Resumo: O presente trabalho tem por objetivo demonstrar, por meio do método de abordagem dedutivo e da pesquisa bibliográfica documental, a evolução do direito ambiental e sua proteção jurídica no Brasil e na Espanha, já que a sadia qualidade de vida depende do meio ambiente ecologicamente equilibrado. Nesse contexto, quando incorporados à esfera jurídica dos cidadãos, acabam por compor um mínimo jurídico-político do ser humano, intangível por leis posteriores. Contudo, já se descortinam posicionamentos no sentido de que o direito ao meio ambiente pode sofrer restrições posteriores em virtude de novas alterações legislativas, sobretudo quando elas tratarem de direitos fundamentais outros, os quais possuem igual relevância no plano abstrato e, por isso mesmo, podem se sobrepor aos demais no plano concreto quando o resultado da ponderação de interesses assim recomendar.
Palavras-chave: Direito. Meio ambiente. Ecologicamente. Equilibrado. Regressão.
Abstract: The present work aims to demonstrate, through the method of deductive approach and documentary bibliographical research, the evolution of environmental law and its legal protection in Brazil and Spain, since the healthy quality of life depends on the ecologically balanced environment. In this context, when incorporated into the legal sphere of citizens, they end up forming a legal-political minimum of the human being, intangible by later laws. However, it is already clear that the right to the environment may be subject to further restrictions due to new legislative changes, especially when they deal with fundamental rights, which are equally relevant in the abstract and, therefore, can To overlap with the others in the concrete plan when the result of the weighting of interests so recommend.
Key-words: Right. Environment. Ecologically. Balanced. Regression.
Sumário: Introdução. 1 Histórico da preocupação com o meio ambiente. 2 Constitucionalização do direito ao meio ambiente. 3 O Direito ao Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado no Brasil. 4 O Direito ao Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado na Espanha. 5 Proibição de retrocesso ambiental. Considerações finais.
Introdução
O presente desenvolvimento procura demonstrar a evolução do direito ambiental no Brasil e na Espanha com um panorama entre as gerações passadas, a presente e as gerações futuras.
Trata-se de construção textual baseada em pesquisa bibliográfica e jurisprudencial acerca do tema, cuja justificativa reside em apontar a preocupação gradativa para com o ecossistema, por meio da discussão do tema internacionalmente em convenções e tratados, bem como nacionalmente, pela constitucionalização do direito ambiental dando-lhe enfoque global.
Ademais, objetiva-se expor que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado descortina conquistas paulatinamente incorporadas à esfera jurídica dos cidadãos, passando a compor um mínimo existencial destes.
Nessa seara, afigura-se válida a discussão acerca da possibilidade de novas legislações incorporarem no ordenamento jurídico leis que acarretem a retrocessão da proteção ambiental, principalmente quando tais atos mais modernos estiverem em salvaguarda a outros direitos fundamentais, tais como a saúde, a vida, dentre outros.
A importância da abordagem reside no fato de que, muito embora a degradação seja situação corrente nas gerações passadas e na presente geração, a percepção jurídica deste fenômeno está cada vez mais intensa, sobretudo em razão dos eventos climáticos e do esgotamento dos recursos não renováveis.
1 Histórico da preocupação com o meio ambiente.
Não há informações precisas sobre o surgimento do Direito Ambiental no mundo[1]. Entretanto, segundo Renato Guimarães Júnior[2], “o homem conseguiu sair da Idade da Pedra para ingressar na Era das Civilizações somente quando associou noções de Direito aos conhecimentos sobre Ecologia”.
O documento mais antigo de que se tem conhecimento indicando a preocupação ou consciência do homem em relação ao meio ambiente é a Confissão Negativa: um papiro encontrado com as múmias do Novo Império Egípcio e que data de 3.500 anos[3].
Na pós-modernidade, é possível afirmar que a preocupação com o meio ambiente cada vez mais ganha destaque no cenário jurídico, com a concepção que se solidifica no sentido de que o meio ambiente equilibrado é indispensável à existência humana e de que a devastação e a degradação ambiental acabam por refletir diretamente no direito à vida. Mas a evolução do homem foi longa até alcançar uma consciência plena e completa da necessidade da preservação do meio ambiente[4].
Deve ser destacado, contudo, que a devastação do meio ambiente sempre foi circunstância bastante presente tanto nos tempos passados como na atual quadra histórica.
É de se lembrar que, no decorrer dos séculos XIX e XX, o meio ambiente esteve intensamente sujeito às regras de mercado, de modo que os avanços tecnológicos da Revolução Industrial e da pós-Revolução Industrial demandaram grande exploração da natureza pelo homem.
Nesse particular, Fernando dos Reis Condesso[5] destaca que:
“O ambiente e a economia têm vivido em tensão e até mesmo em antagonismo. Com efeito, com o apoio dos poderes políticos, o mundo, confundindo a qualidade de vida, o bem-estar, com o consumismo, com a abundância de bens industriais e o desperdício, desde há mais de um século, que tem vivido uma civilização industrial, geradora de efeitos ecologicamente depredadores, socialmente injustos e economicamente inviáveis e insustentáveis”.
Deveras, o poder econômico, na sua capacidade de determinar comportamentos alheios[6], não raro se exibe como fator preponderante em detrimento do meio ambiente.
A degradação é reflexo da colisão entre os interesses do homem (especialmente o desenvolvimento e a aquisição de riqueza) e da natureza (especificamente a preservação) e não vem de hoje, mas de tempos passados, de modo que a única diferença entre o passado e o presente é a percepção deste fenômeno, cada vez mais frequente e intensa, decorrente dos eventos climáticos e do esgotamento dos recursos naturais.
A esse respeito, vale citar a teoria da sociedade de risco, desenvolvida por Ulrich Beck e citada por José Rubens Morato Leite[7]:
“Nesse contexto, destaca-se a chamada teoria da sociedade de risco, desenvolvida por Ulrich Beck, segundo a qual a sociedade de risco, pós- industrial ou moderna, está a sofrer as consequências do modelo econômico adotado pela sociedade industrial (BECK, 1998). A sociedade de risco é caracterizada pelo permanente perigo de catástrofes ambientais, em face de seu contínuo e insustentável crescimento econômico. Verifica-se, de um lado, o agravamento dos problemas ambientais e a conscientização da existência desses riscos; de outro, observa-se a ineficácia de políticas de gestão ambiental, caracterizando o fenômeno da irresponsabilidade organizada”.
A conscientização acerca do esgotamento dos recursos naturais tem aumentado, mormente diante da conclusão de que do direito ambiental derivam todos os outros direitos, até mesmo a vida, o destino da humanidade. Como afirma Luis Paulo Sirvinskas[8], “o destino da humanidade está intimamente ligado à preservação do meio ambiente”.
A preocupação com o crescimento econômico e a exploração desenfreada do meio ambiente foi enfatizada na Conferência de Estocolmo (Suécia), em 1972, com a participação de quase 6.000 pessoas, entre elas uma delegação de 113 Estados[9].
Da mencionada conferência, sobressaíram resultados, cabendo mencionar os principais deles, que consistem na criação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e a aprovação da Declaração sobre o Meio Ambiente Humano.
O programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) objetivou manter o estado do meio ambiente global sob contínuo monitoramento, com o propósito de melhorar a qualidade de vida da população sem comprometer os recursos e serviços ambientais das gerações futuras.
A Declaração sobre o Meio Ambiente Humano consistiu na enumeração de princípios de comportamento e responsabilidade que deveriam pautar as decisões concernentes a questões ambientais.
