A boa-fé pré-contratual nos contratos internacionais e os princípios Unidroit

Resumo: O presente artigo trata da evolução histórica dos princípios Unidroit e sua atual aplicação no âmbito dos contratos internacionais do comércio, especialmente, no que se refere à responsabilidade pré-contratual. Com isto, aborda a concepção dada, na esfera internacional, à boa-fé objetiva e como se verifica a sua observância nas relações desenvolvidas antes da celebração desses contratos.

Palavras-chave: Princípios Unidroit – Nova Lex Mercatoria – contratos internacionais do comércio – responsabilidade pré-contratual – boa-fé objetiva

Abstract: This article deals with the historical development of Unidroit principles and their application in the context of current international trade agreements, especially with regard to the pre-contractual liability. With this, the design addresses given at the international level, the objective good faith and as evidenced in their observance relationships developed prior to the conclusion of such contracts.

Keywords: UNIDROIT Principles – New Lex Mercatoria – international trade agreements – pre-contractual liability – objective good faith

Sumário: Introdução. I. A nova lex mercatoria e os princípios Unidroit. II. Os contratos internacionais do comércio. III.  Os princípipos Unidroit. IV. A boa-fé segundo os princípios Unidroit. V. Aboa-fé pré-contratual e os princípios Unidroit. Conclusão.

INTRODUÇÃO

Em face de um contexto contemporâneo de um mundo globalizado, em que as relações de troca ocorrem em nível transacional, sob a influência de mais um ordenamento jurídico, verifica-se um clima de incerteza e instabilidade jurídica. Diante disso, urge a harmonização das regras de direito do comércio internacional para garantir a maior fluidez da circulação de bens e capital, bem como a quebra das barreiras ao comércio, originadas em virtude do pluralismo político de Estados e, conseqüentemente, de ordenamentos jurídicos, culturas e usos e costumes.

Os princípios Unidroit, elaborados pelo Instituto Internacional para a Unificação do Direito Privado (conhecido como Unidoit) surgem, exatamente, como iniciativa no sentido de harmonizar as regras do direito do comércio internacional. Para isso, além da codificação de princípios referentes aos contratos comerciais internacionais adotados e aceitos na maior parte dos ordenamentos jurídicos existentes no globo, criou-se soluções para algumas das dificuldades mais verificadas nas relações de troca transacionais.

Dentre os princípios inspiradores dos princípios Unidroit está a boa-fé, que consiste no dever de lealdade entre as partes no desenvolvimento de suas atividades de comércio. Trata-se de um princípio geral amplamente reconhecido nos ordenamentos jurídicos domésticos, sobretudo, naqueles que seguem o modelo de Civil Law. Todavia, no que se refere à boa-fé, os princípios Unidroit, com objetivo de garantir maior ética, estabilidade e equilíbrio aos contratos comerciais internacionais, introduziram uma inovação. Trata-se da exigência de observância do princípio de boa-fé também na fase pré-contratual.

Sendo assim, busca-se, na presente obra, discorrer sobre a responsabilidade pré-contratual nos contratos internacionais do comércio segundo o modelo adotado pelos princípios Unidroit.  Contudo, para isso, será analisada preliminarmente a relação dos princípios Unidroit com a nova Lex Mercatoria. Em seguida, será feito um breve estudo acerca dos contratos internacionais do comércio. Feito esse breve estudo, far-se-á uma análise do conceito e das funções do princípios Unidroit, após o que passar-se-á à análise da boa-fé contratual de acordo com os princípios Unidroit, para, enfim, chegar-se à responsabilidade pré-contratual.

I – A NOVA LEX MERCATORIA E OS PRINCÍPIOS UNIDROIT

Os Princípios Unidroit, cujo conceito será aprofundado nos capítulos que seguem, constituem uma iniciativa no sentido de uniformizar as regras de direito do comércio internacional com objetivo de auferir maior segurança jurídica e estabilidade para os agentes econômicos internacionais. Tais princípios prevêem a sua própria aplicação a título de Lex Mercatoria, na medida em que encontram nesse instituto jurídico as bases de sua natureza e função. Nesse sentido, faz-se necessário, em primeiro lugar, um breve estudo acerca da Lex Mercatoria, a fim de se compreender a sua relação com os referidos princípios gerais de direito[1].

Para melhor compreender o fenômeno tão discutido da Nova Lex Mercatória, é fundamental que sejam feitas, preliminarmente, algumas considerações acerca da antiga Lex Mercatória, surgida a partir dos costumes comerciais disseminados pelos mercadores a partir dos séculos XI e XII. Na Idade Média, a atividade comercial desenvolvia-se em grandes feiras, onde comerciantes provenientes de várias nações, apesar de viverem sob a orientação de leis diversas e de se comunicarem por meio de línguas diferentes, submetiam-se às mesmas regras comerciais[2]

Com a queda do Império Romano, o mundo conhecido fragmentou-se. Sendo assim, no período imediatamente subseqüente ao final do Império, não se haviam, até o momento, erradicado os diversos ordenamentos jurídicos nacionais. Por esse motivo, na celebração dos contratos entre os comerciantes da época, não havia a exigência de fazer-se menção a qualquer legislação nacional. Ao invés disso, eram aplicados os usos e as regras de comércio existentes naquele contexto[3].

A Lex Mercatoria possuía três características principais. Em primeiro lugar, sua existência não dependia de qualquer fonte nacional. Em segundo lugar, constituía um corpo legislativo, uma vez que, em seu conjunto, formava um sistema coerente de normas comerciais. E, por fim, seus mais importantes institutos legais tiveram origem na Alta Idade Média[4]. Portanto, a Lex Mercatoria tinha como função derrogar as normas de direito romano, aplicadas até então, no que se refere ás relações comerciais, substituindo-as por normas de origem consuetudinária, mais adequadas aos trâmites mercantis[5].

O sistema usado pelos comerciantes da Idade Média era dotado, inclusive, de fontes próprias. Dentre elas, destacam-se, sobretudo, os estatutos das poderosas cooperações mercantis, os usos e costumes comerciais e a jurisprudência dos tribunais de comércio[6].

Aliás, a criação de cortes, no período medieval, com o intuito de apurar conflitos de caráter comercial é um aspecto decisivo no que se refere à constatação da existência de um sistema de normas efetivo utilizado exclusivamente pelos mercadores medievais. Tais tribunais destinavam-se a julgar aqueles casos eminentemente comerciais, utilizando-se de normas especiais que se destacavam do ius commune. O nascimento dessas cortes proveio da necessidade de decisões rápidas e adequadas às práticas comerciais, uma vez que as atividades das feiras duravam por um curto período de tempo. Conseqüentemente, as disputas deviam ser resolvidas e executadas quase imediatamente. A supremacia e a competência dessas cortes eram amplamente reconhecidas pelas nações e nunca foi abertamente negada ou contestada pelas mesmas[7]. Afinal, conforme argumenta Lopez, nenhum governante do período seria capaz de negar que determinadas concessões temporárias eram necessárias para o bom funcionamento do mercado, o que era de estrema relevância para garantir a fluidez monetária e mercadológica[8].  Contudo, deve-se ressaltar que a originalidade do sistema era relativa. Afinal, os procedimentos utilizados pelas cortes especiais de comércio muito se aproximavam aqueles utilizados nos procedimentos sumários das cortes ordinárias[9].

Todavia, há doutrinadores que sustentam costuma existir um equívoco na definição da antiga Lex Mercatoria. Afirmam que, apesar de muitos autores defenderem que a Lex Mercatoria consistia em um sistema de direito apartado da ius commune, a realidade não era essa. Argumentam que a Lex Mercatoria teve, na verdade, suas origens no direito medieval inglês e que, ao contrário do que costuma ser disseminado, tratava-se de uma ramificação do ius commune, ou seja, não era independente da legislação local ordinária. Segundo tais doutrinadores, esse ramo do antigo direito inglês tinha por escopo garantir certos privilégios aos comerciantes no que se refere ao procedimento legal.  Dessa maneira, o termo Lex Mercatoria, ao menos até o século XVII não teria qualquer significado além desse[10].

Independentemente de a Lex Mercatoria ter se configurado, de fato, como um ramo do direito inglês ou como um efetivo complexo de normas comerciais não emanadas de nenhum ordenamento jurídico local específico que regulou o comércio, sobretudo na Europa, durante a Idade Média, a questão é que um sistema consuetudinário de normas comerciais existiu. E existiu em virtude da falta de capacidade do direito civil de atender satisfatoriamente às necessidades comerciais da época. Tratava-se assim, de um direito especial. Era um direito especial tanto no que se refere à sua origem quanto no que se refere aos princípios em que suas normas eram inspiradas e ao modo como era aplicado. A especialidade da Lex Mercatoria tendo-se em vista a sua origem relacionava-se ao fato de ser emanado de um grupo social determinado, ou seja, os mercadores. Ao mesmo tempo, era especial em razão dos princípios que a regulam pois se tratam de princípios destinados, especificamente, a facilitar a circulação de bens móveis e, conseqüentemente, da riqueza. Por fim, eram especiais quanto à sua aplicação pois, ao contrário do que se verificava em relação à outras normas jurídicas, se dava por meio da arbitragem e dos tribunais mercantis[11].

De acordo com o doutrinador Fabrizio Marrella, a relação entre direito civil e comercial dividiu-se em três fases. Na primeira, o direito comercial teria surgido como direito especial destinado a atender as lacunas da vida mercantil não supridas pelo direito civil. Em uma segunda fase, pela gradativa aplicação do direito comercial pelos “não comerciantes” teria se verificado um fenômeno de generalização da disciplina comercial. E por fim, em uma terceira fase, teria ocorrido a redução do direito comercial ao direito civil. Entretanto, não se deve confundir as relações comerciais com as relações meramente civis. Afinal, as relações tradicionalmente civis possuem um conteúdo econômico social simples. Por esse motivo, as indagações dos estudiosos do direito tendem a gravitar nos aspectos formais. Em contrapartida, as relações de caráter comercial são dotadas de uma maior complexidade econômica e, sendo assim, as indagações dos juristas devem ultrapassar o plano formal, estendendo-se ao plano técnico-econômico, o que exige uma preparação mais adequada do intérprete jurídico[12].

Atualmente, em um contexto de intensa globalização derivado, sobretudo, das revoluções industriais ocorridas a partir do século XIX, é possível verificar um aumento cada vez maior das relações comerciais internacionais. Em virtude desse fenômeno, muitos teóricos do direito têm defendido o nascimento de uma Nova Lex Mercatoria. A Nova Lex Mercatoria, nas palavras de Fabrizio Marrela seria: un diritto creato dal ceto imprenditoriale, senza la mediazione del potere legislativo degli Stati, e formato da regole destinate a disciplinare in modo uniforme, al di là delle unità politiche degli Stati, i rapporti commerciali che si instaurano entro l´unità economica dei mercati[13].

