Resumo: Este artigo trata sobre a responsabilidade civil ambiental sob uma análise fundada na corrente da sociedade de risco, contemplando aspectos atinentes ao caráter objetivo do instituto. De considerações atinentes à relação das atividades produtivas e os danos ao meio ambiente, analisa a teoria da responsabilidade civil ambiental a partir de seus pressupostos e busca discutir alguns posicionamentos de limitação, exclusão e a teoria do risco integral, procurando delimitar qual a resposta normativa ideal ao tema no direito brasileiro.
Palavras-chave: responsabilidade civil ambiental, dano, poluição, meio ambiente, risco integral,
Abstract: This article discuss about the environmental civil liability under an analysis founded in the current risk society theme, contemplating some aspects linked to the objective caracter of the civil institute. From considerations concerning the relationship of productive activities and the damage to the environment, it examine the theory os environmental liability from its principles and aim to discuss some placements of limitation, exclusion and the full risk theory, seeking to delimit which is the brazilian law ideal response to the theme.
Key words: Environmental civil liability, pollution, environment, full risk, compensation
Sumário: 1. Introdução – 2. Proteção do meio ambiente – 3. A responsabilidade civil ambiental – 4. A responsabilidade civil objetiva: normas aplicáveis – 5. A reparação civil do dano ambiental – 6. Pressupostos da responsabilidade civil objetiva – 6.1. A questão do dano ambiental – 6.2. A relação de causalidade – 7. Limitação proporcional ou parcial da responsabilidade civil ambiental – 7.1. A teoria do risco – 7.1.1. Risco Criado – 7.2. A limitação por concorrência de culpa e caso fortuito e força maior – 7.3. A questão da solidariedade – 8. Conclusão
Introdução
Não restam questões quanto à relevância do tema da responsabilidade civil ambiental. É instituto primário no que concernem quaisquer discussões que envolvam assuntos ambientais e, na verdade, da humanidade em sentido geral, essencialmente sobre tópicos de degradações de todas as ordens. Se há algo a ser positivamente avaliado nas últimas décadas dentro da vertente ambiental é a evolução jurídica, ética, moral e científica, dito em outras palavras, o progresso conceitual sobre o ser humano e a forma como ele se relaciona com o meio ao seu redor, com as demais vidas, a visão holística da sobrevivência e da qualidade de vida inter e intrageracional, a proteção de todos esses fatores.
De maneira ainda bastante rarefeita, os primeiros passos destas mudanças se deu com legislações esparsas de caráter protetivo espacialmente localizado e materialmente específico, por exemplo, no Brasil 1797, pela Carta régia de proteção a rios, nascentes e encostas, que passavam a ser declarados propriedade da Coroa, bem como em 1850 quando foi promulgada a Lei n° 601/1850, primeira Lei de Terras do Brasil, disciplinando a ocupação do solo e estabelecendo sanções para atividades predatórias[1], como o Smoke Nuisance Abatement (Metropolis) Act em 1853 e os Alkali Act de 1863 e de 1874 voltados ao controle de emissão de gases no Reino Unido da Grã-Bretanha[2].
À frente, o que se percebe numa análise histórica é um ponto de inflexão da visão meramente utilitarista propagada pelos movimentos progressistas industriais anteriores a uma propagação global de revisão dos modelos produtivos, das matrizes energéticas, da relação limitada entre o potencial de produção e de consumo com a existência de recursos ambientais, até uma consideração de valores quanto à vida propriamente dita. São claros referenciais do que ora se diz o primeiro relatório elaborado pelo Clube de Roma, em 1972, ‘Os Limites para o Crescimento’ (The Limits to Growth), dando luz a reconciliação sustentável entre produção e exploração de bens ambientais[3], passando Declaração da Conferência da ONU sobre o Meio Ambiente, Estocolmo 1972, que espraiou bases normativas de caráter ético-principiológico à proteção do meio ambiente, com consequente estabelecimento do PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), e pelo relatório elaborado pela Comissão Brundtland[4], Nosso Futuro Comum (Our Common Future), cujas linhas propositivas demonstravam dimensões absolutamente conhecidas relativas à proteção da humanidade e do meio ambiente, sendo porém ‘a voz’ que ecoou tais e tão óbvios enunciados como ‘um mundo onde a pobreza e a desigualdade são endêmicas estará sempre propenso à crises ecológicas, entre outras (…) O desenvolvimento sustentável requer que as sociedades atendam às necessidades humanas tanto pelo aumento do potencial produtivo como pela garantia de oportunidades iguais para todos’.
A partir de então, as atenções do mundo se voltaram à conscientização das inumeráveis questões humanitárias e ambientais, vinculadamente consideradas, que pudessem produzir condições sustentáveis de vida às presentes e futuras gerações, como propagados pela reunião RIO 92 e a Agenda 21, Kyoto 1997 e o seu Protocolo de metas de redução de emissões, Joanesburgo 2002 com a Declaração sobre o Desenvolvimento Sustentável, até a RIO + 20, cujos debates orientaram-se por pelo tema central da economia verde e a estrutura institucional no contexto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza[5].
Na mesma esteira segue a temática da responsabilidade civil ambiental, tendo sua construção atual ligada principalmente às novas teorias sociais do risco, e em paralelo às novas correntes civilistas que propuseram uma passagem da responsabilização civil subjetiva, apenas fundada nos fatos ilícitos e seus pressupostos, para o dever indenizatório objetivo, em casos de fatos lícitos. Criou-se a noção de absorção do risco inerente às atividades e fatos potencialmente perigosos, e os danos que a coletividade seria capaz de absorver, ou teria de absorver, mesmo sem haver uma conduta normativamente infratora. E é nessa corrente objetiva que o direito ambiental segue.