Constou do item 6 e do princípio 19 da Declaração ao Meio Ambiente[10], descortinados a partir da Conferência das Nações Unidas Sobre o Meio Ambiente, realizada em Estocolmo, no ano de 1972:
“6. Chegamos a um momento da história em que devemos orientar nossos atos em todo o mundo com particular atenção às consequências que podem ter para o meio ambiente. Por ignorância ou indiferença, podemos causar danos imensos e irreparáveis ao meio ambiente da terra do qual dependem nossa vida e nosso bem-estar. Ao contrário, com um conhecimento mais profundo e uma ação mais prudente, podemos conseguir para nós mesmos e para nossa posteridade, condições melhores de vida, em um meio ambiente mais de acordo com as necessidades e aspirações do homem. As perspectivas de elevar a qualidade do meio ambiente e de criar uma vida satisfatória são grandes. É preciso entusiasmo, mas, por outro lado, serenidade de ânimo, trabalho duro e sistemático. Para chegar à plenitude de sua liberdade dentro da natureza, e, em harmonia com ela, o homem deve aplicar seus conhecimentos para criar um meio ambiente melhor. A defesa e o melhoramento do meio ambiente humano para as gerações presentes e futuras se converteu na meta imperiosa da humanidade, que se deve perseguir, ao mesmo tempo em que se mantém as metas fundamentais já estabelecidas, da paz e do desenvolvimento econômico e social em todo o mundo, e em conformidade com elas”.
“Princípio 19. É indispensável um esforço para a educação em questões ambientais, dirigida tanto às gerações jovens como aos adultos e que preste a devida atenção ao setor da população menos privilegiado, para fundamentar as bases de uma opinião pública bem informada, e de uma conduta dos indivíduos, das empresas e das coletividades inspirada no sentido de sua responsabilidade sobre a proteção e melhoramento do meio ambiente em toda sua dimensão humana. É igualmente essencial que os meios de comunicação de massas evitem contribuir para a deterioração do meio ambiente humano e, ao contrário, difundam informação de caráter educativo sobre a necessidade de protegê-lo e melhorá-lo, a fim de que o homem possa desenvolver-se em todos os aspectos”.
Da esfera internacional para a internalização nos Estados, assim como outrora o Direito Constitucional esteve comprometido na afirmação dos valores liberais e sociais (valores à agenda constitucional), hoje a proteção e promoção do ambiente desponta como valor constitucional, de forma que se poderia falar em um “esverdear” da ordem jurídica[11].
Ademais, observa-se a crescente atenção à legislação ambiental, tanto em nível nacional quanto internacional, haja vista o evidente conflito entre o desenvolvimento e a degradação do meio ambiente, sujeitando a atual população a possíveis catástrofes ambientais e a inquietações acerca do destino do ecossistema e da espécie humana, acaso medidas preventivas e repressivas para o presente, e também com vista para o futuro, não sejam adotadas.
2 Constitucionalização do direito ao meio ambiente.
De acordo com Norberto Bobbio[12], recorrente é a tese no sentido de que o Estado, entendido como ordenamento político, nasceu da dissolução da comunidade primitiva fundada sobre os lações familiares.
De lá para cá, o Estado, que pode ser compreendido de maneira concisa como um fenômeno de dominação[13], passou por diversos momentos históricos até o surgimento do Estado Moderno e, mais à frente, do Estado Democrático de Direito.
Nas palavras de Lênio Streck e José Luis Bolzan de Morais[14]:
“Estado e Direito, pois, na perspectiva clássica, passam a ser complementares e interdependentes, aquele monopolizando – ou pretendendo – a produção e aplicação deste. […] O Estado de Direito surge desde logo como o Estado que, nas suas relações com os indivíduos, se submente a um regime de direito quando, então, a atividade estatal apenas pode desenvolver-se utilizando um instrumental regulado e autorizado pela ordem jurídica, assim como, os indivíduos – cidadãos – têm a seu dispor mecanismos jurídicos aptos a salvaguardar-lhes de uma ação abusiva do Estado. A ideia de Estado de Direito carrega em si a prescrição da supremacia da lei sobre a autoridade pública. […] Este Estado que se juridiciza/legaliza é, todavia, mais e não apenas um Estado jurídico/legal. […] o Estado de Direito não se apresenta apenas sob uma forma jurídica calcada na hierarquia das leis, ou seja, ele não está limitado apenas a uma concepção formal de ordem jurídica mas, também, a um conjunto de direitos fundamentais próprios de uma determinada tradição”.
Nesse contexto, avulta o fenômeno da Constituição como documento normativo supremo da ordem jurídica, um dos princípios do Estado Democrático de Direito[15].
É na Constituição que são assentados, para além das normas de organização e das normas de caráter programático, os direitos fundamentais individuais e coletivos[16], de maneira a ser lícito falar-se na constitucionalização de direitos.
Pela constitucionalização dos direitos, ademais, a Constituição passa a funcionar como vetor orientativo geral, de modo que, nas palavras de Rodrigo Padilha[17]:
“Absolutamente todas as relações jurídicas, independentemente da natureza, passaram a ser interpretadas à luz da Constituição, por meio da filtragem constitucional. Nesses termos, qualquer aplicação do Direito passou a ser feita de acordo com a lei maior, seja: a) Diretamente – quando uma pretensão se fundar no próprio texto e princípios constitucionais […]; b) Indiretamente – quando a pretensão se fundar em norma infraconstitucional, mas nesse caso: b.I) Antes de aplicar a norma, deve ser analisado se ela está de acordo com a Constituição; b.II) Ao aplicar a norma, o intérprete deve se orientar pelo sentido e o alcance consentâneos à realização dos fins constitucionais”.
Em tal perspectiva, a constitucionalização da proteção do meio ambiente, nítido direito de terceira geração[18], é uma tendência irresistível, contemporânea da consolidação do Direito Ambiental[19].
3 O Direito ao Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado no Brasil.
No cenário brasileiro, diversos foram os atos e medidas editados visando à proteção do meio ambiente. Cabe citar, no ponto, o Código Civil de 1916, especialmente nos artigos 554 a 588, cuja matéria atualmente está contida nos artigos 1.277 a 1.313 do Código Civil de 2002 e trata dos direitos de vizinhança e às restrições ao uso da propriedade.
Em momento posterior, sobrevieram outras legislações protetivas ao meio ambiente, em contexto bem relatado por Édis Milaré[20]:
“Nas décadas que seguiram à promulgação do Código Civil, começa a florescer a legislação tutelar do meio ambiente no Brasil, com o aparecimento dos primeiros diplomas legais, permeados por algumas regras específicas atinentes a fatores ambientais. Assim, por exemplo: – Dec. 16.300, de 31.12.1923 (Regulamento do Departamento de Saúde Pública; – Dec. 23.793, de 23.01.1934 (Código Florestal); – Dec. 24.114, de 12.04.1934 (Regulamento de Defesa Sanitária Vegetal); – Dec. 24.643, de 10.07.1394 (Código de Águas); – Dec.-lei 25, de 30.11.1937 (Patrimônio cultural: organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional); – Dec.-lei 794, de 19.10.1938 (Código de Pesca); – Dec.-lei 1.985, de 29.01.1940 (Código de Minas); e – Dec.-lei 2.848, de 07.12.1990 (Código Penal). Na década de 1960, com a emergência do movimento ecológico, novos textos legislativos aparecem, informados por normas mais diretamente dirigidas à prevenção e controle da degradação ambiental. Entre os mais importantes, alguns já revogados ou alterados, destacam-se: – Lei 4.504, de 30.11.1964 (Estatuto da Terra); – Lei 4.771, de 15.09.1965 (Código Florestal); – Lei 5.197, de 03.01.1967 (Proteção à Fauna); – Dec.-lei 221, de 28.02.1967 (Código de Pesca); – Dec.-lei 227, de 28.02.1967 (Código de Mineração); – Dec.-lei 248, de 28.02.1967 (Política Nacional de Saneamento Básico); – Dec.-lei 303, de 28.02.1967 (Criação do Conselho Nacional de Controle da Poluição Ambiental); – Lei 5.318, de 26.09.1967 (Política Nacional de Saneamento), que revogou os Decretos-leis 248/67 e 303/67; e – Lei 5.357, de 17.11.1967 (Estabelece penalidades para embarcações e terminais marítimos ou fluviais que lançarem detritos em óleo em águas brasileiras)”.
