A busca da verdade para produção de provas no direito digital

Resumo: A prova serve principalmente como meio de demonstração de certeza e verdade que se busca com o processo. Não há como se extrair do conjunto probatório a verdade propriamente dita, vez que sempre haverá, no mínimo, duas versões dela, já que cada parte tentará comprovar os fatos alegados de acordo com a sua visão do que aconteceu, não representando, portanto, a realidade tal qual como de fato ocorreu. Com os meios digitais há ainda agravantes, pois se lida apenas com informações intangíveis, facilmente adulteráveis e, pior, normalmente todos os envolvidos em realizar o conjunto probatório e depois em analisá-lo não possuem conhecimento técnico suficiente para perceber se isso ocorreu. Necessário se faz então que haja mais cuidado, principalmente por parte do magistrado, para a resolução da lide, exarando assim uma sentença de forma que a paz social seja alcançada.

Palavras-chave: busca da verdade; conjunto probatório; sistemas digitais; provas eletrônicas

Abstract: The evidence serves mainly as a means of demonstrating certainty and truth that is being sought through the process. There is no way to extract all the evidence the truth itself, since there will always be at least two versions of it, as each part tries to prove the alleged facts according to their view of what happened and do not represent therefore the reality as it as it did. With digital media there is still aggravating, because it deals only with intangible information, easily alterable ​​and worse, usually everyone involved in making the whole evidence and then analyze it does not have enough technical knowledge to understand if this happened. Is necessary then more care, especially by the magistrate, for the resolution of the dispute, so to write down a sentence so that social peace is achieved.

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Keywords: search for truth; evidential ensemble; digital systems; eletronic evidence

INTRODUÇÃO

A prova está presente no dia a dia de todos os operadores do Direito. Não importa que tipo de ação ou o que se pretende da Justiça, sempre há que se provar algo. No entanto, o tema sobre prova não é muito bem explorado pela doutrina, com exceção de pouquíssimos, mas excelentes, doutrinadores que se debruçam sobre o assunto de modo a pesquisar com a profundidade necessária o assunto em tela, fornecendo assim os mecanismos necessários para que se possa cumprir o dever da prestação da tutela jurisdicional.

A prova tem como principal objetivo demonstrar de algum modo e certeza a veracidade de um fato ou mesmo de uma simples afirmação. A prova evoca a racionalização da descoberta da verdade. A discussão jurídica sobre determinado assunto normalmente se resume à elucidação de fatos, assim, as partes devem comprovar que um fato pode ser usado como prova. A finalidade da prova é o meio pelo qual as partes tentam convencer o juiz sobre a verdade dos fatos, assim, o juiz terá à sua disposição os elementos para formar sua convicção a respeito dos fatos que constituem a lide. O juiz no processo busca a reconstrução dos fatos, que foram narrados, dentro de uma linha do tempo, sendo que faz isso por meio da aplicação das normas abstratas existentes em nosso ordenamento jurídico, após realizada tal concreção, vê-se qual a consequência que é aplicável ao conflito, passando a discipliná-la na forma como estabelecido por nossos legisladores.

Pode-se afirmar assim que a prova tem como função demonstrar a realidade dos fatos, principalmente os litigiosos e controvertidos, e não o direito no qual se está buscando a efetivação da Justiça. É a única conclusão a que se chega, haja vista que o direito só pode ser aplicado caso se tenha conhecimento prévio dos fatos, e para que se tenha a perfeita subsunção da norma, é essencial que se tenha a incidência correta de todos os direitos almejados aos fatos ocorridos.

Nessa toada, infere-se que o processo civil tem como escopo principal a investigação da verdade substancial, para depois se chegar a uma verdade formal. Temos importante lição de Marinoni e Arenhart nesse sentido:

“Essa visão, típica de uma filosofia vinculada ao paradigma do ser, embora tenha todos os seus pressupostos já superados pela filosofia moderna, ainda continua a guiar os estudos da maioria dos processualistas modernos. Esses ainda se preocupam em saber se o fato reconstruído no processo é o mesmo ocorrido no mundo físico, ou seja, se a ideia do fato que se obtém no processo guarda consonância com o fato ocorrido no passado”[1].