Enquanto o surgimento da antiga Lex Mercatoria remonta à Idade Média, em um contexto de atomização do poder político, a nova Lex Mercatoria surge em um mundo já dividido em Estados[14]. Sendo assim, ao contrário da antiga Lex Mercatoria, cuja origem precede o surgimento do Estado moderno, a Nova Lex Mercatoria teria se originado justamente para suprir as dificuldades atuais do comércio internacional derivadas de descontinuidade jurídica, ocasionada, por sua vez, pela divisão política dos mercados em uma pluralidade de Estados.[15]

A divergência de funções entre a Nova e a antiga Lex Mercatoria é uma das razões pela qual há doutrinadores que argúem ser equivocada a terminologia nova Lex Mercatoria para descrever esse fenômeno atual. Afirmam que o uso do termo é inconsistente e não histórico, pois existem grandes diferenças tanto teoréticas quanto no que se refere ao contexto social e econômico. Argumentam, ainda, que uma antiga Lex Mercatoria, como um corpo de normas não ligado a nenhum ordenamento jurídico nacional, que existiu 350 ou 700 anos atrás pode influenciar apenas minimamente as bases teóricas e valores práticos das regras comerciais do século XXI[16].

Em contrapartida, a doutrina dominante defende a existência da Nova Lex Mercatoria, ainda que ressalvadas as divergências em relação à antiga. Afirma-se que o surgimento dessa nova Lex teria sido produto de uma série de fatores em conjunto. Um dos fatores que pode ser apontado é a difusão espontânea das práticas comerciais no mundo, o que deu origem a modelos contratuais internacionalmente uniformes, legítimos na maioria dos países em virtude da vigência do princípio da autonomia contratual. A difusão das práticas comerciais deu-se, ainda, graças às organizações internacionais de comércio e às multinacionais, também responsáveis pela imposição de práticas comerciais uniformes em todo o globo. Outro fator determinante para o nascimento de uma nova Lex Mercatoria são os usos e costumes do comércio internacional, ou seja, a repetida e uniforme observância das práticas de determinado setor comercial. Por fim, também a jurisprudência das câmaras arbitrais internacionais pode ser apontada como fator de produção da nova Lex Mercatoria[17].

Entretanto, mesmo dentre os doutrinadores que acreditam na existência de uma nova Lex Mercatoria existem divergências. Discute-se, em primeiro lugar, até que ponto o direito dos Estados contrasta-se com o direito do comércio internacional de fonte a-estatal ou até onde o direito interno cede espaço a esse sistema jurídico[18]. Para alguns autores, a nova Lex Mercatoria consiste, propriamente, em um conjunto de usos e costumes do comércio internacional que constituem um verdadeiro corpo de normas que o regulam. Tratar-se-ia, nesse sentido, de um direito objetivo da societas mercatorum desvinculado de um ordenamento jurídico nacional específico[19]

Todavia, de acordo com uma segunda corrente doutrinária, apesar de ser inegável a existência de uma nova Lex Mercatoria, a mesma não consistiria em um complexo de regras autônomas e auto-suficientes, completamente independentes da atuação Estatal. Defendem a relevância da atuação dos Estados na conclusão de tratados, convenções, acordos internacionais bi ou plurilaterais entre nações ou, ainda, na elaboração de leis nacionais para disciplinar a matéria de direito do comércio internacional. Argumenta-se que os sujeitos econômicos que compõem a societas mercatorum são provenientes de uma diversidade muita grande de nações e, conseqüentemente, possuem tradições culturais e sociais muito distintas. Alega-se que algumas das regras internacionais provenientes de operadores comerciais diversos podem ser, inclusive, contraditórias. Tal circunstância tenderia a resultar em incerteza jurídica o que prejudica a clareza nas relações de troca internacional. Sendo assim, em certas ocasiões, seria praticamente impossível encontrar um elemento comum capaz de ser apontado como regra uniforme. Além disso, argüi-se que tais regras provenientes do comércio internacional são demasiadamente incompletas, bem como não autônomas em relação aos sistemas jurídicos nacionais. A exemplo disso, apontam a exigência de os usos e costumes internacionais estarem de acordo com as normas domésticas de ordem pública para que possam ser aplicadas internamente. Outro exemplo da não independência dessas normas, segundo essa corrente doutrinária, seria o fato de as regras da nova Lex Mercatoria serem observadas por serem, na realidade, acolhidas, em muitos casos, pelos ordenamentos jurídicos nacionais. Por fim, afirma-se que a atuação dos Estados seria relevante em virtude da falta de um sistema sancionatório certo e aplicável a determinada infração específica a um das regras da nova Lex Mercatoria[20].

Questiona-se, ainda, até que ponto a nova Lex Mercatoria é, efetivamente, capaz de resolver o problema de falta de uniformidade jurídica da normas que regulam o comércio internacional. Para alguns, trata-se de um solução indiscutivelmente eficaz. Para outros, a evocação de uma série de normas de diferentes proveniências pode resultar em uma difícil coordenação entre as mesmas. O resultado disso pode configurar-se em um quadro jurídico incoerente, incompleto e lesivo aos interesses dos agentes comerciais internacionais economicamente menos poderosos[21].

Apesar das divergências doutrinárias, um dado que nenhum jurista pode contestar é que, de fato, a uniformização, ainda que limitada, das regras que regulam o comércio internacional é necessária a fim de garantir maior segurança jurídica e estabilidade nas relações entre os operadores econômicos internacionais. A nova Lex Mercatoria, em maior ou menor grau e, ainda que deficitariamente, cumpre essa função. Nesse contexto, os Princípios Unidroit surgem como uma espécie de forma de codificação dessa nova Lex Mercaroria. Nesse sentido, qualquer que seja a opinião da doutrina a respeito do fenômeno ora estudado é um dado de fato que os princípios citados se auto-declaram aplicáveis, na riqueza de seu conteúdo, a título de Lex Mercatoria[22].

II – OS CONTRATOS INTERNACIONAIS DO COMÉRCIO

A prática do comércio internacional que surge a partir do século XIX não se confunde com as práticas comerciais de outrora, na medida em que as trocas deixam de ser lineares para tornarem-se complexas. Na atualidade, os contratos deixam de produzir seus efeitos somente no âmbito privado e passam a afetar também a esfera pública, uma vez que tendem a repercutir na dimensão social e econômica dos Estados.  Afinal, boa parte dos contratos internacionais, a exemplo daqueles que tratam de transferência tecnológica, são fator de imensurável influência no desenvolvimento dos países. Surge, nesse contexto, o conceito de obrigação como processo que não se exaure com a execução. Conclui-se, portanto, que, dada a sua complexidade, não é possível conferir o mesmo tratamento aos contratos internacionais e aos contratos afetados por apenas um único ordenamento jurídico. Por esse motivo, é relevante saber diferi-los para conferir a cada qual o seu tratamento jurídico adequado.

O comércio internacional desenvolve-se por meio do instrumento contratual. Contrato nada mais é senão o acordo de vontades ao qual o direito confere efeitos jurídicos. Sobre esse aspecto não existe qualquer indagação. A dúvida surge quando se trata de definir quando um contrato é internacional ou não. De acordo com o direito internacional privado, é internacional o contrato que apresente um elemento estrangeiro que resulta em conflito de leis no espaço[23]. Sob essa perspectiva, seria internacional aquele contrato que apresentasse um elemento de estraneidade no que se refere, ao menos, a uma das seguintes hipóteses: nacionalidade das partes, sede de atuação uma das partes, local de constituição da pessoa jurídica, local de conclusão do contrato, local de execução do contrato, local da situação do bem objeto do contrato, a moeda utilizada para o pagamento e o local do pagamento[24].

Entretanto, muitas vezes, há dificuldade prática na aplicação dessa regra. Afinal, o elemento estrangeiro, para que seja capaz de revestir o contrato de caráter internacional, deve ser dotado de uma certa relevância. Além disso, a estraneidade deve sempre ser apreciada em relação à ordem jurídica que virá a reger o contrato[25].

Há, apesar da complexidade da tarefa, autores que tentam auferir aos contratos internacionais alguns elementos caracterizantes determinados. Alguns afirmam que será internacional o contrato que se enquadre em uma das seguintes situações: a) as partes tenham sede em Estados diversos ou, ainda, em Estado diverso da sua nacionalidade; b) no que se refere a contratos à distância, a oferta e a aceitação tenham sido emanadas por contratante com sede em Estado diverso; e c) ao menos uma das prestações que caracterizam o contrato deva ser executada em Estado outro que não aquele onde o contrato foi concluído. Todavia, tais elementos caracterizadores dos contratos internacionais não são unanimemente acolhidos pela doutrina, perpetuando-se, dessa maneira, a dificuldade de elaboração de uma disciplina que leve em consideração as hipóteses em que existam contratantes que se comuniquem por meio de línguas diferentes, que provêm de países e culturas distintos e que têm conhecimento de sistemas jurídicos e de usos diversos[26].

Ao final, é possível concluir, ao menos, que, sobre os contratos internacionais, incide, necessariamente, mais de um ordenamento jurídico. Essa circunstância traz à tona uma série de questões. Um primeiro problema que se apresenta é em relação à lei aplicável ao contrato. Afinal, não existem, salvo em casos excepcionalíssimos, normas supranacionais específicas aplicáveis às relações comerciais entre empresas de países distintos. Sendo assim, caso as partes não façam menção à lei aplicável, as normas que regularão o contrato serão aquelas a serem determinadas pelas regras de direito internacional privado de cada país envolvido. O inconveniente é que tais normas de direito internacional privado podem ser tão díspares entre si que não se consiga encontrar um ponto de convergência para a individualização pacífica da lei aplicável[27].  Para evitar tal situação, é preferível que as próprias partes definam a lei que regerá o contrato, já que a maioria dos ordenamentos jurídicos reconhece o princípio segundo o qual as partes têm liberdade de escolher a lei aplicável a um contrato internacional[28]. Relevante, ainda, é que os contratantes decidam sobre o modo de resolução de eventuais conflitos, podendo ser a controvérsia submetida a tribunais estatais ou a um sistema de arbitragem privado[29] [30].

Além das normas dos ordenamentos jurídicos internos dos Estados, os contratos internacionais estão sujeitos a outras regras. Dentre elas destacam-se as normas estabelecidas por tratados e convenções internacionais, os costumes e usos das práticas do comércio internacional e os princípios gerais do direito do comércio internacional.

Os tratados e convenções internacionais são aqueles acordos celebrados entre Estados (bilateral ou multilateralmente). Em se tratando da matéria de direito do comércio internacional, tal iniciativa decorre da necessidade de uniformização das regras que regulam as trocas internacionais em prol de maior fluidez mercadológica e monetária.

Em se tratando dos usos e costumes, pode-se dizer que não restam dúvidas que compõem o conjunto de regras destinado a regular os contratos internacionais. Afinal, os usos e costumes são amplamente reconhecidos como fonte de direito tanto nos ordenamentos jurídicos nacionais[31] quanto nos tratados e convenções internacionais[32]. Além disso, também os árbitros internacionais devem levar em conta os usos e costumes em suas decisões[33].  Todavia, para serem assim considerados, os usos e costumes do comércio internacional devem preencher alguns requisitos, quais sejam: a) que os usos e práticas tenham validade de instrumento para integrar uma vontade não claramente expressa; b) as práticas e comportamentos dos quais o uso se compõe façam parte dos hábitos instaurados entre as partes ou constatados e reiterados em um determinado contexto de mercado ao ponto que não seja necessário citá-lo; e c) não contrariem uma expressa vontade das partes, nem prevaleçam sobre normas inderrogáveis da lei aplicável ao contrato[34].

