Resumo: O presente artigo tem como finalidade analisar a mediação como método complementar ao Judiciário para construção da cultura de paz, buscando assim a pacificação social, e sua institucionalização pela Lei 13.105/15. O acesso à justiça pelo cidadão, como direito fundamental previsto na constituição, permite a este cidadão o direito de requerer do Poder Judiciário uma solução do litígio no qual esteja envolvido. Porém, este acesso ilimitado traz um acréscimo no número de demandas judiciais, o que gera um congestionamento do sistema jurisdicional e, consequentemente, é corolário da morosidade da Justiça. Tal fato causa um aumento significativo no número de demandas judiciais, fator que propicia um desafio ao Poder Judiciário na atualidade. Diante o exposto, o presente trabalho discorre sobre a mediação como o método alternativo de resolução de conflitos, como forma de restaurar através da participação dos envolvidos, a solução mais adequada dos conflitos e a construção da pacificação social.
Palavras-Chave: Mediação. Acesso à Justiça. Cultura de Paz. Pacificação social.
Abstract: This article aims to examine mediation as a complementary method to the judiciary to build the culture of peace so seeking social peace, and its institutionalization by Law 13.105/15. Access to justice by citizens as a fundamental right provided in the Constitution allows this citizen the right to require the Judiciary a solution of the dispute in which it is involved. However, this unlimited access brings an increase in the number of lawsuits, which creates congestion of the judicial system and, consequently, is a corollary of the slow pace of justice. This fact causes a significant increase in the number of lawsuits, a factor that provides a challenge to the judiciary today. Faced with the above, this paper discusses mediation as the alternative method of conflict resolution as a way to restore through the participation of those involved, the most appropriate solution of conflicts and the construction of social peace.
Keywords: Mediation. Access to justice. Culture of Peace. Social pacification
Sumário: 1. Introdução; 2. Acesso a justiça e a crise jurisdicional; 3. Breve histórico sobre mediação; 4. Mediação e conciliação – conceitos e considerações; 5. Mediação no NCPC/2015 (Lei 13.105/2015); 6. A lei de mediação (Lei nº 13.140/2015); 7. A mediação como política pública para a pacificação social; 8. Conclusão. Referências.
1 INTRODUÇÃO
O Poder Judiciário com a centralização da jurisdição está enfrentando uma intensa litigiosidade, com sobrecarga excessiva de processos, o que vem gerando uma crise de desempenho e consequentemente, não mais sendo supridas as exigências das populações no concernente à efetiva resolução das controvérsias.
O mecanismo predominantemente utilizado pelo nosso Judiciário é o da solução adjudicada dos conflitos, que se dá por meio de sentença do juiz. E a predominância desse critério vem gerando a chamada "cultura da sentença", o que explica o congestionamento não somente das instâncias ordinárias, como também dos Tribunais Superiores e até mesmo da Suprema Corte.
A inclusão da mediação, como o método alternativo de resolução de conflitos, no diploma processual brasileiro, revela a importância que tal meio de solução de controvérsias assume no atual cenário nacional, especialmente face à necessidade de uma resposta mais efetiva e adequada às necessidades das partes, e face à burocratização do Poder Judiciário, que, infelizmente, não consegue apresentar uma resposta adequada às necessidades e anseios que a população atual deposita no Estado.
A despeito das modificações no texto da Lei, a mediação foi elencada logo no primeiro capítulo do novo Código de Processo Civil, intitulado “Das Normas Fundamentais do Processo Civil”. O texto é claro ao estabelecer que o Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos. Além disso, existe a previsão de que a mediação, assim como outros métodos de solução consensual de conflitos, deverá ser estimulada por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.
Destarte, cabe aos profissionais do Direito atentarem-se que nem sempre a melhor solução de um conflito será aquela ditada por um terceiro, como na heterocomposição (decisão judicial, por exemplo), alternativa que deverá ser reservada para os casos em que esta se revelar realmente necessária.
O Poder Judiciário nunca poderá ser visto como um “amargo remédio paliativo”, e sim como um Judiciário que visa à harmonização social da forma mais pacificadora possível e que busca coadunar com os interesses da sociedade, que anseia por celeridade, adequação e eficácia na condução de suas controvérsias.
Neste ponto, revela-se fundamental enfocar a importância dos meios alternativos de resolução de conflitos, em especial a mediação como uma solução que venha possibilitar a busca por uma ação mais efetiva das partes, em prol de uma resolução racional das demandas e a efetiva pacificação social.