Em termos introdutórios, pode-se aferir que a responsabilidade civil ambiental está atrelada aos conceitos dos danos ambientais, e suas alarmantes consequências prejudiciais. Assevera Helita Custódio que os danos ambientais compreendem em seu conteúdo o dano ecológico (ora contempladas as degradação dos bens ambientais), o dano ao patrimônio cultural, o dano nuclear, e demais danos resultantes de quaisquer espécies de poluição. Efetiva, iminente ou potencialmente lesivos e ameaçadores à sadia qualidade de vida, as degradações produzidas ameaçam e lesam, direta ou indiretamente, a saúde ambiental, a saúde pública, a segurança e a paz, o trabalho, ao patrimônio, à cultura, ao lazer, enfim, ao bem estar da coletividade[6]. Como um dos substanciais elementos da responsabilidade civil, o dano ambiental amplia o campo dos danos ressarcíveis inerentes tanto à responsabilidade subjetiva como à responsabilidade objetiva, numa conjugação da teleologia jurídica de utilidade social e justiça jurisdicional.
Assim, torna-se patente que a noção geral da responsabilidade civil fundada em normas jurídicas de conteúdos gerais e especiais, de caráter preventivo e repressivo, tem finalidades plurais, desde a reparação do dano ambiental, buscando a preservação ou ao reestabelecimento da estrutura ecológica anterior e do equilíbrio social.
Como afirma Paulo Affonso Machado, é claramente um extremismo desnecessário inferir a ideia de que todas as intervenções no meio ambiente ocasionarão prejuízos individuais ou coletivos – seria a afirmação da antítese entre desenvolvimento e proteção ambiental, o que é frontalmente contrário às atuais correntes de sustentabilidade, às possibilidades de mudança e de inovações, ou como atribui o doutrinador, contemplaria que o estado adequado do meio ambiente é o imobilismo[7]. A análise a ser feita, então, refere-se à função do direito ambiental, em direcionar as atividades humanas, aprimorando limites, dispondo acerca dos comportamentos aceitáveis e defesos, com o objetivo de garantir que essas atividades não causem danos ao meio ambiente, impondo-se a responsabilização e as consequentes penalidades aos transgressores dessas normas[8].
Por sua natureza, a atividade poluente culmina numa espécie de apropriação pelo poluidor dos direitos de outrem, vez que a degradação representa uma limitação do direito da coletividade em usufruir dos bens ambientais, de gozar de uma vida com qualidade e bem estar, de respirar a boa paz social, finalidade primária de qualquer indivíduo. Sob esse escopo, passa-se a análise das modalidades de reparação do dano ecológico, tratando desde os elementos preventivos inerentes aos riscos das atividades econômicas, passando pelo viés indenizatório, até a cessação e reparação, recuperação do meio ambiente.
2. Proteção do meio ambiente
Começa-se trazendo ao trabalho a definição jurídica do bem protegido, o meio ambiente, delimitado por muitas normas, as quais reproduzem um conceito bastante semelhante. A Lei de Política Nacional do Meio Ambiente é a norma primária de todas as definições jurídicas relacionadas ao meio ambiente, e é dela que se extrai, no art. 3° da Lei 6.938/81, que o meio ambiente abrange o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química, biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as formas. A adoção desse conceito significa a proteção de tudo o que permite, abriga e rege a vida, todos os processos naturais que se correlacionam para desenvolvimento de toda e qualquer forma de vida, e não apenas a vida humana. É a proteção, como dito inicialmente, de vida no sentido mais amplo possível, falando-se da tutela jurídica de todos os ecossistemas, dos bens que interagem e do homem, neles inseridos. É da mesma lei a conceituação de poluidor, pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental (Lei 6.938/81, art. 3, IV).
Fazendo uma importante distinção conceitual sobre meio ambiente, Benjamin Hermann que o meio ambiente deve ser concebido como um bem distinto dos elementos que o compõe, ou seja, como um macrobem: ‘o meio ambiente, embora como interesse (visto pelo prisma da legitimação para agir) seja uma categoria difusa, como macrobem jurídico é de natureza pública. Como bem – enxergado como verdadeira ‘universitas corporalis’ – é imaterial, não se confundindo com esta ou aquela coisa material (floresta, rio, mar, sitio histórico, espécie protegida, etc.) que o forma, manifestando-se ao revés como complexo de bens agregados que compõe a realidade ambiental[9]
O fundamento primário desta proteção, como é claro, advém da Constituição Federal, na redação de seu art. 225. Ao consagrar a proteção do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, classifica-o como bem de uso comum do povo. Essa classificação determina que esse direito pertence a todos, trazendo uma ideia de indisponibilidade, do fato que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, como um todo, é insuscetível de apropriação. Do caráter indisponível dos bens ambientais advém a sua imprescritibilidade quanto à ocorrência de danos a esses bens. É nesse sentido também a disposição do artigo 3° da Lei 6.398/81, segundo o qual meio ambiente é definido como o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.
3. A responsabilidade civil ambiental
O conceito de responsabilidade ambiental tem seu fulcro na disposição do art. 225, § 3, da CF, conforme já aludido e colacionado, e infere a culminação de sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. O dispositivo constitucional, como se vê, reconhece três tipos de responsabilidade, independentes entre si – a administrativa, a criminal e a civil -, com as respectivas sanções legais, o que não é peculiaridade do dano ecológico, uma vez que qualquer dano a bem de interesse público pode gerar os três esferas de responsabilidade.
Pertinente ao escopo deste trabalho, temos que a responsabilidade civil ambiental está juridicamente relacionada a uma base principiológica que lhe dá sustentação e autonomia para assegurar que os sujeitos protegidos pelas sistema normativo – o meio ambiente com seus processos naturais e a coletividade e sua saudável qualidade de vida – tenham reparados seus interesses uma vez lesados de qualquer forma.