Como vemos, de uma análise mais profunda sobre o tema, diversas ponderações começam a surgir, com questionamentos dos mais renomados pesquisadores. Dentro do Direito Digital não haveria de ser diferente, com agravantes, vez que geralmente as provas produzidas estão em meios eletrônicos, portanto intangíveis e, pior, sujeitas a todo tipo de modificação que esse meio possibilita, prejudicando ainda mais a busca pela verdade, seja ela qual for.

A descoberta da verdade, essencial em qualquer processo, fica cada vez mais prejudicada com o fenômeno crescente da digitalização do mundo no qual vivemos, com equipamentos eletrônicos que, à primeira vista, parecem ajudar, pois hoje em dia praticamente todos permitem a gravação de áudio e vídeo, sendo que também realizam a gravação de quaisquer dados que trafegam por seus circuitos. No entanto, dia após dia fica cada vez mais evidente que a verdade é algo difícil a ser conseguida e, mais, restando ainda àqueles que querem a resolução da lide sempre uma real desconfiança, ainda que não pronunciada, sobre os fatos, se realmente aconteceram ou não, e se aconteceram, com quais maneiras ocorreram.

Ademais, há que se lembrar que a prova é prevista na Constituição Pátria, sendo que é inegável que pertence ao rol de direitos fundamentais, como previsto no artigo 5º, LV, “ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” e também o inciso LVI, que proíbe apenas a utilização de provas ilícitas.

Robert Alexy faz uma defesa veemente dos direitos fundamentais e princípios aos quais todas as pessoas são contempladas, principalmente em virtude dos mandamentos constitucionais. Vejamos:

“Um princípio é relevante para uma decisão de direito fundamental quando ele pode ser utilizado corretamente a favor ou contra uma decisão nesse âmbito. É claro que é possível discutir quais princípios são válidos nesse sentido. Mas, por razões óbvias, essa discussão sobre a validade é menos frequente que a discussão sobre os pesos abstratos e concretos dos princípios. (…) Entre os princípios relevantes para decisões de direitos fundamentais não se encontram somente princípios que se refiram a direitos individuais, isto é, que conferem direitos fundamentais prima facie, mas também aqueles que têm como objeto interesses coletivos e que podem ser utilizados sobretudo como razões contrárias a direitos fundamentais prima facie, embora possam ser também utilizados como razões favoráveis a eles”[2].

A prova, prevista em nossa carta magna, é, portanto, um direito fundamental a que qualquer pessoa tem dentro de um processo. No entanto, mesmo que direito fundamental, tem que se prestar à sua finalidade, qual seja, a busca da verdade.

É imprescindível assim que se faça uma reflexão sobre a verdade e seus desdobramentos, verossimilhança e suas consequências, pensando também em como aplicar o que já existe em nosso ordenamento jurídico e como estabelecer novas regras para que, mesmo na busca de provas de fatos ocorridos em meios eletrônicos, seja possível se chegar a uma verdade que auxilie a resolução do conflito entre as partes, sem que reste, ou ao menos que se diminua substancialmente, qualquer tipo de desconfiança sobre os fatos ocorridos.

Desta feita, podem-se fazer as perguntas: será que é possível chegar uma verdade utilizando provas digitais? O presente artigo pretende responder tal questão fazendo uma crítica moderada aos modelos existentes com apoio de pesquisa doutrinária, bem como comparando decisões emitidas pelos tribunais, de forma que por meio do método indutivo-dedutivo seja possível observar que a verdade processual em casos concretos que envolvem tecnologia, mais precisamente a Internet e arquivos digitais, necessita de maior aprofundamento das questões relativas à identificação do usuário e aceitação/verificação de autenticidade e integridade das provas digitais.