2 ACESSO A JUSTIÇA E A CRISE JURISDICIONAL
O crescimento do acesso à justiça como direito fundamental do cidadão e o fenômeno da judicialização dos conflitos, sobrecarregam o Poder Judiciário com processos, a pretensa solução desses conflitos se resume a resolver apenas a crise jurídica, deixando em aberto às pressupostas crises de outra natureza, as quais por não terem sido conjuntamente dirimidas, a tendência é que retornem num momento futuro.
De acordo com Mauro Cappelletti e Bryant Garth (1988, p. 15), o significado de acesso à justiça, está diretamente ligado ao binômio possibilidade/viabilidade, visando à igualdade de condições para se acessar o sistema judiciário, e por consequência buscar a tutela específica para o direito ou interesse ameaçado e, além de tudo, possibilitar a produção de resultado justo e efetivo.
Nesse sentido, o princípio do acesso à justiça não pode sofrer obstáculos, não se pode dificultar quem teve seu direito lesado, ou esteja sob a ameaça de vir a tê-lo. O acesso à Justiça deve ser efetivo e material, ou seja, que a resposta apresentada pelo Estado deve dirimir o conflito existente ou legitimar a situação ofertada em prazo plausível.
A Constituição Federal traz no inciso XXXV do artigo 5° o direito ao acesso a justiça, garantia que é ratificada pela previsão da Resolução 125 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a qual esclarece que, além do acesso aos órgãos judiciários, deve se garantir acesso a uma ordem jurídica justa.
O Novo Código de Processo Civil, Lei 13.105/15, com enfoque na garantia constitucional do artigo 5°, inciso LXXVIII da Constituição, trouxe no capítulo I, artigo 4° as normas fundamentais do processo civil, assegurando que as partes têm direito de obter em tempo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa.
Assim, resta claro a preocupação do legislador de resguardar o direito do cidadão em obter a tutela jurisdicional em tempo razoável, bem como a atividade satisfativa. A Lei 13.105/2015 inova ao trazer em seu texto legal o vocábulo “mediação” o que mostra o reconhecimento dos meios consensuais, como métodos para resolução de conflitos. Sobretudo, ainda revela a busca da cultura de paz por parte do Estado e da sociedade, procurando mudar o hábito, a cultura da judicialização que existe na sociedade contemporânea.
O fenômeno da judicialização pode ser explicado através de alguns fatores, como aumento da população, ampliação de direitos e a globalização, segundo Esther Yagodnik, Giselle Marques e Juliana Torres:
‘A busca pelo Estado Social resultou indubitavelmente em uma inflação legislativa, com a sanção em excesso de normas, de caráter mais imperativo do que diretivo, denotando o monopólio estatal da administração das próprias relações sociais. Esse contexto veio acompanhado de um fortalecimento do Poder Judiciário como garantidor das liberdades dos cidadãos, e uma massificação da sociedade que postula essas liberdades, contribuindo ainda mais para a manutenção do Estado como poder interventivo e regulador, inclusive, de relações sociais antes afetas à vida privada”. (YAGODNIK, MARQUES E TORRES, 2014, p. 4).
Sendo assim, a partir dessa cultura social de judicialização dos conflitos, a crise do Poder Judiciário, ocorre devido a vários fatores como, crise estrutural, excesso de burocracia e a lentidão da justiça, causado por um sistema antiquado e lento, que não esta de acordo com a sociedade contemporânea, que por meio da tecnologia é rápida e ágil, e por consequência não consegue dar resposta a essa grande demanda de litígios.
Diante desse cenário, surge a necessidade de procurar formas que dessem maior alternativa, dinâmica, agilidade e eficiência na prestação jurisdicional. Nessa busca, atentou-se a nova realidade mundial do uso dos meios consensuais de solução de conflitos, entre eles a mediação, com a expectativa de em um primeiro momento desafogar o judiciário possibilitando seu melhor funcionamento, e em seguida instaurar na sociedade a consciência da cultura de paz.
A mediação já é utilizada há certo tempo em diversos países, no Brasil os meios consensuais são relativamente novos. Com o advento da resolução nº 125 do Conselho Nacional de Justiça foi criada a política judiciária nacional de tratamento de conflitos e, por conseguinte muitos incentivos e investimentos foram efetuados na área. Com a normatização da Lei sobre mediação, Lei 13.140/2015, regulamentou-se o procedimento da mediação e com isso a instituição da mediação como novo paradigma de justiça. Em consonância com a nova ordem jurídica, o novo Código de Processo Civil, Lei 13.105/15, reafirma essa nova ordem, a mediação como importante meio consensual de resolução de conflitos para a redução da litigiosidade desnecessária.
