Resumo: Este estudo dedica-se à análise do instituto da responsabilidade civil dos médicos em cirurgias plásticas estéticas sob a ótica do Código de Defesa do Consumidor. Diante disso, analisaremos a relação médico-paciente a qual possui natureza contratual, estando incluída no rol das relações de prestação de serviços, possuindo, portanto, natureza consumerista. Após, será verificada os tipos de obrigações assumidas pelos médicos, as quais poderão ser de meios, nos casos das atividades médicas em geral, ou de resultados, quando se tratar de cirurgias plásticas meramente embelezadoras, o que por sua natureza gerará a necessidade de reparar o dano causado independente de comprovação de culpa pelo paciente, haja vista que será aplicado a inversão do ônus da prova, nos termos do artigo 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor.
Palavras-chave: Responsabilidade Civil do Médico. Relação Médico-Paciente. Direito do Consumidor. Cirurgia Plástica. Inversão do Ônus da Prova.
Abstract: This study is devoted to the analysis of the institute of civil responsability of physicians in cosmetic plastic surgeries from the perspective of the Consumer Defense Code. Therefore, we will analyze the physician-patient relationship, which is contractual in nature, being included in the list of services rendered relationships, and is therefore of a consumer nature. Afterwards, the types of obligations assumed by the doctors will be verified, which may be of means, in the case of medical activities in general, or of results, in the case of purely embellishing plastic surgery, which by its nature will generate the need to repair the damage caused regardless of evidence of guilt by the patient, since it will be applied to reverse the burden of proof under, the terms of article 6, VIII, of the Consumer Defense Code.
Keywords: civil responsibility of physicians. Physician-patient relationship. Consumer law. Plastic surgery. Reversal of the burden of proof.
Sumário: 1. Introdução. 2. Desenvolvimento. 3.Conclusão
1. Introdução
Nos últimos anos, houve um aumento dos tratamentos médicos decorrentes do avanço tecnológico, do culto ao corpo e da beleza estética, o que exige uma maior atenção dos médicos quanto do atendimento aos pacientes, a fim de se evitar resultados insatisfatórios decorrentes da expectativa gerada pelo paciente.
Por sua vez, a relação médico-paciente se tornou mais impessoal, se transformando em contrato de prestação de serviços, no qual são estabelecidos direitos e deveres entre as partes. Além disso, a vida, a saúde e a integridade física e moral do paciente, embora sejam bens indisponíveis e inconsumíveis, são bens garantidos constitucionalmente, devendo, também, ser protegidos pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC) quando da prestação dos serviços médicos, ensejando o dever de indenizar nos casos de danos provocados em decorrência da atuação do médico, uma vez que ele se põe à disposição da sociedade para exercer uma relação típica de prestação de serviços, disciplinada pelo CDC.
Portanto, busca-se com o presente trabalho abordar a prestação dos serviços médicos, sob a ótica da relação de consumo prevista no CDC, dispondo sobre o tratamento dado por este diploma legal e pelo Código Civil ao médico, no que tange a sua responsabilidade, mais especificamente à responsabilidade destes profissionais na realização de cirurgias plásticas estéticas, considerando a culpa presumida destes em face da hipossuficiência do paciente/consumidor.
Para tanto, iremos demonstrar, primeiramente, o conceito de responsabilidade civil em seu aspecto geral. Analisaremos, também, a importância da relação médico-paciente, o dever de informar e o consentimento informado, os quais são de insofismável relevância para a compreensão do erro médico e consequentemente a sua devida reparação.
Feito isso, trataremos sobre a responsabilidade civil dos médicos propriamente dita, onde iremos abordar a natureza jurídica do contrato celebrado entre o médico e o paciente para este fim (cirurgia plástica meramente embelezadora), concluindo, ao final, que o contrato realizado é de resultados, sendo a obrigação assumida, uma obrigação de resultados.
Para alcançar os objetivos propostos, utilizou-se como recurso metodológico, a pesquisa bibliográfica, realizada a partir da análise pormenorizada de materiais já publicados na literatura e artigos científicos divulgados no meio eletrônico.
