A aposentadoria por idade mista – entre o segurado especial e o trabalhador urbano

Resumo: Os trabalhadores rurais que não comprovarem o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento da aposentadoria por idade, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício para as demais categorias de segurado, poderão utilizar períodos de contribuição sob outras categorias de segurado. Obterá, então, uma aposentadoria, que não se poderá dizer que é exclusivamente urbana nem rural. Esta aposentadoria por idade é híbrida, mista.

Palavras-chave: Aposentadoria mista. Trabalhador rural.

Sumário: 1 Introdução. 2 Conceito de previdência social 3 Aposentadoria por idade do trabalhador rural. 3.1 Contingência protegida. 3.2 fundamento normativo. 3.3 Requisitos. 4 Aposentadoria por idade mista. Conclusão. Referências

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1. INTRODUÇÃO

O trabalho rural em regime de economia familiar tem um valor social intrínseco, e a Constituição da República Federativa do Brasil, atenta a este fato, cuidou de tratar particularmente do agente desta atividade, o que foi seguido pelas normas jurídicas regulamentadoras.

Uma das normas regulamentadoras – a Lei nº 8.213/91 – estabeleceu em seu corpo permanente, no que se refere à aposentadoria por idade, que fica garantida a concessão deste benefício, bastando para tanto que o trabalhador comprove o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício. O tempo comprovado deve equivaler ao número de meses correspondentes à carência do benefício contributivo, vale dizer, 180 meses.

Porém, muitos trabalhadores rurais, em decorrência das adversidades do campo, vêm se deslocar para a cidade. Permanecem alguns anos de sua vida, mas não tempo suficiente para, ao atingir da idade, aposentar-se na condição de trabalhador urbano. Tampouco consegue tempo suficiente para aposentar-se com o tempo exclusivamente rural. Nasce aí o dilema daquele que principiou seu trabalho no campo, imaginou um dia que o labor da cidade seria mais vantajoso, mas que, diante das dificuldades da vida na cidade, retorna para o campo já margeando os 60 anos de idade, e quando vinha atingir esta idade, não lograva êxito em aposentar-se.

O legislador, assim, no intento de solucionar este impasse provocado pelas alternâncias dos êxodos rurais e urbanos, editou a Lei nº 11.718/2008, que incluiu os parágrafos 3º e 4º ao art. 48 da Lei nº 8.213/91, o que fez surgir uma nova maneira de aposentar-se, mediante a concessão de um benefício não voltado totalmente ao homem do campo nem totalmente ao homem da cidade. Uma aposentadoria com aspecto híbrido, a qual chamaremos aqui de aposentadoria por idade mista.

2. CONCEITO DE PREVIDÊNCIA SOCIAL

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu Título VII, "Da Ordem Social", traz – em seu Capítulo II – disposições relativas à Seguridade Social.

Nos exatos termos do artigo 194 da Constituição, a Seguridade Social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.

Pela definição constitucional, já é possível notar que a Seguridade Social é gênero, da qual são espécies a Saúde, a Previdência e a Assistência Social, de modo que não se deve fazer confusão entre estas partes conceituais, sobretudo entre previdência e assistência social. Cada uma das três áreas da Seguridade Social é dotada de princípios próprios e diferentes objetivos específicos.

A finalidade precípua da Previdência Social é assegurar aos seus beneficiários meios indispensáveis à manutenção de sua condição econômica, quando esta se encontra inviabilizada por contingências, tais quais: incapacidade, idade avançada, tempo de contribuição, maternidade, reclusão ou morte.

Enfim, na linha exata da Constituição, em seu art. 201, cabe conceituar previdência social como um seguro social organizado sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados os critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial.

Não obstante a clareza do que deve entender por previdência, a previdência do trabalhador rural não raro é confundida com a assistência social, devido à aproximação com os princípios informadores desta, sobretudo o da gratuidade da prestação, com ênfase na proteção à família de baixa renda.

Tal confusão deriva-se, sobretudo, do fato de a concessão dos benefícios assistenciais não serem oriundos de contribuição direta pelos seus beneficiários e, no caso da aposentadoria ao segurado especial, as estatísticas demonstram sucessivos déficits cobertos pelas contribuições dos segurados urbanos.