3 BREVE HISTÓRICO SOBRE MEDIAÇÃO
A forma de resolução de conflitos varia de cultura para cultura, algumas privilegiam o diálogo, a mediação, a conciliação, outras transferem ao Estado a responsabilidade da solução de suas disputas.
A mediação é de origem antiga. De acordo com Christopher Moore (1998, p. 32) “A mediação há muito tempo é utilizada em várias culturas no mundo, como a judaica, a cristã, a islâmica, a hinduísta, a budista, a confucionista e até as indígenas”.
A respeito do tema, a autora Rozane Cachapuz (2003, p.24) relata que “A prática da mediação como forma de resolução de conflitos é utilizada desde a antiguidade, e sua existência remonta aos idos de 3000 A.C”. Segundo a autora existem relatos sobre o seu emprego na Grécia, no Egito, Kheta, Assíria e Babilônia, nos casos entre as Cidades – Estados.
Nas últimas três décadas, conforme menciona Rodrigues Junior (2003, p. 298), a mediação passou a ser sistematicamente estudada nos Estados Unidos. Nos mesmos moldes, a mediação chegou ao Canadá e, em função de um grupo de pesquisadores franceses, ingressou finalmente no território europeu. A partir do século XX passou a ser amplamente utilizada em vários países, como França, Inglaterra, Irlanda, Japão, Noruega, Espanha, Bélgica, Alemanha, dentre outros.
A mediação surgiu no Brasil para tentar solucionar os obstáculos de acesso a justiça e a ineficiência do sistema judiciário brasileiro. A Constituição Imperial de 1824 já citava relações extrajudiciárias nos artigos 160 e 161, a Carta Magna cita algumas soluções extrajudiciais como a Conciliação, a Constituição Federal de 1988 cita no artigo 98, inciso I e II.
A Resolução 125 do Conselho Nacional de Justiça de Justiça, publicada em 29 de novembro de 2010, dispõe sobre a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário. A Resolução trata sobre a ampliação do acesso à justiça e da pacificação do conflito por meio dos métodos consensuais, considerando que a conciliação e a mediação são instrumentos efetivos de pacificação social, solução e prevenção de litígios, e que sua apropriada disciplina em programas já implementados no país tem reduzido a excessiva judicialização dos conflitos de interesses, a quantidade de recursos e de execução de sentenças, sendo imprescindível estimular, apoiar e difundir a sistematização e o aprimoramento das práticas já adotadas pelos tribunais
O novo Código de Processo Civil, Lei nº 13.105/2015, também enfatiza os meios consensuais de pacificação dos conflitos sociais, evidenciando a mediação, busca com isso reduzir pela metade o tempo de trâmite de uma ação no Judiciário, permitindo mais rapidez e celeridade nos processos.
A Lei de Mediação, Lei 13.140/2015, de 26 de julho de 2015, dispõe sobre a mediação como meio de solução de controvérsias entre particulares e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública.
Assim, percebe-se que a mediação, ligada ou não ao processo judicial, continua a fazer parte da história da humanidade. Independente da motivação para a utilização deste método, os seus resultados têm-se mostrado mais satisfatórios que os processos judiciais, visto que possibilitam a preservação das relações, sejam elas pessoais ou comerciais.
4 MEDIAÇÃO E CONCILIAÇÃO – CONCEITOS E CONSIDERAÇÕES
A mediação e a conciliação não se confundem, embora possuam conceitos inter-relacionados. O Código de Processo Civil de 2015 apresenta algumas peculiaridades desses dois institutos, trazendo uma definição do que vem a ser a mediação de conflitos, a partir da distinção da atuação do mediador e do conciliador, estabelece o que vem a ser um procedimento e outro. Conforme o citado código, no art. 165, §§ 2º e 3º, a conciliação deve ocorrer preferencialmente nos casos em que não houver vínculo anterior entre as partes e o conciliador poderá sugerir soluções para o litígio, sem constranger ou intimidar os interessados. Já o mediador atuará preferencialmente nos casos em que haja vinculo anterior entre as partes e as auxiliará a compreender as questões e os interesses em conflito, de modo que, pelo restabelecimento da comunicação, possam identificar por si próprios, soluções consensuais que gerem benefícios mútuos, e não propõe soluções para os litigantes.
