A aplicação do direito fundamental a liberdade religiosa nas relações de trabalho: uma reflexão sobre as possibilidades do empregador divulgar, por áudio ou imagem, seu pensamento em matéria religiosa dentro do ambiente laboral

Resumo: Tendo em vista que na contemporaneidade a manifestação das diversas expressões religiosas no mesmo local de trabalho têm causado conflitos entre empregados, e entre esses e seus empregadores; o presente artigo analisa se o fato do empregador divulgar a sua fé, por imagem ou áudio, dentro do ambiente de trabalho, configura-se como agressão aos direitos do trabalhador. Para isso, essa pesquisa busca compreender a dimensão jurídica da liberdade religiosa e sua influência no ambiente de trabalho e na relação trabalhista, a fim de identificar o dever do empregador no que refere à liberdade religiosa dos seus funcionários. Utilizou-se, para tanto, de uma pesquisa exclusivamente bibliográfica, valendo-se de livros, teses, dissertações, artigos e jurisprudências. Foi identificado que a liberdade religiosa é um direito fundamental com estrutura de princípio, de modo que deve ser garantindo em sua máxima abrangência, tanto para o empregado como para o empregador, e que sua eficácia se manifesta no ambiente laboral, de modo que deve o empregador acomodar a liberdade religiosa dos seus empregados ao contrato de trabalho.

Palavra Chave: Liberdade Religiosa. Ambiente de Trabalho. Colisão de Direitos.

Abstract: Considering that the contemporary manifestation of the various religious expressions in the same workplace have caused conflicts between employees, and between them and their employers; this article analyzes the fact that the employer disclose their faith, image or audio, within the work environment appears as assault on workers' rights. To this end, this research seeks to understand the legal dimension of religious freedom and its influence in the workplace and labor relations in order to identify the employer's duty with regard to religious freedom of its employees. We used to do so, an exclusively bibliographic research, drawing on books, theses, dissertations, articles and jurisprudence. It was identified that religious freedom is a fundamental right in principle structure, so that should be ensuring at maximum coverage for both the employee and for the employer, and that their effectiveness is manifested in the work environment, so that should the employer to accommodate the religious freedom of its employees to the employment contract.

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Sumário: 1 Introdução. 2 O direito fundamental a liberdade religiosa na constituição federal de 1988. 2.1 O conceito da liberdade religiosa. 2.2 Finalidade da liberdade religiosa. 2.4 Restrições a liberdade religiosa. 2.5 A eficácia horizontal imediata da liberdade religiosa. 3. A liberdade religiosa e o meio ambiente de trabalho. 4 A possibilidade de o empregador divulgar, por áudio ou imagem, seu pensamento matéria religiosa dentro do ambiente de trabalho. 4.1 Caso I: Academia de propriedade de pessoa evangélica. 4.2 Caso II: Estabelecimento comercial cujo o proprietário é religioso. 4.3 Caso III: indústria de grande porte que dentro do ambiente de trabalho faz uso de meios que divulguem mensagem de conteúdo religioso. 4.4 Caso IV: Empregador doméstico que faz uso de música sagrada. 5. Considerações finais.

1 introdução

A maioria das pessoas tem a convicção de que existe uma realidade incognoscível, suprassensorial, transcendente e superior a do mundo material, que o influencia, nele atua, com ele se relaciona e que nele se manifesta.

Essas pessoas desejam ser irradiadas por essa “realidade” por considerá-la a verdade em si e encontrar nela o significado para as suas vidas. Para tanto, moldam as suas condutas com base nessa convicção, o que influencia a totalidade de suas ações (relacionamentos, alimentação, vestuário, linguajar, trabalho…).

Diante da existente diversidade cultural, as interpretações sobre essa realidade são das mais variadas, sendo muitas vezes divergentes e, quando versam sobre um mesmo comportamento social, podem gerar conflitos.

Atualmente esses tipos de conflitos têm aumentado e se tornado cada vez mais complexos devido à multiculturalização das sociedades contemporâneas – que tem possibilitado a convivência de diversas expressões religiosas em um mesmo espaço – e desafiam o Direito a solucioná-los.