Diante de tal sistema, como veremos, tem bastado a mera comprovação da atividade, sem nenhuma preocupação com o equilíbrio financeiro e atuarial, o que seria impensável em um sistema de seguro. Todavia, não é por ser um seguro que a previdência se afasta de seu fim social. No magistério de João Batista Lazzari (2009, p.51),

cabe à Previdência Social também a incumbência da redução das desigualdades sociais e econômicas, mediante uma política de redistribuição de renda, retirando maiores contribuições das camadas mais favorecidas e, com isso, concedendo benefícios a populações de baixa renda.

É no ideal desta previdência social (rural), ora contributiva, ora assistencialista, que este artigo irá conduzir seus argumentos, detendo-se, sobretudo, aos aspectos mais ligados ao objeto de pesquisa, qual seja: a qualidade de segurado especial e suas implicações na concessão da aposentadoria por idade.

3. APOSENTADORIA POR IDADE DO TRABALHADOR RURAL

A aposentadoria por idade dos trabalhadores rurais é uma das preocupações das autoridades governamentais em matéria de Previdência Social, em face da suposta facilidade em requerer o benefício sem que tenha havido de fato trabalho nesta condição. (CASTRO, 2009, p. 591).

Comentando o assunto, Sergio Pinto Martins (apud CASTRO, 2009, p. 591) se posiciona a respeito do tema:

“As aposentadorias dos trabalhadores rurais sem contribuição têm trazido muita fraude, como se tem verificado, porém nada impede que o trabalhador rural recolha normalmente a sua contribuição para ter direito a uma aposentadoria comum e igual à do trabalhador urbano.

Se o sistema para o trabalhador rural continuar em parte não-contributivo, já que há a possibilidade de opção, é claro que o referido trabalhador vai optar por não contribuir, daí a necessidade de modificação do referido sistema.”

Realmente, há muitas fraudes na concessão de benefícios previdenciários, sobretudo devido à fuga de muitos brasileiros que, vistos em situação de penúria frente aos anos de informalidade, encontram nos benefícios rurais a última chance, ou pelo menos a mais imediata, de garantir recursos para sua sobrevivência.

Todavia, abstraídas as alegações reais de fraude, a verdade é que o homem do campo não tem o necessário conhecimento das normas legais a respeito de Previdência, de modo que cobrar que ele venha a contribuir, inclusive pelo período pretérito, quando sequer havia lei que assim exigisse, não condiz com uma política voltada para a população economicamente hipossuficiente. (CASTRO, 2009, p. 591)

3.1. CONTINGÊNCIA PROTEGIDA

A Previdência Social tem por escopo garantir meios de subsistência aos segurados e seus dependentes quando da superveniência de certas contingências ou riscos, eleitos segundos critérios de seletividade.

No caso, a aposentadoria por idade não visa proteger o segurado quanto a incapacidades patológicas não programáveis, tampouco visa proteger diretamente seus dependentes, senão visa proteger o segurado que, por atingir uma avançada idade, não mais se justifica permanecer obrigado a trabalhar até o fim de sua vida. A Previdência abre um espaço para que o segurado, que já depositou sua cota de participação social, possa descansar pelos dias que lhes restam, de maneira mais proveitosa quanto possível, sem ser compelido a continuar inserido num mercado de trabalho que, muitas vezes, o discrimina.

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Assim, ainda que o segurado tenha condições técnicas e fisiológicas para continuar no mercado de trabalho, o Estado brasileiro estabelece uma presunção de inatividade, e, desta maneira, todos saem ganhando.

Um problema é quando o segurado, que lhe teve concedido a aposentadoria por idade continua a trabalhar, o que pode parecer um contra-senso.