Segundo o Conselho Nacional de Justiça:
“A Mediação é uma forma de solução de conflitos na qual uma terceira pessoa, neutra e imparcial, facilita o diálogo entre as parte, para que elas construam, com autonomia e solidariedade, a melhor solução par o problema. Em regra, é utilizada em conflitos multidimensionais, ou complexos. A Mediação é um procedimento estruturado, não tem um prazo definido, e pode terminar ou não em acordo, pois as partes tem autonomia para buscar soluções que compatibilizem seus interesses e necessidades. Disponível em <http://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/conciliacao-mediacao> Acesso em 30 março 2016.”
Na obra denominada Manual de Mediação Judicial, do Professor André Gomma de Azevedo, a mediação é definida como:
“A mediação pode ser definida como uma negociação facilitada ou catalisada por um terceiro. Alguns autores preferem definições mais completas sugerindo que a mediação um processo autocompositivo segundo o qual as partes em disputa são auxiliadas por uma terceira parte neutra ao conflito ou por um painel de pessoas sem interesse na causa, para se chegar a uma composição. Trata-se de um método de resolução de disputas no qual se desenvolve um processo composto por vários atos procedimentais pelos quais o (s) terceiro (s) imparcial (is) facilita (m) a negociação entre as pessoas em conflito, habilitando-as a melhor compreender suas posições e a encontrar soluções que se compatibilizam aos seus interesses e necessidades”. (AZEVEDO, 2015, p.20)
Para Lília Sales (2004, p. 21):
“A mediação é um procedimento consensual de solução de conflitos por meio do qual uma terceira pessoa imparcial – escolhida ou aceita pelas partes – age no sentido de encorajar e facilitar a resolução de uma divergência. As pessoas envolvidas nesse conflito são responsáveis pela decisão que melhor as satisfaça. A mediação representa assim um mecanismo de solução de conflitos pelas próprias partes que, movidas pelo diálogo, encontram uma alternativa ponderada, eficaz e satisfatória, sendo o mediador a pessoa que auxilia na construção do diálogo”.
Em especial no que tange à conciliação, de acordo com o Conselho Nacional de Justiça:
“É um método utilizado em conflitos mais simples, ou restritos, no qual o terceiro facilitador pode adotar uma posição mais ativa, porém neutra com relação ao conflito e imparcial. É um processo consensual breve, que busca uma efetiva harmonização social e a restauração, dentro dos limites possíveis, da relação social das partes. Disponível em <http://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/conciliacao-mediacao> Acesso em 30 março 2016”.
Normalmente, a conciliação se dá dentro de um processo judicial. Podemos citar como exemplo as ações movidas nos Juizados Especiais Cíveis, onde primeiramente é marcada uma audiência de conciliação, com conciliador indicado pelo Judiciário. Havendo acordo entre as partes, este será homologado pelo Juiz togado. Em caso negativo, será marcada audiência de instrução e julgamento. Ressalte-se que antes do magistrado iniciar a audiência de instrução e julgamento propriamente dita, possibilitará, novamente, às partes a faculdade de realização de um acordo para resolução do conflito.
Já a mediação se preocupa com a preservação dos vínculos existentes entre as partes envolvidas no conflito. Neste método o mediador é neutro e imparcial, não pode dar palpites ou sugestões. Sua função é levar às partes a se desarmarem das mágoas provenientes do conflito, para poderem dialogar e chegarem a uma solução aceitável. Frise-se que a decisão final é unicamente das partes. Segundo Humberto Dalla, (2005, p. 119) “É fácil constatar que de nada adianta a decisão proferida por um julgador quanto à relação continuada se o conflito não foi adequadamente trabalhado: ele continuará existindo, independentemente do teor da decisão e costuma ser apenas uma questão de tempo para que volte a se manifestar concretamente”.