O presente estudo foi formulado nas ideias e considerações dos autores como: Cavalieri Filho (2001), Bomtempo (2013), Diniz (2003) e Gonçalves (2012).
2. Desenvolvimento
Para entendermos o conceito de responsabilidade civil é necessário termos em mente a visão da complexidade das relações sociais que ocorre na vida moderna. Na atual sociedade, a gama de interesses concorrentes é grande e por vezes, se chocam provocando lesão entre partes.
Por este motivo, e visando estabelecer o “statu quo ante”, vale-se o Direito do instituto da responsabilidade civil, para que a lesão ao direito e patrimônio alheio possa ser eficazmente compensada.
A palavra “responsabilidade” origina-se do verbo latim “respondere”, “designando o fato de ter alguém se constituído garantidor de algo” (DINIZ, 2003, p. 35).
Segundo leciona o mestre Caio Mário da Silva Pereira:
“A responsabilidade civil consiste na efetivação da reparabilidade abstrata do dano, em relação a um sujeito passivo da relação jurídica que se forma. Reparação e sujeito passivo compõem o binômio da responsabilidade civil, que então se enuncia como princípio que subordina a reparação à sua incidência na pessoa do causador do dano. Não importa se o fundamento é a culpa, ou se é independente desta. Em qualquer circunstância, onde houver a subordinação de um sujeito passivo à determinação de um dever de ressarcimento, aí estará a responsabilidade civil”. (1996, p.11)
O atual Código Civil dispõe sobre a responsabilidade civil no artigo 927 e determina que “Aquele que, por ato ilícito (artigos 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”. (BRASIL, 2016).
A definição de ato ilícito é fornecida pelo artigo 186 do mesmo diploma legal, ao estabelecer que “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito ou causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. (BRASIL, 2016).
Em regara, a obrigação de indenizar pelos danos causados pela prática de um ato ilícito decorre da culpa do agente. Assim, terá um ato ilícito se a ação do agente contrariar o ordenamento jurídico (responsabilidade extracontratual), ou se o agente não cumprir com a obrigação assumida (responsabilidade contratual), configurando-se a responsabilidade subjetiva. Entretanto, a obrigação de indenizar não se restringe apenas no âmbito da culpa, pois poderá advir da mera conduta do agente, bastando apenas o nexo causal entre a conduta do deste e o dano causado a outrem, ocasião que em será configurada a responsabilidade objetiva.
Para a caracterização da responsabilidade civil subjetiva, como uma obrigação de reparar o dano causado é imprescindível à existência de quatro elementos, quais sejam: conduta humana (ação ou omissão do agente), culpa, dano e nexo causal. É considerada subjetiva pela presença do elemento culpa.
Segundo José de Aguiar Dias, principal expressão doutrinária sobre o tema, após comentar a dificuldade em conceituar o elemento culpa, o define da seguinte forma:
“(…) A culpa é a falta de diligência na observância da norma de conduta, isto é, o desprezo, por parte do agente, do esforço necessário para observá-la, com resultado, não objetivado, mas previsível, desde que o agente se detivesse na consideração das consequências (sic) eventuais de sua atitude”. (1997, p.120).
Outrossim, Sérgio Cavalieri Filho concluiu a culpa como sendo uma “conduta voluntária contrária ao dever de cuidado imposto pelo Direito, com a produção de um evento danoso involuntário, porém previsto ou previsível”. (2001, p.39).
Sendo assim, podemos entender que a culpa baseia-se numa conduta do agente, que age sem o intuito de causar dano a outrem, mas por negligência, imperícia ou imprudência, acaba causando-o. Tal evento poderia ser evitado se o agente tivesse observado o dever de cuidado.
O legislador brasileiro não definiu a culpa, limitando-se a conceituar o ato ilícito em seu artigo 186 do Código Civil, onde se vislumbra as duas espécies de culpa: dolo e culpa em strictu sensu. O dolo é a ação ou omissão voluntária. E a culpa é a negligência, imprudência ou imperícia.