Diz Herman Benjamin sobre o primeiro deles, o princípio da precaução, que este responde à pergunta acerca da incerteza e da imprevisibilidade científica advinda da periculosidade ambiental de uma atividade[10], e de qual será o papel dos agentes envolvidos – o ofensor, o Poder Público, a sociedade – nas situações de risco ou dano efetivo. E o viés-tema é a hipossuficiência da vítima, meio ambiente e coletividade. Ao afastar a necessidade de certeza e prova, ou seja, de inverter o ônus probatório, o princípio da precaução define que o titular da atividade, ainda que tome as providências legalmente exigíveis para sua conduta, toma para si a responsabilidade inerente ao risco científico-comercial da atividade econômica; dito de outra forma pelo citado doutrinador, impõe-se aos degradadores, efetivos e potenciais, ‘o ônus de corroborar a inofensividade de sua atividade proposta’, em especial nas situações em que o dano ambiental apresenta condições de larga escala, de difícil reparação ou mesmo de irreparabilidade[11].
É impor ao agente econômico que, além da obrigação de efetivar o princípio preventivo sobre uma atividade, de obrigatoriamente tomar medidas mitigatórias sobre os processos produtivos potencialmente poluentes, de definir processos otimizados que evitem degradações aos sítios vizinhos, há sim ‘um dever genérico e abstrato de não degradação do meio ambiente’, invertendo-se o regime civil da ilicitude, já que, nas bases da responsabilidade ambiental, prevalece uma presunção face ao risco, cabendo ao agente provar contrariamente.
Por sua vez, o princípio do poluidor-pagador propõe que o agente que degradar o meio ambiente, por ação ou omissão, deve assumir os custos de medidas mitigatórias e de reparação o dano causado, segundo as determinações legais cabíveis. É o princípio de internalização dos custos ambientais pela degradação, ou das externalidades negativas, obrigando uma política empresarial consciente, que reproduza a totalidade dos custos sociais e ambientais no próprio mercado, seja pelo uso dos bens ambientais, seja pelo seu esgotamento, seja pela danosidade, ou pelas medidas de controle e prevenção: tudo está inserido na atividade. E, claro, a obrigação de reparar e ressarcir.
O princípio da reparação integral dos danos ambientais igualmente tem papel importante no regime jurídico da responsabilidade civil ambiental, consagrado pelo compêndio infraconstitucional e emanado da própria sistemática constitucional Por esse princípio, restam defesas todas as formas, legais ou constitucionais, de exclusão, modificação ou limitação da reparação ambiental, que deve produzir seus efeitos de forma integral, mais amplamente possível, de maneira a assegurar a proteção ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e a coletividade, que deve ter resguardado seus interesses reparatórios.
Em continuidade, partindo da lição de Helita Custódio, considera-se responsabilidade civil, direta ou indireta, toda obrigação de reparar ao lesado o dano (material ou moral) resultante da violação de um dever de não lesar ninguém, quer por fato ou ato individual ou de outras pessoas, seja por vínculos legais ou familiares, ou por fato de guarda de objetos, advindos de culminações legais. Resulta que a noção de responsabilização ora tratada circunscreve os danos decorrentes tanto de qualquer conduta contrária ao direito – ação ou omissão dolosa ou culposa, configurando ato ilícito – como de conduta admitida em direito, mas causadora de dano reparável – ato lícito caracterizado pelo perigo ou risco -, de acordo com as circunstancias de cada caso e as respectivas normas jurídicas previstas no Direito Positivo[12].
Essa característica objetiva da responsabilidade civil ambiental é seu ponto basilar, é o elemento que a difere das teorias tradicionais de responsabilidade e, apesar do arcabouço jurídico que sustenta esse postulado, é tema que ainda gera divergências quanto a sua aplicação, sua extensão e limites. E é ao que se passa a discutir.
4. A responsabilidade civil objetiva: normas aplicáveis
No plano infraconstitucional, o primeiro fundamento da responsabilidade civil ambiental advém da lei 6.938/81, a qual em seu artigo 4°, VII, dispõe que a PNMA visará à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos. Adiante, no artigo 14, § 1°, resta definida a responsabilidade objetiva em matéria ambiental, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade[13].
Por sua vez, o art. 927, parágrafo único, do CC de 2002, dispõe: ‘Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.’
Na primeira parte da norma, em matéria ambiental, já acima citados os termos determinados pela Lei 6.938/81, que instituiu a responsabilidade sem culpa. No tocante à segunda parte, quando se trata de atividades que imputem riscos ambientais, vê-se a aplicação principiológica do poluidor pagador e da reparação integral do dano. Quem cria o perigo, por ele é responsável. O que fez o legislador foi associar também a noção de perigo, risco, à ideia de dano, tratando-os sob uma mesma exegese de consequência, a saber, a reparação.
Assim, conclui-se que o direito ambiental busca abranger as duas funções da responsabilidade civil objetiva: a função preventiva – procurando, por meios eficazes, evitar o dano – e a função reparadora – tentando reconstituir e/ou indenizar os prejuízos ocorridos. A estrutura jurídica não mais aceita a desvalorização da responsabilidade preventiva, uma vez sabida o potencial danoso que uma degradação ambiental pode tomar, de possibilidades irreversíveis[14]. É dever fundamental o cuidado, a prevenção, obrigando os agentes responsáveis de atividades potencialmente poluidoras a encomendar estudos, fazer estimativas, realizar teste, apenas a citar alguns exemplos, com objetivo de eliminar as possibilidades de ocorrerem danos ambientais; implica, assim, a necessidade, em virtude dos riscos inerentes, tentar evitar preventiva e cautelosamente, eventos de efeitos imprevisíveis.
Importa observar que nem mesmo a obtenção de prévio licenciamento por parte do agente perante o Poder Público é capaz de afastar a responsabilidade do degradador na esfera civil. Conforme leciona Álvaro Luiz Mirra, uma atividade licenciada ou autorizada pela Administração Pública que, na prática, causar lesões ao meio ambiente e à coletividade será de qualquer visão uma atividade passível de responsabilização na esfera civil, contingenciando a cessação, a recuperação e a obrigação de indenizar[15].