Quanto aos princípios gerais, deve-se, preliminarmente, observar que é pacífico na doutrina que o direito serve-se de princípios gerais como instrumento para nortear um ordenamento jurídico para um ponto de convergência. Ou seja, os princípios gerais de direito têm a função de impedir que, em um mesmo ordenamento, existam regras incoerentes entre si. São, portanto, os princípios gerais que estão nas bases das relações obrigacionais. Acredita-se, nesse sentido, que a disciplina dos contratos, em diferentes sistemas legais do mundo, baseia-se em “valores comuns”. A exemplo disso, é possível citar a liberdade contratual, bem como a necessidade de preservação dos negócios jurídicos por razões de economia e de estabilidade das relações entre os agentes econômicos internacionais.

Contudo, deve-se observar que não se confundem, os princípios gerais reconhecidos pela nação civil com os princípios de direito internacional. Os primeiros tratam-se daqueles reconhecidos pelo artigo 38 do estatuto da Corte Internacional de Justiça. São aqueles princípios que são comuns à maioria dos ordenamentos jurídicos internos, ou seja, são princípios domésticos suscetíveis de transposição no ordenamento jurídico internacional. Tratam-se, portanto, de princípios existentes e aplicáveis na grande maioria dos ordenamentos jurídicos internos dos Estados, ou, ao menos, nos ordenamentos jurídicos daqueles países mais representativos no cenário internacional contemporâneo. O mesmo não se verifica em relação aos princípios de direito internacional, que são aqueles provenientes diretamente da esfera internacional e não da doméstica. Os princípios do direito do comércio internacional remontam à primeira hipótese, ou seja, aos princípios gerais reconhecidos pela nação civil[35].

Tendo em vista as dificuldades de promoção do comércio internacional em face das diversidades lingüísticas, das diferentes categorias conceituais e de sistemas jurídicos conflitantes, muitos estudiosos do direito têm se dedicado à identificação dos princípios gerais do direito do comércio internacional. Buscam, sob essa perspectiva, não uma definição fictícia de um sistema de valores comuns, mas visam, sim, definir um quadro que reflita, de forma efetiva, as práticas e intenções dos agentes comerciais com o objetivo de facilitar as trocas dos bens serviços e capitais em nível internacional[36]. O Unidroit trata-se de um instituto criado para esse fim, conforme será visto adiante.

III – OS PRINCÍPIPOS UNIDROIT

Em 1994, formou-se um grupo de estudos composto por expertos em direito do comércio internacional provenientes de nações diversas de todo o mundo. Reuniram-se sob o Instituto Internacional para a Unificação do Direito Privado, conhecido como Unidroit, e publicaram um elenco de princípios dos contratos do comércio internacional. Em 2004, dado o êxito da primeira edição, foi publicada a segunda edição dos princípios Unidroit. Atualmente, tais princípios, cada vez mais, vêm sendo reconhecidos pela doutrina, pelos ordenamentos jurídicos domésticos[37] e pela jurisprudência internacional como fonte de direito do comércio internacional a título de princípios gerais de direito[38].

Tal iniciativa derivou da constatação da necessidade de harmonização das regras do direito do comércio internacional. Afinal, observou-se que, apesar do intenso aumento do volume das trocas comerciais e do desenvolvimento dos mercados, cada vez mais integrados, as relações comerciais transacionais continuam, em sua maior parte, sujeitas aos ordenamentos jurídicos internos dos Estados. Todavia, o direito doméstico dos países existentes no globo não é uniforme, ao contrário, muitas vezes é conflitante. De tal situação, derivam incertezas jurídicas e inconvenientes evidentes no que tange às trocas de âmbito internacional. Por exemplo, o fato de haver regras diversas de direito internacional privado em cada país resulta em incerteza no que diz respeito à lei que será aplicada a um determinado contrato. Além disso, os sistemas de direito nacionais costumam ser inadequados ás exigências do comércio internacional, uma vez que a complexidade dos contratos que sofrem influência de mais de um ordenamento jurídico é, indubitavelmente, maior, o que exige, conseqüentemente, um complexo de normas específico para disciplinar a matéria.

Também as normas derivadas de convenções e tratados internacionais não se mostram um meio eficaz para uniformização das normas de direito do comércio internacional. Na maioria das vezes tendem a ser “letra morta”, pois dependem de aprovação interna dos Estados signatários. Outra característica desfavorável é o caráter fragmentário dos tratados e convenções, uma vez que, na maioria dos casos, regulam somente um determinado tipo de contrato, como o leasing ou o factoring, por exemplo. Ressalta-se, ainda que, mesmo que sejam acolhidos pelo legislador interno, poderão ser objeto de interpretações que podem variar de Estado para Estado. Por fim, configuram-se, assim como as normas domésticas, instrumentos demasiadamente rígidos. Afinal, o comércio que se desenvolve internacionalmente é dinâmico e não pode estar sujeito a uma forma de normatização inflexível sob pena de engessamento das relações de troca. Nesse sentido, mais adequadas são aquelas regras passíveis de serem adaptadas com maior flexibilidade, sobretudo, normas que se configurem como Soft Law[39].

Em se tratando da matéria em relação à União Européia, o professor Guido Alpa aponta para o fracasso das diretivas da Corte de Justiça para a uniformização das regras aplicáveis aos contratos internacionais de maneira sistemática.  O professor afirma que as mesmas são aprovadas em diferentes períodos e, por esse motivo, não são coordenadas quanto aos seus conteúdos ou quanto à sua validade. Argumenta, ainda, que as diretivas surgem com ambigüidades terminológicas, na medida em que são, primeiramente, redigidas em inglês ou francês para depois serem traduzidas para outros idiomas. Outra dificuldade apresentada pelo autor é que cada diretiva é implementada de maneira diversa em cada Estado-membro, o que impossibilita uma eventual uniformização. Por fim, argüi que outros problemas decorrem do lapso temporal entre a promulgação da diretiva e de sua implementação no país-membro, bem como do modo de interpretação da diretiva em cada Estado[40].

Todavia, também as várias cláusulas-modelo e contratos-tipo, que costumam ser apontados como Soft Law, não constituem alternativas satisfatórias. Isso porque, ainda quando são aceitas pela societas mercatorum em seu específico âmbito contratual de aplicação, podem conflitar com princípios e valores fundamentais de outros direitos nacionais. Além disso, são criados unilateralmente pela classe comercial, o que pode resultar em um juízo de direito não democrático. 

No que se refere a instrumentos supranacionais criados por organizações internacionais não governamentais, pode-se dizer que oferecem soluções apenas parciais para o problema da harmonização das normas de direito do comércio internacional[41].  Apesar de emanados por organizações “neutras”, tratam-se de instrumentos que pressupõem a existência de um sistema normativo mais geral, capaz de resolver as questões pelos mesmos não reguladas e de estabelecer suas condições e limites de eficácia.

Por fim, também o referimento pelas partes no contrato a princípios gerais de direito ou à Lex Mercatoria como regras reguladoras do contrato não são suficientes. Afinal, falta, na esfera internacional, uma definição suficientemente precisa no que se refere a esses princípios e a uma hipotética Lex Mercatoria. Nesse sentido, uma escolha nesse sentido tende a provocar uma situação de insegurança e imprevisibilidade.

Diante desse contexto, os princípios Unidroit foram elaborados com o objetivo de solucionar, ao menos, algumas carências que existem, na atualidade, em relação à disciplina dos contratos internacionais[42]. Destinam-se, dessa forma, a resolver com precisão, clareza, previsibilidade e uniformidade os pontos que, normalmente, não são regulados pelos contratos e que são deixados à mercê de diferentes normas de ordenamentos jurídicos nacionais diversos[43].

Visam, portanto, aproximar os agentes econômicos internacionais e derrubar as barreiras comerciais existentes nos ordenamentos jurídicos domésticos. Evita-se, por esse motivo, a utilização de terminologias peculiares a um determinado sistema jurídico, criando-se, para esse fim, uma linguagem eminentemente jurídica que pode ser usada e compreendida em todo o mundo, de modo a constituir um direito neutro e de linguagem comum.

Deve-se ressaltar, ainda, que os princípios UNIDROIT não se tratam somente de uma codificação dos princípios emanados das práticas e costumes do comércio internacional. A sua função vai além dessa, uma vez que são também apontadas eventuais soluções para os problemas do comércio internacional alternativas àquelas que são majoritariamente aceitas. Nesse sentido, pode-se dizer que os princípios Unidroit são uma mistura de tradição e inovação. Seu caráter tradicional remete ao fato de enunciarem princípios gerais já presentes na maior parte dos sistemas legais existentes no mundo. Por outro lado, sua originalidade provém da enunciação de soluções claramente inovadoras para dificuldades atuais do comércio internacional[44].

Além disso, seu caráter não vinculante garante aos princípios Unidroit uma flexibilidade maior, ou seja, uma maior propensão a adaptar-se e a atender às exigências, sempre em transformação, do comércio internacional. Além disso, o fato de não estarem ligados a qualquer ordenamento jurídico em particular confere maior discricionariedade na elaboração dos mesmos. Sendo assim, sua aplicação depende, exclusivamente, de sua capacidade de persuasão[45].

Os princípios Unidroit possuem âmbito de aplicação restrito aos contratos comerciais internacionais. Em se tratando da restrição no que se refere à comercialidade do contrato, não se visa, de maneira alguma, remeter-se à distinção entre contratos civis e comerciais existente em alguns ordenamentos jurídicos. Busca-se, na verdade, excluir os contratos de consumo, uma vez que os sistemas legais vêm, cada vez mais, submetendo essa espécie contratual a legislações especiais que objetivam a proteção do consumidor[46].  Quanto à necessidade de internacionalidade do contrato, pretende-se dar a esse termo a interpretação mais ampla possível. Nesse sentido, excluem-se, exclusivamente, os contratos em que nenhum elemento relevante do contrato apresente o fator de estraneidade[47].

De acordo com o preâmbulo dos princípios Unidroit, os mesmos possuem os seguintes escopos:

a) disciplinar o contrato quando as partes tenham concordado que o contrato seja disciplinado pelos mesmos;

b) reger o contrato quando as partes tenham elencado os princípios gerais de direito ou a Lex Mercatoria como normas aplicáveis ao mesmo, ou, ainda, quando façam referência a essas normas por meio de outras expressões;

c) oferecer soluções, quando no contrato não esteja definida a lei aplicável;

d) servir de instrumento para interpretação ou integração das normas internacionais uniformes;

e) orientar legisladores nacionais e/ou internacionais na elaboração de normas e regulamentos.

Contudo, a maior parte da doutrina afirma que a função dos princípios Unidroit não se exaure naquelas previstas em seu preâmbulo. De acordo com o autor Fabrizio Marrella, a funções dos princípios Unidroit seriam:

– direito aplicável tout court ao mérito de controvérsias transacionais;

– instrumento de integração e interpretação do direito aplicável;

– instrumento de interpretação do direito uniforme;

– fonte de conhecimento e instrumento de codificação da nova Lex Mercatoria;

– modelo para o legislador nacional e internacional;

– princípios gerais de direito como aqueles previstos no artigo 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça;

– guia para a redação contratual;

– esperanto de comunicação jurídica;

– instrumento didático; e

– possível instrumento de individualização dos usos do comércio internacional[48].

Deve-se sempre atentar para o fato de que a utilização dos princípios Unidroit não exclui a aplicação da lei nacional selecionada pelas partes ou da lei à qual o contrato seria sujeita em caso de não indicação de um ordenamento jurídico doméstico pelas partes. Não exclui, ainda, a aplicação de normas imperativas que são aplicáveis com base nas normas de direito internacional privado[49].