Roberto Portugal Bacellar faz a seguinte diferenciação entre conciliação e mediação:
“A conciliação é opção mais adequada para resolver situações circunstanciais, como indenização por acidente de veículo, em que as pessoas não se conhecem (o único vínculo é o objeto do incidente), e, solucionada a controvérsia, lavra-se o acordo entre as partes, que não mais vão manter qualquer outro relacionamento; já a mediação afigura-se recomendável para situações de múltiplos vínculos, sejam eles familiares, de amizade, de vizinhança, decorrentes de relações comerciais, trabalhistas, entre outros. Como a mediação procura preservar as relações, o processo mediacional bem conduzido permite a manutenção dos demais vínculos, que continuam a se desenvolver com naturalidade durante a discussão da causa”. (BACELLAR, 2004, p. 42)
5 A LEI DE MEDIAÇÃO (LEI Nº 13.140/2015)
Legitimando a tendência de implantação do sistema de mecanismos alternativos de resolução de conflitos estabelecidos no ordenamento jurídico brasileiro com a sanção do Novo código de Processo civil – Lei nº 13.105/2015, entrou em vigor, no segundo semestre de 2015, a Lei nº 13.140.2015, que, define parâmetros objetivos acerca da mediação judicial e extrajudicial entre particulares, além da autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública.
A Lei nº 13.140.2015, logo em seu art. 1º, parágrafo único, tratou de normatizar uma definição acerca do que seja a mediação, estabelecendo que tal prática caracteriza-se como sendo “a atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia”.
Conforme disposto no art. 2º da mencionada Lei, a mediação é informada pelos princípios da imparcialidade do mediador, isonomia entre as partes; oralidade. Informalidade; autonomia da vontade das partes; busca do consenso; confidencialidade; e boa-fé.
No âmbito dos conflitos familiares destacam-se os princípios da autonomia privada e da confidencialidade.
O princípio da confidencialidade tem especial importância tendo em vista a natureza particular dos conflitos que envolvem questões familiares. O art. 30 da Lei nº 13.140.2015 determina que “toda e qualquer informação relativa ao procedimento de mediação será confidencial em relação a terceiros, não podendo ser revelada sequer em processo arbitral ou judicial, salvo se as partes expressamente decidirem de forma diversa ou quando sua divulgação for exigida por lei ou necessária para cumprimento de acordo obtido pela mediação, abrangendo declarações, opiniões, sugestões, promessas, propostas, reconhecimento de fatos, documentos dentre outros”. Significa dizer que apesar das tentativas de solução consensual de conflito empenhadas durante o procedimento de mediação, caso não seja obtido o acordo entre as partes e eventualmente a controvérsia seja encaminhada à jurisdição, as informações constantes do procedimento de mediação, seja judicial ou extrajudicial, não valerão como meio de prova, tendo em vista sua confidencialidade.
Na Lei de Mediação existem disposições comuns à mediação extrajudicial e à judicial (art. 14 a 20), entretanto, a mediação extrajudicial será indicada após convite formulado pela parte interessada que indicará a matéria, a data e o local da reunião inicial (art. 21), ao passo que a mediação judicial será designada obrigatoriamente caso a petição inicial apresente os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido (art. 27), conforme o mencionado.
No tocante aos conflitos familiares, a mediação poderá exercer papel fundamental na medida em que representa uma opção não litigiosa de solução de controvérsias através da presença de indivíduo dotado de habilidade capaz de facilitar a comunicação entre as partes, mas sem poder de decisão.
Nas questões que envolvam incapazes, v.g. guarda dos filhos comuns, pensão alimentícia de filhos menores, dentre outras, poderão ser objeto de mediação familiar. Isso porque o § 2º do art. 3º da referida Lei traz a possibilidade de que seja buscado o consenso das partes envolvendo direitos indisponíveis, mas transigíveis, através da oitiva de representante do Ministério Público e homologação judicial.
Nesse sentido, a mediação apresenta-se como um caminho alternativo à resolução dos litígios no qual há a preocupação com a história de vida e com a preservação emocional das partes.
6 A MEDIAÇÃO NO NCPC/2015 (Lei 13.105/2015)
O novo Código de Processo Civil trata da solução consensual dos conflitos no § 2º do art. 3º como encargo do Estado, verdadeira política pública judiciária. Fixa a solução consensual como norma fundamental do processo, no mesmo patamar dos princípios processuais constitucionais, impondo essa modalidade de solução de conflito como prioridade para a atuação do Estado.
A referida legislação dá grande importância aos meios consensuais de tratamento de conflitos, trazendo ao longo de todo o código o incentivo às soluções autocompositivas. Servindo como exemplo a previsão do inciso V do artigo 139, que é dever do juiz promover a qualquer tempo a autocomposição, acrescentando que a atuação judicial deverá ocorrer preferencialmente com o auxílio de mediadores.
Já em seu artigo 165, § 3° traz o conceito de mediação, segundo o qual, o mediador atuará preferencialmente nos casos em que houver vínculo anterior entre as partes, auxiliando os interessados a compreender as questões, mas não irá sugerir soluções, sendo que as partes vão identificar por si mesmas as soluções consensuais (Lei 13.105/15).