A PROVA E A VERDADE – RELAÇÕES EXISTENTES ENTRE SI

O processo tem como objetivo principal fazer com que a verdade surja, possibilitando ao magistrado que exare a sentença de forma que possa aplicar a norma de forma apropriada ao caso concreto. Essa verdade só pode surgir com a comprovação dos fatos, ou seja, por meio das provas apresentadas no decorrer do processo. Marinoni e Arenhart ensinam: “O chamado ‘juízo de subsunção’ representa essa ideia: tomar o fato ocorrido no mundo físico e a ele dar a regra abstrata e hipotética prevista no ordenamento jurídico”[3].

Para melhor compreensão do assunto abordado, cabe lembrar que o processo é um chamado ao Estado para que venha a decidir sobre o conflito de interesses existente entre as partes, daí surge a função do processo que é destinada a encontrar a verdade, descobrir os fatos para que se possa efetivamente dar uma decisão de forma que mais se aproxime com o que é esperado da Justiça.

A convicção do juiz deve se dar em virtude de tudo com o qual o mesmo tomou contato dentro do processo, ou seja, as provas são parte essencial, para não dizer a principal, para a resolução apropriada da lide, assim, é natural que as provas tenham como objetivo o aparecimento da verdade.

Marinoni e Arenhart continuam a ensinar:

“A verdade, pois, sempre foi fator de legitimação para o direito processual. Ora, sob a suposição de que as decisões judiciais nada mais são do que a aplicação objetiva do direito positivo – em tese, derivado da vontade popular, já que emanado de representantes do povo – a fatos pretéritos rigorosamente reconstruídos, conclui-se que a atividade jurisdicional atende aos anseios populares, já que não haveria, sob essa perspectiva, nenhuma influência da vontade do juiz ou de outra força externa qualquer. Perante essas premissas, o juiz chega mesmo a ser concebido como algo anímico (quase uma máquina), cuja função é, tão somente, concretizar o direito abstrato para a situação específica. O raciocínio, de nítidos ares iluministas e liberais, e cristalizado na célebre ideia de Montesquieu de que o juiz não é mais que a bouche de la loi (a boca da lei), tinha definida função no período da Revoluções do século XVIII: visava a proteção do interesse da coletividade contra os abusos da aristocracia (que dominava o Judiciário e o Executivo da época). A ideia era a de que, ficando o juiz cingido a verificar os fatos ocorridos e aplicando a eles um direito preestabelecido (fruto da elaboração pelo Legislativo), a atuação jurisdicional jamais poderia ser dita ilegítima, na medida em que o juiz não seria mais do que um executor das diretrizes do Legislativo”[4].

Pode-se dizer que o objetivo principal do processo é a justa solução da lide. O direito só pode ser concretizado como a efetivação da justiça se servir como revelador da verdade, de modo que seja feita a justa composição da lide, assim, os fatos nos quais se fundam o processo devem trazer à tona os requisitos necessários para que o magistrado se convença da solução apropriada aplicando as normas que se amoldam perfeitamente à situação enfrentada.

Há que se observar também que a verdade buscada no processo por meio das provas não tem natureza absoluta, conforme explica Michele Taruffo:

“De hecho, la idea de una verdad absoluta puede ser una hipótesis abstracta en un contexto filosófico amplio, pero no se puede sostener racionalmente que una verdad absoluta pueda o deba ser establecida en ningún dominio del conocimiento humano, y ni qué decir tiene del contexto judicial. Ni siquiera las ciencias duras, como la física y las matemáticas, pretenden ya ser capaces de alcanzar verdades absolutas; de hecho, la idea deuna verdad absoluta parece pertenecer sólo a los terrenos de la religión y la metafísica. En realidad, en todo contexto de conocimiento científico y empírico, incluido el de los procesos judiciales, la verdad es relativa”[5].