Nesse contexto se insere o ambiente de trabalho, pois é nele onde o indivíduo passa a maior parte do seu dia, e, consequentemente, expressa a sua religiosidade em conjunto com outras pessoas de crenças diferentes, inclusive, em alguns casos, podendo ser o próprio empregador.

São várias as situações de conflitos, dentro do ambiente corporativo, que envolvem os valores religiosos, entretanto, este artigo se vinculará apenas ao estudo da seguinte problemática: o empregador ao exprimir e divulgar, por áudio ou imagem, o seu pensamento em matéria religiosa, dentro do ambiente de trabalho, fere a liberdade religiosa de seus empregados?

Para responder esse problema, este artigo utiliza-se do método bibliográfico-documental, na medida em que se vale da revisão de livros, artigos, dissertações, teses, leis e jurisprudências; e é organizado, além desta Introdução, em mais três capítulos. O capítulo 2 analisará o direito fundamental a liberdade religiosa na Constituição Federal de 1988; o capítulo 3 abordará sobre o exercício da liberdade religiosa dentro de ambiente de trabalho; e o capítulo 4 tratará especificamente em responder a problemática apresentada.

Pretende-se com este estudo refletir sobre a aplicação da liberdade religiosa no ambiente de trabalho, sendo este o objetivo geral. Ressalta-se que esse tema é recente dentro da doutrina trabalhista, e, portanto, a sua exploração ainda é tímida, o que revela a importância deste trabalho.

2 o direito fundamental a liberdade religiosa na constituição federal de 1988

A liberdade religiosa constitui uma das mais fortes e antigas reivindicações do indivíduo, sendo uma das primeiras liberdades a ser reconhecidas nas declarações de direitos e consagrada na esfera do direito internacional como um direito humano (SARLET; MARINONI; MITIDIERO, 2012, p. 458).

No contexto nacional, a sua conquista como um direito fundamental foi um desdobramento do reconhecimento da liberdade de pensamento e de manifestação, e teve como marco histórico a proclamação da República (ALVES; BREGA, 2008, p. 3575), em que as pressões sociais exigiram a absoluta separação entre Igreja e Estado, e, por consequência, a liberdade de culto e de crer sem vinculação a uma religião específica (MANDELI, 2008, p. 61). Portanto, na primeira constituição republicana esses direitos foram consagrados, o que foi seguida pelas demais Constituições, mas somente com a atual Carta Magna foram concebidos sem restrições particulares (GUIMARÃES, 2012, p. 114-115).

Esse reconhecimento aponta que o sistema jurídico pátrio tem entendido que a liberdade religiosa é um valor capital para a coletividade, devendo ser preservado, protegido e fomentado (MENDES; COELHO; BRANCO, 2009, p.204). Isto porque, “a liberdade religiosa está relacionada com outros direitos fundamentais, entre eles o da liberdade de manifestação do pensamento, da dignidade da pessoa humana e do pluralismo […]” (TERAOKA, 2012, p. 254), prevenindo as tensões sociais.

2.1 Conceito da Liberdade Religiosa

A expressão “liberdade religiosa” não está prevista no texto Constitucional. O seu conceito é amplo, complexo e possui várias vertentes (CORRÊA, 2008, p. 31). A maior parte da doutrina a entende como o conjunto de liberdades relacionadas à crença e as atividades religiosas (SEFERJAN, 2012), garantidas pela Constituição por meio dos seguintes dispositivos: artigos 5º, VI, VII e VIII; 19, I; 143, § 1º, 150, IV, “b”; 210, § 1º, 226, § 2º (NETO in CANOTILHO et al, 2013, p. 62).

Não há consenso entre os constitucionalistas sobre quais são as espécies de liberdades que compõe a liberdade religiosa. A proposta que tem mais aceitação é a de José Afonso da Silva, o qual compreende que a liberdade religiosa contempla a liberdade de crença, a liberdade de culto e a liberdade de organização religiosa (SILVA, 2005, p. 248).