A despeito do extenso feixe normativo acima elencado, é de se dizer que a proteção ao meio ambiente era realizada de maneira pouco perceptível, sobretudo para ainda permitir a exploração pelo homem e por deixar ao particular, malcontente com a violação de seus direitos, a faculdade de requerer a tutela do Estado.
Seguindo a tendência internacional, o Brasil, após a década de 1980, passou a ter uma proteção ambiental com viés globalizado, sobretudo porque, dentre fatores outros, houve a edição da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/1981), da Lei que introduziu no sistema jurídico a Ação Civil Pública (Lei 7.347/85), da Constituição Federal de 1988 e da Lei que dispõe sobre sanções penais e administrativas para atos lesivos ao meio ambiente (Lei 9.605/98).
As mencionadas legislações, editadas a partir de 1980, demonstraram nítida preocupação com o meio ambiente como um todo, desde a criação de um sistema permeado por vários entes (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente) até a previsão de mecanismos jurídicos para o combate e a repressão de atos tendentes a degradar o meio ambiente, seja por meio de ações concretas (ao possibilitar a utilização da Ação Civil Pública para a defesa do meio ambiente), seja por meio de proibições abstratas gerais, ao prescrever que práticas atentatórias ao meio ambiente serão objeto de penalização criminal e administrativa, inclusive às pessoas jurídicas (Lei 9.605/98).
Bem a propósito, foi a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n. 6.938/1981) que trouxe, em seu artigo 3º, inciso I, a definição legal de meio ambiente, ao prescrever que ele corresponde ao “conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”[21].
No mesmo viés de proteção global e diluída, a Constituição Federal de 1988 dedicou um capítulo exclusivamente ao meio ambiente (Capítulo VI), destacando o direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e indispensável à sadia qualidade de vida (artigo 225).
A respeito do equilíbrio almejado pelo Constituinte, oportuna é a lição de Paulo Affonso Leme Machado[22]:
“O equilíbrio ecológico não significa uma permanente inalterabilidade das condições naturais. Contudo, a harmonia ou a proporção e a sanidade entre os vários elementos que compõem a ecologia – populações, comunidades, ecossistemas e a biosfera – hão de ser buscadas intensamente pelo Poder Público, pela coletividade e por todas as pessoas”.
O dispositivo sobredito deixa claro, ainda, que é dever do Poder Público e da coletividade defender o meio ambiente e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Palavras outras, no atual cenário impõe-se a preservação não apenas para proteger a sadia qualidade de vida no presente, mas igualmente contemplando as futuras gerações.
A Constituição de 1988 consagrou aquilo que se denomina princípio da solidariedade intergeracional, que nas oportunas palavras de Édis Milaré[23]:
“Este princípio busca assegurar a solidariedade da presente geração em relação às futuras, para que também estas possam usufruir, de forma sustentável, dos recursos naturais. E assim sucessivamente, enquanto a família humana e o planeta Terra puderem coexistir pacificamente”.
A preocupação com as gerações futuras apenas foi alçada na legislação interna com o advento da Constituição de 1988.
Aliás, a Declaração de Estocolmo foi uma das bases nas quais se assentou o constituinte ao elaborar o artigo 225 da Constituição Federal, sobressaindo claramente a preocupação com a presente e com as futuras gerações.
Na ordem jurídica interna brasileira, as constituições anteriores a 1988 não traziam em seu bojo qualquer disciplina a respeito do meio ambiente como um ecossistema global e difuso.
É fato que as codificações anteriores trataram de questões pontuais que refletiam no meio ambiente, mas sem considerá-lo como um todo, como bem ressalta Édis Milaré[24]:
“Do confronto entre as várias Constituições Brasileiras, é possível extrair alguns traços comuns: Desde a Constituição de 1934, todas cuidaram da proteção do patrimônio histórico, cultural e paisagístico do País; Houve constante indicação no texto constitucional da função social da propriedade (1946, artigos 147 e 148; 1967, artigo 157, III; 1969, artigo 160, III), solução que não tinha em mira – ou era insuficiente – para proteger efetivamente o patrimônio ambiental; Jamais se preocupou o legislador constitucional em proteger o meio ambiente de forma específica e global, mas, sim, dele cuidou de maneira diluída e mesmo causal, referindo-se separadamente a alguns de seus elementos integrantes (água, florestas, minérios, caça, pesca), ou então disciplinando matérias com ele indiretamente relacionadas (mortalidade infantil, saúde, propriedade)”.
Contudo, com a vigência da Constituição de 1988, houve verdadeira revolução no que se refere ao meio ambiente, tendo a matéria se espraiado por diversos dispositivos no decorrer dos seus 250 artigos e, principalmente, passando a ser tratada de maneira global.
Acerca dos benefícios da constitucionalização do meio ambiente, convém destacar os ensinamentos de Antônio Herman Benjamim[25]:
“Mais do que um abstrato impacto político e moral, a constitucionalização do ambiente traz consigo benefícios variados e de diversas ordens, bem palpáveis, pelo impacto real que podem ter na (re)organização do relacionamento do ser humano com a natureza”.
A despeito da previsão em diversos artigos, os mais expressivos dispositivos sobre direito ambiental estão plasmados nos artigos 170, inc. VI, e no artigo 225 da citada Constituição.
O artigo 170, inc. VI[26], coloca, paralelamente ao direito ao desenvolvimento, a preocupação com o meio ambiente, de modo a não mais se admitir a evolução desenfreada da ordem econômica com menoscabo ao meio ambiente.
No mesmo sentido, aliás, são as ponderações de Paulo Affonso Leme Machado[27]:
“A defesa do meio ambiente é uma dessas questões que obrigatoriamente devem constar da agenda econômica pública e privada. A defesa do meio ambiente não é uma questão de gosto, de ideologia e de moda, mas um fator que a Carta Maior manda levar em conta. A defesa do meio ambiente passa a fazer parte do desenvolvimento nacional (artigos 170 e 3º). Pretende-se um desenvolvimento ambiental, um desenvolvimento econômico, um desenvolvimento social. É preciso integrá-lo no que se passou a chamar de desenvolvimento sustentado. O conceito de ‘desenvolvimento sustentado’ foi desfraldado pela ONU através de sua Comissão Mundial para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento".
Outrossim, foi essa a interpretação dada pelo excelso Supremo Tribunal Federal por ocasião do julgamento da ADI n. 3.540-MC, em que foi relator o ministro Celso de Mello[28]:
“[…] A atividade econômica não pode ser exercida em desarmonia com os princípios destinados a tornar efetiva a proteção ao meio ambiente. A incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a ‘defesa do meio ambiente’ (CF, artigo 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral. Doutrina. Os instrumentos jurídicos de caráter legal e de natureza constitucional objetivam viabilizar a tutela efetiva do meio ambiente, para que não se alterem as propriedades e os atributos que lhe são inerentes, o que provocaria inaceitável comprometimento da saúde, segurança, cultura, trabalho e bem-estar da população, além de causar graves danos ecológicos ao patrimônio ambiental, considerado este em seu aspecto físico ou natural”.
Ressai dessa dinâmica a clara opção do constituinte pelo limite à livre iniciativa, ao colocar o meio ambiente como um dos princípios a serem observados pela ordem econômica.