Por sua vez, a responsabilidade objetiva é aquela responsabilidade sem culpa, ou seja, para que se caracterize o dever de indenizar, bastará que o lesado comprove a conduta do agente, o dano e o nexo causal entre eles (conduta e dano), sendo irrelevante a culpa do agente causador do dano.
O agente deverá ressarcir o prejuízo que causou independente de culpa, uma vez que sua responsabilidade é imposta por lei, considerando para a fixação da obrigação de indenizar a atividade exercida pelo agente, o perigo que esta atividade pode vir a causar a outrem. Então, se em decorrência desta atividade perigosa o agente causar dano a alguém, ele terá que indenizar, tendo em vista a atividade por ele desenvolvida.
Na responsabilidade objetiva, como afirma Maria Helena Diniz (2003, p.53), “a atividade que gera o dano é lícita, mas causou perigo a outrem, de modo que aquele que exerce, por ter a obrigação de velar para que dela não resulte prejuízo, terá o dever ressarcitório, pelo simples implemento do nexo causal”.
O nosso Código Civil consagrou expressamente a teoria do risco, ao lado da responsabilidade subjetiva, admitindo também a responsabilidade objetiva, ao dispor no parágrafo único do artigo 927 que “haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”. (BRASIL, 2016). Segundo essa teoria “toda pessoa que exerce alguma atividade cria um risco de dano para terceiros. E deve ser obrigada a repará-lo, ainda que sua conduta seja isenta de culpa. A responsabilidade civil desloca-se da noção de culpa para a idéia (sic) risco”. (GONÇALVES, 2008, p. 23).
Portanto, haverá hipóteses da responsabilidade objetiva, as quais estarão expressamente previstas em lei, prevalecendo, porém, a regra da responsabilidade fundada na culpa.
Com relação a responsabilidade civil do médico, enquanto profissional, em regra, tratar-se-á de uma responsabilidade subjetiva, uma vez que é necessária a demonstração do nexo entre a conduta do médico e o resultado lesivo, o que é feito pela comprovação da existência de culpa do agente a quem se imputa a prática do ato danoso.
Segundo Neri Tadeu Câmara Souza (2002, p. 1):
“A responsabilidade civil estabelece em nosso país, via de regra, que aquele que causar dano a outrem deve ressarci-lo por estes prejuízos. A responsabilidade civil do médico advém, também, desta disposição existente em nosso ordenamento jurídico. Deve, pois, ser indenizado, caso isso postule em juízo, aquele que submetido a tratamento médico, venha, por causa deste tratamento, a sofrer um prejuízo, seja de ordem material ou imaterial-patrimonial ou patrimonial”.
Para que seja possível atribuir ao médico a responsabilidade por um ato danoso é necessário que ele deixe de cumprir com os seus deveres, que são: dever de informar e aconselhar, dever de assistir e dever de prudência.
No direito do consumidor, o dever de informar (consagrado no artigo 5º, XIV, da Constituição Federal,) decorre do princípio da boa-fé objetiva, o qual é considerando como cláusula geral para a validade de todos os contratos celebrados e, busca que as partes contratantes, ao firmar o contrato, tenham um comportamento leal, de confiança e probidade. Ele visa proporcionar ao consumidor a verdade sobre os aspectos da contratação, os quais serão determinantes para que ele (consumidor) dê o seu consentimento de forma consciente. Se houver o descumprimento deste dever de informar, o contrato será considerado ineficaz, surgindo, para tanto, o dever de indenizar pelos danos causados em decorrência da má prestação da informação.
Na relação médico-paciente, o direito de informação decorre não apenas da boa-fé objetiva, como também, do princípio da dignidade da pessoa humana e da autonomia da vontade. Neste caso, ele é inerente à atividade médica, sendo considerado um dos direitos do paciente/consumidor, como dispõe de forma clara o artigo 6º, III do Código de Defesa do Consumidor, in litteris:
“Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:(…)
III- a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como os riscos que apresentem”. (BRASIL, 2016)
Esta norma aplica-se aos médicos e profissionais afins. Assim, o médico deverá informar ao paciente sobre a sua enfermidade, as técnicas a serem empregadas, os riscos do tratamento e a possibilidade de cura.