As partes sempre têm diferentes percepções da verdade, e o juiz o fará ainda de modo distinto, já que ele absorve a verdade por meio dos elementos que estão presentes nos autos. O juiz, então, por meio da função primordial do processo, que é o conhecimento, fará surgir a verdade substancial, por meio dos sentidos e da inteligência, conformando com sua noção ideológica e com a realidade.

O magistrado, com a argumentação de que não houve comprovação satisfatória dos fatos alegados, pode se abster de julgar o mérito da causa, julgando a demanda improcedente por insuficiência de provas, assim não haverá coisa julgada material sobre a declaração contida na sentença, ou seja, a parte se obtiver novas provas, pode propor novamente a ação, vez que não houve análise de mérito na ação proposta, o que demonstra que a busca da verdade substancial é uma presença marcante no direito processual.

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Na busca da verdade substancial o juiz pode até mesmo solicitar de ofício a produção de provas, por exemplo, uma perícia, de modo que possa firmar seu convencimento sobre a causa antes de exarar sua decisão. No entanto, tais poderes devem ser usados com muito cuidado, pois como é sabido, o judiciário é inerte, devendo as partes produzir as provas que acharem necessárias, justamente para que o juiz não se torne também um interessado na lide, o que poderia fazê-lo pender para um ou outro lado. Há que se respeitar a paridade de armas, não devendo o magistrado tomar lado no processo, ou seja, acusando, produzindo prova, julgando, condenando e executando. A verdade sem dúvida deve ser buscada para o bom andamento processual e adequada solução da lide, mas não a todo e qualquer custo, sob pena de não se realizar a justiça tão almejada por toda a sociedade.

A verdade substancial seria a verdade mais perfeita a ser utilizada no processo, principalmente no direito penal. Para o processo civil, a priori, pode o juiz se contentar com uma verdade imperfeita, o que significa em outras palavras, pode não ser condizente com a verdade. Nesse sentido, nos ensina Nelson Finotti:

“Assim, justificada estaria senão um menor grau de segurança no processo civil, mas uma certeza pela maior celeridade, ou seja, adota-se a verdade formal como consequência de um procedimento permeado por inúmeras formalidades para a colheita das provas, por inúmeras presunções legais definidas aprioristicamente pelo legislador, tais como, preclusão, coisa julgada, revelia, confissão. Em outras palavras, enquanto no processo penal só a verdade real interessa, no processo civil serve a verdade aparente”[6].

Ocorre que terminada a fase instrutória do processo, terá o juiz uma narrativa em suas mãos cujo objetivo é a reconstrução da história atrelada aos fatos alegados pelas partes, se completa, o resultado deve ser considerado como a verdade, no entanto, não raras vezes é sabido que não foi possível obter a “verdade” propriamente dita na ação em questão, daí a noção da verdade “formal”, que está mais para uma “ficção” do que para a verdade real.

Marinoni e Arenhart, com efeito, dissertam:

“Parte-se da premissa de que o processo civil, por lidar com bens menos relevantes que o processo penal, pode se contentar com menor grau de segurança, satisfazendo-se com um grau de certeza menor. Seguindo essa tendência, a doutrina do processo civil – ainda hoje muito em voga – passou a dar mais relevo à observância de certos requisitos legais da pesquisa probatória (por meio da qual a comprovação do fato era obtida) do que ao conteúdo do material de prova. Passou a interessar mais a forma que representava a verdade do fato do que se esse produto final efetivamente representava a verdade. Mas ainda assim se reconhecia a possibilidade de obtenção de algo que representasse a verdade – apenas se ressaltava que o processo civil não estava disposto a pagar o alto custo dessa obtenção, bastando, portanto, algo que fosse considerado juridicamente verdadeiro. Era uma questão de relação custo-benefício: entre a necessidade de decidir rapidamente e decidir com segurança, a doutrina do processo civil optou pela preponderância da primeira”[7].

No entanto, nos dias atuais, já é possível afirmar que não mais existe distinção entre verdade substancial e a verdade formal, vez que a doutrina afirma categoricamente que o processo penal não possui nenhuma característica própria que forneça ao processo mecanismos para a reconstituição dos fatos diferentemente do que faz o processo civil.