O artigo 225, por sua vez, ocupando um capítulo próprio, contempla uma série de preocupações com o ecossistema, impondo ao Poder Público e à coletividade o dever de protegê-lo e enumerando diversas diretrizes com o propósito de manter o meio ambiente ecologicamente equilibrado.
O dispositivo acima mencionado contém a seguinte redação:
“Artigo 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
I – preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;
II – preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;
III – definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;
IV – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;
V – controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;
VI – promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;
VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.
§ 2º Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.
§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
§ 4º A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.
§ 5º São indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações discriminatórias, necessárias à proteção dos ecossistemas naturais.
§ 6º As usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua localização definida em lei federal, sem o que não poderão ser instaladas”.
Conquanto se trate de apenas um artigo, exsurge de clareza meridiana a extensa amplitude normativa, compreendendo, na ponderada lição de José Afonso da Silva[29], três conjuntos de normas diferentes dentro do dispositivo. A primeira delas é encontrada no caput, em que é prevista a norma-matriz, que substancialmente revela o direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. O segundo grupo encontra-se no § 1º e seus incisos, que prescrevem os instrumentos de garantia da efetividade do direito anunciado no caput. E o terceiro, finalmente, constitui-se de um conjunto de determinações a grupos particulares, em relação a objetos e setores, referidos nos §§ 2º a 6º.
O preceptivo sobredito, ao estabelecer um conjunto de princípios e regras, em atenção igualmente às legislações e convenções internacionais, erigiu o meio ambiente à qualidade de direito fundamental, de modo que a proteção ao ecossistema deve ocorrer da maneira mais ampla possível, o que implica na necessidade de proteção do meio ambiente por meio de normas penais, civis, processuais e administrativas.
A esse respeito, extrai-se do escólio de Frederico Amado[30]:
“O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é formalmente e materialmente fundamental, pois além de estar previsto na Lei Maior (aspecto formal), é condição indispensável para a realização da dignidade da pessoa humana (aspecto material), fonte da qual provêm todos os direitos fundamentais”.
Daí que, apesar de o meio ambiente não estar inserido no capítulo relativo aos direitos e garantias individuais e coletivos, não se afasta seu caráter fundamental, máxime porque da leitura dos preceitos constitucionais chega-se à consagração de uma política ambiental e de um dever jurídico constitucional atribuído ao Estado, significando inequivocamente se tratar de um direito fundamental do homem[31].
José Adércio Leite Sampaio elucida que os direitos fundamentais estão sempre ligados à noção de direitos humanos básicos do indivíduo. Sob um ponto de vista dogmático, poder-se-ia falar em um núcleo de direitos e garantias axiologicamente afetados como indispensáveis à vida humana[32].
Nas palavras de Luigi Ferrajoli[33], os direitos fundamentais são “todos aqueles direitos que correspondem universalmente a todos enquanto pessoas naturais, enquanto cidadãos, enquanto pessoas naturais ‘capazes de agir’ ou enquanto ‘cidadãos capazes de agir’”.
O Supremo Tribunal Federal, ao interpretar os dispositivos relativos ao meio ambiente, caminha na mesma direção[34]:
“[…] O direito à integridade do meio ambiente – típico direito de terceira geração – constitui prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, refletindo, dentro do processo de afirmação dos direitos humanos, a expressão significativa de um poder atribuído, não ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas, num sentido verdadeiramente mais abrangente, à própria coletividade social. Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) – que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) – que se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas – acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade”.
Fato é que após as discussões internacionais, a iniciar por Estocolmo, e a conscientização global acerca da necessidade de proteção, o meio ambiente passou a ser tratado, gradativamente, como uma questão educacional, a fim de incutir nas pessoas novos conceitos sobre a necessidade de preservação do ecossistema.
Aliás, a educação ambiental foi materializada em Lei (n. 9.795/1999), estabelecendo o artigo 1º da citada legislação que[35]:
“Entendem-se por educação ambiental os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade”.
Disso erige que a Constituição Federal de 1988, ao mesmo tempo em que alçou o meio ambiente à qualidade de direito fundamental, impôs ao Estado e à coletividade a obrigação de proteção, o que no atual contexto histórico reflete até mesmo uma questão de educação ambiental.
4 O Direito ao Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado na Espanha.
No cenário europeu, o principal ponto de partida da política de proteção ambiental pode ser fixado na Resolução do Conselho da Europa n. 28/1977, a qual tratou de recomendar aos Estados Membros a criminalização das atividades dolosas ou culposas nocivas ao meio ambiente[36].
Um ano mais tarde, em 1978, inspirando-se genericamente no preceitos da Conferência de Estocolmo e tendo como precedente imediato a Constituição Portuguesa de 1976[37], a Constituição da Espanha traz para seu bojo o trato da matéria ambiental, dispondo em seus artigos 45 e 46[38]:
“Artículo 45: 1. Todos tienen derecho a disfrutar de un medio ambiente adecuado para el desarrollo de la persona, así como el deber de conservarlo. 2. Los poderes públicos velarán por la utilización racional de todos los recursos naturales, con el fin de proteger y mejorar la calidad de vida y defender y restaurar el medio ambiente, apoyándose en la indispensable solidaridad colectiva. 3. Para quienes violen lo dispuesto en el apartado anterior, en los términos que la Ley fije, se establecerán sanciones penales o, en su caso administrativas, así como la obligación de reparar el daño causado.
Artículo 46: Los poderes públicos garantizarán la conservación y promoverán el enriquecimiento del patrimonio histórico, cultural y artístico de los pueblos de España y de los bienes que lo integran, cualquiera que sea su régimen jurídico y su titularidad. La ley penal sancionará los atentados contra este patrimônio”.
A Constituição espanhola não traz um conceito de meio ambiente nem enumera os elementos que o integram[39]. Todavia, em seu artigo 45 apresentou como ideias básicas de proteção ambiental a utilização racional de todos os recursos, a busca da melhora da qualidade de vida, o equilíbrio ecológico com a defesa e restauração do meio ambiente e a solidariedade coletiva ambiental. Além do mais, prescreveu o Texto Maior sanções penais e administrativas ao desrespeito ao meio ambiente[40].
São a doutrina e a jurisprudência quem buscam apresentar o conceito de meio ambiente no âmbito jurídico espanhol, diante da falta de uma definição na legislação, mister esse que é desenvolvido dando azo a pelo menos duas vertentes ou correntes acerca do conceito de meio ambiente: o meio ambiente “amplo” e o meio ambiente “estrito”[41].
O conceito amplo de meio ambiente, que encontra amparo na doutrina de Fernando Fuentes Bodelón[42] e de Fernando Lopez Ramon[43], dentre outros, prescreve uma relação íntima entre o meio ambiente físico ou natural e o homem. É o meio ambiente definido como uma integração do meio físico ou natural com os aspectos históricos, sociais e culturais[44].
O conceito estrito de meio ambiente, que encontra amparo na doutrina de Ramón Martín Mateo[45] e Luis Rodriguez Ramos[46], é aquele que inclui elementos naturais de titularidade comum e de característica dinâmicas, em última análise a água, o ar e veículos básicos de transmissão, fatores essenciais para a existência do homem. É definição bastante restrita, que nega a qualidade de meio ambiente até mesmo ao solo[47].