Em se tratando dos princípios Unidroit como Lex Contractus selecionada pelos agentes contratantes, pode-se dizer que operam como uma espécie de ius commune, ao qual as partes podem referir-se como regras reguladoras do contrato ou, ainda, que podem ser aplicadas por cortes estatais ou tribunais arbitrais mesmo na ausência de referimento das partes. A vantagem da escolha dos princípios Unidroit como normas regedoras do contrato é o fato serem independentes de quaisquer sistemas legais nacionais e, sendo assim, não se corre o risco de ser favorecido um ou outro contratante.

Quanto a possibilidade de as partes efetivamente escolherem os princípios Unidroit como regras aplicáveis ao contrato, é necessário, preliminarmente, distinguir os casos a serem submetidos a uma corte nacional daqueles a serem postos diante de um sistema de arbitragem. Afinal, as cortes nacionais tendem a aplicar as leis do próprio Estado, inclusive em se tratando de normas aplicáveis a conflitos de leis no espaço. Essas últimas costumam limitar a escolha das regras aplicáveis aos contratos internacionais às leis do respectivo Estado. Sendo assim, a escolha dos princípios Unidroit para regimento do contrato será, em via de regra, considerado um mero acordo entre as partes para sua inclusão no conteúdo do contrato, restando, ainda, a determinar a lei aplicável ao contrato, que será estabelecida com base nas leis de direito internacional privado. Existem, contudo, exceções a essa interpretação. Há correntes doutrinárias, por exemplo, que interpretem o artigo terceiro da Convenção de Roma de 1980 de forma liberal, admitindo que as partes invoquem os princípios Unidroit como normas reguladoras do contrato mesmo diante de uma corte nacional. Todavia, a mesma dificuldade, normalmente, não se encontra quando o conflito é colocado diante de um tribunal arbitral.  Afinal, a maioria dos ordenamentos jurídicos recente sobre a matéria de arbitragem reza que cabe às partes dispor sobre as “regras de direito” (e não lei) aplicáveis ao contrato. A conseqüência disso é que se tende a admitir a seleção dos princípios Unidroit como normas regentes do contrato, excluindo-se qualquer outra lei doméstica em particular[50].

Conforme se verificou anteriormente, os princípios Unidroit costumam ser apontados como meio de interpretação e integração de leis domésticas. No que se refere às leis de um ordenamento jurídico nacional, podem ocorrer hipóteses em que, com base nas normas de direito internacional privado, haja impossibilidade de definição da lei aplicável. Em uma situação como essa, os princípios Unidroit poderão ser aplicados em substituição a uma legislação nacional. O mesmo pode ocorrer quando, ainda que determinável a lei aplicável ao contrato, a mesma seja de caráter rudimentar ou, ainda, cujo acesso seja tão difícil que demande esforços e custos desproporcionais. Além disso, os princípios Unidroit podem desempenhar importante papel na interpretação das leis nacionais que regulam um determinado contrato, quando a mesma não for clara ou apresentar lacunas. Nesse sentido, cortes nacionais ou árbitros podem inspirar-se nas soluções enumeradas pelos princípios[51].

Em se tratando das regras internacionais aplicáveis ao comércio internacional, os princípios Unidroit também costumam ser apontados como instrumentos relevantes para integração e interpretação. Afinal, dentre juízes a árbitros, a tendência atual que tem se demonstrado é o recurso a princípios autônomos e internacionalmente uniformes para dirimir conflitos relacionados a contratos internacionais[52]. Contudo, parte da doutrina questiona-se, por exemplo, se os princípios Unidroit seriam aplicáveis na interpretação da Convenção sobre Contratos de Compra e Venda Internacional (Convention on Contracts for the International Sale of Goods – CIG). Parte dos autores nega essa possibilidade, afirmando que a CIG preexistiria aos princípios e, assim sendo, não poderiam ter qualquer relevância para a carta. Entretanto, outra parte da doutrina defende, veementemente, tal possibilidade, argumentando tratarem-se de princípios gerais dos contratos do comércio internacional. Para o professor Michael Joachim Bonell, uma correta solução seria admitir uma certa dúvida quanto à  possibilidade de utilização dos princípios Unidroit na interpretação da CIG, mas admitir que sejam usados dessa forma desde que componham também os princípios que norteiam a CIG[53].

Conforme já se verificou anteriormente, os princípios Unidroit são, em via de regra, aceitos como princípios gerais de direito nos termos do artigo 38 da Corte Internacional de Justiça. Nesse sentido, têm por função superar as críticas de vagueza em virtude da excessiva abstração da Lex Mercatoria[54].

No que se refere à função dos princípios como instrumento de codificação da Lex Mercatoria, não restam dúvidas de que compõe a intenção dos compiladores dos princípios a melhor definição do conteúdo da Lex Mercatoria, tendo em vista a eliminação de arbitrariedades e indeterminação. Todavia, é relevante atentar para o fato de que os princípios Unidroit não visam apresentar-se como uma fonte codificada exaustiva das regras da Lex Mercatoria. Tanto que há muitas decisões provindas de tribunais arbitrais que, apesar de fazerem referência à Lex Mercatoria, não fazerm qualquer menção aos princípios Unidroit.  Configuram, portanto, uma codificação parcial da Lex Mercatoria[55].

Interessante, ainda, a função dos princípios Unidroit como guia na redação dos contratos internacionais. Afinal, partes provenientes de diferentes partes do globo podem encontrar dificuldades em se comunicar, tendo em vista as diferentes terminologias adotadas em cada lugar e a extensão da aplicação das mesmas em seus respectivos países. Por meio da utilização dos termos empregados nos princípios Unidroit, os contratantes podem elaborar seus contratos sob uma linguagem neutra e de definição uniforme em todo o mundo. Além disso, os princípios podem ser dotados de uma função pedagógica, na medida em que podem vir a auxiliar as partes a identificarem as principais questões legais envolvidas em cada determinado tipo de contrato[56].

A função dos princípios Unidroit como esperanto jurídico está relacionada à criação de uma linguagem jurídica uniforme aplicável a contratos celebrados entre partes provenientes de quaisquer Estados do globo. Dessa maneira, adota-se, por exemplo, em nível mundial, o mesmo conceito de boa-fé contratual, o que garante maior previsibilidade e estabilidade aos contratos internacionais[57].

Também a função de modelo para legisladores nacionais e internacionais é relevante. Em nível nacional, a importância apresenta-se tanto para os países que possuem um corpo menos desenvolvido de regras pertinentes aos contratos, uma vez que esses países poderão se inspirar nos princípios para atualizar suas normas, quanto para países com sistemas legislativos mais desenvolvidos que devem reescrever suas normas tendo em vista as mudanças sócio-políticas estruturais ocorridas recentemente no mundo. Em nível internacional, os princípios poder ser tomados por significativa fonte de inspiração na elaboração de tratados e convenções internacionais, bem como de leis-modelo[58]. A exemplo disso, pode-se citar o novo código civil da Federação Russa de 1995, em que os princípios Unidroit desempenharam importantíssimo papel como fonte de inspiração, sendo que, inclusive, algumas de suas provisões, como a de hardship, foram adotadas praticamente de forma literal[59].

Não se questiona, ainda, seu valor didático. Afinal, cada vez mais vêm sendo incorporados à grade curricular das melhores universidades de todo o mundo.

Também não há dúvidas quanto à sua instrumentalidade para individualização dos usos do comércio internacional. Nunca é exaustivo ressaltar que, apesar de muitas vezes haver coincidência entre usos e costumes do comércio internacional e os princípios Unidroit, as categorias não se confundem umas com as outras. Os usos e costumes tratam-se de direito de formação espontânea, em constante transformação, o que impede a sua codificação em forma escrita. Enquanto isso, os princípios são dotados de um nível de abrastração elevado e maior estabilidade. Nesse sentido, caso se admitisse a confusão das duas terminologias, a elaboração dos princípios Unidroit não passaria de uma codificação obsoleta[60].

 É inegável que, em um primeiro momento, os princípios Unidroit, criados sob os auspícios de uma organização não governamental e sem poder legislativo, podem parecer apenas um exercício acadêmico sem qualquer utilidade prática. Contudo, após uma análise mais apurada, é possível concluir que servem, de maneira efetiva, a uma série de propósitos de grande relevância prática para o comércio internacional no que se refere à uniformização das normas que o regulam e, conseqüentemente, na maior fluidez das trocas realizadas em nível internacional e no seu desenvolvimento[61].

IV – A BOA-FÉ SEGUNDO OS PRINCÍPIOS UNIDROIT

De acordo com o artigo 1.7 dos princípios Unidroit:

“(1) Ciascuna parte deve agire in conformità alla buona fede nel commercio internazionale.

 (2) Le parti non possono escludere o limitare quest´obbligo

Os princípios Unidroit atribuem à boa-fé nos contratos comerciais internacionais um papel significativo, na medida em que a mesma é tratada como norma de caráter geral a ser aplicada a cada singular aspecto do contrato[62]. Constitui, portanto, uma das principais idéias inspiradoras dos princípios, tanto que é possível citar diversos artigos que fazem menção ao principio da boa-fé, ainda que indiretamente, tais como os artigos 2.4 (2) (b), 2.15, 2.16, 2.18, 2.20, 3.5, 3.8, 3.10, 4.1 (2), 4.6, 4.8, 5.2, 5.3, 6.1.3, 6.1.5, 6.1.16 (2), 6.1.17 (1), 6.2.3 (3) (4), 7.1.2, 7.1.6, 7.1.7, 7.2.2 (b) (c), 7.4.8 e 7.4.13[63]. Afinal, conforme já se discorreu anteriormente, ao contrário no que se verifica na concepção clássica de obrigação, em que as obrigações são lineares, nos contratos comerciais internacionais as obrigações existentes são complexas, o que resulta na atual visão doutrinária da obrigação como processo. Nesse sentido, a boa-fé deve ser observada em todas as fases contratuais, ou seja, desde o período de negociações até a fase pós-contratual, bem como nas obrigações acessórias ao objeto principal do contrato.

Existe certa dificuldade em delinear com precisão qual é o conceito e quais são os limites da boa-fé adotados pelos princípios Unidroit. Afinal, a concepção de boa-fé[64] acolhida pelos princípios Unidroit não se confunde, por exemplo, no que se refere ao âmbito europeu, com aquela adotada nas diretivas emanadas pela Corte de Justiça, baseada no artigo 1.102 dos princípios europeus. Tal situação decorre do fato de os princípios Unidroit referirem-se à boa-fé presente na relação entre dois comerciantes, que desenvolvem sua atividade em sede profissional, ao contrário do que ocorre nas situações enquadradas sob os princípios europeus ou, ainda, como questões de consumo[65].  Cumpre, dessa maneira, identificar qual modelo de boa-fé é adotado pelos princípios Unidroit.

Nesse sentido, faz-se necessário, preliminarmente, analisar, brevemente, a concepção de boa-fé adotada em alguns ordenamentos jurídicos domésticos. Em se tratando do sistema de Civil Law, é interessante a referência aos modelos francês, alemão e italiano. O modelo francês trata a boa-fé sob um prisma subjetivo. Além disso, não há previsão de aplicabilidade do princípio na fase das tratativas. Para o direito alemão, a boa-fé é um princípio geral do direito das obrigações, não havendo previsão para sua utilização no âmbito específico dos contratos, motivo pelo qual é visto como um modelo mais aberto. No que se refere aos dois citados modelos contratuais, observa-se que o código civil italiano de 1942 apresenta uma evolução singular, uma vez que prevê a obrigação de agir com boa-fé também na fase pré-contratual.