“Assim, de um lado, o sistema presume que a pessoa com idade avançada apresenta sua capacidade fisiológica diminuída; por outro, o próprio ordenamento admite que o aposentado exerça atividade laborativa, o que é totalmente ilógico sob o ponto de vista jurídico. Assim, entendemos que, não obstante a manutenção da presunção absoluta de incapacidade fisiológica em razão da idade avançada, o direito à percepção do benefício somente seria possível quando presente o abandono de toda e qualquer atividade remunerada por parte do potencial beneficiário. Este não impede que, posteriormente, o interessado possa usufruir o seu benefício após a cessação da atividade laboral.

No entanto, frise-se que essa não foi a opção adotada pelo sistema pátrio, que não impede que um indivíduo seja beneficiário de aposentadoria por idade e, simultaneamente, exerça atividade remunerada, devendo, na qualidade de segurado obrigatório, verter contribuições”.(SILVA, 2008, pp. 187-188)

Do exposto, vê-se que a Previdência Social brasileira protege a idade – e não a incapacidade pelo fato da idade-, contingência esta que emprestou o nome ao benefício, que se titula “aposentadoria por idade”. É uma expressão relativamente nova, surgida após a lei nº 8.213/91, visto que, antes desta, o instituto era nomeado “aposentadoria por velhice”, que passou a ser repudiada por indicar uma ideia discriminatória em face dos dias atuais, onde se exige maior respeito à pessoa idosa.

3.2. FUNDAMENTO NORMATIVO

O benefício da aposentadoria por idade foi criado pela Lei Orgânica da Previdência Social – Lei n° 3.807, de 26 de agosto de 1960, que unificou a legislação referente aos Institutos de Aposentadorias e Pensões, mas não contemplou o trabalhador rural, que, em 1963, através do Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural – FUNRURAL, promoveu a inclusão desta categoria de segurado.

Todavia, foi com a atual Lei de Benefícios (Lei nº 8213/91) que, observando comando constitucional, equiparou-se o trabalhador urbano e rural no que se refere ao direito ao benefício, cuja positivação legal encontra-se nos artigos 48 a 51.

O Decreto nº 3048/99, então vigente, regulamentou a Lei nº 8.213/91, e contemplou o benefício em seus artigos 51 a 55.

3.3. REQUISITOS

Inicialmente, cabe lembrar que a Lei nº 8.213/91 determina que, para se auferir aposentadoria por idade pelo Regime Geral da Previdência Social, necessário é que o segurado preencha dois requisitos fundamentais: a idade mínima e a carência.

3.3.1. Idade mínima

Preconiza o artigo 48 da Lei nº 8.213/91 que “a aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher”.

O § 1º do mesmo artigo supra define que os limites fixados “são reduzidos para sessenta e cinquenta e cinco anos no caso de trabalhadores rurais, respectivamente homens e mulheres”.

3.3.2. Carência

Considera-se período de carência o tempo correspondente ao número mínimo de contribuições mensais indispensáveis para que o beneficiário faça jus ao benefício requerido.

Nos termos do § 2º do artigo 48 da Lei nº 8.213/91, o trabalhador rural deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido. Portanto, não há de se falar, propriamente, de carência para o segurado especial, mas tempo de atividade.

A Instrução Normativa INSS/PRES nº 45, de 6 de agosto de 2010, regulamentando o dispositivo legal, deu relevância ao direito adquirido, exigindo que

“o segurado especial deverá comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, ou, conforme o caso, ao mês em que cumpriu o requisito etário, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência exigida.” (grifou-se)

Para a aposentadoria por idade, o momento para a fixação da carência deve ser levado em conta a data em que implementado o requisito etário, e não a do requerimento do benefício. Isto se deve ao fato de se fazer confusão entre o surgimento do direito e o momento de seu exercício.

Se houver perda da qualidade do segurado especial, os períodos de atividade rural anteriores a essa data somente serão computados para efeito de carência rural após o segurado contar, a partir da nova filiação à Previdência Social, com, no mínimo, 1/3 do número de meses de atividade rural idêntico aos meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido.

3.3.3. Qualidade de segurado

Quanto à necessidade de se manter a qualidade de segurado durante o requerimento administrativo ou do implemento do requisito etário, deve-se atentar que, ao tratar da aposentadoria por idade, a Lei nº 8.213/91, em seu artigo 48, determina que a aposentadoria por idade será devida ao segurado. Não põe dúvidas quanto à exigência.