Apesar das divergências, Guerreiro, sem requerer exaustividade, indica o que pode haver de comum entre as correntes existentes sobre esse tema: “[…] a) uma cláusula geral de não discriminação por motivo religioso, que impede a distinção no tratamento com fundamento numa qualquer opção religiosa; b) um componente de liberdade individual, consistente em escolher religião, mudar e não aderir a alguma, ou seja, o forum internum da liberdade religiosa; c) um componente de liberdade coletiva, que se desdobra na garantia de que os movimentos religiosos possam se organizar livremente; d) um componente de manifestação da própria religião ou crença, ou seja, o forum externum, ou lado externo da religião. (GUERREIRO apud CORRÊA, 2008, p. 31).” (grifo nosso)

Apesar do posicionamento majoritário da doutrina em conceber a liberdade religiosa como um conjunto de liberdades asseguradas constitucionalmente, este artigo adota o entendimento desenvolvido por Thiago Massao Cortizo Teraoka (2012, p. 254) em sua tese de doutorado, o qual concebe liberdade religiosa como um direito fundamental que possui estrutura de princípio, e, portanto, deve ser realizado em sua máxima abrangência.

Isso significa dizer que todas as questões que se incluam no universo religioso se relacionam com a liberdade religiosa, por consequência, devem ser protegidas, asseguradas e fomentadas pelo Estado. Logo, qualquer forma de discriminar as espécies de liberdades que compõe a liberdade religiosa – como pretende as demais correntes – é insuficiente, pois esse direito fundamental pode se manifestar das mais variadas e imprevisíveis formas, dada a sua lata abertura consequente de sua estrutura de princípio.

2.2 Finalidade da Liberdade Religiosa

Os direitos fundamentais possuem como objetivo proteger o homem em toda a sua extensão, preservando a sua dignidade, garantido a sua auto-afirmação, e considerando-o, para isso, individualmente ou coletivamente (TERAOKA, 2012, p. 254).

A liberdade religiosa por trata-se de um direito fundamental possui a finalidade de proteger o homem no que se refere as suas opções e manifestações religiosas[1], de modo a repelir todos os tipos de arbitrariedade, inclusive do particular.

E ainda, contribui com a formação moral do individuo e com o pluralismo religioso, sendo que este último “[…] tem como consequência a secularização do Estado, que propõe como finalidade do direito o estabelecimento de uma ordem social que assegure aos membros da comunidade política, uma coexistência pacifica, seja quais forem as suas concepções religiosas” (CHAIM PERELMAN apud NALINI, 1999, p. 164), diminuindo, dessa forma, as tensões sociais.

Entretanto, a sua razão de ser não se justifica somente pelas suas contribuições, mas antes porque a Constituição “[…] toma a religião como um bem valioso por si mesmo, e quer resguardar os que buscam a Deus de obstáculos para que pratiquem os seus deveres religiosos” (MENDES; COELHO; BRANCO, 2009, p. 463.).

2.3 Restrições a Liberdade Religiosa

Com a Constituição de 1988 houve relevante alteração no trato da liberdade religiosa no contexto nacional, pois não foi previsto para este direito fundamental algum tipo de restrição específica, tal como ocorreu nas Constituições preterias, que estabeleciam limites quando contraposto à ordem pública e aos bons costumes (TERAOKA, 2012, p. 254).

Isto não significa dizer que a liberdade religiosa deve ser interpretada de maneira absoluta. Por ser um direito fundamental, tem entendido a doutrina (SARLET; MARINONI; MITIDIERO, 2012, p. 332), que a liberdade religiosa pode ser restringida por expressa disposição constitucional, por norma legal com fundamento na Constituição e por meio de ponderação (em caso de colisão com outros direitos fundamentais).

Desse modo, a liberdade religiosa é restringida pela regra geral consagrada pelo artigo 5º, inciso VIII, que estabelece que ninguém pode eximir-se de obrigações instituídas, a não ser pela prestação de obrigações alternativas, previstas em Lei, assim como, por normais legais embasada na Constituição, tais como aquelas contidas no Código Penal, que tanto protegem como limita essa liberdade: art. 140, § 1º (crime de injúria religiosa) e o art. 208 (crime de ultraje, impedimento e perturbação a culto religioso).  

A liberdade religiosa também encontra o seu limite situado na esfera do respeito mútuo, não podendo prejudicar outros direitos (BULUS, 2014, p. 577). Não é permitido, por exemplo, em nome da religião realizar atos atentatórios à dignidade da pessoa humana, sob pena do autor ser responsabilizado na esfera civil e penal (MORAES, 2014, p. 249). Assim, em caso de conflito com outro direito fundamental, deve-se remeter as técnica de ponderação para buscar a solução do mesmo.