Quanto ao sistema de Common Law, podem ser identificadas diferenças entre os modelos dos Estados Unidos e da Inglaterra. No sistema inglês, a exigência de boa-fé é banida da fase pré-contratual, uma vez que se entende que o risco é característica inerente à negociação e, assim sendo, não haveria sentido em eliminar ou atenua-lo. No que se refere ao direito americano, ao contrário do sistema inglês, existem estatutos que fazem referência à boa-fé (codificação parcial)[66]. Reconhece-se, dessa forma, a necessidade do comportamento de boa-fé entre os contratantes tanto na fase de conclusão, quanto na fase de execução do contrato. Contudo, assim como no modelo inglês, não existe um dever de boa-fé na fase pré-contratual. Cumpre, ainda, observar que, no direito americano, o dever de boa-fé é entendido como implied term, ou seja, como uma cláusula inserida implicitamente no contrato. Por fim, resta analisar se a boa-fé é acolhida sob uma perspectiva subjetiva (honesty in fact) ou objetiva (reasonableness). O entendimento majoritário é no sentido de atribuir à boa-fé um senso objetivo, tendendo-se a defini-la como “reasonable commercial standards of fair dealing”.

É relevante ressaltar que a correteza (boa-fé, good faith) refere-se, sobretudo, à necessidade de obediência a um juízo de natureza ética comportamental. Enquanto isso, a razoabilidade (reasonableness) remete ao empirismo da practis uma vez que oferece soluções aceitáveis no caso concreto, apesar de, talvez, não serem as mais justas. Isso significa que, ao passo que a boa-fé oferece ao comércio internacional soluções de ordem ética, a razoabilidade fornece respostas de ordem utilitária[67].

Por fim, pode-se afirmar que os pincípios Unidroit apresentam características derivadas tanto do modelo Civil Law, quanto do sistema de Common Law. A concepção de boa-fé como um princípio abstrato, amplo e geral, aproxima-a, indubitavelmente, com o sistema de Civil Law. Também o dever de observância da boa-fé na fase pré-contratual é originada do sistema de Civil Law. Por outro lado, no que se refere ao emprego da boa-fé como implied term, há evidente similaridade com o modelo de Common Law. De acordo com essa perspectiva, o conceito de boa-fé será variável de acordo com o conteúdo do contrato[68].

A boa-fé segundo os princípios Unidroit refere-se, especificamente, à boa-fé a ser observada pelos agentes econômicos que atuam no comércio internacional. Nesse sentido, seu conceito deverá ser aplicado segundo padrões normalmente adotados nos diversos sistemas jurídicos nacionais[69]. Sendo assim, em tema de boa-fé, pode dizer que os princípios Unidroit pendulam dentre vário modelos disponíveis. Apenas dessa maneira, é possível que atinjam seu objetivo de atender ás efetivas exigências e expectativas das práticas do comércio internacional, garantindo às relações comerciais internacionais equilíbrio e correção[70].

Nos princípios Unidroit, o referimento à boa-fé (good faith) vem acompanhado do termo “fair dealing”. O referimento ao termo “fair dealing” atribui à boa-fé uma conotação tendencialmente objetiva, hipótese em que o cumprimento do dever de boa-fé é apurado segundo o confronto com um comportamento standard e não de acordo com as intenções do infrator (state of mind). Todavia, diante da dificuldade de estabelecimento preciso do correto comportamento no âmbito do comércio internacional, a desobediência ao princípio deve ser apreciada no caso concreto. Pode-se dizer, portanto, que a identificação da correteza do comportamento constitui uma difícil tarefa, tendo em vista que deve haver uma mediação entre uma regra do caso concreto e uma regra de validade objetiva e geral (ou seja, o standard de comportamento no comércio internacional)[71].

Um exemplo que pode ser apontado como conduta de má-fé é o “abuso de direito”. Segundo esse princípio, age de má-fé a parte que exercita um direito com objetivo exclusivo de prejudicar a outra ou com a finalidade diversa daquela pela qual o direito foi concedido ou, ainda, quando o exercício do direito é desproporcional ao resultado originalmente pretendido. Age, ainda, de má-fé, a parte que se comporta conforme previsto no artigo 1.8 (“Venire contra factum proprium”)[72]:

“Una parte non può agire um modo contraddittorio rispetto ad un intendimento che há ingenerato nell´altra parte, e sul quale questa há ragionevolmente fatto affidamento a próprio svantaggio”.

Ao final, conclui-se que o princípio da boa-fé, segundo os princípios Unidroit, trata-se de um dever de lealdade objetivo a ser observado entre as partes. A sua definição específica provém não apenas do comportamento verificado nas práticas do comércio internacional e da conceituação de boa-fé nos ordenamentos jurídicos da maior parte dos ordenamentos do globo, mas deriva também da apuração de cada caso concreto considerado singularmente. De qualquer maneira, a exigência de observância de boa-fé surge sempre como instrumento de garantia de equilíbrio e da estabilidade nas relações comerciais que se desenvolvem em âmbito internacional.

V – A BOA-FÉ PRÉ-CONTRATUAL DE ACORDO COM OS PRINCÍPIOS UNIDROIT

A formação dos contratos internacionais, tendo em vista sua complexidade, não é imediata, mas progressiva. Sendo assim, antes da conclusão do contrato, segue-se, em via de regra, uma fase preliminar de negociação. Em geral, as tratativas têm como objeto de discussão os aspectos técnicos relacionados à transação, bem como os aspectos jurídicos. Sendo assim, por óbvio, quanto maior a complexidade do objeto contratado, maior será a necessidade de esclarecimentos técnicos e, conseqüentemente, mais prolongada será a duração das negociações. Apenas acordados os aspectos técnicos é que será possível o acordo sobre nuances jurídicos como data de entrega e condições de pagamento, por exemplo[73].

Não se pode confundir oferta com negociações preliminares. A oferta, juntamente com a aceitação, é elemento formativo do contrato, ou seja, sem oferta e sem aceitação o contrato simplesmente não existe. Por outro lado, as negociações preliminares são atos preparatórios. Nesse sentido, a oferta (offer) distingue-se do convite para negociar (invitation to deal). É possível que uma fase de negociação inicie-se com uma oferta precisa ou apenas com um convite para negociar. A diferença entre ambas está no elemento subjetivo[74]. Nesse sentido, para que exista, efetivamente, uma oferta, é necessário que a mesma seja precisa e determinada, compondo-se de objeto, preço e condições de entrega e pagamento.

O artigo primeiro dos princípios Unidroit prevê o princípio da liberdade contratual. Assim como a boa-fé, trata-se de um princípio geral norteador de todos os contratos comerciais internacionais a serem celebrados. De acordo com esse princípio, as partes não estarão, de maneira alguma, obrigadas a concluir um contrato, ou seja, cabe às partes, e somente às mesmas, decidir sobre a celebração ou não do acordo. Contudo, a boa-fé surge como princípio limitador do princípio da liberdade contratual, o que significa que as partes não podem se conduzir de maneira desleal em nenhuma etapa da relação contratual, inclusive durante a fase negocial[75].

Afinal, deve-se atentar para o fato de que a não-conclusão de um contrato pode causar prejuízo. Afinal, durante a fase de tratativas é comum que ambas as partes despendam esforços com objetivo de, ao final, realizarem um negócio jurídico vantajoso para ambas. Nesse sentido, não raras são despesas com pesquisas, projetos, experiências, viagens de executivos, entre outros. Sendo assim, o rompimento das negociações pode traduzir-se em gastos efetuados em vão, o que constitui um prejuízo. Até mesmo o mero fracasso, por si só, das negociações é danoso por frustrar as expectativas de um contratante que esperava concluir um contrato vantajoso e, para isso, despendeu forças. Por esse motivo, na moderna consciência social, é viva a idéia de que seja justo que essas despesas sejam repartidas, ou, conforme o caso, integralmente ressarcidas.

Portanto, certo é que, quando partes que possuem eventual interesse de contratar aproximam-se e iniciam uma fase de negociações, não estão vinculadas à conclusão do contrato. Entretanto, o fato de o rompimento das tratativas não configurar responsabilidade contratual não significa que ambas as partes estarão isentas de qualquer tipo de responsabilização pela sua interrupção. Pelo contrário, em havendo prejuízo a uma das partes em decorrência do rompimento das negociações, é justo que a parte causadora do dano deva ressarcir a parte lesada em virtude de dano negativo[76]. O dano negativo nada mais é senão o prejuízo suportado pela parte lesada em virtude da não conclusão do contrato. Portanto, o montante a ser ressarcido não se confunde com o ganho que seria auferido caso o contrato houvesse sido celebrado. É também considerado dano negativo quando a parte continua em processo de negociação com outra que não possui real interesse de celebrar o contrato e perde a oportunidade de negociar o mesmo contrato com terceiro[77].

Por fim, pode-se concluir que, no período pré-contratual, as partes visam, indubitavelmente, a liberdade contratual. Isso significa que tanto uma quanto outra parte não desejam ser obrigados a celebrar um contrato que não lhes seja favorável apenas por terem iniciado uma aproximação para esse fim. Contudo, ao mesmo tempo, as partes possuem evidente interesse em preservar os pontos sobre os quais já existe acordo. Têm, ainda, expectativa de que sejam devidamente ressarcidos eventuais danos que lhe tenham sido causados em virtude do rompimento das negociações. Observa-se, nesse sentido, que se tratam de aspirações contraditórios, pois permeiam tanto o interesse na liberdade contratual quando na vinculação durante a fase das tratativas. Diante desse cenário, deve o direito buscar uma forma de equilíbrio, objetivando a cooperação, a lealdade e a correção entre as partes também na fase preliminar à conclusão do contrato[78].

Diante disso, o entendimento segundo o qual as partes devem agir de boa-fé também durante a fase pré-contratual é acolhido pelos princípios Unidroit, sobretudo em seu artigo 2.1.15, que dispõe:

“(1) Ciascuna parte è libera di condurre trattative e non è responsabile per il mancato raggiungimento di um accordo.

(2) Tuttavia, la parte che há condotto o interrotto lê trattative in mala fede è responsabile per lê perdite cagionate all´altra parte.

(3) In particolare, si considera mala fede iniziare o continuare trattative malgrado l´intenzione di non raggiungere um accordo com l´altra parte”.

E, segundo o comentário desse artigo, a negociação de má-fé se verifica:

 “quando una parte deliberatamente o per negligenza há ingannato l´altra parte sulla natura o sulle condizioni del contratto proposto, vuoi travisando, vuoi non rivelando fatti che, per la qualità delle parti e/o la natura del contratto, avrebbero dovuto essere rivelati”.