Além desse conceito de mediação o novo código traz em seu artigo 166 os princípios basilares para sua aplicação, como independência, imparcialidade, confidencialidade, da autonomia da vontade, da oralidade, da informalidade e da decisão informada.
Com a previsão da audiência de mediação e conciliação no novo Código de Processo Civil em seu artigo 334 e seus parágrafos, traz que o réu não é mais citado somente para responder à petição inicial, mas sim citado e intimado para comparecer à audiência de conciliação ou mediação. A designação da audiência ocorrerá caso não estejam presentes os óbices previstos do caput, como a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar. Registre-se que para não ocorrer à audiência o desinteresse deve ser de ambas as partes. Além disso, entende como ato atentatório a dignidade da justiça a ausência injustificada do autor ou do réu na audiência de mediação ou conciliação, prevendo multa de até 2% sobre o valor da causa.
Apenas no caso de ser infrutífera a audiência de conciliação ou mediação é que se iniciará o prazo de 15 dias para o réu oferecer contestação, por petição, conforme o art. 335 do CPC/2015.
Poderá ocorrer à situação em que o réu venha a alegar a incompetência, relativa ou absoluta, antes da audiência, o que suspenderá sua realização, se houver sido designada, como determina o art. 340, § 3º do CPC/2015. Após a definição da competência, o juízo competente deverá designar nova data para a realização de conciliação ou mediação, nos termos do art. 340, § 4º.
Independentemente de ter havido qualquer tentativa de solução consensual de conflitos anterior, seja judicialmente, seja extrajudicialmente, cabe ao magistrado, por ocasião da instalação da audiência de instrução e julgamento, tentar sempre conciliar as partes, conforme determina o art. 359 do novo CPC.
Em se tratando de lides possessórias coletivas, bem como em litígios sobre a propriedade de imóvel, como se observa em seu art. 565, está previsto a audiência de mediação antes de ser apreciado o pedido de concessão da medida liminar.
Além disso, as práticas conciliatórias e mediadoras de conflitos, no âmbito do Direito de Família, passam a seguir a lógica interdisciplinar pela qual o magistrado poderá determinar a suspensão do feito para que as partes se submetam a mediação extrajudicial, conforme se vê dos arts. 694 a 699 do CPC/2015. Como nota-se em uma decisão do Tribunal de Justiça do RS:
“EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE CONHECIMENTO PELO RITO ORDINÁRIO CUMULADA COM PEDIDOS LIMINARES. PROJETO SOLUÇÃO DIRETA-CONSUMIDOR. POSSIBILIDADE DO SOBRESTAMENTO DO TRÂMITE PROCESSUAL. O Projeto Solução Direta-Consumidor, uma parceria realizada entre o Poder Judiciário Gaúcho e a Secretaria Nacional do Consumidor, do Ministério da Justiça, criou para o consumidor a possibilidade de resolver o litígio antes do aforamento da demanda. Tendência renovatória do processo civil (terceira onda, segundo Mauro Cappeletti) que aponta para a necessidade de identificar situações que devam ser direcionadas para mecanismos alternativos de resolução conflitos, como a conciliação, a mediação, a arbitragem e outros. A utilização de tal ferramenta, ao invés de cercear o direito de acesso à Justiça, revela-se benéfica às relações de consumo, vez que o consumidor dispõe de um instrumento capaz de solucionar com celeridade situações que poderiam demandar vários anos para serem solvidas caso fosse buscada a tutela do Judiciário. A sociedade civil, representada pelo Poder Público, não pode mais suportar o custo de um Judiciário que seja a primeira alternativa buscada para resolver todo e qualquer problema surgido nas inúmeras relações que cada cidadão tem no seu dia a dia. Assim, quando o sistema público propicia mecanismos ágeis, de fácil acesso e sem custo para solucionar tais conflitos, mais do que razoável exigir que a parte deles se utilize antes de ajuizar uma demanda. O Judiciário não deve ser a primeira, mas a última alternativa para a solução dos litígios. Suspensão do feito pelo prazo de 30 dias, para que a parte autora, ora agravante, comprove documentalmente nos autos a tentativa de resolver o pleito mediante a plataforma "Solução Direta-Consumidor" que se mostra razoabilíssima. AGRAVO DE INSTRUMENTO IMPROVIDO”. (Agravo de Instrumento Nº 70068274893, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Guinther Spode, Julgado em 28/04/2016)
Bem se observa, portanto, uma série de modificações buscando sempre valorização dos mecanismos alternativos de resolução de conflitos autocompositivos, deixando de ver o Poder Judiciário como a única ou a melhor solução para o conflito. Passando a ver a mediação como métodos que visa uma decisão mais democrática, que dá voz as partes, que as possibilita escolher a melhor solução, que incentiva a cidadania e que busca a cultura de paz.