2.4 A eficácia horizontal imediata da liberdade religiosa

Dentre as várias teorias existentes sobre a eficácia dos direitos fundamentais, o STF tem adotado a teoria da eficácia horizontal imediata. Percebe-se isso dos seguintes julgados: RE 201.819, RE 158.215-4, RE 158.215-4, entre outros. No mesmo sentido tem seguido majoritariamente a doutrina (FRANÇA, 2009).

A teoria da eficácia horizontal imediata admite que as normas fundamentais, além de vincularem o Poder Público, exercem a sua eficácia nas relações privadas, independente da regulação do legislador (SARLET, 2009, p. 372). O fundamento dessa concepção está no fato de que as ameaças aos direitos fundamentais não são oriundas apenas do Estado, mas também das condutas dos poderes sociais e particulares em geral (FRANÇA, 2009, p. 124).

O problema da aplicação dessa teoria no Brasil é que não há pacificidade na doutrina sobre as hipóteses de sua incidência (REIS, 2015, p. 31-35). O STF, inclusive, por ter abordado pouco o tema, e quando tratado, foi realizado de maneira genérica, ainda não deixou claro, quais os requisitos para sua aplicabilidade (BORELLI, 2013, p. 69-76).

Certo é, que a aplicação direita dos direitos fundamentais nas relações interprivadas, geralmente envolve mitigação de direitos de uma das partes, e deve ser usado com cautela (RODRIGUES : 2013, p. 31), pois, se entendida de forma absoluta, pode restringir a autodeterminação da personalidade dos indivíduos. Nesse sentido, concorda-se com Bilbao Ubillos (apud BORELLI, 2013, p. 64), de que se deve permitir aos particulares um espaço de espontaneidade e até mesmo de arbitrariedade, haja vista não haver homogeneidade entre os direitos fundamentais.

Seria inadmissível exigir que as pessoas não fizessem determinadas escolhas que estão dentro da sua dimensão existencial – tal como, contratar um empregado doméstico que professa a mesma fé, em detrimento de outro que possui convicções religiosas diferentes – sob a justificativa dos efeitos horizontais dos direitos fundamentais. Tal fato não pode ocorrer, pois essa liberdade além de está assegurada constitucionalmente, integra o livre desenvolvimento da pessoa humana (RODRIGUES, 2013, p. 31-32).

Diante dessas considerações, Luis Roberto Barroso (2005, p. 35) entende que a teoria da eficácia imediata deve ser aplicada somente em casos extremos, buscando resguardar ao máximo a liberdade privada, considerando a técnica da ponderação e levando-se em conta os seguintes elementos: a) desigualdade entre as partes; b) falta de razoabilidade dos outros critérios; c) preferência dos valores existenciais sobre os patrimoniais; d) risco para a dignidade humana.

Portanto, a liberdade religiosa por ser um direito fundamental possui eficácia horizontal direta, mas a sua aplicação deve ser considerada caso a caso, mormente ao ambiente de trabalho, mediante os requisitos acima citados.

3 A liberdade religiosa e o meio ambiente do trabalho

O meio ambiente do trabalho compreende o local onde o trabalhador exerce sua atividade profissional, cujo equilíbrio está baseado não somente na salubridade do meio ou na ausência de agentes que comprometam a sua saúde (FIORILLO, 2013, p. 53), mas também no respeito à dignidade da pessoa humana (NASCIMENTO, 2011).

Apesar de a Constituição Federal tratar genericamente o tema, tem-se entendido que o ambiente do trabalho equilibrado é um dos aspectos do meio ambiente, e, portanto, trata-se de um direito fundamental do trabalhador, devendo, por força do art. 225 da Carta Magna, ser promovido pelo Estado (ROBSNEIA, 2007).