No citado artigo, é imposta às partes, em termos gerais, uma responsabilidade pré-contratual pela conduta de má-fé na fase das tratativas, o que configura uma inovação em relação a ordenamentos jurídicos de muitas partes do mundo. Tal princípio costuma ser admitido somente em alguns Estados sob o modelo de Civil Law, em que o rompimento injustificado das negociações, bem como sua continuidade sem a intenção de concluir o contrato constituem as hipóteses mais significativas de conduta de má-fé. Ao contrário, os sistemas de Common Law são relutantes no que se refere á limitação da liberdade de negociação. Sendo assim, nos países onde vigora esse modelo jurídico, costuma-se defender que os riscos inerentes a qualquer negociação devem ser integralmente suportados pelas partes. Contudo, a inexistência de uma previsão explícita relativa à boa-fé pré-contratual no sistema de Common Law não significa que não há qualquer base legal que ofereça respaldo para a responsabilização na fase das negociações. A pretensão indenizatória, nesse caso, pode ocorrer sob a alegação, por exemplo, de unjust enrichment, misrepresentation, bargain in good faith, caveat emptor, ou, ainda, mediante um expresso acordo entre as partes de negociar de boa-fé[79].

Entretanto, mesmo dentre os sistemas de Civil Law, são raros aqueles que dispõem, expressamente, acerca da responsabilidade pré-contratual. O código civil francês, por exemplo, oferece apenas disposições genéricas, sem qualquer menção específica à responsabilidade por comportamento de má-fé na ocasião das tratativas, conforme se observa:

Art. 1.382 Tout fait quelconque de l´homme, qui cause à autrui un dommage, oblige celui par la faute diquel il est arrivé, à lê reparer.

Art. 1.383 Chacun est responsable du dommage qu´il a cause, non seulement par son fait, mais encore par sa negligence ou par son imprudence”.

O mesmo se verifica em relação ao código alemão, que também não é específico em relação à hipótese de ruptura das negociações:

“Art. 823. Quem dolosa ou culposamente lesiona de forma antijurídica a vida, o corpo, a saúde, a liberdade, a propriedade ou qualquer outro direito de outra pessoa, está obrigado para com ela à indenização do dano por isto causado”.

Todavia, o mesmo não ocorre em relação ao código civil italiano de 1.942, que foi o primeiro a referir-se expressamente às negociações:

Art. 1.337. Trattative e Responsabilità Precontrattuale – Lê parti, nello svolgimento delle trattative e nella formazione del contratto, devono comportarsi secondo buona fede”.

Merece, ainda, especial atenção o código civil português que disciplina “a culpa na formação do contrato”:

“Art. 227. Quem negocia com outrem para a conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa-fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte”.

No que se refere à responsabilidade pré-contratual em virtude do rompimento das tratativas é, ainda, relevante a distinção entre duas hipóteses. Na primeira delas, uma das partes age de forma desleal ou abusiva e, de forma dolosa ou culposa, causa dano à outra. Nesse caso, estará caracterizada uma conduta ilícita. Sendo assim, o dever de indenização não decorre de uma infração pré-contratual, mas sim de uma infração extra-contratual. É o caso, por exemplo, de um contratante que rompe as negociações arbitrariamente, ou, ainda, que dá continuidade à mesma apenas para desvendar segredo de comércio ou indústria ou a fim de impedir que a outra parte celebre o contrato com terceiro concorrente. Em uma segunda hipótese, existe uma interrupção justificada das negociações, sem culpa, que causa dano à outra parte. Nessa situação configura-se a responsabilidade pré-contratual. Não há ilícito, mas existe uma antijuridicidade objetiva, o que resulta no dever de indenizar[80].

De acordo com os princípios Unidroit, faz, ainda, parte da boa-fé pré-contratual observar aquilo que dispõe o artigo 2.1.16, que estabelece:

“Se, nel corso delle trattative, una parte rivela un´informazione in via riservata, l´altra parte há il dovere di non divulgare tale informazione o di non usarla scorrettamente a próprio vantaggio, indipendentemente dalla successiva conclusione del contratto. Ove il caso lo richieda, il remédio per l´inosservanza di questo dovere può includere un risarcimento commisurato al vantaggio ottenuto dalla controparte”.

Preliminarmente, deve-se considerar que não existe qualquer uma norma geral que obrigue as partes a tratarem quaisquer informações trocadas durante a fase de tratativas como secretas. Todavia, é possível que haja interesse que uma determinada informação comunicada à outra não seja divulgada, ou, ainda, que não seja utilizada para fins diversos daqueles para os quais a informação foi prestada. Nesse sentido, a partir do momento em que uma parte declare expressamente tratar-se de uma informação confidencial, ou caso a mesma seja evidentemente confidencial dada a sua natureza, caberá à outra mantê-la nesses termos. Quanto à ressarcibilidade do dano, o montante deverá corresponder à vantagem econômica representada pela informação[81].

Para que se constitua qualquer das hipóteses de responsabilidade pré-contratual, é necessária a verificação de três elementos fundamentais: a) o dano; b) a falta; e c) o nexo de causalidade entre a falta e o dano.

O dano refere-se, substancialmente, ao interesse contratual negativo. Nesse interesse englobam-se:

“(i) despesas vinculadas à negociação, ou seja, que foram efetuadas somente em virtude da intenção da conclusão do contrato;

(ii) dano resultante da perda de razoável oportunidade, que poderia ter decorrido de outra negociação capaz de conduzir à celebração do contrato;

(iii) dano moral à reputação comercial ou industrial;

(iv) dano produzido pela violação de segredo de comércio ou indústria, que tenha sido revelado durante a negociação.”

A falta, de acordo com os princípios Unidroit, constitui a infração ao dever de boa-fé pré-contratual prevista em seu artigo 2.15.1. Todavia, para definir com maior precisão o conteúdo desse princípio, faz-se necessário recorrer à jurisprudência arbitral, bem como alguns julgados domésticos.

De acordo com a decisão arbitral 2.291 de 1975, proferida em Bruxelas, devem reger os contratos comerciais, a título de boa-fé:

“1. a colaboração leal, total e constante entre as partes;

2. a obrigação de as partes não se prejudicarem mutuamente;

3. o dever de diligência normal, útil e razoável na salvaguarda dos bens e interesses das partes;

4. a presunção de competência profissional;

5. o dever de minimizar as perdas próprias e dos outros contratantes”.

Além dessa decisão, deve-se salientar a de nº 2.508 de 1976, proferida em Glenebra, que, além de reiterar as provisões da decisão 2.291/75, ainda estabelece, sempre a título de boa-fé:

“1. o dever de abstenção de toda e qualquer conduta, proposição ou proposta manifestadamente inaceitável, capaz de conduzir ao fracasso das negociações, e

2. o dever de não realização de propostas insensatas e de não recusa de propostas razoáveis.

Relevante, ainda, a decisão da Câmara de Comércio Internacional de Paris de nº 4.381 de 1986, segundo a qual as partes possuem a obrigação de informar acerca das particularidades de normas em vigor em seus respectivos ordenamentos jurídicos domésticos que possam incidir sobre o contrato a ser celebrado.

Interessante, ainda, a decisão do Tribunal de Roma sobre o conteúdo do artigo 1.337 do código civil italiano, que veio a reconhecer dois princípios, segundo os quais:

“1. não é lícito criar no parceiro comercial, por leviandade ou por dolo, uma razoável confiança sobre a conclusão do contrato, e

2. o princípio da correção de conduta sinônimo de boa-fé deve ser entendido em sentido objetivo, o que significa que a responsabilidade pré-contratual pode configurar-se independentemente da intenção do infrator.”

Ao final, pode-se concluir que a antijuridicidade da conduta que caracteriza o desrespeito à boa-fé pré-contratual caracteriza-se na:

a) omissão dolosa, desleal, de informação necessária;

b) violação de segredo ou dado confidencial divulgado durante as negociações;

c) violação do dever de minimizar os prejuízos

d) falta de cooperação e diligência normal, útil e razoável na salvaguarda dos interesses próprios e da outra parte;

e) quando a decisão de não concluir o negócio ocorreu antes da negociação (má-fé na origem), ou mesmo no seu decurso, e a outra parte disso não foi informada.

O nexo de causalidade refere-se á ligação entre dano e falta necessária para o

surgimento do dever de indenizar[82].

Com o escopo de evitar eventuais prejuízos derivados do rompimento das tratativas, a comunidade comercial internacional deu origem a novos modelos jurídicos. Tratam-se de documentos e acordos preliminares (modelos jurídicos pré-contratuais) que precedem o contrato definitivo. Destinam-se, sobretudo a relatar o andamento das tratativas, balizar a negociação, obrigar as partes a negociar seriamente, fazer balanços dos resultados obtidos, recordar pontos relevantes, selar acordos essenciais à conclusão do contrato definitivo, evidenciar detalhes imprescindíveis às partes, salvaguardar segredos de comércio e indústria, etc. Dentre eles, pode-se citar as cartas de intenções, as comfort letters, os acordos de segredo, as garantias, as cláusulas standard e os pré-contratos.

Ao final, é possível concluir que a boa-fé, especificamente no âmbito pré-contratual, surge como um aspecto inovador dos princípios Unidroit. Afinal, a exigência da observância do princípio de boa-fé também no âmbito das negociações não é prevista na maior parte dos ordenamentos jurídicos domésticos do globo. Apesar disso, é de imensurável relevância, no que diz respeito à garantia da lealdade de correção do comportamento dos contratantes em sede de tratativas, para garantia do equilíbrio, da segurança e da estabilidade nas relações comerciais internacionais. Seu conteúdo específico deverá ser apurado não apenas em face das práticas comerciais internacionais em sentido objetivo, mas também de acordo com a verificação do caso concreto.

CONCLUSÃO

Conforme estudo realizado, grande parte da doutrina atual afirma que os princípios Unidroit constituem uma espécie de codificação da nova Lex Mercatoria. Todavia, preliminarmente, ressaltou-se no presente trabalho, que existem muitas polêmicas no que se refere ao surgimento de uma nova Lex Mercatoria como sendo um fenômeno contemporâneo semelhante àquele ocorrido durante a Idade Média, em que os agentes comerciais, ainda que provenientes de nações diversas, submetiam-se às mesmas normas comerciais de caráter consuetudinário e aos mesmos tribunais arbitrais de comércio. Ao final dessa discussão, observou-se que, ainda que se admita a existência atual de uma nova Lex Mercatoria, devem ser feitas ressalvas quanto às semelhanças existentes entre ambos os institutos, tendo em vista que se divergem quanto ao contexto social e econômico em que ocorreram, bem como quanto à sua função. Verificou-se, ainda, na presente obra, que uma vez aceita a efetiva existência de uma nova Lex Mercatoria, originada, sobretudo, da difusão espontânea das práticas comerciais no mundo, questionou-se se a mesma seria apta a suprir as dificuldades atuais do comércio internacional derivadas da descontinuidade jurídica, ocasionada, por sua vez, pela divisão política dos mercados em uma pluralidade de Estados. Indagou-se, ainda, se tratar-se-ia de uma ramo de direito autônomo ou se seria dependente da legislação emanada pelos Estados. Ao final, concluiu-se que as respostas para essas perguntas estão longe de alcançarem um consenso doutrinário. Contudo, afirmou-se ser incontestável por qualquer jurista que a uniformização, ainda que limitada, das regras que regulam o comércio internacional é necessária a fim de garantir maior segurança jurídica e estabilidade às relações entre os operadores econômicos internacionais e queo instituto de uma nova Lex Mercatoria, mesmo que sob uma denominação diversa, em maior ou menor grau e, ainda que deficitariamente, cumpre essa função.