Sendo mais explícita, a Instrução Normativa INSS/PRES nº 45, de 6 de agosto de 2010, em seu art. 215, prescreve que:

“Para fins de aposentadoria por idade prevista no inciso I do art. 39 e art. 143 da Lei nº 8.213, de 1991 dos segurados empregados, contribuintes individuais e especiais, referidos na alínea “a” do inciso I, na alínea “g” do inciso V e no inciso VII do art. 11 do mesmo diploma legal, não será considerada a perda da qualidade de segurado os intervalos entre as atividades rurícolas, devendo, entretanto, estar o segurado exercendo a atividade rural ou em período de graça na DER ou na data em que implementou todas as condições exigidas para o benefício”. (grifou-se)

Perceba-se que o benefício poderá ser devido ao segurado especial, ainda que a atividade exercida na data do requerimento seja de natureza urbana, desde que o segurado tenha preenchido todos os requisitos para a concessão do benefício rural previsto até a expiração do prazo para manutenção da qualidade, na atividade rural, previsto no art. 15 do mesmo diploma legal e não tenha adquirido a carência necessária na atividade urbana.

O importante é que se observe o requisito legal, de modo que deverá haver exercício da atividade rural no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício.

Assim, do exposto no art. 215 da Instrução Normativa INSS/PRES nº 45, de 6 de agosto de 2010, conclui-se que o INSS reconhece os períodos de atividade rural descontínua, ou seja, interrompidos por atividade urbana ou não.

Aqui, não se trata de usar provas de anos intercalados, mas de efetivamente interromper a atividade. E, na concepção de alguns doutrinadores como, Jane Lucia Wilhelm Berwanger, entendimento inclusive do INSS, não há limite de período. Teríamos, por exemplo, uma pessoa que exerceu atividade rural dos 12 aos 27 anos, se afastou e somente retornou um ano antes de completar a idade para a aposentadoria. Não há óbice para que este benefício seja concedido, se o segurado apresentar provas (pelo menos uma de cada um dos dois períodos – o antigo e o recente) e for confirmada a atividade rural, após entrevista e oitiva de testemunhas. (BERWANGER, 2009, p. 125).

Não há como concordar com este posicionamento, que considera períodos antigos de atividade rural e somente se exige que a pessoa tenha a qualidade de segurado no ato do requerimento; qualidade esta que se pode adquirir com um só dia de trabalho rural.

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Tais estudiosos partem da premissa de que se o segurado urbano pode computar as contribuições para aposentadoria por idade ou por tempo de contribuição, mesmo tendo interrompido várias vezes, com ou sem perda da qualidade de segurado, o mesmo deveria ser aplicado ao trabalhador rural (BERWANGER, 2009, p. 125).

Não é esta a opinião prevalente, sobretudo junto ao Poder Judiciário. Neste ponto, como a prova da atividade rural vem exigida por norma especial em relação à previsão contida no artigo 3º, § 1º, da Lei nº 10.666/2003, não há como preconizar a irrelevância da perda da qualidade de segurado no pedido de concessão de aposentadoria por idade do segurado especial. O artigo 3º, §1º, da Lei 10.666/2003 é aplicável tão-somente à aposentadoria urbana por idade.

É o que decidiu a Turma Nacional de Uniformização:

“PREVIDENCIÁRIO. RURÍCOLA. IMPLEMENTO DA IDADE POSTERIOR À SAÍDA DO CAMPO. APOSENTADORIA. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE RURAL NO PERÍODO

IMEDIATAMENTE ANTERIOR AO REQUERIMENTO. REQUISITO. NÃO CUMPRIMENTO.

ARTIGO 3º, § 1º, DA LEI Nº 10.666, DE 2003. INAPLICABILIDADE.