No plano jurisprudencial, assentou o Tribunal Constitucional espanhol, na Sentença 102/1995, de 26/06/1995[48]:
“Como síntesis, el «medio ambiente» consiste en el conjunto de circunstancias físicas, culturales, económicas y sociales que rodean a las personas ofreciéndoles un conjunto de posibilidades para hacer su vida. Las personas aceptan o rechazan esas posibilidades, las utilizan mal o bien, en virtud de la libertad humana. El medio no determina a los seres humanos, pero los condiciona. Se afirma por ello, que el hombre no tiene medio sino mundo, a diferencia del animal. No obstante, en la Constitución y en otros textos el medio, el ambiente o el medio ambiente («environment», «environnement» «Umwelt») es, en pocas palabras, el entorno vital del hombre en un régimen de armonía, que aúna lo útil y lo grato. En una descomposición factorial analítica comprende una serie de elementos o agentes geológicos, climáticos, químicos, biológicos y sociales que rodean a los seres vivos y actúan sobre ellos para bien o para mal, condicionando su existencia, su identidad, su desarrollo y más de una vez su extinción, desaparición o consunción. El ambiente, por otra parte, es un concepto esencialmente antropocéntrico y relativo. No hay ni puede haber una idea abstracta, intemporal y utópica del medio, fuera del tiempo y del espacio. Es siempre una concepción concreta, perteneciente al hoy y operante aqui”.
De acordo com José Adércio Leite Sampaio[49], em variados pronunciamentos, a Corte Constitucional da Espanha tem dado ao termo “meio ambiente” um sentido amplo de elementos ou agentes geológicos, climáticos, químicos, biológicos e sociais que envolvem os seres vivos e condicionam a sua existência, a sua identidade, o seu desenvolvimento e a sua extinção, compreendidos não só a fauna, flora e os minerais, mas também o componente histórico e cultural de percepção e construção humanas.
No que se refere à fundamentalidade do direito ao meio ambiente no sistema jurídico espanhol, é preciso salientar que o artigo 45 da Constituição espanhola encontra-se fora da seção destinada a “Derechos fundamentales y libertades públicas”.
Nessa ótica, para Ángeles Cuadrado Ruiz[50], não seria o direito ao meio ambiente um direito fundamental, mas sim um princípio reitor merecedor de proteção reflexa por meio da tutela de outros direitos constitucionais.
Fernando de Rojas Martínez-Parets[51], da mesma maneira, assevera que “el derecho al médio ambiente del artículo 45, no forma parte del corpus de los fundamentales”.
Daí afirmar-se que os direitos fundamentais e diretamente reivindicáveis serão apenas os contidos na primeira seção do capítulo segundo do primeiro título da Constituição espanhola, ou seja, os direitos que residem na seção nominada “Derechos fundamentales y libertades públicas”[52].
Dessa forma, ante tal característica, o direito ao meio ambiente não raro é tutelado por meio de ação direcionada a outros direitos relacionados, como o direito à saúde e a vida, haja vista a impossibilidade de aplicação direta com base na Constituição. Marcelo Ribeiro Losso[53] salienta:
“Para que não resulte lera morta a defesa do meio ambiente, vislumbra-se a possibilidade de sobrepor o conteúdo do direito ao meio ambiente com alguns conteúdos de outros direitos estabelecidos normativamente. Assim, outros direitos e meios de proteção servem alternativamente como uma forma de execução. […] A constituição da Espanha traz expressamente o direito a um meio ambiente adequado. Contudo, pairam dúvidas sobre a efetividade de tal previsão, diante da inexistência de lei de âmbito nacional regulamentadora das formas de buscar a tutela jurisdicional. […] O próprio conceito e alcance de meio ambiente gera controvérsias no meio jurídico espanhol, o que mereceu a análise e manifestação do Tribunal Constitucional que trouxe seus contornos. Considerando que tal direito não está listado dentre aqueles que possuem eficácia plena para serem invocados apenas com base na Constituição (direito subjetivos absolutos), têm sido encontradas outras formas para buscar a tutela estatal. A sobreposição do conteúdo do direito ao meio ambiente com o conteúdo de outros direitos de diferentes categorias tem sido bastante usual”.
A preocupação com o meio ambiente ecologicamente equilibrado igualmente desponta da publicação da Lei espanhola n. 26/2007[54], que trata da responsabilidade por danos ao meio ambiente e dispõe, no primeiro parágrafo de seu preâmbulo:
“El artículo 45 de la Constitución reconoce el derecho de los ciudadanos a disfrutar de um medio ambiente adecuado como condición indispensable para el desarrollo de la persona, al tiempo que establece que quienes incumplan la obligación de utilizar racionalmente los recursos naturales y la de conservar la naturaleza estarán obligados a reparar el daño causado con independencia de las sanciones administrativas o penales que también correspondan”.
A lei em comento, como se vê, expõe interpretação que confere ao meio ambiente uma umbilical ligação com a dignidade da pessoa humana e, de acordo com Silvia Regina Siqueira Loureiro[55], em seu teor baseia-se principalmente no princípio da prevenção de danos e no princípio de quem contamina paga.
Não se pode olvidar, outrossim, a existência de três importantes Diretivas da União Européia, as quais norteiam a temática da proteção ambiental de seus países membros.
Bem a propósito, expõe Silvia Regina Siqueira Oliveira[56]:
“Em âmbito de proteção ambiental passamos a expor sobre três diretivas importantes, que norteiam os demais países membros, inclusive Espanha, para aplicarem internamente, que são elas: 1 –Diretiva n. 43/1992,(UNIÃO EUROPEIA) de conservação dos espaços naturais, da fauna e da flora silvestre (diretiva de habitats). Dentro da diretiva de habitats, em seu artigo 6º. foi criado uma rede ecológica com a finalidade de melhor contribuir com a manutenção da biodiversidade de todos os países membros da União Europeia, esta rede estabelece as disposições que regulam a conservação e gestão dos espaços protegidos, e se denomina “rede Natura 2000”, e dentro dos vinte e quatro artigos desta diretiva é considerado um dos mais importantes por ser um dos mais determinantes com relação a conservação de fauna e flora, e uso do solo. 2 – Diretiva n. 147/2009,(UNIÃO EUROPEIA) de conservação de aves silvestres (diretiva de Aves).O objetivo geral é garantir as espécies que conservem ou recuperem um estado de conservação favorável em toda sua diversidade natural na União Europeia. Não se trata só de parar sua diminuição ou extinção, o objetivo é garantir às espécies que se recuperem o bastante para conseguir prosperar a longo prazo.(UNIÃO EUROPEIA, 2015) 3 – Diretiva n. 35/2004/CE,(UNIÃO EUROPEIA) de responsabilidade ambiental. Esta diretiva é transposta ao ordenamento interno da Espanha pela Lei de Responsabilidade Ambiental (ESPANHA, 2007), que incorpora em seu texto interno praticamente na íntegra a diretiva de Responsabilidade Ambiental da União Europeia”.
5 Proibição de retrocesso ambiental.
O direito ambiental, como dito alhures, foi alçado à condição de direito fundamental no Brasil, sendo dever do Estado e de toda a coletividade protegê-lo.
Nessa intelecção, é cediço que os direitos fundamentais constituem conquistas do cidadão e, justamente por isso, uma vez reconhecidos, ocupam posição de superioridade e adquirem característica de intangibilidade, especialmente quanto à impossibilidade de retrocessão, sob pena de afastamento do ideal de segurança jurídica e de efetivação da proteção eficiente que deve derivar da Constituição Federal.