O fato do contrato de trabalho gerar uma relação de execução continuada, faz com que o trabalhador passe a maior parte do seu tempo no ambiente de trabalho para desenvolver a sua atividade laborativa, sendo inevitável o seu envolvimento pessoal no cumprimento de suas obrigações. Essa circunstância afeta não só os seus interesses profissionais, mas também, seus interesses pessoais, tais como saúde, intimidade, integridade moral, liberdade religiosa… (SETUBAL, 2011, p. 163). Logo, a qualidade de vida do trabalhador está diretamente relacionada ao equilíbrio desse local

Nesse ambiente o trabalhador é obrigado a conviver com as mais variadas pessoas, com as quais estão ligadas não por um vínculo familiar, de afeto ou amizade, mais sim, por um vínculo de trabalho. Por esse motivo, a tolerância para os erros comportamentais é reduzida nesse espaço[2], sendo exigido de cada empregado bom trato com os seus semelhantes. Portanto, para existir um ambiente de trabalho equilibrado, necessário se faz a convivência pacífica entre as pessoas que o integram.

É nesse contexto que se destaca a liberdade religiosa do trabalhador, pois a exteriorização da fé no ambiente de trabalho por vezes é realizada com certos tipos de intolerâncias e/ou excessos que comprometem o diálogo e convivência entre os empregados, e entre esses e o seu empregador. Esse tipo de comportamento pode afetar a convivência no ambiente de trabalho com uma intensidade capaz de por em risco os resultados da própria atividade empresarial e da saúde psicológica do trabalhador (SANTOS JUNIOR, 2012).

Isso porque a intolerância religiosa tende a gerar preconceitos, discriminações e agressões (verbais, psicológicas, comportamentais…) que fere a identidade do trabalhador, o desenvolvimento de sua personalidade e a sua autoafirmação como ser humano. Aquele que é vítima dessas espécies de abusos padece de angustia e abalos emocionais, e passa a contemplar o ambiente de trabalho como um lugar opressor e algoz.

Todo esse sofrimento se desdobra além do espaço laboral, na medida em que implica em outros processos no espaço doméstico e social do trabalhador (DEJORUS in CHALANT, 1996, p. 51), prejudicando a sua visão sobre si e prejudicando a forma de como se relaciona com os demais.

São exemplos corriqueiros de excesso e violação da liberdade religiosa dentro do ambiente de trabalho: o proselitismo; imposição de participar de culto religioso ou ecumênico; a realização de momento religioso; assédio moral em matéria religiosa; vedação a folga do trabalho diante de dia sagrado; humilhação por meio de alcunhas…

Apesar das raríssimas posições sobre o tema, a doutrina e jurisprudência pátria têm entendido que o empregador para garantir a qualidade do ambiente de trabalho tem o dever de acomodar as crenças e práticas religiosas de seus empregados ao contrato de trabalho, desde que isso não implique em ônus para atividade empresarial. E ainda, caso seja necessário, restringir a liberdade religiosa dos mesmos para possibilitar a boa convivência no ambiente laboral, isso deve se fundamentar na natureza da função ou serviço contratado ou na atividade finalística da empresa (REIS, 2015).

Já quando é o empregador o agente responsável pelas restrições arbitrárias à liberdade religiosa dos seus empregados ou a excesso no gozo de sua liberdade, cabe a estes, buscar no Judiciário as formas de neutralização e reparação das ofensas (GUIMARÃES, 2012, p. 109-149), tendo em vista que os efeitos da liberdade religiosa incidem na relação trabalhista, impondo ao Estado o dever de combater e prevenir tais violações.

Ressalta-se que algumas instituições, por sua finalidade religiosa ou ideológica (igrejas, escolas confessionais, partidos políticos…), podem restringir em maior medida a liberdade religiosa dos seus empregados, se comparado com as empresas privadas comuns. Contudo, essa faculdade não significa que as restrições possam ser absurdas (GUIMARÃES, 2012, p. 115-118) e em caso de violações a dignidade da pessoa humana, a situação deve ser submetida ao Judiciário.

Em todas essas circunstâncias, o Magistrado deve resolver tais conflitos com os mesmos mecanismos que a dogmática dos direitos fundamentais disponibiliza para a resolução das colisões de direitos fundamentais (SANTOS JUNIOR, 2012, p. 1) ponderando que “os direitos fundamentais na relação de trabalho não são exercidos da mesma forma como o são em face do poder público ou em face de outros setores da vida social, isto é, sofrem limitações específicas” (ROMITA apud SETUBAL, 2011, p. 170).