 1. Pedido de Uniformização desafiado em face de acórdão da Turma Regional de Uniformização da 4ª Região, a qual negou provimento a incidente que buscava a concessão de aposentadoria por idade a trabalhadora rural que havia deixado o campo três anos antes do implemento do requisito idade, tendo, ulteriormente, laborado com vínculo urbano. Negado também o pedido alternativo de aposentadoria por tempo de contribuição. […]

5. O artigo 3º, § 1º, da Lei nº 10.666, de 2003 (“Na hipótese de aposentadoria por idade, a perda da qualidade de segurado não será considerada para a concessão desse benefício, desde que o segurado conte com, no mínimo, o tempo de contribuição correspondente ao exigido para efeito de carência na data do requerimento do benefício”), como se infere de seu próprio teor – há expressa referência ao “tempo de contribuição” – está a tratar das aposentadorias por idade urbanas, eis que, nas rurais, inexistem contribuições por parte do segurado especial.

6. Pedido de uniformização conhecido em parte e, nesta parte, improvido.” (TNU, PEDILEF nº 2005.70.95.00.1604-4 15, rel. Juíza Federal JOANA CAROLINA LINS PEREIRA, DJ de 29.05.2009). (grifou-se)

Por fim, há de ser registrada a necessidade de se comprovar a qualidade de segurado no momento da postulação do benefício, não aplicando ao segurado especial a regra do art. 3º, § 1º, da Lei 10.666/2003, porquanto o exercício de atividade rural a ser comprovado deve abranger, necessariamente, o período imediatamente anterior ao requerimento do benefício. A carência, na hipótese de perda da qualidade de segurado, somente será cumprida após o segurado especial contar, a partir da nova filiação à Previdência Social Rural, com, no mínimo, 1/3 do número de meses de atividade rural idêntico aos meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido.

4. Aposentadoria por idade mista

Como visto, o trabalhador poderá aposentar-se por idade quando satisfizer os requisitos da idade mínima e da carência, necessitando, para os segurados especiais, que ostentem esta condição quando do requerimento.

Ocorre que, na linha da introdução deste trabalho, considerando as várias intercorrências do mercado de trabalho no mundo atual, associado ao fato de que as atividades rurais nem sempre podem ser contínuas, não é raro que muitos trabalhadores tenham laborado parte de sua vida na qualidade de segurado especial e outra parte em umas das demais categorias de segurados obrigatórios. Assim, pode acontecer de o trabalhador não lograr tempo suficiente para aposentar-se como segurado especial tampouco tempo suficiente para aposentar-se sob outra categoria de segurado. A pessoa, então, sente-se em um dilema, pois trabalhou por longos anos de sua vida, mas de nada pareceria ter servido tamanho esforço para efeitos de previdência.

Para resolver esta aparente discrepância, a Lei 11.718/2008 conferiu nova redação ao art. 48 da Lei 8.213/91, sobretudo quanto ao acréscimo do § 3º no mesmo. Vejamos:

“Art. 48. A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)

§ 1º Os limites fixados no caput são reduzidos para sessenta e cinqüenta e cinco anos no caso de trabalhadores rurais, respectivamente homens e mulheres, referidos na alínea a do inciso I, na alínea g do inciso V e nos incisos VI e VII do art. 11. (Redação dada pela Lei nº 9.876, de 1999)

§ 2º Para os efeitos do disposto no § 1º deste artigo, o trabalhador rural deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido, computado o período a que se referem os incisos III a VIII do § 9º do art. 11 desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 11,718, de 2008)

§ 3º Os trabalhadores rurais de que trata o § 1º deste artigo que não atendam ao disposto no § 2º deste artigo, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher. (Incluído pela Lei nº 11,718, de 2008) (Grifos nossos).

§ 4º Para efeito do § 3º deste artigo, o cálculo da renda mensal do benefício será apurado de acordo com o disposto no inciso II do caput do art. 29 desta Lei, considerando-se como salário-de-contribuição mensal do período como segurado especial o limite mínimo de salário-de-contribuição da Previdência Social”. (Incluído pela Lei nº 11,718, de 2008)

Assim, os trabalhadores rurais que não comprovarem o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento da aposentadoria por idade, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício para as demais categorias de segurado, poderão utilizar períodos de contribuição sob outras categorias de segurado. Obterá, então, uma aposentadoria, que não se poderá dizer que é exclusivamente urbana nem rural. A aposentadoria é híbrida, mista de dois sistemas, um contributivo e outro não. Neste caso, não haverá a redução da idade para este fim, devendo aposentar-se com a mesma idade exigida para as demais categorias de segurado.