No ponto, valiosas são as ponderações de José Joaquim Gomes Canotilho[57]:
“O princípio da democracia econômica e social aponta para a proibição de retrocesso social. A idéia aqui expressa também tem sido designada como proibição de ‘contra-revolução social’ ou da ‘evolução reaccionária’. Com isto quer dizer-se que os direitos sociais e econômicos (ex.: direito dos trabalhadores, direito à assistência, direito à educação), uma vez obtido um determinado grau de realização, passam a constituir, simultaneamente, uma garantia institucional e um direito subjectivo. A ‘proibição de retrocesso social’ nada pode fazer contra as recessões e crises econômicas (reversibilidade fáctica), mas o principio em análise limita a reversibilidade dos direitos adquiridos (ex.: segurança social, subsídio de desemprego, prestações de saúde), em clara violação do princípio da protecção da confiança e da segurança dos cidadãos no âmbito econômico, social e cultural, e do núcleo essencial da existência mínima inerente ao respeito pela dignidade da pessoa humana. O reconhecimento desta proteção de direitos prestacionais de propriedade, subjetivamente adquiridos, constitui um limite jurídico do legislador e, ao mesmo tempo, uma obrigação de prossecução de uma política congruente com os direitos concretos e as expectativas subjectivamente alicerçadas. A violação no núcleo essencial efectivado justificará a sanção de inconstitucionalidade relativamente aniquiladoras da chamada justiça social. Assim, por ex., será inconstitucional uma lei que extinga o direito a subsídio de desemprego ou pretenda alargar desproporcionadamente o tempo de serviço necessário para a aquisição do direito à reforma […]. De qualquer modo, mesmo que se afirme sem reservas a liberdade de conformação do legislador nas leis sociais, as eventuais modificações destas leis devem observar os princípios do Estado de direito vinculativos da actividade legislativa e o núcleo essencial dos direitos sociais. O princípio da proibição de retrocesso social pode formular-se assim: o núcleo essencial dos direitos já realizado e efectivado através de medidas legislativas (‘lei da segurança social’, ‘lei do subsídio de desemprego’, ‘lei do serviço de saúde’) deve considerar-se constitucionalmente garantido sendo inconstitucionais quaisquer medidas estaduais que, sem a criação de outros esquemas alternativos ou compensatórios, se traduzam na prática numa ‘anulação’, ‘revogação’ ou ‘aniquilação’ pura a simples desse núcleo essencial. A liberdade de conformação do legislador e inerente auto-reversibilidade têm como limite o núcleo essencial já realizado”.
De acordo com Ingo Wolfgang Sarlet e Tiago Fensterseifer[58], a humanidade evolui na perspectiva de ampliação e salvaguarda da dignidade da pessoa humana, cristalizando a ideia de um “patrimônio político-jurídico” ao longo do seu percurso histórico-civilizatório, para aquém do qual não se deve retroceder.
Conforme Luigi Ferrajoli[59], se é certo que os direitos fundamentais são a base da igualdade e se imputam a cada um como fragmentos de soberania e limites e vínculos aos poderes políticos da maioria, nenhuma maioria deverá ter o poder de reduzi-los ou suprimi-los, pois não pertencem à maioria, mas às pessoas naturais que são seus titulares.
Disso resulta que, em se tratando de direitos fundamentais, os cidadãos não podem ser desalijados das conquistas já incorporadas, por se comporem um núcleo essencial do ser humano e, por isso mesmo, intangível.
A esse respeito discorre Ingo Wolfgang Sarlet[60]:
“Em que pese o dissídio na esfera terminológica, verifica-se crescente convergência de opiniões no que concerne à idéia que norteia a concepção das três (ou quatro, se assim preferirmos) dimensões dos direitos fundamentais, no sentido de que estes, tendo tido sua trajetória existencial inaugurada com o reconhecimento formal nas primeiras Constituições escritas dos clássicos direitos de matriz liberal-burguesa, se encontram em constante processo de transformação, culminando com a recepção, nos catálogos constitucionais e na seara do Direito Internacional, de múltiplas e diferenciadas posições jurídicas, cujo conteúdo é tão variável quanto as transformações ocorridas na realidade social, política, cultural e econômica ao longo dos tempos. Assim sendo, a teoria dimensional dos direitos fundamentais não aponta, tão-somente, para o caráter cumulativo do processo evolutivo e para a natureza complementar de todos os direitos fundamentais, mas afirma, para além disso, sua unidade e indivisibilidade no contexto do direito constitucional interno e, de modo especial, na esfera do moderno ‘Direito Internacional dos Direitos Humanos”.
Vale acrescentar que a esfera intangível diz respeito à impossibilidade de supressão dos direitos fundamentais já reconhecidos, de modo que não se proíbe a interferência nos direitos fundamentais visando à ampliação ou à concessão de maiores garantias aos cidadãos.
A despeito da ausência de previsão legal no Brasil, a vedação ao retrocesso, denominada de princípio pela doutrina, deflui do ordenamento constitucional, em especial da tríade formada pelo direito adquirido, ato jurídico perfeito e pela coisa julgada e em razão da própria dignidade da pessoa humana.
Aliás, para Luis Roberto Barroso[61], o mencionado princípio decorreria do sistema jurídico constitucional, na medida em que a lei, ao regulamentar um mandamento constitucional, institui determinado direito que se incorpora ao patrimônio jurídico da cidadania e, dessa forma, não pode ser absolutamente suprimido.
Assim, a proteção ao meio ambiente deita raízes na constituição e desvela-se direito fundamental de todos os cidadãos, razão pela qual não pode sofrer retroação por parte de lei infraconstitucional ou mesmo emenda constitucional, sob pena de malferimento de cláusula pétrea, que redundaria em evidente menoscabo ao avanço ecológico e em nítida inconstitucionalidade.
Uma leitura histórica e a atual proteção ambiental, inclusive com sua constitucionalização, também impede o retrocesso por meio de decisões judiciais. Ou seja, o Poder Judiciário, ao interpretar a constituição, deve observar a existência de um mínimo existencial voltado à defesa do meio ambiente e declarar a inconstitucionalidade de qualquer lei que caracterize retrocesso em termos ecológicos.
Nessa situação, há firme entendimento teórico que caminha no sentido de ser inviável o retrocesso ecológico, conforme exposto alhures.
A despeito do entendimento acima esposado, é cediço que o direito ambiental se consubstancia em apenas um dos diversos direitos fundamentais amparados pela Constituição Federal.
E, nessa linha de raciocínio, é possível que determinada lei infraconstitucional regulamente outros direitos fundamentais em detrimento do meio ambiente.
Cabe salientar, por relevante, que os direitos e garantias fundamentais não possuem caráter absoluto, fundamento do qual se aviva a possibilidade de a lei infraconstitucional regulamentar outros direitos fundamentais sem a salvaguarda do ecossistema.
Sobre a inexistência de direitos fundamentais absolutos, já decidiu o Supremo Tribunal Federal[62]:
“Os direitos e garantias individuais não têm caráter absoluto. Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição. O estatuto constitucional das liberdades públicas, ao delinear o regime jurídico a que estas estão sujeitas – e considerado o substrato ético que as informa – permite que sobre elas incidam limitações de ordem jurídica, destinadas, de um lado, a proteger a integridade do interesse social e, de outro, a assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros”.
Daí que teoricamente é possível a interpretação no sentido de que direitos fundamentais outros podem se sobrepor ao direito ao meio ambiente.
Essa ideia vem se tornando patente na doutrina, que tem se manifestado de maneira divergente em relação à aplicabilidade da proibição de retrocesso, especialmente se ela incide em todo ou qualquer caso, ou se é possível a sua preterição em determinadas situações.
São, aliás, as palavras de José Rubens Morato Leite et al[63]:
“Debate interessante pode ser desenvolvido sobre o caráter absoluto ou relativo de um princípio de proibição de retrocesso socioambiental no Brasil. Embora sua construção no direito internacional dos humanos proponha uma orientação que favorece sua relatividade (HACHEZ, 2012, p. 513-517), sua associação no Brasil a um núcleo de deveres conectados com o que se define como um mínimo existencial ecológico coloca grandes dificuldades de se admitir ponderação sobre o que é indispensável, ineliminável e condição para o desenvolvimento da vida como são, v.g, os processos essenciais. Nesse caso, se uma resposta segura no sentido do caráter absoluto desse imperativo pode não ser possível no Brasil, igualmente difícil seria sustentar a admissão do retorno por meio de compensações aos níveis de proteção perdidos, senão por meio de argumentos de elevada imperatividade, e desde que não afetassem em hipótese alguma, o núcleo do que se define como mínimo por meio dos direitos fundamentais”.