Essas limitações decorrem da própria natureza do contrato de trabalho, no qual as partes assumem obrigações recíprocas, relacionadas à atividade finalística da empresa, e ao caráter da prestação do serviço ou da função a ser desempenhada pelo trabalhador. De modo que, a liberdade religiosa deve se adequar as obrigações em que o empregado e empregador assumem por meio do contrato, quando este esteja em consonância com as diretrizes impostas pelos direitos fundamentais (SETUBAL, 2011, p. 170).

Entretanto, Manoel Jorge Silva Neto (2004, p. 109) tem ponderado que a empresa deve assumir um caráter totalmente imparcial no que se refere à religião, promovendo um ambiente de trabalho em um espaço neutro religiosamente ou macroecumênico, sob a justificativa de que a empresa por ser uma pessoa jurídica não tem religião oficial e deve buscar a satisfação de todos a ela vinculados.

Ocorre que em um espaço como esse (neutro ou macroecumênico), nenhum dos trabalhadores, ou o empregador, devido às varias restrições impostas para se garantir a “neutralidade”, não podem exercer a sua fé com satisfação, o que contraria ao princípio da liberdade religiosa, o qual, deve ser garantido, qualquer que seja o espaço, em sua máxima abrangência. Soma-se ainda, que isso seria um total desrespeito a dignidade da pessoa humana, vez que não se tem como desassociar a religião da identidade do individuo que crer, assim como, a afirmação dessa identidade no ambiente de trabalho é resultado do livre desenvolvimento de sua personalidade (SANTOS JUNIOR, 2012).

Portanto, deve o empregador adotar medidas eficazes para garantir a liberdade religiosa dos seus empregados, e quaisquer que seja os conflitos em matéria religiosa dentro do ambiente de trabalho, deve ser solucionado a partir da compreensão de que a liberdade religiosa dos sujeitos envolvidos deve ser limitada ao mínimo possível, para que seja resguardado tanto a sua identidade quanto personalidade.

4 A possibilidade de o empregador divulgar, por áudio ou imagem, seu pensamento em matéria religiosa dentro do ambiente de trabalho.

A religiosidade é inerente tanto ao empregado como o empregador, e, por consequência, o direito de gozá-la em sua plenitude é garantido a ambos por meio da Constituição Federal, através do princípio da igualdade e da liberdade religiosa, os quais exigem máxima abrangência devido a sua estrutura de princípio.

Todavia, essa lata amplitude da liberdade religiosa a todos conferida, em certos casos podem gerar conflitos – quando a liberdade de um indivíduo converge com a de outro – e isso comumente ocorre no ambiente de trabalho, envolvendo o empregado e o seu patrão, o que reclama atenção do Estado diante da eficácia horizontal direta dos direitos fundamentais.

Atualmente, fato comum tem acontecido de vários estabelecimentos comerciais passarem a adotar como som ambiente música de teor religioso e/ou fazer decorações com imagens e frases sagradas[3], que se situam em dimensão religiosa diferente da dos seus empregados.

Nessas situações, o trabalhador fica exposto a essas mensagens, sendo obrigado – de forma indireta – a ouvi-las e vê-las. Fato esse incompatível com seu cargo ou função, e que não se relaciona a atividade fim da empresa.

Impossível é formular uma regra geral que resolvesse todos os problemas que envolvem essas situações, pois cada caso possui a sua peculiaridade específica e urge por solução diferente dos demais.

Portanto, analisar-se-á apenas algumas situações (das mais variadas que possa existir), sem a pretensão de ser exaustivo, que se relaciona com o problema aqui analisado.

4.1 Caso I: academia de propriedade de pessoa evangélica[4].

Existem academias destinadas ao público em geral, em que os proprietários por serem evangélicos, fazem com que seja tocada somente músicas gospel remixadas (vez que entendem que a música secular é profana), e ainda, fixam pela academia várias placas de sinalização com versículos bíblicos, com fim de divulgar a sua fé e abençoar o local. Funcionários como faxineiras, atendentes e personais ficam expostos a toda essa informação religiosa, pelo simples fato de estar no local.

É cediço que as pessoas que frequentam a um ambiente como esse, aceitam a referida situação como exteriorização da sua liberdade individual. O mesmo não pode ser dito dos trabalhadores que ali atuam, pois dependem financeiramente do emprego para garantir a sua existência (REIS, 2015, p. 113.), e, por este motivo, acabam aceitando esta imposição implícita do empregador.