7 A MEDIAÇÃO COMO POLÍTICA PÚBLICA PARA A PACIFICAÇÃO SOCIAL
É importante salientar que as políticas públicas e sua aplicação na resolução dos conflitos é uma alternativa de acesso à justiça. Desse modo, definindo as políticas públicas, essas se apresentam como respostas ao sistema político, o dever que o Estado tem em razão das demandas sociais e políticas que irão ao encontro aos destinatários. Diante disto, a criação e implementação dessas políticas públicas estão diretamente ligadas à ação de fazer ou não por parte do Estado (União, Estados e Municípios), que tem por finalidade desempenhar o seu papel.
Segundo Heringer (2002, p. 85) política pública é “a ação de determinado governo, orientado para atingir fins específicos, ou seja, é um meio para se atingir determinada meta econômica ou social”. É dessa forma que não se vê políticas públicas como uma função exclusiva do Estado, mas sim uma relação com a res pública e com a sociedade.
Os meios consensuais têm a intenção de democratizar as decisões que resolvem os conflitos, incentivando a cidadania, inserindo o cidadão na solução do problema em que é parte. A sociedade a tempo esta descrente na jurisdição do Estado, e isso se deve a fatores como a morosidade, decisões que constantemente divergem de entendimentos anteriores, decisões de difícil cumprimento entre outros. Por esta razão a criação da resolução n° 125 do CNJ, bem como a importância que é atribuída para a mediação ao longo de todo o texto do novo CPC e a própria Lei de mediação. A mediação, esse método consensual, busca um resultado em comum, qual seja a solução do conflito através do diálogo, colocando as partes como protagonistas na construção da solução, e não mais como expectadoras do juiz.
Através dessa retomada do diálogo entre as partes na busca de soluções benéficas para ambas, ocorre uma transformação no pensamento dos conflitantes, mudando a “verdade” que tinham em relação ao conflito, em que apenas um poderia sair “ganhador”, e assim acontece a modificação da sistemática social, e por consequência a quebra de antigos paradigmas.
Contudo, quando se fala em buscar a cultura de paz na sociedade, não se pretende com isso a extinção dos conflitos, apenas a busca de meios mais adequados e democráticos para encontrar as soluções. Assim, confirmando esse entendimento:
“No entanto, é um erro pensar que devemos trabalhar exclusivamente no sentido de obter uma sociedade sem conflitos ou litígios. Estes são intrínsecos a qualquer sociedade e constituem elementos naturais do processo de desenvolvimento e de progresso. Uma sociedade sem conflitos é uma sociedade amorfa. Em sociedades abertas e democráticas, a pluralidade de posições e a possibilidade de confrontar as diferentes perspectivas e preferências constituem peças fundamentais para o saudável funcionamento das mesmas. A funcionalidade da sociedade depende não da inexistência de conflitos, mas da existência de mecanismos apropriados para a sua resolução, ou melhor, para uma gestão construtiva” (CUNHA, LOPES, 2011 p.39).
No tocante ainda à paz social, Lília Sales (2003, p. 123) ressalta que:
“[…] a sua compreensão transcende a ausência de violência física e moral. A busca pela paz social perpassa pela necessidade de se efetivar os direitos fundamentais. […] A mediação promove o fortalecimento dos cidadãos por meio do diálogo, o que em muitos casos resulta na busca pela efetivação desses direitos fundamentais.”
A implementação de políticas públicas tem como objetivo melhorar o acesso à justiça, proporcionando o acesso a ordem jurídica justa, bem como a disseminação da cultura de paz. Dessa forma, para a efetivação de políticas públicas que concretizem os objetivos referidos, será imprescindível a participação de alguns setores da sociedade.
Como prevê o artigo 6°, inciso V da resolução 125 do CNJ, a parceria com órgãos públicos competentes, e das instituições públicas e privadas da área de ensino como as universidades tem papel fundamental nessa mudança da cultura de judicialização, pois são as formadoras dos novos operadores do direito, além disso, formam cidadãos.