Contudo, não basta apenas o dever de informar, é essencial o consentimento do paciente, por se tratar de uma relação contratual que exige para a sua validade a manifestação de vontade de ambas as partes. Havendo o consentimento pressupõe-se o conhecimento do paciente sobre o procedimento adotado pelo médico.
Ademais, o Código de Ética Médica (Resolução do Conselho Federal de Medicina nº 1931/2009), em seu artigo 1º dispõe sobre as proibições do médico, sendo vedado ao médico “causar dano ao paciente, por ação ou omissão, caracterizável como imperícia, imprudência ou negligência”. (BRASIL, 2016)
Destarte, impede destacar que a relação médico-paciente possui natureza jurídica contratual. Sendo contratual, a responsabilidade civil do médico decorrerá do descumprimento de uma obrigação inerente à vinculação previamente firmada entre as partes, resultando assim em um inadimplemento que ensejará a indenização por perdas e danos.
No entanto, embora a relação médico-paciente seja contratual, em regra, a responsabilidade médica “não tem, ao contrário do que poderia parecer, o resultado de presumir a culpa” (AGUIAR DIAS, 1997, p. 296), ou seja, se o médico não houver concorrido com qualquer dos elementos da culpa, não haverá inadimplemento contratual.
Portanto, devemos destacar que a culpa é um fator preponderante no estabelecimento do dever de indenizar ou reparar, com exceção das hipóteses previstas de ocorrência de responsabilidade objetiva, que é o caso, por exemplo, dos estabelecimento médicos.
Também, em relação a natureza do contrato de prestação de serviços médicos podemos dizer que este é contrato de consumo, no qual a classe médica se encontra inserida no rol dos fornecedores, uma vez serem considerados profissionais liberais. O paciente, neste caso será considerado como consumidor na medida em que ele é o destinatário final do serviço posto à sua disposição pelo médico.
O conceito de consumidor está inserido no artigo 2º, do CDC, sendo que o conceito de fornecedor está previsto no artigo 3º, do mesmo diploma legal, estabelecendo-se, ainda, no §2º deste artigo a definição de serviços.
Assim, “no contrato de prestação de serviços entre médico e paciente, o primeiro assume a obrigação de prestar aquele serviço (objeto ou prestação), e, o segundo, de pagar o serviço realizado e cumprir as orientações do médico para que o serviço mantenha seu êxito”. (BOMTEMPO, 2013).
Nesse sentido, o artigo 14, §4º, do CDC traz em seu texto a responsabilidade civil subjetiva do profissional liberal, inserindo-se neste contexto o médico.
“Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.(…)
§ 4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa”. (BRASIL, 2016)
Dentro dessa responsabilidade subjetiva do médico prevista no CDC é importante destacarmos a natureza jurídica da obrigação médica, que pode ser uma obrigação de meio ou uma obrigação de resultados.
É consenso na doutrina e na jurisprudência que a atividade médica é considerada uma obrigação de meios, ou seja, que não há promessa de cura. Nela o médico deve empregar toda a prudência e diligência, embora não esteja obrigado a alcançar a cura.
Neste caso, a responsabilidade do médico há de ser apurada levando em consideração se os meios empregados para o tratamento do paciente foram os corretos, pois na falta deste haverá a caracterização da culpa com o consequente dever de indenizar.
Por esse motivo, Humberto Theodoro Júnior[1] (2000, p.154) citado por Rodrigo Queiroz acrescenta que “a frustração, porém, do objetivo visado não configura inadimplemento, nem, obviamente, enseja dever de indenizar o dano suportado pelo outro contratante. Somente haverá inadimplemento, com seus consectários jurídicos, quando a atividade devida for mal desempenhada”. (QUEIROZ, 2012)
Lado outro, na obrigação de resultados o médico se compromete a obter determinado resultado. Se este não for alcançado, o médico responderá civilmente em decorrência da presunção de culpa.