 Em tal caso percebe-se a manifestação de duas liberdades religiosas que se colidem: a do empregador, em divulgar o seu pensamento em matéria religiosa dentro de um estabelecimento que é seu; e a do empregado, em não ser obrigado a escutar ou ver informações religiosas que difere da sua fé de forma contínua e em um ambiente no qual passa a maior parte de seu tempo.

 A solução para tal conflito é difícil, pois as possíveis hipóteses esbarram em algumas implicações sérias, que respectivamente são: I) retirar as placas com mensagens sagradas, o que poderia fazer com que o empregador acreditasse que sem as mesmas o seu estabelecimento estaria desprotegido espiritualmente; II) ser tocada musica secular na academia – mas isto feriria a crença do empregador; III) se fazer com que não toque nenhuma música – o que gera o risco do mesmo perder a sua clientela e ir à falência; IV) tocar música internacional gospel – mas o empregado continuaria exposto à mensagem religiosa, embora com conteúdo reduzido por está em outro idioma.

Para este caso específico, caso o empregado esteja desconfortável com a situação, deve o empregador retirar as placas com mensagens sagradas, pois essas não são elementares para o funcionamento do seu negócio, tal como é a música. Esta sim, por estar relacionada à atividade fim da empresa deve ser mantida, pelo menos na linguagem internacional, em respeito à fé do empregador que matem o negócio e assume todos os riscos do empreendimento.

Isto porque, para um empregador como esse, a sua empresa faz parte da sua exteriorização, e na sua cosmovisão tocar música secular em seu estabelecimento pode lhe atrair o desfavor da divindade, por considerar tal ato como pecaminoso. Tal hipótese poderia lhe retirar a felicidade, pois teria grande receio de ser atingido por uma maldição e passaria a conviver com esse medo. Ou seja, o simples fato de ver no seu estabelecimento tocando algo profano, poderia ter implicações em todas outras partes de sua existência. Além do que, se possuir uma fé radical, seria capaz de preferi ver seu estabelecimento fechado de que cometer a falta diante de sua divindade, o que não só lhe prejudicaria como prejudicaria os seus empregados.

4.2 Caso II: Estabelecimento comercial cujo o proprietário é religioso

De modo semelhante ao caso acima analisado, ocorre com os estabelecimentos comerciais, tais como supermercados, óticas, lojas, etc., em que os empregadores fazem uso de som ambiente, e para tanto colocam música de natureza religiosa e/ou divulga a sua religião por meio de frases ou imagens sagradas.

Havendo trabalhadores que se sintam desconfortados com tais mensagens, deve o empregador retirar o som ambiente e/ou imagens religiosas, pois o uso dos mesmos não está vinculado com a finalidade social da empresa e o empregado não está obrigado a conviver cotidianamente em um ambiente como esse, além do que, é obrigação do empregador promover um ambiente de trabalho equilibrado.

Todavia, o empregador estará isento deste dever quando a retirada de tais meios de divulgação implique na redução de clientela, e, portanto, diminuição do seu lucro, haja vista que o mesmo só pode acomodar a liberdade religiosa dos seus empregados quando essa não lhe implique em ônus financeiro.

4.3 Caso III: Indústria de grande porte que dentro do ambiente de trabalho faz uso de meios que divulguem mensagem de conteúdo religioso.

No caso de empresa de grande porte que trabalhe com industrialização de bens, não há justificativa para que a mesma utilize no ambiente de trabalho sons e imagens de teor religioso, vez que, seu mercado e a sua função social não estão atrelados a uma religião específica.

O seu dever é promover um ambiente laborativo que respeite a dignidade de seus trabalhadores e seja capaz de contribuir com a melhoria da qualidade de vida deles. Logo, expor os seus empregados, cotidianamente e de forma constante a qualquer tipo de música e/ou mensagem visual, é por si só, forma de poluição auditiva e visual que prejudica o equilíbrio do ambiente de trabalho, quanto o mais por se tratar mensagem de teor religioso, que desrespeita o direito do trabalhador a não ser exposto a esses tipos de exteriorização da religião do seu empregador.