Quanto ao tempo a ser considerado sob cada categoria, percebe-se que a lei nada estipula, de modo que basta que a soma dos períodos, sejam os períodos de que categoria for, atinjam a carência mínima de 180 meses (regime permanente), não importando qual a qualidade de segurado que o trabalhador ostente quando do requerimento.

Logo, ao contrário do que a primeira leitura do §3º pode levar a entender, a benesse não pode proteger apenas aquele que veio a ser trabalhador rural quando do avançar da idade, mas deve proteger aquele que um dia foi, mas que por razões variadas teve de migrar para a zona urbana e na qualidade de segurado urbano veio a requerer o benefício.

É que, apesar de a lei referir-se claramente a “trabalhadores rurais”, o dispositivo deve ser interpretado à luz do princípio da igualdade, que vem na constituição sob o manto do princípio específico da “uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais” (art. 194, inciso II, da CF/88).

De acordo com a uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às duas populações, o legislador assegura a isonomia dos direitos, tornando a concessão em igualdade de condições, quer seja para um trabalhador do ambiente rural, ou urbano.

A uniformidade determina que a seleção das contingências ou eventos a serem protegidos pela seguridade social necessita ser feita de maneira homogênea, devendo os serviços e benefícios que virão a acobertá-los ser prestados às duas populações. Ao observarmos os riscos listados pela Constituição da República Federativa do Brasil que possuem cobertura pelo sistema de seguridade, é possível perceber que há a homogeneidade, bem como, ao observarmos os sujeitos que terão direito, concluímos que todas as espécies de trabalhadores estão incluídas.

A equivalência é outro aspecto a ser respeitado pelo princípio em consideração, o qual busca garantir que os benefícios e serviços devem ser prestados de maneira equivalente, em quantidade e qualidade, às populações urbanas e rurais.

Foi para corrigir este lapso normativo que o Decreto nº 6.722/2008, ao regulamentar a inovação legislativa, incluiu o §4º ao art. 51 do Decreto nº 3.048/1999, in verbis:

“Art. 51. A aposentadoria por idade, uma vez cumprida a carência exigida, será devida ao segurado que completar sessenta e cinco anos de idade, se homem, ou sessenta, se mulher, reduzidos esses limites para sessenta e cinqüenta e cinco anos de idade para os trabalhadores rurais, respectivamente homens e mulheres, referidos na alínea "a" do inciso I, na alínea "j" do inciso V e nos incisos VI e VII do caput do art. 9º, bem como para os segurados garimpeiros que trabalhem, comprovadamente, em regime de economia familiar, conforme definido no § 5º do art. 9º. (Redação dada pelo Decreto nº 3.265, de 1999) […]

§ 2º Os trabalhadores rurais de que trata o caput que não atendam ao disposto no § 1o, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem sessenta e cinco anos de idade, se homem, e sessenta anos, se mulher. (Incluído pelo Decreto nº 6.722, de 2008).

§ 3º Para efeito do § 2º, o cálculo da renda mensal do benefício será apurado na forma do disposto no inciso II do caput do art. 32, considerando-se como salário-de-contribuição mensal do período como segurado especial o limite mínimo do salário-de-contribuição da previdência social. (Incluído pelo Decreto nº 6.722, de 2008).

§ 4º Aplica-se o disposto nos §§ 2º e 3º ainda que na oportunidade do requerimento da aposentadoria o segurado não se enquadre como trabalhador rural. (Incluído pelo Decreto nº 6.722, de 2008)”. (Grifos nossos).

Porém, há quem entenda que a aposentadoria mista dirige-se apenas ao trabalhador rural, não alcançando o trabalhador urbano, mesmo sendo notório que o fato de laborar em zona urbana não foi uma ocorrência de livre escolha, mas muitas vezes motivada pela impossibilidade de continuar no sofrimento campesino que muitas regiões brasileiras oferecem.