Assim, o debate sobre o caráter absoluto ou relativo do meio ambiente tem instigado a doutrina, sobretudo porque se reconhece a dificuldade em se ponderar aquilo que é indispensável.
Entretanto, valiosa é a lição de Marcelo Buzaglo Dantas[64]:
“À vista de tudo isso, pode-se dizer, sem receio de errar, que o princípio da proibição de retrocesso ecológico nada mais é do que uma solução encontrada pela doutrina como forma de orientar o Poder Judiciário a resolver casos de colisão de princípios fundamentais em favor da proteção ao meio ambiente. De fato, admitindo uma intervenção alta no princípio da separação dos poderes, os adeptos da aludida tese, invocando o direito adquirido e o ato jurídico perfeito, defendem que qualquer regra jurídica que venha a diminuir os padrões de proteção ambiental existentes é de ser declarada inconstitucional, independentemente do direito que aquela visa a tutelar. Trata-se, a nosso sentir, de um equívoco, pois parte-se do pressuposto de que o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado deve prevalecer sempre, não importando qual o direito que se encontra em colisão e que é protegido pela nova regra. O que deve ocorrer, em situações como as que tais, é inicialmente a tentativa de harmonização entre os direitos em conflito, o que pode ocorrer através da invalidação de apenas parte do diploma normativo, por exemplo. Não sendo esta possível, parte-se para o sopesamento, aplicando-se a máxima da proporcionalidade, em suas três dimensões, concluindo-se pela prevalência de um direito sobre o outro. Os casos de impasse são resolvidos discricionariamente, mediante argumentação. Ao final, chega-se à solução para a hipótese, mediante a prevalência de um direito fundamental sobre o outro, no caso concreto. Sendo assim, é bem possível que, em alguns casos, o teste da proporcionalidade seja resolvido em favor do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, de modo que a lei que adote padrões menos restritivos de proteção ambiental deva ser declarada inconstitucional. Isso não quer dizer, contudo, que sempre será assim, como advogam os defensores da incidência total e irrestrita do princípio da proibição de retrocesso ecológico. Entender o contrário equivale, a nosso sentir, a simplesmente ignorar a realidade, adotando-se a máxima da existência de um direito fundamental absoluto, que sempre deve prevalecer quando colide com qualquer outro, o que, como dito e repetido ao longo deste trabalho, não é de se admitir. Assim sendo e mantendo-se a coerência, pode-se afirmar que haverá casos em que a colisão será resolvida em favor de outros direitos fundamentais, como a vida, a saúde, o trabalho, a dignidade da pessoa humana, o desenvolvimento econômico, a propriedade, etc. Para tanto, basta que a solução decorrente do teste da proporcionalidade penda em favor daqueles direitos e não da proteção ambiental. Nestes casos, a lei que restrinja a tutela do meio ambiente em relação a outros atos normativos outrora em vigor não será declarada inconstitucional. Em tais hipóteses, o princípio da proibição de retrocesso ecológico não incide, simplesmente porque a colisão não se resolveu em favor dos direitos fundamentais de que aquele emana. Não se pode deixar de considerar, ademais, o risco de a adoção irrestrita do princípio em tela gerar um verdadeiro engessamento da atividade legislativa, com o reconhecimento da inconstitucionalidade (por afronta à proibição do retrocesso) de qualquer norma que adote padrões menos restritivos de proteção ambiental – independentemente do direito que a regra vise a prestigiar”.
De fato, nos termos do posicionamento acima apontado, em se admitindo a conclusão peremptória no sentido de que proteção ao meio ambiente não pode sofrer qualquer retrocesso, estar-se-á engessando o ordenamento jurídico e criando um direito fundamental absoluto, o que na atual quadra histórica simplesmente não existe, já que possuem no plano abstrato o mesmo valor jurídico.
Na Espanha, percebe-se mais avançado o reconhecimento jurisprudencial de tal princípio. O leading case a respeito da não regressão é a Sentença 538 de 10 de julho de 2012, da Sala do Contencioso Administrativo do Tribunal Supremo Espanhol, Seção Quinta.
A discussão envolvia a aprovação definitiva do Plano Parcial do Setor n. 3, El Castillo, em Villanueva de la Cañada e a revisão do Plano Geral de Ordenamento Urbano de Villanueva de la Cañada. No que se refere ao princípio da não regressão ficou assentado[65]:
“El principio de no regresión, ha sido considerado como una “Cláusula de statu quo” o “de no regresión”, con la finalidad, siempre, de proteger los avances alcanzados en el contenido de las normas medioambientales, con base en razones vinculadas al carácter finalista del citado derecho medioambiental, como es el caso del Dictamen del Consejo 3297/2002, que si bien referido a modificación de zonas verdes, salvo existência acreditada de un interés público prevalente. En otros términos, la superficie de zona verde en un municipio se configura como un mínimo sin retorno, a modo de cláusula stand still propia del derecho comunitario, que debe respetar la Administración. Sólo es dable minorar dicha superficie cuando existe un interés público especialmente prevalente, acreditado y general; no cabe cuando dicho interés es particular o privado, por gran relevancia social que tenga. Pues bien la viabilidad de este principio puede contar con apoyo en nuestro derecho positivo, tanto interno estatal como propio de la Unión Europea. Ya nos hemos referido, em concreto, al denominado “Principio de desarrollo territorial y urbano sostenible; del que se ocupa el citado artículo 2ª del vigente TRLS08, que impone a las diversas políticas públicas “relativas a la regulación, ordenación, ocupación, transformación o uso del suelo” la obligación de proceder a la utilización del mismo “conforme al interés general y según el principio de desarrollo sostenible”; por tanto, este principio, ha de estar presente en supuestos como el de autos, en el que si bien no se procede a la supresión de suelos especialmente protegidos resulta incuestionable la afectación negativa que sobre los mismos se puede producir por su inclusión en una actuación urbanizadora y, em consecuencia, este principio ha de actuar como límite y como contrapeso de dicha actuación, dadas las consecuencias irreversibles de la misma. En consecuencia, y sin perjuicio de su particular influencia en el marco de los principios, obvio es que, con apoyo en los citados preceptos constitucional (artículo 45 Constitución Española) y legales (artículo 2 y concordantes del TRLS08), el citado principio de no regresión calificadora de los suelos especialmente protegidos implica, exige e impone um plus de motivación razonada, pormenorizada y particularizada de aquellas actuaciones administrativas que impliquen la desprotección de todo o parte de esos suelos”.
Como se pode observar, restou reconhecido o princípio da não regressão fundamentado no Tratado da União Européia e na cláusula stand still, assim como no artigo n. 45 da Constituição de Espanha e nos artigos 2 e seguintes do Real Decreto Legislativo 2/2008.
De acordo com a sentença, o princípio da não regressão teria como finalidade proteger os avanços alcançados no conteúdo das normas ambientais, com base em razões vinculadas ao caráter finalista do direito ambiental, exigindo um plus de motivação razoável, pormenorizada e particularizada quando ações administrativas ou alterações legislativas impliquem na diminuição de proteções ambientais, o que seria possível apenas na hipótese de comprovado interesse público especialmente prevalente.