Por esta razão, é de grande importância essa parceria entre universidade e Poder Judiciário, com a implementação da mediação de forma judicial e extrajudicial. Aplicando-se de forma extrajudicial por meio dos atendimentos de seus núcleos jurídicos.
Por fim, ao se falar que os meios consensuais devem ser incentivados pelo Estado, e setores da sociedade, como as universidades, o que se pretende é efetivar princípios fundamentais previstos na constituição como a dignidade da pessoa humana, a cidadania, que estão ligados ao acesso a uma ordem jurídica justa.
É preciso olhar essa nova realidade com a perspectiva de se buscar uma sociedade mais pacífica, com maior diálogo entre os cidadãos e entre o Estado com a sociedade. A tão aclamada cultura de paz só será atingida com a aproximação do Estado ao cidadão, ouvindo suas reivindicações, o que pode ocorrer por meio das políticas públicas, sejam elas de iniciativa Estatal ou emanadas de sociedades não governamentais. Para isso, os meios consensuais não devem ser utilizados como medidas imediatistas, objetivando a extinção dos processos judiciais em grande quantidade, mas sim como política pública de longo prazo, visando à mudança cultural, bem como método preventivo de surgimento de novos conflitos.
8 CONCLUSÃO
A sociedade como um todo é composta pela diversidade que subsiste na adversidade. Constantemente, o sistema judiciário nega a existência de questões peculiares concernentes àqueles indivíduos que se conglomeram nas lides. Cada um possui suas necessidades e especificidades, não devendo ser simplesmente compartimentados em sentenças que não irão solucionar suas questões.
Desta feita, a aplicabilidade do instituto de mediação exige do universo jurídico maior exercício de humanização e revisão de seus próprios institutos, para a consecução da cultura da paz.
Entretanto, para a persecução da justiça (um dos fins mais declarados do Direito), aquele que sofre as consequências da norma não pode ser mero espectador desta, devendo ser colocado no centro da discussão de sua incidência. Participando interativamente de sua própria decisão, com isso obtendo maior e efetiva celeridade processual, e colocando um fim a sua demanda.
Além disso, a relevância prática do assunto é inegável. São inúmeros os casos em que o sistema judiciário, além de não solucionar a lide, comete erros notórios, que maculam indefinidamente a vida da pessoa. A hermenêutica jurídica civil precisa de constante revisitação, à luz dos avanços sociais.
O Direito, lida, na maioria das vezes, com a legislação, ou seja, discursos com fundamentos normatizados, rígidos ou estabelecidos especificamente por profissionais habilitadas no interior de uma instituição burocratizada e estática.
Um Juiz que profere uma sentença, crendo piamente no rigor de sua decisão motivada, prescindindo de todo o aporte trazido pelos novos paradigmas contemporâneos da interdisciplinaridade, deixando-o restrito a um laudo que na maioria das vezes é, apesar de inconclusivo, utilizado como prova, age sem mensurar consequências. Desta feita, a perpetuação das injustiças torna-se uma realidade aparentemente incontornável.
Por isso, de extrema relevância a análise do tema, principalmente porque a ideia de que fenômenos psíquicos, sociais, históricos e políticos, podem ser analisados sem a interferência do senso comum ou do cotidiano, justamente por ser parte de um sistema maior, mais complexo, de infinitas possibilidades.
Cabe ao Direito, em frente dessas conjecturas, coadunar-se com ideais que perpassam pelos métodos alternativos de resoluções de conflitos, e pelo próprio movimento social, que comprova a tendência de desconstituição de lides, solucionadas somente por imposição de uma sentença e sim por uma maior participação das partes em busca de solucionar os próprios conflitos chegando-se assim a pacificação social.
Informações Sobre os Autores
Frederico Oliveira Freitas
Mestre em Direito pela Faculdade de Direito Milton Campos Pós-Graduado em Direito Público pela Associação Nacional dos Magistrados Estaduais Pós-Graduado em Docência e Gestão do Ensino Superior pela PUC/MG Professor das Faculdades de Direito Arnaldo Janssen Professor do curso de Pós-Graduação da Escola Superior de Advocacia da OAB/MG. Advogado
Débora Bastos Sérgio
Especialista pela Pós-Graduação Lato Sensu em Advocacia Cível pela Escola Superior de Advocacia da OAB/MG — ESA/MG e Escola Superior Dom Helder Câmara – ESDHC. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário UNA. Advogada