A atribuição do ministério público para atuar nos processos com lides envolvendo sindicatos e servidores públicos

Resumo Desde o advento da Emenda Constitucional – EC n. 45/2004 a discussão atinente a qual ramo do Ministério Público teria atribuição para atuar em lides que dizem respeito a servidores estatutários entes sindicais e pessoa jurídica de direito público é tema transversal em nossa jurisprudência. O Supremo Tribunal Federal com a decisão proferida na ADI n. 3.395-6 excluiu toda e qualquer interpretação do artigo 114 I CRFB/1988 que inserisse na competência material da Justiça do Trabalho o processamento de ações entre Entes Públicos e seus servidores quando a vinculação entre ambos for constituída em uma relação tipicamente jurídico-administrativa como é o caso dos servidores estatutários da União cujo vínculo é regido pela Lei n. 8.112/90. Mas para esses casos qual o ramo do Ministério Público brasileiro terá atribuição para atuar no feito Essa é a questão central a ser respondida com esse pequeno contributo em uma questão tormentosa e palpitante que muitas vezes foge do conceito de justiça justa efetiva e de resultados que se buscam com a concretização do modelo de Ministério Público resolutista haja vista que não se tem bem delineada a atribuição.

Sumário: 1. Introdução. 2. A jurisprudência dos tribunais superiores brasileiros. 3. Conclusão. Referências

1 Introdução

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Desde o advento da Emenda Constitucional – EC n.° 45/2004 a discussão atinente a qual ramo do Ministério Público teria atribuição para atuar em lides que dizem respeito a servidores estatutários, entes sindicais e pessoa jurídica de direito público é tema transversal em nossa jurisprudência.

Com efeito, o artigo 114, inciso I, da CRFB/1988, após a EC n.° 45/2004, foi taxativo ao positivar que compete à Justiça do Trabalho processar e julgar as ações oriundas das relações de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, o que, em tese, atrairia a atribuição do Ministério Público do Trabalho, conforme artigo 83 da Lei Complementar  n.° 75/1993.

Ocorre que o Supremo Tribunal Federal, com a decisão proferida na ADI n.° 3.395-6 excluiu toda e qualquer interpretação do artigo 114, I, CRFB/1988, que inserisse na competência material da Justiça do Trabalho o processamento de ações entre Entes Públicos e seus servidores, quando a vinculação entre ambos for constituída em uma relação tipicamente jurídico-administrativa, como é o caso dos servidores estatutários da União, cujo vínculo é regido pela Lei n.° 8.112/90. Eis a ementa do julgado:

“INCONSTITUCIONALIDADE. AÇÃO DIRETA. COMPETÊNCIA. JUSTIÇA DO TRABALHO. INCOMPETÊNCIA RECONHECIDA. CAUSAS ENTRE O PODER PÚBLICO E SEUS SERVIDORES ESTATUTÁRIOS. AÇÕES QUE NÃO SE REPUTAM ORIUNDAS DA RELAÇÃO DE TRABALHO. CONCEITO ESTRITO DESTA RELAÇÃO. FEITOS DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM. INTERPRETAÇÃO DO ART. 114, INC. I, DA CF, INTRODUZIDO PELA EC 45/2004. PRECEDENTES. LIMINAR DEFERIDA PARA EXCLUIR OUTRA INTERPRETAÇÃO. O disposto no art. 114, I, da Constituição da República, não abrange as causas instauradas entre o Poder Público e servidor que lhe seja vinculado por relação jurídico-estatutária.”

Em síntese, portanto, quando o vínculo entre o servidor e o Ente Público for de natureza jurídico-administrativa a Justiça com competência para apreciar o feito é a comum.

Caso o vínculo seja com a União ou alguma outra pessoa jurídica de direito público federal, a justiça comum é a federal; se o vínculo jurídico-administrativo for com Ente Público estadual ou municipal a competência é da justiça comum estadual.

A atribuição do Ministério Público respectivo seguirá a mesma sorte, conforme reiterada jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

Mas, para esses casos, qual o ramo do Ministério Público brasileiro terá atribuição para atuar no feito?

É a questão central a ser respondida com esse pequeno contributo em uma questão tormentosa e palpitante que, muitas vezes, foge do conceito de justiça justa, efetiva e de resultados que se buscam com a concretização do modelo de Ministério Público resolutista, haja vista que não se tem bem delineada a atribuição.

2  A jurisprudência dos tribunais superiores brasileiros

Em fevereiro de 2013, no bojo da Ação Cível Originária nº 2.036 – Minas Gerais, onde foi discutido um conflito negativo de atribuições entre o Ministério Público Estadual e Ministério Público do Trabalho, o STF entendeu, mais uma vez, que ante a natureza da relação travada com o  servidor, o Ministério Público do Trabalho não teria atribuição para atuar no feito.

Na ADI 3.395-6-DF, paradigma hermenêutico sobre a competência material da Justiça do Trabalho, como já salientado, excluiu-se da Justiça do Trabalho qualquer interpretação ao artigo 114 da CRFB/1988 que atraísse o julgamento de servidor público vinculado ao regramento administrativo. É dizer: a lide envolvendo discussão entre servidor público e respectivo ente sindical não seria da competência da Justiça do Trabalho.

Nesse sentido, por exemplo, o STF já firmou entendimento que, quando se tratar de processamento e julgamento de greves de servidores públicos regidos por vínculo jurídico-administrativo (artigo 114, inciso II, CRFB/1988), a justiça comum seria a competente (Mandado de Injunção no 708/DF; Recurso Extraordinário n.° 679.152/DF).