5. A reparação civil do dano ambiental
Em continuidade, a aplicação ao dano ambiental do princípio da reparação integral do dano, sem qualquer exceção, bem como a ampliação dos efeitos da responsabilidade civil nessa matéria, que abrange não apenas a reparação propriamente dita do dano ao meio ambiente, como também a supressão do fato danoso à qualidade ambiental, obtendo-se a cessação definitiva da atividade causadora de degradação ambiental.
A ocorrência do dano ao meio ambiente significa que os deveres de precaução e prevenção não foram adotados ou não foram suficientes para evitar o dano. Disto, a sistemática do direito ambiental apresenta um novo tipo de comportamento ao efetivar-se a responsabilização jurídica do poluidor dos bens ambientais. Álvaro Luiz Mirra acentua nesse sentido, corroborando com que aferimos nos princípios norteadores da responsabilidade ambiental, que é adotada no direito pátrio ‘um sistema que conjuga, ao mesmo tempo e necessariamente, responsabilidade objetiva e reparação integral’[16]. Essa orientação é a defendida por grande parte da doutrina, e aqui seguida, sendo entendida como decorrência do princípio da indisponibilidade do interesse público na proteção do meio ambiente, que impede a adoção de qualquer dispositivo que pretenda limites à reparação de danos ambientais. Quer-se dizer que no Direito brasileiro vigora a responsabilidade sem culpa, e indenização ilimitada, bem dito, equânime aos danos causados.
A responsabilidade no campo civil se concretiza com o cumprimento da obrigação de fazer ou de não fazer e no pagamento de condenação em dinheiro. Manifesta-se na aplicação desse valor em atividade ou obra de prevenção ou de reparação do prejuízo, e a indenização é um dos modos de recompor o prejuízo percebido. Há, entretanto, outras formas de reparação, nos casos em que a mera composição monetária não é satisfatória. Veja-se o lançamento de poluentes em rio, causando a morte dos peixes: é um grave dano ecológico, que não produz recomposição com a mera indenização monetária – considerando inclusive a dificuldade material em avaliar os prejuízos que um dano dessa natureza produz ao ecossistema e à coletividade que dela usufrui. Outro exemplo: a devastação de uma floresta ou uma área de proteção ambiental, requer a recomposição ou reconstituição, tanto quanto possível, da situação anterior (conforme determina a Lei 6.902/81, art. 9°, §2°).
Uma das penalidades passíveis de serem aplicadas nas ‘Áreas de Proteção Ambiental’ é a ‘obrigação de reposição e reconstituição’ (art. 9°, § 2° da Lei 6.938/81). A mesma lei, nos objetivos da política nacional, inseriu dois comportamentos a serem observados, a saber, a preservação e a restauração. E, além disso, o PNUMA prevê como um dos objetivos a ‘imposição ao poluidor e ao predador da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados’ (art. 4°, VII), ‘independentemente da existência de culpa’ (art. 14, § 1°).
A própria Constituição, por seu art. 225, §2°, impõe àquele que explore recursos minerais a obrigação de recuperar o meio ambiente degradado. São degradações em que uma indenização monetária do dano não produz os efeitos produtivos que a responsabilização ambiental demanda, exigindo-se a recomposição do bem ambiental em consonância com a solução técnica determinada pelo órgão público competente. E não se paga, no caso, uma indenização sem destino. Ao revés, como lembra Paulo Afonso Machado, a letra do artigo 13 da Lei 7,347/85 diz que ‘havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados’[17].
Sobre o tema, afirma Carlos Alberto de Salles: ‘uma medida compensatória, consistente em substituição por equivalente em valor pecuniário, não cumpre a função de reconstituir a característica coletiva do bem. Constata-se não interessam remédios judiciais de simples compensação. Medidas desse teor transformam em dinheiro valores sociais de natureza diversa, que não encontram correspondência nos parâmetros de mercado. Para cumprir sua função nessa esfera, os mecanismos processuais devem ser compreendido e aplicados de maneira a conduzir à adoção de soluções capazes de impor condutas, de maneira a evitar o dano ou reconstruir o bem lesado’[18].
Francisco José Marques Sampaio defende que não é apenas a agressão à natureza que deve ser objeto de reparação, mas a privação, imposta à coletividade, do equilíbrio ecológico, do bem estar e da qualidade de vida, elementos constitucionalmente protegidos, proporcionados pelo bem ambiental lesado. Consequentemente, a reparação do dano ambiental deve compreender, no mesmo sentido, o período em que a coletividade ficará privada daquele bem e dos efeitos benéficos que ele produzia, por si mesmo e em decorrência de sua interação[19].
Há uma distinção a ser feita. A supressão da atividade danosa, assim como tomada de procedimentos que cessem a omissão danosa, são providências autônomas, cujos objetivos passam por terminar a prática danosa, buscar uma reparação possível ou impedir o agravamento do dano ainda não reparado. Distingue-se ela da reparação do dano porque a reparação age diretamente sobre o dano; por sua vez, a supressão do fato danoso atua sobre a origem do dano, eliminando a fonte do prejuízo. Bem por isso, a supressão do fato danoso é providência autônoma que pode ser obtida independentemente da reparação do dano e, sobretudo, cumulativamente com a reparação[20].
6. Pressupostos da responsabilidade civil objetiva
José Aguiar Dias salienta que na literatura germânica, as tentativas de sistematizar a doutrina da responsabilidade civil objetiva, ou responsabilidade sem culpa, fundamentaram-se nos princípios: do interesse ativo, de acordo com o qual aquele que desenvolva uma atividade qualquer, em interesse próprio, deve sofrer as consequências que provenham do exercício dessa atividade; da prevenção, buscando afastar as dificuldades da prova e da insuficiência das regras processuais, não admitindo a exoneração da pessoa a qual se atribui a responsabilidade; da equidade ou do interesse preponderante, levando-se em conta a situação econômica das partes envolvidas; princípio de repartição do dano, fruto da ideia do sistema de indenização do dano pelo seguro; princípio do caráter perigoso do ato, tendo como base a criação de um perigo particular[21].