4.4 Caso IV: o empregador doméstico que faz uso de música sagrada

O empregado doméstico também não está livre de ter sua liberdade religiosa limitada em virtude da divulgação da religião do empregador por meio de áudio ou imagem. Isso porque o seu local de trabalho é a própria residência do empregador, o qual por vezes, faz tocar música de natureza religiosa.

Neste caso, não se deve ser adotado o raciocínio desenvolvido nos exemplos acima, vez que a casa de qualquer pessoa, inclusive do empregador, é o seu ponto de refúgio, sendo nela que ele “[…] se ancora para revigorar as forças através do refrigério do lar. É, bem assim, por isso, um santuário que recebe proteção legal quanto à sua inviolabilidade” (GRANJA, 2015).

Limitar o individuo no ambiente em que ele goza ao máximo de sua liberdade, é uma afronta ao desenvolvimento de sua personalidade, e, por isso, ele possui o direito de usufluir do seu lar, fazendo nele constar imagens e tocar a música que deseje.

Portanto, em casos como esse, o empregado deverá ter sua liberdade religiosa – no tocante a resistir às músicas e imagens sagradas – afogada pela a do empregador, ante o fundamento da inviolabilidade do seu lar.

5 Considerações finais

A liberdade religiosa por ser um direito fundamental com estrutura de princípio deve ser garantida em sua máxima abrangência, inclusive dentro do ambiente laboral, vez que a sua eficácia não se aplica somente as relações entre o particular e o Estado, mas também nas relações interindividuais.

A partir disso, o empregador deve respeitar as opções e manifestações religiosas dos seus empregados, e esses as dos seus empregadores e de seus pares. Caso esse repeito não seja concretizado pelo empregador, cabe ao Estado intervir na relação trabalhista para solucionar a colisão de direitos.

Nesse contexto se insere o fato do empregador divulgar, por áudio ou imagem, seu pensamento em matéria religiosa dentro do ambiente laboral. Apesar de discreta, essa situação envolve uma verdadeira imposição aos empregados, que uma vez dentro do ambiente de trabalho são obrigados a ter acesso a mensagens religiosas, configurando, portando, um desrespeito, por parte do empregador, de sua liberdade religiosa. Havendo resistência do mesmo, deve o Estado intervir para suprimir tal ato.

Todavia, isso não deve ser tomado como regra absoluta, pois as situações que envolvem esse problema têm as suas peculiaridades, e pode existir casos, que em repeitos a outros direitos fundamentais do empregador, a música ou imagem no ambiente laboral deve ser mantida em detrimento da liberdade religiosa do empregado.

Daí porque, a solução jurídica dada pelo Estado não pode somente utilizar-se das técnicas de ponderação da mesma forma que se utilizaria em outros casos de colisão de direitos, deve ao se aplicar a referida técnica levar em conta a função social da empresa, assim como, a função e o cargo do empregado, para que após seja realizada a acomodação da liberdade religiosas dos integrantes da relação laboral ao contrato de trabalho.

Por fim, deve o Estado abster-se, na tentativa de solucionar o referido problema, em transformar o ambiente de trabalho em um ambiente religiosamente neutro, pois isso implica em restringir gravemente a liberdade religiosa dos empregados e dos empregadores, e, por consequência, em vez de possibilitar um ambiente equilibrado, estaria sujeitando-os a um espaço que não poderiam gozar do máximo de sua personalidade. Pelo contrário, o Estado em obediência ao direito fundamental à liberdade religiosa, deve incentivar e fomentar que as religiões dos empregados e dos empregadores sejam acomodadas ao ambiente de trabalho.

 

Referências
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Notas:
[1] Inclui-se aqui, até mesmo, a opção de não se aderi a nenhuma religião.
[2] Se comparado com outros ambientes sociais, tal como, o ambiente afetivo.
[3] Muitas vezes com caráter proseletista.
[4] Esse exemplo foi utilizado pelo fato de ser corriqueiro, mas não impede que o raciocínio aqui deduzido seja aplicado em casos semelhantes que tenham pessoas de outras religiões figurando como empregador.

Informações Sobre o Autor

Samyr Leal da Costa Brito

Bacharel em direito pela UNEB, Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela UNINTER e Pós-graduando em Gestão da Inovação e Desenvolvimento Regional pela UFRB


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Equipe Âmbito Jurídico

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