A alegação de que o processo penal é mais “gravoso” na medida em que lida com a questão da liberdade da pessoa faz com que os menos atentos não percebam que também o processo civil trata igualmente de questões primordiais, como direito de família, capacidade jurídica e outros, ademais, também lida diretamente com o poder financeiro do indivíduo, que não raro é considerado por muitos maior motivo de preocupação do que a própria liberdade.

Diante de tais constatações hoje em dia já não faz mais tanto sentido haver tais “verdades” processuais. Até mesmo porque, se assim fosse, seria o mesmo que dizer que o juiz que está a julgar a lide civil se dá por satisfeito com uma meia verdade, enquanto que aquele que julga um crime precisaria da verdade inteira para se sentir apto a exarar sua decisão.

Marinoni e Arenhart suportam essa vertente, inclusive citando outros ilustres doutrinadores para confirmar tal teoria:

“Além disso, não se pode esquecer que a ideia de verdade formal foi duramente criticada pela pena severa de Chiovenda. Segundo ele, ‘juridicamente a vontade da lei é aquilo que o juiz afirma ser a vontade da lei. Nem esta afirmação do juiz pode chamar-se uma verdade formal: frase que supõe um confronto entre o que o juiz afirma e o que poderia afirmar; o direito não admite esta confrontação, e nós, ao buscarmos a essência de uma instituição jurídica, devemos colocar-nos no ponto de vista do direito’. Também Canelutti ofereceu semelhante crítica à figura, qualificando-a como verdadeira metáfora. Realmente, falar-se em verdade formal (especialmente em oposição à verdade substancial) implica reconhecer que a decisão judicial não é calcada na verdade, mas em uma não-verdade. Supõe-se que exista uma verdade mais perfeita (a verdade substancial), mas que, para a decisão no processo civil, deve o juiz contentar-se com aquela imperfeita, e, portanto, não condizente com a verdade”[8].

A verdade, assim compreendida pelo homem médio, é algo inatingível dentro de um processo, infelizmente. Primeiro, porque as partes que ali estão se enfrentando produzirão as provas conforme sua conveniência, o que levará o magistrado a ter de fazer um juízo de valor e então concluir de acordo com sua consciência o que de fato ocorreu, no que se pode dizer que se tem assim mais uma “verdade” a constar do processo: a do próprio magistrado. Em segundo lugar, mesmo que aqueles que estejam produzindo provas tenham a mais absoluta honestidade, não deixando um único fato para trás dos acontecimentos, nem mesmo manipulando o que deve ou não ir ao conhecimento do julgador, é improvável que todos se lembrem com perfeição de todos os detalhes do evento fático que está a causar a lide, vez que isso é inerente ao ser humano. Em depoimentos pessoais, por exemplo, mesmo que os envolvidos queiram contar tudo o que aconteceu com riqueza de detalhes, ainda estarão à mercê do entendimento do juiz sobre o que deve ou não ser perguntado, o que certamente pode ter como consequência que pequenos, mas determinantes, fatos sejam esquecidos ou então nem mesmo possam ser trazidos à luz do processo para que se tenha a efetiva “verdade” almejada.

Cândido Rangel Dinamarco traz importante ensinamento sobre a matéria:

“A verdade e a certeza são dois conceitos absolutos e, por isso, jamais se tem a segurança de atingir a primeira e jamais se consegue a segunda, em qualquer processo (a segurança jurídica, como resultado do processo, não se confunde com a suposta certeza, ou segurança, com base na qual o juiz proferiria os seus julgamentos). O máximo que se pode obter é um grau muito elevado de probabilidade, seja quanto ao conteúdo das normas, seja quanto aos fatos, seja quanto à subsunção destes nas categorias adequadas. No processo de conhecimento, ao julgar, o juiz há de contentar-se com a probabilidade, renunciando à certeza, porque o contrário inviabilizaria os julgamentos. A obsessão pela certeza constitui fator de injustiça, sendo tão injusto julgar contra o autor por falta dela, quanto julgar contra o réu (a não ser em casos onde haja sensíveis distinções entre os valores defendidos pelas partes); e isso conduz a minimizar o ônus da prova, sem contudo alterar os critérios para a sua distribuição”[9].