Para averiguar a existência da responsabilidade civil objetiva é necessária a presença dos seguintes pressupostos: ação ou omissão, dano e relação de causalidade. Em termos operacionais, três são as dificuldades que se colocam para determinar a responsabilidade civil objetiva ambiental: a identificação dos responsáveis, a complexidade do nexo causal e as características do dano ambiental[22].
6.1. A questão do dano ambiental
A definição de dano ambiental, pela concepção interpretativa inerente ao Direito Ambiental, é sempre ampla e baseada na estrutura constitucional do bem de uso comum, ecologicamente equilibrado e essencial à sadia qualidade de vida. Qualquer conduta, omissão ou risco advindo de uma atividade, ainda que legalmente dirigida, praticada por pessoa física ou jurídica, de direito público ou de direito privado, que perturbe esse caráter do meio ambiente, limite ou impeça o indivíduo ou a coletividade de usufruir dos bens ambientais, será considerado um dano, uma lesão ao meio ambiente e a quem diretamente por ele reclamar.
O dano ambiental origina-se de um fato jurídico, de um ato lícito, pelo exercício de uma determinada atividade, ou de um ato ilícito. Álvaro Luiz Mirra assim o define: ‘toda degradação do meio ambiente, incluindo os aspectos naturais, culturais e artificiais que permitem e condicionam a vida, visto como bem unitário, imaterial, coletivo e indivisível, e dos bens ambientais e seus elementos corpóreos e incorpóreos específicos que o compõem, caracterizadora da violação do direito difuso e fundamental de todos à sadia qualidade de vida em um ambiente ecologicamente equilibrado)[23]
Novamente traz a Lei 6.938/81 o conceito primário de dano ambiental, quando por seu artigo 3°, II e III, define degradação e poluição, estando essa contida na definição legal da primeira, e das quais o conceito de dano é gênero. Diz o artigo citado que degradação da qualidade ambiental significa a alteração adversa das características do meio ambiente e que poluição é a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; afetem desfavoravelmente a biota; afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos;
Temos então o postulado de que o dano indenizável terá origem nas modificações das propriedades dos elementos que constituem o limite de tolerabilidade em determinado lapso de tempo. Assim, o princípio do limite de tolerabilidade traz a ideia de um mecanismo de proteção do meio ambiente que possa proporcionar equilíbrio entre as atividades do homem e o respeito ao ecossistema. Todavia, os valores e parâmetros que podem indicar os limites de tolerabilidade não podem ser absolutos, em razão das incertezas científicas. O princípio da precaução resta como defesa em prol dessas incertezas[24].
Essa amplitude conceitual de mensuração do dano empregado na construção das normas ambientais se dá também da necessária consideração de muitas variáveis envolvidas, algumas delas de consequências incertas. E muito embora o legislador busque definir critérios mais certos e objetivos para a mensuração do dano, a sua aferição para determinar a imputação de responsabilidades, caberá em última análise aos órgãos e entidades de fiscalização ambiental, sejam aqueles vinculados ao SISNAMA, seja ao Ministério Público no âmbito de suas atribuições.
Existe na doutrina uma classificação de duas concepções de dano ambiental, a saber, uma estrita, pelo qual o dano ambiental á analisado sob a ótica restrita do dano ecológico puro, cujas consequências são pertinentes apenas sobre os bens ambientais; e por sua vez, uma concepção ampla de dano ambiental, abrangendo o meio ambiente numa visão de todos os seus aspectos (naturais, artificiais, do trabalho e culturais), não estando adstrita apenas aos bens naturais[25].
No que tange a extensão dos efeitos, o dano ambiental é classificado como individual ou coletivo: o primeiro, sendo também denominado reflexo ou mediato, define-se pela lesão aos direitos e interesses do indivíduo em função dos distúrbios ambientais, ocorridos por exemplo na privação de uso ou gozo de determinado bem natural, ou a contaminação de área residencial vizinha; a segunda caracterização, coletiva, é o dano com potencial para provocar a alteração da qualidade de vida de um número indeterminado de pessoas considera o meio ambiente em si mesmo, não se reduzindo o dano e suas repercussões a nenhum conteúdo financeiro e possuindo natureza difusa, como nas palavras de Nestor Cafferata, em que ‘la contaminacion es itinerante, cambiante, se difumina em el tiempo e en El espacio, no tienen limites geográficos ni fisicos, ni temporales ni personales’ com ‘carater muchas veces retardatário, acumulativo’[26].
Em vias reparatórias, o dano decorrente de atividade poluente tem como pressuposto básico a própria gravidade do acidente, ocasionando prejuízo patrimonial ou não patrimonial a outrem, independentemente de se tratar de risco permanente, periódico, ocasional ou relativo. Nessa esteira, faz-se a caracterização do dano ambiental segundo os critérios de: anormalidade, quanto à modificação das propriedades físicas e químicas dos elementos naturais que resultem na perda, total ou parcialmente, das suas propriedades de uso; periodicidade, critério que deverá ser visto com cautela, pois um dano ambiental não necessariamente requisita eventualidade para ser percebido, podendo ser aferido num único evento de degradação; gravidade, verificada quando restar ultrapassado o limite máximo de absorção de agressões que possuem os seres humanos e os elementos naturais, limites estes verificados de forma subjetiva, quando da apreciação judicial de um dado caso, ou de forma objetiva, quando há valores referenciais determinados no sistema normativo. A doutrina refere também a duas concepções de dano ambiental. A concepção estrita, em que o dano ambiental se resume ao dano ecológico puro, aquele que afeta unicamente os recursos naturais. E a concepção ampla de dano ambiental, abarcando o meio ambiente em todos os seus aspectos (naturais, artificiais, do trabalho e culturais), não estando adstrita apenas aos bens naturais[27].
