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações. (BRASIL, 1988). Assim, o dispositivo afirma a ideia de que a regra de gualdade é tratar desigualmente os desiguais, tendo em vista que a mulher, ao sofrer violência no lar, encontra-se em situação desigual perante o homem.
Cabette, nesse contexto, destaca que a sistemática da Lei Maria da Penha foi alterada nos seguintes termos:
“a)Em casos de lesões corporais dolosas graves, gravíssimas e seguidas de morte, a
ação penal continua como sempre pública incondicionada, independentemente da condição da vítima; b)Ocorrendo lesões corporais culposas (de qualquer natureza), a ação penal continua sendo pública condicionada a representação, nos termos do art. 88 da Lei 9099/95, independentemente da condição da vítima; c)Ocorrendo lesões corporais dolosas leves, não importando a condição da vítima (homem ou mulher), desde que não classificáveis como “violência doméstica ou familiar” de acordo com os ditames da Lei 11.340/06, a ação penal continua sendo pública condicionada a representação por força do artigo 88 da Lei 9099/95; d)Tratando-se de lesões corporais dolosas leves classificáveis como “violência doméstica e familiar”, mas perpetradas contra homens, permanece a ação penal pública condicionada (art. 88 da Lei 9099/95); e)Finalmente, acontecendo lesões dolosas leves contra “mulher” no contexto de “violência doméstica ou familiar”, passou a ação penal a ser pública incondicionada, vez que o art. 89 da Lei 9099/95 teve vedada sua aplicação a esses casos na forma do art. 41 da Lei 11.340/06.”[5]
Essa mudança revela o acatamento de manifestações críticas quanto à banalização que teria ocorrido com os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, inclusive de proteção aos seus direitos fundamentais, pela aplicação da Lei 9.099/95 e pelo condicionamento da ação penal.
Todavia, a aplicação da Lei Maria da Penha, acarretou algumas divergências de entendimento, na doutrina e jurisprudência dos tribunais, quanto a sua extensão para a vítima quando homem. Assim, faz-se necessário tecer alguns comentários a esse respeito no próximo tópico.
3 LEI MARIA DA PENHA E SUA APLICAÇÃO ANALÓGICA AOS HOMENS VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA.
Vê-se que a Lei Maria da Penha visa a chamada tutela em favor da mulher, não por razão do sexo, e sim em virtude do gênero.
Entende-se como diferença de gênero aquela decorrente da sociedade e da cultura que coloca a mulher em situação de submissão e inferioridade, tornando-a vítima da violência masculina.
Contudo, questiona-se a constitucionalidade da Lei uma vez que fere o Princípio da Isonomia consubstanciado no art. 5º, inciso I da CF/88, pois a Lei Maria da Penha visa à proteção exclusiva da mulher que sofre de violência em todos os seus aspectos (física, psicológica, sexual, patrimonial e moral). Assim, questiona-se se a Lei de violência contra a mulher poderá, analogicamente, ser estendida também ao homem, enquanto vítima.
A analogia é o método de autointegração do direito pelo qual, no julgamento do caso concreto, a lacuna legislativa é preenchida com a mesma resposta dada pelo legislador a uma situação específica que, embora não seja aquela sob exame, com ela se identifique em essência. [6]
No sentido de utilizar a analogia, ao entendimento de Bittencourt, não se pode deduzir que somente a mulher é potencial vítima de violência doméstica, familiar ou de relacionamento íntimo [7]. Também o homem pode sê-lo, conforme se depreende da redação do § 9º do art. 129 do Código Penal, que não restringiu o sujeito passivo, abrangendo ambos os sexos (BRASIL, 1940).
O que a Lei limita são as medidas de assistência e proteção, estas sim aplicáveis somente à ofendida (vítima mulher). Nesse caso, a mulher (ofendida) passou a contar com a nova Lei, não somente de caráter repressivo, mas, também, preventivo e assistencial, criando mecanismos aptos a coibir as modalidades de violência.[8]
Nesse sentido, percebe-se que, o entendimento doutrinário é no sentido de permitir a aplicação de analogia à Lei 11.340/2006, tendo em vista a possibilidade de aplicação da mesma em defesa do homem que figura no papel de vítima.