Como se pode perceber, sempre há um grau de subjetividade, mesmo que mínima, na produção probatória, inclusive na valoração que o juiz terá obrigatoriamente que fazer das provas apresentadas, assim é impossível saber se é verdade absoluta os fatos apresentados e, como dito pelo ilustre professor Dinamarco, jamais se poderá ter certeza sobre isso e que se deve esperar “um grau muito elevado de probabilidade”.

Assim, a verdade que é apresentada no processo por meio das provas, não será a absoluta ou real, mas sim uma grande probabilidade como aconteceram os fatos que ensejaram a lide que se está a julgar. Pode-se dizer, portanto, que se busca no processo é um juízo de verossimilhança, até porque, a busca da verdade “real” poderia demorar tempo demais, sendo que mesmo assim, ao final do processo, tudo o que se teria seria apenas algo que se aproximaria muito dessa verdade “real”.

O âmago da verdade, portanto, é algo que não pode ser alcançado. O ilustríssimo jus-filósofo Miguel Reale, ao se debruçar sobre o tema chegou à conclusão de que há uma quase-verdade, pois a verdade propriamente dita seria imprestável e inatingível. Vejamos:

“(…) se a verdade, numa síntese talvez insuficiente, não é senão a expressão rigorosa do real, ou, por outras palavras, algo de logicamente redutível a uma correlação precisa entre ‘pensamento e realidade’, tomando este segundo termo em seu mais amplo significado, e não apenas como ‘realidade fatual’, forçoso é reconhecer que a adequação entre o mundo dos conceitos e o da realidade, mesmo nos domínios das ciências consideradas exatas, deixa-nos claros ou vazios que o homem não pode deixar de pensar. No fundo é esta a distinção kantiana essencial entre ‘conhecer segundo conceitos’ e ‘pensar segundo ideias’, isto é, acrescento eu com certa elasticidade, ‘pesar segundo conjecturas’. De mais a mais, discutem até hoje os filósofos e cientistas no que tange a definição de verdade, e os conceitos que se digladiam não são mais do que conjecturas, o que demonstra que a conjectura habita no âmago da verdade, por mais que nossa vaidade de homo sapiens pretenda sustentar o contrário. (…) E prossegue: não há nessa atitude, porém, nenhum laivo de ceticismo ou de relativismo, pois quem conjectura, quando a verdade não se lhe impõe precisamente ao espírito, quer lançar uma ponte sobre a dúvida que separa uma verdade da outra, para usarmos uma imagem feliz de Augusto Comte. É que o pensamento, tanto como a natureza, tem horror ao vácuo, ao não-explicado ou compreendido. Vaihinger, afirmando que toda verdade se reduz a uma ‘ficção’, a um como se (al sob) que o nosso espírito admite para compreender e dominar uma série de situações problemáticas, atendendo, assim, a exigências biológicas, e, mais amplamente, existenciais. A teoria da verdade reduzir-se-ia, desse modo, a uma teoria das ficções conscientes e úteis, em função dos esquemas ideais com que o homem encapsula o real e o ordena segundo os seus próprios fins vitais, constituindo, ao mesmo tempo, uma lógica naturalista e operacional”[10].

Fica mais fácil compreender então que é impossível se chegar à verdade, absoluta, substancial, sendo mais pertinente o uso da verossimilhança. Ao ser humano, para que tenha a compreensão da verdade absoluta, necessária e forçosamente terá de saber não só a condição do fato existente, mas também todos os demais fatos excludentes, para que a conclusão seja totalmente irrefutável sem a subjetividade efetiva de quem está efetuando a análise dos fatos.