Há a possibilidade de aferição de danos morais provenientes de um dano ambiental. Seu fundamento está, a par do patrimônio em sentido técnico, o indivíduo é titular de direitos integrantes de sua personalidade, não podendo conformar-se à ordem jurídica em que sejam impunemente atingidos. A base jurídica para esse entendimento veio a partir das alterações introduzidas pela lei 8.884/94, que por seu art.88, deu nova redação ao artigo 1° da Lei de Ação Civil Pública 7.347/85, o qual passou a vigorar sob a redação: ‘Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: l – ao meio-ambiente.’
Trata-se de um dano coletivo, causado à sociedade como um todo, derivado de uma agressão ao meio ambiente. Assim, toda vez que a ofensa ao meio ambiente configurar, além dos prejuízos de ordem patrimonial, uma diminuição da qualidade de vida da população, será passível a reparação por danos morais. Entretanto, como toda reparação civil, uma vez comprovados danos à personalidade, à intimidade, danos de caráter moral ao indivíduo lesado, igualmente é assegurado a este buscar em juízo a reparação dessa espécie de dano.
6.2. A relação de causalidade
A relação de causalidade constitui requisito essencial do dever de reparar. Todavia, não há de se confundir nexo causal com imputabilidade, em vias que a relação de causalidade busca determinar os elementos objetivos, externos, consistentes na atividade ou na inatividade do sujeito e aleatórios do direito, enquanto a imputabilidade refere-se a um elemento subjetivo interno.
Assim, não se verifica a existência de um vínculo entre a culpa e o dano sofrido, mas se deve identificar o vínculo entre o fato gerador do dano ou o risco – ou seja, a atividade desenvolvida por aquele que ocasionou o dano – e o dano propriamente dito. Na realidade, basta que se reconheça que o autor tenha praticado ato que se revele elemento potencial causador do dano. O nexo causal é difícil de ser delimitado, ainda mais quando inexiste um acidente, evento da origem do dano e este, ao contrário, manifesta-se de forma lenta e progressiva. Vê-se que os fatores que dificultam a comprovação do nexo de causalidade são a distância entre a atividade origem do dano e a sua ocorrência; a multiplicidade de fontes; o fator tempo, pois muitas vezes o dano se manifesta após décadas; e finalmente a dúvida científica entre a atividade e os efeitos que produz no meio ambiente[28].
A prova da existência do nexo de causalidade do dano ambiental é realizada através da verificação de que o risco da atividade ou o vício contido na coisa tenha exercido uma influência causal decisiva na produção do resultado danoso. É necessária a presença da conexão causal, vale dizer, a relação de causa e efeito entre a atividade do agente e o dano dela advindo. Na prática, como já posicionamos, a relação objetiva da responsabilidade ambiental gera a inversão do ônus da prova, cabendo àquele que é considerado o poluidor provar que sua atividade não causou o dano que lhe é atribuído.
7. Limitação proporcional ou parcial da responsabilidade civil ambiental
Ainda que advenha de uma orientação do sistema normativo brasileiro, que haja normas de direito internacional no mesmo sentido, o caráter objetivo da responsabilidade civil ambiental possui correntes divergentes quanto a amplitude e integralidade tanto da responsabilização em si quanto da reparação a ser procedida. É o que se passa a discutir.
7.1. A teoria do risco
De acordo com Henri Lalou, a teoria da responsabilidade no sistema normativo francês se fundamenta na teoria do risco e não toma mais a base clássica subjetiva de culpa provada ou presumida. A estrutura jurídica da reparação contorna a teoria de que as atividades que criam um risco, seja individual ou coletivo, implica em responsabilidade ao agente do dano efetivo ou potencial, sem adentrar ao mérito da culpa. A teoria do risco, salienta o autor, ‘parece justificar-se numa ideia de justiça: por sua atividade o homem pode obter proveito; é justo que, por reciprocidade, ele repare os danos decorrentes. ‘Ubi emolumentum, ibi onus’[29]. A doutrinadora cita ainda Carbonnier, para quem a responsabilidade fundada no risco tem caráter objetivo, causal. Assim, baseia-se no nexo de causalidade objetivo originado do dano causado, bastando que o dano tenha liame material aos atos ou omissões do agente; conforme já atribuído anteriormente, a atividade produtiva, uma fonte de proveito mercantil, que traga em seu bojo riscos de produzir danos ao ambiente, a reparação dos danos que ela dá causa deve ser interpretada também como uma contrapartida dos proveitos subsequentes da atividade[30].
Nesse sentido, diz René Savatier que com o desenvolvimento da grande indústria moderna, tornou-se necessário reconhecer um outro princípio da responsabilidade: o risco ligado ao proveito. Aquele que faz trabalhar as forças gigantescas a seu benefício deve, em contrapartida, e em virtude de uma regra nova de justiça, estranha à antiga responsabilidade, fazer seus os danos e suportar as consequências prejudiciais da atividade que ele emprega[31].
7.1.1. O risco criado
Pela teoria do risco criado, uma dada atividade desenvolvida que crie um perigo ao meio ambiente e à sociedade que a cerca, resulta na imputação do sujeito responsável pela tal atividade em reparar o dano que causar, salvo se provar que tomou as medidas necessárias a evitá-lo. Segundo entende Caio Mario da Silva Pereira, essa teoria é a que melhor se adapta às condições da vida social: “Se alguém põe em funcionamento uma qualquer atividade, responde pelos eventos danosos que esta atividade gera para os indivíduos, independentemente de determinar se em cada caso, isoladamente, o dano é devido à imprudência, à negligência, a um erro de conduta, e assim se configura a teoria do risco criado[32]
Explica ainda que a teoria do risco criado amplia o conceito do risco-proveito, pois não se cogita se através do dano causado buscou-se um proveito ou uma vantagem qualquer para o agente; supõe-se que a atividade pode ser proveitosa para o responsável, mas não se subordina o dever de reparar ao pressuposto desta vantagem.