Embora exista posições doutrinárias divergentes, a maior parte da doutrina entende que no tocante às cirurgias plásticas, se estas forem reparadoras (na qual o médico em razão da deformidade apresentada pelo paciente busca todos os meios necessários para corrigir o defeito), a obrigação será de meios, uma vez que o médico apenas empenha seu esforço para corrigir a deformação, não assumindo o compromisso de eliminá-la.
Todavia, quando as cirurgias plásticas forem meramente embelezadoras (aquela na qual há apenas a vontade de aperfeiçoar uma parte do corpo), a obrigação será de resultados, visto que nestes casos não existe uma pessoa doente. Ao contrário, existe uma pessoa que goza de saúde perfeita, mas que por vaidade ou mesmo por insatisfação com seu corpo resolve alterar seu aspecto físico. Assim, se o médico assume o compromisso do resultado pretendido e não sendo este alcançado, surgirá o dever de indenizar pelo inadimplemento contratual.
Gagliano e Pamplona Filho[2] citados por Bomtempo apontam que:
“(…) Em se tratando de cirurgia plástica, haverá, segundo a melhor doutrina, obrigação de resultado. Entretanto, se se tratar de cirurgia plástica reparadora (decorrente de queimaduras, por exemplo), a obrigação do médico será reputada de meio, e a sua responsabilidade excluída, se não conseguir recompor integralmente o corpo do paciente, a despeito de haver utilizado as melhores técnicas disponíveis”. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2012, p. 259 apud BOMTEMPO, 2013)
Complementa Teresa Ancona Lopez (1999, p.93) da seguinte forma:
“Sobre a mudança estética prometida, que constitui o fim e a causa da operação, não há como não considerar obrigação de resultado. Ou seja, foi feito um croquis, um desenho do que se pretende. O resultado final ter que ser alcançado e, conforme o modelo, o desenho (…)”.
Outrossim, é importante destacarmos que para que o médico seja responsabilizado não importa a classificação da culpa, ou seja, se ele agiu com imprudência, imperícia ou negligência, bastando que ele tenha agido com uma destas modalidades de culpa e em decorrência desta ação tenha causado um dano ao paciente.
A apuração da culpa do médico irá obedecer ao mesmo critério para a apuração da culpa comum: o juiz irá observar os procedimentos e os cuidados que deveria ter sido adotado em determinado caso concreto, comparando com procedimentos que foram realmente adotados pelo médico. Se este os observou, no momento da intervenção cirúrgica, não agiu com culpa, se não os observou, responderá pelos danos causados.
Contudo, verifica-se que a prova da culpa do médico pelo paciente lesado é de difícil comprovação, ante a ausência de informações técnicas necessárias para se fazer prova contundente da negligência ou imperícia do médico.
Desta forma, considerando que a relação médico-paciente é uma relação de consumo, disciplinada pelo CDC, poderá haver a inversão do ônus da prova, nos termos do artigo 6º, VIII, do CDC, quando restar comprovada a hipossuficiência técnica do paciente, cabendo ao médico provar que agiu com todo o zelo e cuidado e que o resultado obtido estava enquadrado dentro do resultado previsível e aceitável, uma vez ser ele o detentor da informação técnica.
Coaduna com esse entendimento, Carlos Roberto Gonçalves, para quem:
“A prova da negligência e da imperícia constitui, na prática, como já dito, verdadeiro tormento para as vítimas. Sendo o médico, no entanto, prestador de serviço, a sua responsabilidade, embora subjetiva, está sujeita à disciplina do Código de Defesa do Consumidor, que permite ao juiz inverter o ônus da prova em favor do consumidor (art. 6º, VIII)” (2008, p. 398) (grifo do autor)
Porém, caberá ao juiz, independente de pedido da parte, verificar se naquele caso concreto há a vulnerabilidade e a hipossuficiência do paciente, para, então, inverter o ônus da prova.