Pois bem, a Turma Regional de Uniformização entendeu que o benefício de que trata o art. 48, §3º, da Lei 8.213/91 é devido apenas aos trabalhadores rurais que implementam o requisito etário enquanto vinculados ao campo, não alcançando aquele que, ainda por muitos longos anos, laborou no campo, mas que, ao avançar da idade, teve que mudar-se para a cidade em busca de trabalho. Vejamos:

“EMENTA: INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO REGIONAL. APOSENTADORIA POR IDADE URBANA. CÔMPUTO DE TEMPO DE ATIVIDADE RURAL COMO CARÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE. ARTIGO 48, §3º, DA LEI 8.213/1991, COM ALTERAÇÕES DA LEI 11.718/20081. 

1. O benefício de que trata o art. 48, §3º, da Lei 8.213/91 é devido aos trabalhadores rurais que implementam o requisito etário enquanto vinculados ao campo. Não se enquadra às novas normas de aposentadoria por idade aquele que, por determinado tempo em remoto passado, desempenhou atividade de natureza rural e se desvinculou definitivamente do trabalho campesino. 

2. A Lei 11.718/2008 não revogou o disposto no artigo 55, §2º, da Lei 8.213/1991, de maneira que continua sendo vedado o cômputo de tempo rural para fins de carência sem que tenha havido contribuições previdenciárias. 

3. Precedentes da TRU 4ª Região. 

4. Incidente conhecido e provido.” (IUJEF 0000341-03.2010.404.7251, Turma Regional de Uniformização da 4ª Região, Relator Osório Ávila Neto, D.E. 28/02/2012).(Grifos nossos).

De qualquer maneira, o avanço foi grande em termos legislativos, ainda mais quando, em termos legais, o segurado não está obrigado a perceber o benefício no valor mínimo. Para efeito da concessão da aposentadoria mista, o cálculo da renda mensal do benefício será apurado considerando-se os salários-de-contribuições mensais referentes aos períodos de trabalho na condição de urbana ou rural contributiva, sendo que, para o período como segurado especial sem contribuição facultativa, o valor a integrar o período básico de calculo – PBC será o salário-mínimo nacional.

5. CONCLUSÃO

O suporte público ao segurado especial por muitas vezes resta incompreendido, de modo que se entende mais como uma benesse do Estado que um direito subjetivo, daí o surgimento de posições cada vez mais restritivas, com o fito de negar proteção a esta espécie de trabalhador.

Em verdade, a proteção do trabalhador rural tem relevante significado histórico, econômico e social. Garantir proteção ao campesino acaba por estimular que as pessoas encontrem vantagens em fixar o homem no campo, de modo a conter o êxodo rural que assolou o Brasil por muitos anos, causando inchaço populacional nos grandes centros urbanos, com reflexos significativos nas precárias condições de vida, incremento da violência e demanda por serviços médicos.

Assim, a conquista dos benefícios mínimos para os trabalhadores rurais, longe de ser um gasto inútil e um favor para os ditos segurados, acaba por trazer maiores recompensas socioeconômicas para a nação, tudo isto partindo do pressuposto de um valor positivo do trabalho rural.

Porém, o fato de se reconhecer valor ao trabalho no campo, bem como entender a opção da constituinte, não induz a uma autorização irrestrita a se conceder benefícios previdenciários sem um mínimo de cautela, tampouco em aplicar a lei ao arrepio do princípio da igualdade. Deve o julgador posicionar-se no sentido de não transformar os benefícios rurais em uma afronta ao trabalho urbano. É por isto que, neste artigo, defendemos que a aposentadoria mista (art. 48, §3º, da Lei 8.213/91) também deve abranger aquele trabalhador que não mais se enquadra como rurícola no momento do requerimento, mas que já ostentou esta condição por período de sua vida.

 

Referências
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Informações Sobre o Autor

Wesley Adileu Gomes e Silva

Procurador Federal. Especialista em Direito Público pela FACAPE e em Direito Previdenciário pelo Juspodivm, Professor Auxiliar da Faculdade de Ciências Aplicadas e Sociais de Petrolina


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