Nesse sentido, Krell levanta a questão acerca da possibilidade do instituto da responsabilidade civil ambiental no ordenamento brasileiro se fundamentar na teoria do risco-proveito, admitindo-se em alguns casos as excludentes de responsabilidade. Postula o jurista sobre casos em que o Estado contribui com o fato lesivo ambiental ao não exercer sua função fiscalizatória, emitindo licenças, permissões e autorizações a atividades que produzem ou potencialmente produzirão degradações. Conclui entendendo que o primeiro guardião dos interesses da coletividade, como do bem difuso ‘meio ambiente’, ainda é o Estado e não o cidadão e, portanto, seria injusto repassar a responsabilidade inteiramente ao particular, o qual legalmente exerce sua atividade econômica, que resta assegurado pela regularidade e licitude albergadas pela licença estatal[33].
Assim, partindo-se dessa corrente doutrinária, começa a ser traçado um caminho jurídico para admitir fatores de exclusão ou limitação da responsabilidade civil ambiental, como as situações de caso fortuito e a força maior, do fato criado pela própria vítima ou mesmo da intervenção de terceiro.
7.2. A limitação por concorrência de culpa e caso fortuito e força maior
No âmbito civilista, há de se falar no princípio da concorrência de culpa da vítima, como se depreende novamente da lição de Caio Mário da Silva Pereira: “Ao apurar-se a responsabilidade, deve ser levada em consideração a parte com que a vítima contribuiu, e, na liquidação do dano, calcular-se-á proporcionalmente a participação de cada um, reduzindo em consequência o valor da indenização.’[34]
Na mesma esteira desse entendimento, figura-se que a culpa da vítima, sendo concorrente com a culpa do agente, atenua esta, uma vez observado que a vítima também contribuiu resultado lesivo de forma culposa. Essa teoria de limitação da responsabilidade no âmbito civil, de caráter proporcional ou parcial, tem aplicação pontual, comprovada a existência do nexo causal entre o fato danoso e a conduta concorrente do terceiro lesado à do responsável. São casos em que se torna cabível a atenuação ou limitação proporcional ou parcialmente.
Ao se tratar da seara ambiental, Helita Custódio não aceita a adoção deste posicionamento inferindo que, não obstante algumas limitações legalmente prescritas, por princípio de ordem geral do Direito e da Justiça (CF, art. 5°, XXXV, e art. 37, § 6°), o lesado ou ofendido deve ser indenizado pela totalidade do dano, evidenciando que esta conclusão se aplica tanto aos casos de lesado diligente como aos casos em que o lesado, apesar de ter agido culposamente por negligência, imprudência ou imperícia, sem qualquer intenção de lesar, não assumiu nenhum desejo ou vontade de ser vítima[35].
Todavia, adverte a doutrinadora que essa conclusão não se aplica aos casos em que o lesado agiu dolosamente, com a demonstrada intenção de lesar ou de assumir a vontade de ser vítima, igualmente por princípios de origem geral integrantes do sistema jurídico. Não se admite em direito a generalização de circunstâncias inconfundíveis, como aquelas entre a conduta dolosa do lesado intencional ou que assume o risco de produzi-lo de qualquer forma ilicitamente tendenciosa e a conduta meramente culposa do lesado não intencional, que não busca o resultado danoso, tampouco assume o risco de produzi-lo, situações em que os danos não dependem de seu comportamento, nem a este se vinculam.
Sobre a exclusão da responsabilidade civil ambiental em casos de caso fortuito e força maior, Helita Custódio encontra na doutrina brasileira três posicionamentos diante da alegação do concurso de ocorrência dessas circunstâncias.
A primeira defende a exclusão da responsabilidade civil com base na inexistência do nexo causal. Funda-se na disposição do artigo 393 do Código Civil Brasileiro, o qual determina no caput que o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado e, em seu parágrafo único que o caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.
Para Mário Moacyr Porto, apesar da importância hodierna em respeito a responsabilização dos danos ao meio ambiente, é necessário analisar que, para se caracterizar um caso de força maior, há como requisitos a imprevisibilidade, a irresistibilidade e a exterioridade (causa externa). Nesse sentido, verificado o dano causado, e este foi produzido exclusivamente por um fato da natureza, como uma tempestade, um abalo sísmico etc., resta manifestada força maior, excluindo o nexo causal entre o prejuízo e a ação ou omissão da pessoa a quem se atribui a responsabilidade pelo prejuízo. Salienta que se a pessoa demandada concorreu de qualquer modo para o dano, não caberá arguição de motivo de força maior[36].
Quanto a segunda corrente, admite a limitação da responsabilidade sobre uma parte do dano atribuída ao responsável pela atividade perigosa e excluindo a outra parte do dano atribuído à invocação do concurso de ocorrência de caso fortuito ou força maior, uma vez que só em parte se demonstra a existência do nexo causal referente ao dano ressarcível, excluindo-se qualquer relação de causalidade no tocante aos citados eventos.
Sobre a terceira via, essa se baseia na aplicação total da responsabilidade civil por danos ambientais, ainda que haja concurso dos casos de excepcionalidade em discussão. Na defesa dessa tese, destaca-se a posição de José Aguiar Dias, face debate sobre o artigo 393, CC, entendendo que não se deve olivar que se discute interesses metaindividuais, o que exclui a aplicação dos esquemas tradicionais fundados na culpa ou na intenção do agente. Inundações, erosões, quedas de barreiras, escoamento de águas pluviais, a citar alguns exemplos de realidades naturais frequentes em grandes metrópoles, não podem ser base para defesa de forças da natureza e condições imprevisíveis, externas as possibilidades técnicas da atividade perigosa: ‘considerar tais acontecimentos como caso fortuito ou força maior é absolver o homem dos seus crimes contra a conservação da natureza’.[37]
É uma interpretação sistêmica dos inúmeros fundamentos do Direito Ambiental Brasileiro, constitucionalmente consolidados, agregado à compatibilização com os notórios e progressivos avanços científico-tecnológico-jurídicos, direta e indiretamente relacionados com os princípios da previsibilidade ou da previsão (de atos ou fatos humanos ou da natureza potencialmente prejudiciais) e da prevenção ou da precaução (mediante a adoção de medidas antecipadamente acautelatórias e de efetivo desempenho de ações no sentido de impedir, evitar ou reduzir os riscos e danos ambientais previstos e acautelados tempestivamente.