No segundo capítulo do trabalho, salientou-se que não se deve aplicar as mesmas regras aos contratos internacionais e àqueles afetados por um único ordenamento jurídico, uma vez que os primeiros são dotados de maior complexidade em virtude de terem por objeto obrigações que não se exaurem com a mera prestação (obrigação como processo), bem como em razão de, muitas vezes, repercutirem efeitos na esfera pública, além da privada. Ressaltou-se, em seguida, que o principal instrumento do comércio internacional é o contrato, mas que surgem dificuldades referentes à definição de sua internacionalidade. Chegou-se, nesse sentido, à conclusão de que será internacional o contrato que produzir efeitos em mais de um ordenamento jurídico por apresentar um elemento de estraneidade dotado de relevância jurídica. Diante disso, salientou-se que o primeiro problema que surge é aquele relacionado à qual será a lei aplicável ao contrato, já que as partes podem não ter convencionado sobre esse ponto e as normas de direito privado dos países envolvidos podem não ser harmônicas no que tange a essa definição. Observou-se, ainda, que os contratos internacionais não são regidos somente por leis domésticas, mas estão sujeitos também a normas estabelecidas por tratados e convenções internacionais, os costumes e usos das práticas do comércio internacional e os princípios gerais do direito do comércio internacional. Em seguida, passou-se a uma análise mais apurada dos princípios gerais de direito, diretamente relacionados com os princípios Unidroit. Nesse sentido, introduzindo o tema dos princípios que regem o direito do comércio internacional, destacou-se a diferença entre os princípios gerais de direito, ou seja, aqueles reconhecidos pela maior parte dos ordenamentos jurídicos nacionais (ex. princípios Unidroit), e os princípios do direito internacional, ou seja, aqueles diretamente provenientes da esfera internacional.

No capítulo terceiro, discorreu-se sobre os princípios Unidroit, sobretudo, a respeito de seu conceito e de suas funções e aplicações contemporâneas. Apontou-se, preliminarmente, para os motivos de sua elaboração, elencando-se razões como a necessidade de harmonização das regras internacionais de comércio para maior fluidez mercadológica e monetária, bem como a inadequação dos ordenamentos jurídicos domésticos para atender às exigências das trocas em nível supranacional. Nesse sentido, salienta-se também a insuficiência das normas derivadas de convenções e tratados internacionais, dos contratos-tipo, das cláusulas-modelo, dos instrumentos supranacionais criados pro organizações não governamentais e da referência, nos contratos, a princípios gerais de direito ou à Lex Mercatoria para suprir as dificuldades em âmbito de harmonização normativa do direito do comércio internacional. Afirmou-se, assim, que os princípios Unidroit foram criados de modo a suprir algumas das carências no que se refere às regras do comércio internacional. Argumentou-se, nesse sentido, que se destinam a resolver com precisão, clareza, previsibilidade e uniformidade os pontos que, normalmente, não são regulados pelos contratos e que são deixados à mercê de diferentes normas de ordenamentos jurídicos nacionais diversos. Salientou-se que o âmbito de aplicação dos princípios Unidroit é restrito aos contratos comerciais internacionais. Em seguida, elencou-se as funções dos princípios geralmente apontadas pela doutrina, que não se exaurem naquelas previstas no preâmbulo, quais sejam: direito aplicável tout court ao mérito de controvérsias transacionais, instrumento de integração e interpretação do direito aplicável, instrumento de interpretação do direito uniforme, fonte de conhecimento e instrumento de codificação da nova Lex Mercatoria, modelo para o legislador nacional e internacional, princípios gerais de direito como aqueles previstos no artigo 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, guia para a redação contratual, esperanto de comunicação jurídica, instrumento didático e possível instrumento de individualização dos usos do comércio internacional.

No quarto capítulo, passou-se à análise do princípio geral da boa-fé nos contratos internacionais do comércio. Observou-se a sua importância tendo em vista que se configura como um princípio geral a ser observado em todas as fases contratuais, inclusive no que tange ás obrigações acessórias do contrato. Antes de se delinear o modelo de boa-fé adotado pelos princípios Unidroit, discorreu-se sobre o sistema adotado em alguns países de Civil Law (que apresenta características tais como considerar a boa-fé como princípio geral e abstrato, bem como, por vezes, reconhecer a exigência de boa-fé também na fase das tratativas) e de Common Law (boa-fé como implied term, portanto, variável de acordo com o caso concreto), chegando-se, então, à conclusão de que o modelo de boa-fé contratual dos princípios Unidroit apresenta característica derivadas de ambos os sistemas. Sendo assim, observou-se que o conceito de boa-fé adotado pelos princípios Unidroit pendula entre os conceitos adotados na maior parte dos ordenamentos jurídicos (ao menos dos mais influentes) existentes do mundo. Além disso, deatacou-se que a boa-fé, segundo os princípios Unidroit, é objetiva. Contudo, diante da dificuldade de se identificar um standard de comportamento no comércio internacional, apontou-se para a importância da apuração da boa-fé no caso concreto. Aproveitou-se, nesse capítulo, ainda, para diferenciar o conceito de boa-fé do conceito de razoabilidade, salientando-se que a primeira oferece soluções de ordem ética, enquanto a segunda, de ordem utilitária.  Por fim, concluiu-se que a definição da boa-fé, de acordo com os princípios Unidroit, provém não apenas do comportamento verificado nas práticas do comércio internacional e da conceituação de boa-fé nos ordenamentos jurídicos da maior parte dos ordenamentos jurídicos do globo, mas deriva também da apuração de cada caso concreto considerado singularmente, sempre sendo reconhecida sua importância como instrumento de garantia, de equilíbrio e da estabilidade nas relações comerciais que se desenvolvem em âmbito internacional.

No quinto e ultimo capítulo tratou-se, especificamente, da boa-fé aplicada à fase pré-contratual. Preliminarmente salientou-se que, dada a complexidade dos contratos comerciais internacionais, costuma haver, antes de sua conclusão, uma fase de negociações, não se devendo confundir a oferta com o convite para negociar. Nesse sentido, ressaltou-se que, segundo os princípios Unidroit, o dever de lealdade deve ser observado também na fase pré-contratual e que tal exigência não contraria, de maneira alguma, o princípio da liberdade contratual. Esclareceu-se, nesse sentido, que a não-conclusão de um contrato também pode causar prejuízo, ainda que não se verifique um ato ilícito, que deve ser ressarcido (o que deverá ser ressarcido será o dano negativo). Sendo assim, argüiu-se que a responsabilidade pré-contratual não deriva de um ilícito, mas sim de uma antijuridicidade objetiva. Discorreu-se, ainda, sobre a exigência do sigilo de informações na fase das negociações para evitar a responsabilização pré-contratual. Em seguida, destacou-se que, para que se configure o dever de indenizar o dano negativo é necessário que se verifique dano, culpa e nexo de causalidade entre o dano e a culpa. Para delimitar o conceito de culpa, recorreu-se a jurisprudência arbitral internacional, segundo a qual, dentre os deveres de boa-fé pré-contratual estão: dever de colaboração leal, total e constante entre as partes; a obrigação de as partes não se prejudicarem mutuamente; o dever de diligência normal, útil e razoável na salvaguarda dos bens e interesses das partes; o dever de minimizar as perdas próprias e dos outros contratantes; o dever de abstenção de toda e qualquer conduta, proposição ou proposta manifestadamente inaceitável, capaz de conduzir ao fracasso das negociações; o dever de não realização de propostas insensatas e de não recusa de propostas razoáveis e obrigação de informar acerca das particularidades de normas em vigor em seus respectivos ordenamentos jurídicos domésticos que possam incidir sobre o contrato a ser celebrado. Salientou-se, ainda, a importância da criação de modelos jurídicos pré-contatuais para evitar a responsabilização na fase das negociações, tais como: as comfort letters, os acordos de segredo, as garantias, as cláusulas standard e os pré-contratos. Ao final, é possível concluir que a boa-fé, especificamente no âmbito pré-contratual, surge como um aspecto inovador dos princípios Unidroit. Afinal, a exigência de observância do princípio de boa-fé pelos princípios Unidroit, também no âmbito das negociações, não é prevista na maior parte dos ordenamentos jurídicos domésticos do globo. Apesar disso, é de imensurável relevância, no que diz respeito à garantia da lealdade de correção do comportamento dos contratantes em sede de tratativas, para garantia do equilíbrio, da segurança e da estabilidade nas relações comerciais internacionais. Nesse sentido, observou-se que seu conteúdo específico deverá ser apurado não apenas em face das práticas comerciais internacionais em sentido objetivo, mas também de acordo com a verificação do caso concreto.

 

Notas:
[1] Segundo os ensinamentos de MARRELLA, Fabrizio. La Nuova Lex Mercatoria: Principi UNIDROIT ed Usi del Commercio Internazionale. Milão: CEDAM. 2003. p. 26. -27

[2] De acordo com FORTUNATI, Maura. The Fairs Between Lex Mercatoria and Ius Mercatorium.  In: PIERGIOVANNI, Vito (editor). From Lex Mercatoria to Commercial Law.  Berlin: Duncker & Humblot. 2005. p. 144.

[3] Nesse sentido, STELIO, Campanale. Diritto del Commercio Internaziole e Normativa Comunitaria. s. l: Giuffré. 2005. p. 23.

[4] Segundo CORDES, Albrecht. The search for a Medieval Lex Mercatoria. In: PIERGIOVANNI, Vito (editor). From Lex Mercatoria to Commercial Law.  Berlin: Duncker & Humblot. 2005. p. 57.

[5] Dessa forma argumentam os autores GALGANO, Francesco e MARRELLA, Fabrizio. Diritto del Commercio Internazionale. 2 ed. Milão: CEDAM. 2007. p. 244.

[6] Idem. p. 243

[7] Segundo FORTUNATI, Maura. The Fairs Between Lex Mercatoria and Ius Mercatorium. p. 145. op. cit.

[8] Em La Rivoluzione Commerciale de Medievo. Turim: Einaudi. 1975. p. 114. In: Idem. Ibidem.

[9] De acordo com FORTUNATI, Maura. The Fairs Between Lex Mercatoria and Ius Mercatorium. p. 145. op. cit.

[10] Nesse sentido CORDES, Albrecht. The search for a Medieval Lex Mercatoria. p. 61. op. cit.

[11] Segundo os ensinamentos de MARRELLA, Fabrizio. La Nuova Lex Mercatoria: Principi UNIDROIT ed Usi del Commercio Internazionale. p. 20. op cit.

[12] Idem. p. 20-21 e p. 26.

[13] Nesse sentido GALGANO, Francesco e MARRELLA, Fabrizio. Diritto del Commercio Internazionale. p. 243. op. cit.

[14] De acordo com MARRELLA, Fabrizio. La Nuova Lex Mercatoria: Principi UNIDROIT ed Usi del Commercio Internazionale. p. 21.

[15] Dessa maneira dispõem os autores GALGANO, Francesco e MARRELLA, Fabrizio. Diritto del Commercio Internazionale. p. 243. op. cit.

[16] Um dos autores que sustem essa posição é CORDES, Albrecht. The search for a Medieval Lex Mercatoria. p. 56 e p. 63. op. cit.

[17] Nesse sentido GALGANO, Francesco e MARRELLA, Fabrizio. Diritto del Commercio Internazionale. p. 245. op. cit.