No que tange ao sujeito ativo, há divergências doutrinárias quanto à pessoa que pode figurar como autor nos crimes abrangidos por essa Lei. Uma primeira corrente defende que, por se tratar de crime de gênero e cujos fins principais estão voltados para a proteção da mulher vítima de violência doméstica, familiar ou de relacionamento íntimo, no pólo ativo pode figurar apenas o homem e, quando muito, a mulher que, na forma do § único do art. 5º da Lei, mantenha uma relação homoafetiva com a vítima. [9]
Já a segunda corrente, que é a defendida por Souza, entende ser a mais coerente, pois dá menos ensejo a possíveis questionamentos quanto à questão da constitucionalidade, já que trata igualmente homens e mulheres quando vistos sob a ótica do pólo ativo, resguardando a primazia à mulher apenas enquanto vítima.[10]
Portanto, essa segunda corrente defende que a ênfase principal da presente Lei não é a questão do gênero, tendo o legislador dado prioridade à criação de “mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher”, sem importar o gênero do agressor, que tanto pode ser homem, como mulher, desde que esteja caracterizado o vínculo de relação doméstica, familiar ou de afetividade.[11]
In casu, os Tribunais de Justiça, têm firmado seu entendimento no sentido de que a Lei Maria da Penha foi criada visando proteger a mulher da violência sofrida dentro do lar, pelo homem agressor. Nessa linha, os delitos sofridos por um homem, não se caracteriza como violência doméstica e familiar da Lei Maria da Penha, conforme entendimento dos julgados que seguem:
“Ementa: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. LEI MARIA DA PENHA. CRIME DE MAUS TRATOS PRATICADO PELA MÃE CONTRA O CASAL DE FILHOS. NÃO INCIDÊNCIA DA LEI 11.340/06. O artigo 5º da Lei Maria da Penha configura como violência doméstica e familiar contra a mulher toda espécie de agressão (ação ou omissão), baseada no gênero, isto é, na condição hipossuficiente da mulher, que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial, importando em violação dos direitos humanos, independente da habitualidade da agressão. No caso, maus tratos praticados pela mãe contra filhos, a hipossuficiência das vítimas decorre da condição de serem crianças – pela idade – e não em face da vulnerabilidade de gênero numa relação intrafamiliar. Havendo estatuto próprio de proteção da criança vítima de violência, não se pode aplicar indistintamente uma lei criada com a finalidade de proteger a mulher da violência masculina, em razão, principalmente, da sua inferioridade física. Aliado a isso, a aplicação da Lei Maria da Penha só ocorre quanto aos fatos praticados por homem contra mulher, o que inocorre in casu, devendo o feito ser apreciado pelo juízo comum suscitado. CONFLITO NEGATIVO JULGADO PROCEDENTE. COMPETÊNCIA DO JUÍZO SUSCITADO. (Conflito de Jurisdição Nº 70046682498, Terceira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Francesco Conti, Julgado em 09/02/2012)[12]
“Ementa: CONFLITO DE COMPETÊNCIA. LEI MARIA DA PENHA. VÍTIMA. HOMEM. A lei Maria da Penha foi criada para dar proteção à mulher. Quando a vítima do crime for um homem, não se aplica a Lei Maria da Penha. No caso, a imputação é de crime contra a honra do companheiro, por ter este sido ofendido sob a imputação de ter se apoderado de dinheiro da sogra. No caso criminal concretizado em juízo, é o homem que se sentiu vítima, pelas ofensas e não as mulheres (autoras das ofensas). CONFLITO DE COMPETÊNCIA PROCEDENTE”. (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul – TJRS, Conflito de Jurisdição Nº 70042334987, Terceira Câmara Criminal, Relator: Nereu José Giacomolli, Julgado em 19/05/2011)[13]
“Ementa: LEI Nº 11.340/06. LEI MARIA DA PENHA. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. CÓDIGO PENAL., ART. 129, § 9º. BRIGA ENTRE IRMÃS. Ainda que a violência tenha ocorrido no âmbito doméstico, tanto não basta para determinar a competência. É indispensável que vítima seja mulher, e que o sujeito ativo seja `homem, `agressor, na expressão da Lei. Desentendimento entre irmãs. Competência do Juízo Comum. CONFLITO PROCEDENTE. POR MAIORIA.” (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul – TJRS, Conflito de Jurisdição Nº 70037954187, Terceira Câmara Criminal, Relator: Ivan Leomar Bruxel, Julgado em 30/09/2010)[14]
Nesse sentido, está expressamente disposto no artigo 1º da Lei 11.340/2006:
“Art. 1º Esta lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do §8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar”. (grifo nosso) (BRASIL, 2006)
Assim, nos casos em baila, citados acima, não há como considerar a vítima do gênero masculino, vítima de delito nos termos da Lei Maria da Penha.