Visando a efetivação de uma nova doutrina material e processual dos interesses difusos que responda melhor à realidade do mundo hodierno, demonstra Nelson Nery Junior que, pela teoria do risco integral, ‘a indenização é devida independentemente de culpa e, mais ainda, pelo simples razão de existir a atividade da qual adveio o prejuízo; o titular da atividade assume todos os riscos dela oriundos’. E exemplifica: ‘ainda que a indústria tenha tomado todas as precauções para evitar acidentes danosos ao meio ambiente, se explode um reator controlador da emissão de agentes químicos poluidores (caso fortuito), subsiste o dever de indenizar (…) se por um fato da natureza ocorrer derramamento de substância tóxica existente no depósito de uma indústria (força maior), pelo simples fato de existir a atividade há o dever de indenizar’[38].
Na esteira do pensamento do citado doutrinador, é bem se ressaltar que o progresso de todas as intervenções humanas no meio ambiente impõe um alto preço tanto à comunidade que se sujeita à convivência com o risco de poluição, como ao poluidor que tem também sua parcela de sacrifício. E justamente neste ponto a aplicação da teoria do risco integral se faz presente, subsistindo ao poluidor o dever de indenizar pela assunção do risco que sua atividade acarreta.
7.3. A questão da solidariedade
Além da existência de prejuízo, é necessário estabelecer o liame entre a ocorrência danosa e a fonte poluidora. Nos casos de um único foco emissor não existe nenhuma dificuldade jurídica. É na pluralidade de autores do dano ecológico que resta a dificuldade em determinar o liame causal. José Aguiar Dias salienta: ‘a indivisibilidade do dano pode aparecer como consequência da dificuldade de fixar o montante do prejuízo atribuível a cada um, operando a fusão dos dois danos num só e único prejuízo. Seria, na verdade, injurídico beneficiar os autores do ato ilícito com a incerteza que só eles estão em condições de desfazer e uma vez que não haja outra solução capaz de atender ao imperativo da reparação ao lesado’[39].
Vigora, pois, no Direito Brasileiro a aplicação total da responsabilidade civil ambiental diante da concorrência de culpas ou riscos entre pessoas solidariamente responsáveis Em sítios ocupados por distritos industriais, por exemplo, pode gerar dificuldades na aferição das fontes causadoras do prejuízo ambiental. Entretanto, pela sistemática da responsabilidade solidária aplicável também ao direito ambiental, o lesado, seja pessoa física ou jurídica, de direito público ou de direito privado, individual ou coletivamente considerada, não está obrigado a processar conjuntamente todos os poluidores, cabendo a escolha daquele que lhe convier chamar à responsabilidade, por exemplo, utilizando como critério a solvência dos responsáveis – pressupondo, claro, reste caracterizado o nexo causal entre dano e este agente.
A concorrência de causas danosas, particularmente diante da preocupante número de casos danosos ao ambiente e à coletividade, entre agentes solidariamente corresponsáveis pelo ressarcimento do dano total, assume notável relevância diante da multiplicidade de atividades perigosas e temerárias, regularmente concedidas pelo Poder Público. Essa realidade de riscos e graves danos é verdadeiro confronto com o direito de proteção ao lesado e é evidente que a finalidade da norma jurídica é a proteção do lesado.
Importa salientar, conforme leciona Caio Mário da Silva, que por força dos princípios da teoria da responsabilidade solidária, caberá ao responsável eleito agir contra os solidariamente responsáveis dando mãos à ação regressiva, para haver de cada um a quota proporcional no volume de indenização, ou, se for o caso, agir contra o causador direto do dano[40].
8. Conclusão
O que se defende nesse trabalho é a irrelevância da subjetividade da conduta, não havendo mais a necessidade de intenção danosa ou de verificação de culpa, bastando configuração de um prejuízo e o apontamento de seu autor para gerar o direito de ressarcimento e reparação. Outro ponto importante dessa teoria se apresenta na inversão do ônus da prova decorrente da presunção de causalidade entre a atividade do agente e o prejuízo, sendo a incumbência desse agente desfazer tal presunção, juris tantum. Verificado o dano ecológico, resta presumida a causalidade e o dever de indenizar, cabendo ao acusado providenciar na produção de prova negativa, excludente de sua responsabilização.
Conclui-se pela impossibilidade das excludentes da responsabilidade baseados em caso fortuito e força maior, na ação de terceiros ou na licitude da atividade, ainda que esta esteja amparada por autorização (lida em sentido amplo) do Poder Público e em conformidade com as normas pertinentes.
Ressalte-se também a tendente atenuação do relevo do nexo de causalidade, sendo considerada apenas a potencialidade da atividade do agente em gerar um dano ambiental para que se presuma a responsabilidade deste. Assim, adotada e consolidada a teoria do risco integral, a postura do Direito é de colocar o poluidor sob assunção de todo o risco que sua atividade produza. A mera existência da atividade produz o dever de reparar, uma vez determinado nexo causal entre dita atividade e o dano dela advindo. De acordo com essa sistemática, só haverá exoneração de responsabilidade nas hipóteses em que o dano não existir ou tal dano não guardar relação de causalidade com a atividade da qual emergiu o risco.
Informações Sobre o Autor
Luiz Francisco Tavares da Silva Junior
Mestrando pela PUC-SP, graduado pela mesma Universidade. Advogado e consultor, atua no âmbito do Direito Ambiental, com ênfase no setor de gerenciamento de áreas contaminadas