Para facilitar a compreensão, é imprescindível o ensinamento de Francesco Carnelutti, citado na obra de Marinoni e Arenhart:

“Especificamente em relação ao tema da “verdade”, a falibilidade do paradigma do objeto põe-se a nu por completo. O conceito de verdade, por ser algo absoluto, somente pode ser atingido quando se tenha por certo que determinada coisa se passou de tal forma, excluindo-se, de pronto, qualquer outra possibilidade. E, como é óbvio, essa possibilidade extrapola os limites humanos. Isso foi bem salientado por Carnelutti, quando frisou que “exatamente porque a coisa é uma parte ela é e não é; pode ser comparada a uma medalha sobre cujo anverso está inscrito o seu ser e no verso o seu não ser. Mas para conhecer a verdade da coisa, ou, digamos, apenas da parte, é necessário conhecer tanto o verso quanto o anverso; uma rosa é uma rosa, ensinava Francesco, porque não é alguma outra flor; isto quer dizer que, para conhecer realmente a rosa, isto é, para atingir a verdade, impõe-se conhecer não apenas aquilo que ela é, mas também o que ela não é. Por isso a verdade de uma coisa não aparece até que nós possamos conhecer todas as outras coisas, e assim não podemos conseguir mais que um conhecimento parcial. (…) Em suma, a verdade está no todo, não na parte, e o todo é demais para nós. (…) Assim a minha estrada, começada com atribuir ao processo a busca da verdade, conduziu à substituição da verdade pela certeza”[11].

Não há outra conclusão a se chegar que as provas apresentadas em um processo não levam à verdade, mas somente fornecem elementos sobre a provável forma como os fatos devem ter ocorrido. Tome-se como exemplo a prova testemunhal, se duas ou mais pessoas derem o seu depoimento sobre o mesmo fato, teremos duas descrições de como aconteceu, pode-se dizer então que há duas verdades sobre o mesmo fato. Ora, se existirem ainda mais testemunhas sobre tal fato, ter-se-á ainda mais verdades sobre este, o que no fim das contas, levará a apenas uma certeza do que realmente aconteceu, ou seja, uma probabilidade muito grande de como os fatos ocorreram, mas jamais alguém poderá afirmar que aquilo representa a verdade absoluta.

Desta forma, chega-se a uma posição na qual ocorre uma controvérsia. As partes que estão a litigar dentro processo acreditam que ambas têm razão, assim, obviamente, também consideram que as versões fáticas narradas de cada lado é que expressam a verdade sobre os fatos que aconteceram, no entanto, é fácil observar que as narrativas são totalmente em caminhos contrários. Assim, não resta outra conclusão senão a que é impossível se obter a verdade sobre determinado fato que ocorreu na história de ambas, além do que, os fatos narrados podem ser parciais e tendenciosos.

Pode-se falar, então, da verossimilhança. A verossimilhança pode ser conceituada como algo que parece ser a verdade, de maneira intuitiva, uma realidade que carrega a aparência ou uma probabilidade da verdade, em outras palavras, é um nível muito alto de convencimento muito próximo da possibilidade. A verossimilhança, portanto, é algo que “segundo critérios adotados pelo homem médio, prestar-se-ia para adquirir a certeza quanto a certo fato”[12].

A verossimilhança depende da experiência, da vivência daqueles que a usam, possuindo boa dose de subjetividade, de acordo com cada indivíduo. “Assim, demonstra a circunstância de que, a cada dia, fatos que até então eram tido como inverídicos passam a assumir – em função da evolução das ciências – ares de possíveis ou mesmo verossimilhantes”[13].

Não se deve esperar que a Justiça estabeleça ou revele a verdade. Infelizmente o juiz não tem como conseguir esse ideal, apesar de buscá-lo efetivamente dentro do processo, o máximo que se obterá é algo muito próximo à verdade, que, inclusive, será baseada na convicção do juiz, em sua máxima de experiência, observando todas as nuances às quais esteve afeto, para então poder exarar sua decisão.