Veja-se que a Lei nº 11.340/06 em seu artigo 5°, colocou como um dos requisitos básicos ser a vítima mulher, pois teve a intenção de proteger a mulher da violência doméstica. E considera, em acordo com os acórdãos ora demonstrados, que a expressão legal, “baseada no gênero” tenha levado em consideração o sexo dos envolvidos, sendo que a vítima será sempre a mulher, a ofendida. (BRASIL, 2006)
Nesse diapasão, em contrapartida ao entendimento dos julgados citados acima, a Lei Maria da Penha é equiparada a uma Lei de gênero, por isso que existiu para proteger a mulher, que é a que mais sofre dentro de um contexto social e cultural, podendo suas medidas protetivas ser aplicadas em favor de qualquer pessoa (sujeito passivo) desde que comprovado que a violência teve ocorrência dentro de um contexto doméstico, familiar ou de relacionamento íntimo, podendo ser tanto homem quanto mulher.
Nesse contexto, com acerto, nota-se na decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
“EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. RELAÇÃO MATERNO-FILIAL. MÃE E FILHO. POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DAS MEDIDAS PROTETIVAS PREVISTAS NA LEI MARIA DA PENHA QUANDO A VÍTIMA FOR DO SEXO MASCULINO. A APLICAÇÃO DA ANALOGIA NÃO IMPLICA ALTERAÇÃO DA COMPETÊNCIA. A VARA ESPECIALIZADA EM VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER PRESSUPÕE QUE A VÍTIMA SEJA DO SEXO FEMININO. CONFLITO JULGADO PROCEDENTE. A Lei n° 11.340/06 deve ser tratada como uma lei de gênero, que se destina a proteger a mulher, em face de sua fragilidade dentro de um contexto histórico, social e cultural. Neste caso, entendeu-se que as mulheres são seres que merecem atenção especial, dado o contexto de violência e submissão que freqüentemente se encontram inseridas. Verifica-se perfeitamente possível estender as medidas protetivas, de caráter não penal, previstas na Lei n° 11.340/06 em favor de qualquer pessoa (sujeito passivo), desde que a violência tenha ocorrido dentro de um contexto doméstico, familiar ou de relacionamento íntimo. Nesse caso, a pessoa a ser protegida pode ser tanto o homem quanto a mulher”. (Tribunal de Justiça do Espírito Santo – TJES, Conflito de Competência 100120021330, 2 Câmara Criminal, Relator Sérgio Luiz Teixeira Gama, Julgado em 05/09/2012)[15]
Sem dúvida, é a mulher quem mais sofre dentro de um contexto social e cultural. Assim, a Lei elenca um rol de medidas protetivas para assegurar a mulher o direito a uma vida sem violência. Todavia, as medidas protetivas da Lei Maria da Penha merecem ser aplicadas as vítimas de violência em seu âmbito doméstico, familiar ou de relacionamento íntimo, mesmo que não seja somente a mulher, desde que demonstrada situação de risco ou de violência decorrente daquelas modalidades. E, assim, as decisões dos tribunais assertivamente estão caminhando nesse sentido.