Sobre o inciso III do artigo 114 da CRFB/1988, o Superior Tribunal de Justiça segue a lógica da decisão proferida na ADI n.° 3395-6, ao excluir da Justiça do Trabalho as causas que envolvam interesses de servidores públicos sujeitos ao regime estatutário e seus entes representativos:

“CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA. JUSTIÇA ESTADUAL E JUSTIÇA DO TRABALHO. AÇÕES DE RITO ORDINÁRIO MOVIDAS POR SINDICALIZADOS REGIDOS POR REGIME ESTATUTÁRIO CONTRA SINDICATOS DE SERVIDORES PÚBLICOS MUNICIPAIS. ELEIÇÃO DE REPRESENTANTES SINDICAIS. CONEXÃO. REUNIÃO DOS PROCESSOS NA JUSTIÇA ESTADUAL. INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO DE TRABALHO. 1. No caso dos autos, entre duas ações em comento há inquestionável laço de conexão, determinado pela identidade de objeto, pois ambas as ações – de pedidos antagônicos – versam sobre a regularidade ou não de um mesmo processo eleitoral de entidade sindical. Impõe-se, portanto, a reunião dos processos, a fim de evitar julgamento conflitante (CPC, art. 105). 2. O STF, ao apreciar medida cautelar na ADIN n. 3.395 (Min. Cezar Peluso, DJ de 10.11.06), referendou medida liminar que, interpretando o inciso I do art. 114 da CF/88, excluiu da competência da Justiça do Trabalho as causas envolvendo entidades de Direito Público e seus respectivos servidores, submetidos a regime estatutário. 3. A mesma orientação deve ser adotada na interpretação do inciso III do art. 114 da CF, que atribuiu à Justiça do Trabalho competência para processar e julgar as demandas ‘entre sindicatos, entre sindicatos e empregadores e entre sindicatos e trabalhadores’. Tal norma de competência não se aplica a demandas entre sindicato e seus sindicalizados, quando estes são regidos por normas estatutárias de direito administrativo. 4. Conflito conhecido e declarada a competência do Juízo de Direito da 3a Vara Cível da Comarca de Campos dos Goytacazes – RJ para ambas as ações” (CC 95868/RJ, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Primeira Seção, DJ 01.09.08).

“CONFLITO DE COMPETÊNCIA. ELEIÇÃO SINDICAL. EMENDA CONSTITUCIONAL 45/2004. SINDICATO REPRESENTATIVO DE SERVIDORES PÚBLICOS ESTATUTÁRIOS. DECISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NA ADI-MC 3395. APLICAÇÃO. ENTENDIMENTO DA PRIMEIRA SEÇÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM. 1. Trata a hipótese dos autos de ação proposta com o objetivo de discutir questões atinentes a processo eleitoral de sindicato representativo de servidores públicos estatutários. 2. Em tais casos, a jurisprudência que se firmou na Primeira Seção desta Corte é no sentido de que a competência para exame da controvérsia permanece no âmbito da Justiça Comum, em razão do entendimento manifestado pelo Supremo Tribunal Federal na ADI-MC 3.395/DF. Precedente: CC 86.387/RS, 1a Seção, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 10.9.2007. 3. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito da 1a Vara Cível da Comarca de Porto Velho/RO, o suscitado” (CC 94825/RO, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Seção, DJ 08.09.08).

Na Justiça do Trabalho também predomina o entendimento de que ela não seria a competente para lides desse jaez. Confira-se, por exemplo, a Súmula n.° 7 do Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região:

“INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. LIDE ENVOLVENDO REPRESENTAÇÃO SINDICAL DE SERVIDORES PÚBLICOS ESTATUTÁRIOS. Estão excluídas da competência da Justiça do Trabalho, por força da decisão proferida pelo excelso STF nos autos da ADI 3395-DF com efeito erga omnes, as causas que envolvam interesses de servidores públicos sujeitos ao regime estatutário e seus entes representativos”.

Ante a incompetência da Justiça do Trabalho, o Ministério Público do Trabalho não teria atribuição para presidir Inquérito Civil cujo objeto envolvesse relação entre servidor público com vínculo jurídico-administrativo e o respectivo ente sindical representativo, por disposição expressa do caput do artigo 83 da Lei Complementar n.° 75/93 – nesse sentido, também, ADI 3.395-6-DF; ACO 2.036-MG; CC CC 95868/RJ e CC 94825/RO.

3. Conclusão

Por todo o exposto, constata-se que a competência para julgar a lide envolvendo servidor público e o ente sindical representativo é, portanto, da justiça comum.

Em se tratando de servidor público da União e o respectivo sindicato da categoria, a competência é da Justiça Federal, pela combinação da decisão proferida na ADI 3.395-6-DF com o artigo 109 da CRFB/1988.

E, finalmente, o ramo do Ministério Público para atuar nas causas de competência da Justiça Federal, à luz do artigo 37, inciso I, Lei Complementar n.° 75/93, é o Ministério Público Federal.

 

Referências
ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito processual coletivo brasileiro — um novo ramo do direito processual. São Paulo: Saraiva, 2003.
GARCIA, Emerson. Ministério Público – Organização, Atribuições e Regime Jurídico, 3 ed. Rio de Direito Público Moderno. Belo Horizonte : Del Rey, 2003.
MAZZILLI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. 22 ed. São Paulo : Saraiva, 2009.

Informações Sobre o Autor

Maria Clara Lucena Dutra de Almeida

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Procuradora Federal, Especialista em Direito Constitucional


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