Por outro lado, vale lembrar que no tange a cirurgia plástica estética, basta apenas para a caracterização da culpa que o resultado não tenha sido alcançado, dispensando-se a prova da culpa por parte da vítima, visto que haverá, necessariamente, a inversão do ônus da prova, conforme preleciona Sá e Naves.
“Nas relações médico-paciente, por serem contratuais, se a obrigação for de meio, caberá ao autor provar a culpa do médico para pretender reparação. Se for obrigação de resultado, bastará a prova de que o resultado esperado não foi atingido. Será, então, o médico que deverá provar que o dano não decorreu de sua culpa”. (2011, p. 98)
Por fim, a responsabilidade pessoal dos médicos somente poderá ser excluída mediante a comprovação das excludentes de responsabilidade civil geral, quais sejam, culpa exclusiva ou concorrente da vítima, caso fortuito e força maior, não podendo o médico alegar a existência no contrato da chamada cláusula de não indenizar, uma vez que o dever de indenizar não pode ser excluído contratualmente, nos termos dos artigos 25 e 51, I, do CDC.
Assim, podemos concluir que haverá responsabilização civil do médico quando este agir com culpa no desempenho de suas funções, sendo considerada como responsabilidade subjetiva, nos termos do artigo 14, §4º, do CDC, cabendo, contudo, a inversão do ônus da prova quando houver a hipossuficiência técnica do paciente/consumidor, excepcionando-se, porém, nos casos das cirurgias plásticas meramente embelezadoras, ocasião em que haverá a culpa presumida, por trata-se de um contrato de resultados, onde não há a obrigação do paciente em demonstrar a ocorrência de culpa por parte do médico, cabendo a ele, todavia, comprovar o dano e nexo de causalidade entre a ação do médico e o dano ocorrido.
3. Conclusão
Diante dos breves comentários esboçados neste trabalho, podemos entender que a responsabilidade do médico trata-se de uma responsabilidade subjetiva. Sendo assim, para aferir a responsabilidade ao médico é necessário que seja demonstrada a culpa deste.
Porém, tem-se grande dificuldade em provar-se a culpa do médico, tendo em vista que a maior parte das provas se encontram em poder deste profissional da medicina. Por esse motivo, existe a previsão de inversão do ônus da prova no artigo 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, com o objetivo de facilitar a produção de provas e assim realizar a instrução processual.
Desta forma, com relação à indenização é necessário verificar se houve ou não culpa do médico, pois não há que se falar em ressarcimento se o médico não tiver agido com imprudência, imperícia ou negligência. Mas em relação à cirurgia plástica estética haverá a presunção de culpa, cabendo ao médico provar que agiu com todo o zelo e cuidado, para poder ser excluída a sua responsabilidade.
Apesar de haver diversas posições sustentadas pelos doutrinadores e operadores do direito acerca da natureza do contrato médico para a realização de cirurgia plástica estética, entendemos que quando se trata de cirurgias plásticas meramente embelezadoras, o contrato realizado será de resultado, uma vez que o médico ao firmar o contrato assumiu o risco pelo alcance do fim pactuado. Assim, se a cirurgia não ficar satisfatória, não alcançando o resultado pretendido, o médico terá que ressarcir o paciente ou mesmo refazer a cirurgia de forma a alcançar o objetivo almejado.
Ademais, exige-se do médico o cumprimento dos deveres inafastáveis de prestar prévia informação sobre os riscos possíveis, além da obtenção do consentimento informado do paciente acerca dos riscos da operação. Tal consentimento só poderá ser dado após o paciente demonstrar sua total compreensão acerca das informações prestadas pelo médico.
Com relação à indenização, podemos concluir que havendo sido comprovada a culpa do médico e os danos causados ao paciente, surgirá o dever de indenizar.
Informações Sobre o Autor
Clarissa Rocha Guidi
Analista do Ministério Público de Minas Gerais. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Pós-Graduação lato sensu Direito Processual Civil pela Universidade Cândido Mendes