A Lei Maria da Penha incorporou o avanço legislativo internacional e se transformou no principal instrumento legal de enfrentamento à violência doméstica contra a mulher.
Sem sombra de dúvida que os benefícios alcançados pelas mulheres com a Lei Maria da Penha são inúmeros. Como exemplo disso, a Lei Maria da Penha, reconhece a obrigação do Estado em garantir a segurança das mulheres nos espaços público e privado ao definir as linhas de uma política de prevenção e atenção no enfrentamento da violência doméstica.
Isto posto, constatou-se que as diversas Convenções Internacionais pactuadas por diversos países incentivaram o combate a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, na qual constitui uma das formas mais graves de violação dos direitos humanos e ofensa à dignidade da pessoa humana.
Uma Convenção de suma importância para a elaboração desse estudo foi a Cedaw (Convention on the Elimination of All Forms of Discrimination against Women) que culminou na elaboração de vários documentos pela ONU, dentre os quais se podem mencionar: Convenção dos Direitos Políticos das Mulheres (1952), Convenção sobre a Nacionalidade das Mulheres Casadas (1957), Convenção sobre o Casamento por Consenso, Idade Mínima para Casamento e Registro de Casamentos, Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher – conhecida como Convenção de Belém do Pará.
Com a pesquisa realizada, observou-se que é bastante disseminada no Brasil a violência doméstica e familiar contra a mulher, o que deve ser considerado na formulação de políticas públicas, justificando, por exemplo, a implantação de delegacias e juizados especializados. De fato, o ambiente de delegacias e juizados criminais comuns, onde predominam profissionais do sexo masculino, comumente despreparados para lidar com a violência doméstica, mostra-se intimidador para as vítimas mulheres. Afasta-se, portanto, a analogia para defender ―a delegacia e o juizado do homem, porque inexiste identidade de razões: o ambiente masculino não é intimidador para as vítimas homens.
Por outro lado, em casos concretos e individualizados, homens podem ser submetidos a agressões no contexto doméstico, familiar ou afetivo, hipótese em que precisam, tanto quanto as marias da penha, de tutela efetiva do Judiciário e fazem jus ao sistema cautelar da Lei 11.340/2006. Cabe, agora, a analogia, porque há identidade de razões.
Da mesma forma que, a violência em casa e nas relações afetivas atinge, em maior proporção as mulheres, o que justifica a criação de um juizado da mulher (juizado de violência doméstica e familiar contra a mulher) e a edição de um estatuto protetivo específico. No entanto, caso um homem padeça do mesmo mal, não fará nenhum sentido negar-lhe as medidas protetivas adequadas.
Não é vergonha nenhuma o homem se socorrer ao Pode Judiciário para fazer cessar as agressões da qual vem sendo vítima. Também não é ato de covardia. È sim, ato de sensatez, já que não procura o homem/vítima se utilizar de atos também violentos como demonstração de força ou de vingança. E compete à Justiça fazer o seu papel de envidar todos os esforços em busca de uma solução de conflitos, em busca de uma paz social.
Por conseguinte, com a pesquisa jurisprudencial, podemos constatar que se a violência, nas modalidades da Lei Maria da Penha, estiver sendo utilizada, não há dúvida que as medidas protetivas desta Lei podem ser aplicadas para favorecer o homem, impondo-se a analogia in bonam partem – para favorecer o agente. Todavia, como percebeu-se esse entendimento não está pacificada, mas, sabiamente, caminha nesse sentido.
Essa aplicação de forma analógica tornou-se possível com base no poder geral de cautela que o juiz tem de conceder medidas cautelares inominadas aos necessitados de proteção do Estado, desde que venha a requerê-las.
Desse modo, a não aplicação da analogia da Lei Maria da Penha, ao caso concreto de violência doméstica contra homens fere sim o Princípio da Igualdade garantido constitucionalmente. Assim, por se tratar de uma afronta a um direito fundamental caracteriza uma inconstitucionalidade. E, desse modo, confirma a hipótese da presente pesquisa.
Graduada em Direito. Pós Graduada em Direito Constitucional. Professora de Direito
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