[18] Segundo MARRELLA, Fabrizio. La Nuova Lex Mercatoria: Principi UNIDROIT ed Usi del Commercio Internazionale. p. 21.

[19] Dessa forma entendem os autores GALGANO, Francesco e MARRELLA, Fabrizio. Diritto del Commercio Internazionale. p. 245-246. op. cit.

[20] Dessa meneira posiciona-se o doutrinador STELIO, Campanale. Diritto del Commercio Internaziole e Normativa Comunitaria. p. 24-25. op. cit.

[21] Assim dispõe MARRELLA, Fabrizio. La Nuova Lex Mercatoria: Principi UNIDROIT ed Usi del Commercio Internazionale. p. 21

[22] De acordo com MARRELLA, Fabrizio. La Nuova Lex Mercatoria: Principi UNIDROIT ed Usi del Commercio Internazionale. p. 33.

[23] Segundo BASSO, Maristela. Contratos Internacionais do Comércio: Negociação – Conclusão – Prática. 3 ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2002. p. 11

[24] Nesse sentido GALGANO, Francesco e MARRELLA, Fabrizio. Diritto del Commercio Internazionale. p. 279-280. op. cit.

[25] Nesse sentido, BASSO, Maristela. Contratos Internacionais do Comércio: Negociação – Conclusão – Prática. p. 11.

[26] Nesse sentido, STELIO, Campanale. Diritto del Commercio Internaziole e Normativa Comunitaria. p. 16. op. cit.

[27] A Convenção de Roma de 1980 (em vigor na maior parte dos países da União Européia) dispõe sobre a lei aplicável às obrigações contratuais e veio a minimizar algumas das dificuldades ocasionadas pela diversidade no conteúdo das leis de direito internacional privado. 

[28] O artigo terceiro da Convenção de Roma determina que o contrato será regulado pela lei de escolha das partes.

[29] Muitas vezes, uma sentença arbitral terá maior eficácia internacional que uma proferida por um tribunal nacional. Tal fato se dá em decorrência da Convenção de Nova Iorque de 1958 sobre arbitragem internacional. Os países signatários obrigam-se a respeitar eventuais convenções arbitrais estipuladas pelas partes e a reconhecer e executar às sentenças arbitrais estrangeiras.

[30] De acordo com BORTOLOTTI, Fabio. Diritto dei Contratti Internazionali: Modelli di Contratto, Condizioni Generali e Schede Paese.  Milão: CEDAM. 1998. p. 2-15.

[31]O próprio ordenamento jurídico italiano, nos artigos c.c. 1340, 1368 e 1374, reconhece os usos e costumes como fonte de direito.

[32] Dentre as convenções que reconhecem os usos e costumes como fonte de direito pode-se citar Convenção de Viena de 1980 sobre Venda Internacional de bens Móveis (artigo 9º).

[33] De acordo com a Convenção Européia sobre Arbitragem Comercial Internacional de Genebra de 1961.

[34] Nesse sentido, STELIO, Campanale. Diritto del Commercio Internaziole e Normativa Comunitaria. p. 18-23. op. cit.

[35] De acordo com MARRELLA, Fabrizio. La Nuova Lex Mercatoria: Principi UNIDROIT ed Usi del Commercio Internazionale. p. 269-273. op. cit.

[36] De acordo com o professor ALPA, Guido. Italy. In: A New Aproach to International Commercial Contracts: The Unidroit Principles of International Commercial Contracts. London: Kluwer Law International. 1998. p. 177.

[37] Afinal, os princípios, em geral, reportam a conceitos já difusos e aceitos pela maior parte dos ordenamentos jurídicos nacionais.

[38] STELIO, Campanale. Diritto del Commercio Internaziole e Normativa Comunitaria. p. 26-27. op. cit. 

[39] Assim dispõe o. professor BONELL, Michael Joachim. Un “Codice” Internazionale del Diritto dei Contratti: I Principi UNIDROIT dei Contratti Commerciali Internazionali. 2. ed. s.l: Giuffrè. 2006. p. 12-16.

[40] De acordo com o professor ALPA, Guido. Italy. p. 182-183. op. cit.

[41] A exemplo dos INCOTERMS e Regras de Uso Uniforme Relativos  aos Créditos Documentários elaborados pela Câmera do Comércio Internacional.

[42] Assim dispõe o. professor BONELL, Michael Joachim. Un “Codice” Internazionale del Diritto dei Contratti: I Principi UNIDROIT dei Contratti Commerciali Internazionali. p. 17-23.

[43] Segundo COMBA, Diego e GARELLI, Stefano. I Contratti Internazionali: Il Diritto, gli Usi, le Clausole, la Fiscalità. s.l: Il Sole 24 ore. 2004. p. 25.

[44] A exemplo disso pode-se apontar a cláusula de hardship.

[45] De acordo com BONELL, Michael Joachim. Un “Codice” Internazionale del Diritto dei Contratti: I Principi UNIDROIT dei Contratti Commerciali Internazionali. p. 24-25. op. cit.

[46] Tem-se por consumidor o indivíduo que integra uma relação contratual fora de seu âmbito profissional.

[47] Nesse sentido, BONELL, Michael Joachim. Unification of Law by Non- Legislative Means: The UNIDROIT Draft Principles for International Commerce Contracts. P. 620-622. (ver onde tá)

[48] De acordo com MARRELLA, Fabrizio. La Nuova Lex Mercatoria: Principi UNIDROIT ed Usi del Commercio Internazionale. p. 277. op. cit.

[49] Nesse sentido, STELIO, Campanale. Diritto del Commercio Internaziole e Normativa Comunitaria. p. 26-27. op. cit.

[50] De acordo com o professor BONELL, Joachim Michael. A New Aproach to International Commercial Contracts: The Unidroit Principles of International Commercial Contracts. London: Kluwer Law International. 1998. p. .8-10.

[51] Idem. p. 10-12.

[52] De acordo com BONELL, Michael Joachim. Unification of Law by Non- Legislative Means: The UNIDROIT Draft Principles for International Commerce Contracts. P. 627-628. (ver onde tá)

[53] A New Aproach to International Commercial Contracts: The Unidroit Principles of International Commercial Contracts, p. 12-13. op. cit.

[54] Nesse sentido, MARRELLA, Fabrizio. La Nuova Lex Mercatoria: Principi UNIDROIT ed Usi del Commercio Internazionale. p. 280-281. op. cit.

[55] Nesse sentido GALGANO, Francesco e MARRELLA, Fabrizio. Diritto del Commercio Internazionale. p. 250-251. op. cit.

[56] Segundo, BONELL, Michael Joachim. Unification of Law by Non- Legislative Means: The UNIDROIT Draft Principles for International Commerce Contracts. P. 628-629. op. cit.  (ver onde tá)

[57] Nesse sentido, MARRELLA, Fabrizio. La Nuova Lex Mercatoria: Principi UNIDROIT ed Usi del Commercio Internazionale. p. 281-282. op. cit.

[58] Assim dispõe o professor BONELL, Michael Joachim. Unification of Law by Non- Legislative Means: The UNIDROIT Draft Principles for International Commerce Contracts. p. 625-626. op. cit.  (ver onde tá)

[59] De acordo com BONELL, Joachim Michael. UNIDROIT Principles 2004: The New Edition of the Principles of International Commercial Contracts adopted by the International Institute for the Unification of Private Law. p. 7-8. (ver onde tá)

[60] Segundo MARRELLA, Fabrizio. La Nuova Lex Mercatoria: Principi UNIDROIT ed Usi del Commercio Internazionale. p. 282-283. op. cit.

[61] Assim dispõe o professor BONELL, Michael Joachim. Unification of Law by Non- Legislative Means: The UNIDROIT Draft Principles for International Commerce Contracts. p. 633. op. cit.  (ver onde tá)

[62] Conforme DI MAJO, Adolfo. L´osservanza  della Buona Fede nei Principi Inidroit sui Contratti Commerciali Internazionali. In: BONELL, Michael Joachim e BONELLI, Franco (org.). Contratti Commerciali Internazionali e Principi Unidroit. s.l: Giuffrè. 1997. p. 145.

[63] Conforme BONELL, Joachim Michael. I Principi Unidroit nella Pratica: Casistica e Bibliografia Riguardanti I Principi Unidroit dei Contratti Commerciali Internazionali. s.l: Giuffrê. 2003. p. 84.

[64] O mesmo ocorre em relação ao termo “razoabilidade”.

[65] De acordo com o professor ALPA, Guido. Italy. p. 184-185. op. cit.

[66] A exemplo do Uniform Commercial Code e do Second Restatment sobre contratos.

[67] Conforme DI MAJO, Adolfo. L´osservanza  della Buona Fede nei Principi Inidroit sui Contratti Commerciali Internazionali. p. 146-153 e p.157-158. op. cit.

[68] Conforme DI MAJO, Adolfo. L´osservanza  della Buona Fede nei Principi Inidroit sui Contratti Commerciali Internazionali. p. 159-160. op. cit.

[69] De acordo com BONELL, Joachim Michael. I Principi Unidroit nella Pratica: Casistica e Bibliografia Riguardanti I Principi Unidroit dei Contratti Commerciali Internazionali. s.l: Giuffrê. 2003. p. 85. op. cit.

[70] Nesse sentido BONELL, Michael Joachim. Un “Codice” Internazionale del Diritto dei Contratti: I Principi UNIDROIT dei Contratti Commerciali Internazionali. p. 134. op. cit.

[71] Conforme DI MAJO, Adolfo. L´osservanza  della Buona Fede nei Principi Inidroit sui Contratti Commerciali Internazionali. p. 154-155. op. cit.

[72] Segundo BONELL, Michael Joachim. Un “Codice” Internazionale del Diritto dei Contratti: I Principi UNIDROIT dei Contratti Commerciali Internazionali. p. 143-144. op. cit.

[73] De acordo com a professora BASSO, Maristela. Contratos Internacionais do Comércio: Negociação – Conclusão – Prática. p. 129-130. op.cit.

[74] Segundo o professor BAPTISTA, Luiz Olavo. A Vida dos Contratos Internacionais. Tese apresentada no concurso para professor titular de Direito Internacional Privado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. 1993. p. 109.

[75] Comentário 1 do artigo 2.1.15.

[76] Segundo a professora BASSO, Maristela. Contratos Internacionais do Comércio: Negociação – Conclusão – Prática. p. 120-121. op.cit.

[77] Comentário 2 do artigo 2.1.15.

[78] Segundo a professora BASSO, Maristela. Contratos Internacionais do Comércio: Negociação – Conclusão – Prática. p. 153-154. op.cit.

[79]De acordo com DI MAJO, Adolfo. L´osservanza  della Buona Fede nei Principi Inidroit sui Contratti Commerciali Internazionali. p. 144-150. op.cit.

[80] Segundo a professora BASSO, Maristela. Contratos Internacionais do Comércio: Negociação – Conclusão – Prática. p. 154-155. op.cit.

[81] Comentário 2 do artigo 2.1.16.

[82] De acordo com a professora Segundo a professora BASSO, Maristela. Contratos Internacionais do Comércio: Negociação – Conclusão – Prática. p. 152-168. op.cit.


Informações Sobre o Autor

Erika Cassandra de Nicodemos

Mestre em Direito Internacional Privado pela Università degli Studi di Roma, pós-graduada em Direito Empresarial pela GVlaw, graduada em direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – USP


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