Também, em sede de controle de constitucionalidade das leis, o Tribunal Constitucional da Espanha na Sentença 233, de 5 de novembro de 2015, analisando recurso de inconstitucionalidade contra vários artigos da Lei 2/2013, de 29 de maio, de proteção e uso sustentável do litoral, e de modificação da Lei 22/1988, de 28 de julho, de costas, emprestou semelhante interpretação ao princípio do não retrocesso em matéria ambiental[66]:
“En este contexto, el principio de no regresión del Derecho medioambiental (también conocido como cláusula stand-still) entronca con el propio fundamento originario de este sector del ordenamiento, y enuncia una estrategia sin duda plausible en orden a la conservación y utilización racional de los recursos naturales, que con distintas técnicas y denominaciones ha tenido ya recepción en algunas normas de carácter sectorial del Derecho internacional, europeo o nacional (STC 45/2015, de 5 de marzo, FJ 4) o en la jurisprudencia internacional o de los países de nuestro entorno, cuyo detalle no viene al caso porque se trata de referencias sectoriales que no afectan específicamente al dominio público marítimo-terrestre. En la vocación de aplicación universal con la que dicho principio se enuncia, es hoy por hoy a lo sumo una lex non scripta en el Derecho internacional ambiental y, sin duda, constituye una formulación doctrinal avanzada que ya ha alumbrado una aspiración política de la que, por citar un documento significativo, se ha hecho eco la Resolución del Parlamento Europeo, de 29 de septiembre de 2011, sobre la elaboración de una posición común de la UE ante la Conferencia de las Naciones Unidas sobre el Desarrollo Sostenible, “Río+20” (apartado 97). Así las cosas, el interrogante que debemos despejar es si cabe extraer directamente tal principio de los postulados recogidos en el art. 45 CE. Ciertamente, como ya advertimos en las citadas SSTC 149/1991 y 102/1995, las nociones de conservación, defensa y restauración del medio ambiente, explícitas en los apartados 1 y 2 de este precepto constitucional, comportan tanto la preservación de lo existente como una vertiente dinámica tendente a su mejoramiento que, en lo que particularmente concierne a la protección del demanio marítimo-terrestre, obligan al legislador a asegurar el mantenimiento de su integridad física y jurídica, su uso público y sus valores paisajísticos. En particular, el deber de conservación que incumbe a los poderes públicos tiene una dimensión, la de no propiciar la destrucción o degradación del medio ambiente, que no consentiría la adopción de medidas, carentes de justificación objetiva, de tal calibre que supusieran un patente retroceso en el grado de protección que se ha alcanzado tras décadas de intervención tuitiva. Esta dimensión inevitablemente evoca la idea de “no regresión”, aunque los conceptos que estamos aquí contrastando no admiten una identificación mecánica, pues es también de notar que el deber constitucional se proyecta sobre el medio físico, en tanto que el principio de no regresión se predica del ordenamiento jurídico. En términos constitucionales, esta relevante diferencia significa que la norma no es intangible, y que por tanto la apreciación del potencial impacto negativo de su modificación sobre la conservación del medio ambiente requiere una cuidadosa ponderación, en la que, como uno más entre otros factores, habrá de tomarse en consideración la regulación preexistente”.
Em outras palavras, assentou o Tribunal Constitucional da Espanha que são inválidas as medidas carentes de justificação objetiva que suponham patente retrocesso à proteção ambiental; a norma anterior é um parâmetro de validez, mas não único; na ponderação deverão ser levados em conta outros fatores.
Assim como reconhecido na Sentença 538 de 10 de julho de 2012 proferida pelo Tribunal Supremo de Justiça de Madrid, o Tribunal Constitucional da Espanha rechaçou a aplicação absoluta do princípio do não retrocesso, exigindo do aplicador a ponderação dos valores em jogo, para avaliar a melhor solução ao caso concreto, motivação que deverá constar ato ou decisão.
Nesse contexto, tanto no Brasil como na Espanha, há entendimento que a norma que estabelece proteção ambiental não é intangível, mas que eventual alteração legislativa que implique na diminuição da proteção demandaria cuidadosa ponderação de interesses.
Cabe ao judiciário, se instado a tanto, o exercício de ponderação a fim de aferir se determinada lei que implique em retrocesso ambiental é ou não inconstitucional, podendo até mesmo afirmar a constitucionalidade, especialmente quando necessária a prevalência de outros direitos igualmente relevantes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O direito ambiental vem ganhando destaque no cenário jurídico mundial, haja vista a preocupação cada vez mais presente de que o meio ambiente equilibrado é indispensável à existência humana e que a devastação e a degradação ambiental, outrora levadas a efeito em razão do desenvolvimento econômico, acabam por refletir diretamente no direito à vida.
Em razão disso, com o passar do tempo, no cenário mundial diversos foram os atos e medidas editados visando à proteção do meio ambiente, bem como por diversas legislações protetivas.
Entretanto, muito embora diversas legislações a respeito do meio ambiente, a proteção não era realizada de maneira global e difusa, mas sim de modo pouco perceptível, sobretudo para ainda permitir a exploração pelo homem e por deixar ao particular, malcontente com a violação de seus direitos, a faculdade de requerer a tutela do Estado.
Daí que somente a partir da década de 1970, diante da preocupação com o crescimento econômico e a exploração desenfreada, foi realizada a Conferência de Estocolmo, na qual o meio ambiente foi destacado como bem a ser protegido da apropriação e do desenvolvimento predatório pelo homem.
Na esteira da tendência internacional, o Brasil e a Espanha passaram a ter uma proteção ambiental com viés globalizado, incorporando em suas constituições o direito ao meio ambiente.
Em 1978, inspirando-se genericamente no preceitos da Conferência de Estocolmo, a Constituição da Espanha trouxe para seu bojo o trato da matéria ambiental, dispondo em seus artigos 45 e 46 ideias básicas de proteção ambiental a utilização racional de todos os recursos, a busca da melhora da qualidade de vida, o equilíbrio ecológico com a defesa e restauração do meio ambiente e a solidariedade coletiva ambiental.
Na mesma esteira, a Constituição Federal Brasileira de 1988 dedicou um capítulo exclusivo ao meio ambiente (Capítulo VI), destacando o direito de todos ao ecossistema equilibrado, bem de uso comum do povo e indispensável à sadia qualidade de vida (artigo 225), alçando-o à qualidade de direito fundamental e operando verdadeira revolução, tendo a matéria se espraiado por diversos dispositivos no decorrer dos seus 250 artigos e, principalmente, passando a ser tratada de maneira global.
O meio ambiente passou a ocupar posição de superioridade e, segundo boa parte da doutrina e jurisprudência, adquiriu característica de intangibilidade, especialmente quanto à impossibilidade de retrocessão, por compor um mínimo jurídico-político dos cidadãos e sob pena de supressão de uma proteção conquistada paulatinamente.
Contudo, tanto no Brasil como na Espanha, há entendimento que a norma que estabelece proteção ambiental não é intangível, mas que eventual alteração legislativa que implique na diminuição da proteção demandaria cuidadosa ponderação dos interesses em jogo.
Nessa alheta, caberá ao judiciário, se instado a tanto, o exercício de ponderação a fim de aferir se determinada lei que implique em retrocesso ambiental é ou não inconstitucional, podendo até mesmo afirmar a constitucionalidade, especialmente quando necessária a prevalência de outros direitos igualmente importantes.
Informações Sobre os Autores
Fábio Gesser Leal
Especialista em Direito Tributário pela Universidade do Sul de Santa Catarina Unisul em parceria com a Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes LFG. Graduado em Direito e em Administração de Empresas pelo Centro Universitário Barriga Verde Unibave. Professor universitário na Unisul. Assessor de Gabinete na Justiça de 1 Grau em Santa Catarina
Klauss Correa de Souza
Mestrando em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI. Especialista em Direito e Gestão Judiciária para Magistrados pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Graduado em Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina – Unisul. Professor universitário na Unisul e no Centro Universitário Barriga Verde – Unibave. Juiz de Direito em Santa Catarina
Rafael Giordani Sabino
Especialista em Processo Civil pela Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes – LFG. Graduado em Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina – Unisul. Professor universitário na Unisul. Assessor Jurídico na Justiça de 1º Grau em Santa Catarina