Marinoni e Arenhart concluem:

“Ainda assim, o conceito de verossimilhança, embora operacional, parece insuficiente para apoiar todas as cogitações a respeito do direito probatório. Como visto, a verossimilhança se apresenta como uma verdade aproximada, possível, factível; o grau dessa aproximação, todavia, ainda é indeterminado. E essa indeterminação também pode comprometer o conceito, pois permite confundi-lo com outras noções que, corriqueiramente, se utilizam no direito processual civil, a exemplo das ideias de probabilidade, de aparência e de possibilidade. De fato, excluído o conceito de verdade material (conceito absoluto), todos os demais conceitos que dele derivam são meramente aproximativos e relativos – já que importam uma relação entre o conceito absoluto (verdade substancial) e o outro que se pretende definir”[14].

Como abordado, é essencial que o magistrado esteja o mais próximo e atuante possível da verdade e, portanto, dos fatos que estão atrelados à lide no caso concreto. O juiz deve, portanto, ter uma atitude proativa, dando ênfase na busca de todos os elementos necessários para que o máximo da verdade apareça dentro do processo que, como instrumento público que é, a justa decisão é o objetivo principal a ser buscado dentro deste, portanto a busca da verdade tem como última finalidade a pacificação social.

Dentro de todo esse paradigma que se estabeleceu, tem-se a questão probante relativamente às questões tecnológicas, vez que as provas produzidas para resolver as lides que envolvem o Direito Digital normalmente ocorrem com informações intangíveis, que não raro estão além do conhecimento do magistrado e também das partes envolvidas, dificultando ainda mais a busca da verdade.

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A PROVA E O DIREITO DIGITAL

As questões envolvendo a tecnologia da informação, computadores, redes de informática, enfim, o “mundo virtual”, constitui um desafio constante para todos os operadores do Direito. A informação utilizada nos meios telemáticos é intangível, portanto não deixa de ser um obstáculo a mais para a realização de provas para a elucidação de um processo, seja cível ou penal.

O primeiro óbice que vem à mente de qualquer jurista é sobre a aceitação ou não de provas produzidas por meio de meios eletrônicos. A nossa legislação, em especial a Constituição Federal e o Código Civil, admitem o uso do conjunto probatório obtido junto às tecnologias, sejam elas quais forem, conforme já mencionado (CF/88, art. 5º, LV e LVI).

Já o artigo 225 do Código Civil em determinar que “reproduções mecânicas ou eletrônicas de fatos ou de coisas fazem prova plena destes, se a parte, contra quem forem exibidos, não lhes impugnar a exatidão”.

Conforme se vê pela legislação citada, não há nenhum tipo de impedimento para a aceitação de provas eletrônicas em um processo. Não só isso, em lides que envolvem o “mundo virtual”, principalmente a Internet, muito provavelmente só se produzirá provas também virtuais.

Patrícia Peck faz interessante comentário em sua obra:

“Não há nenhuma legislação brasileira que proíba ou vete a utilização de prova eletrônica. Ao contrário, o Código Civil e o Código de Processo Civil aceitam completamente o seu uso, desde que sejam atendidos alguns padrões técnicos de coleta e guarda, para evitar que esta tenha sua integridade questionada ou que tenha sido obtida por meio ilícito. Logo, o que realmente existe, novamente, é o preconceito quanto ao tipo de prova, pois todos nós temos medo (insegurança) daquilo que não conhecemos”[15].

À primeira vista pode transparecer que não há grandes problemas a serem enfrentados com a questão, no entanto, há sim muita controvérsia, principalmente com o fato de se ter que conciliar as particularidades existentes das ciências humanas, no caso, com o Direito, e as ciências exatas, nas quais se encaixa a tecnologia, o mundo virtual, enfim, tudo que é eletrônico. Isso porque para aqueles que convivem apenas com a tecnologia, tem-se a noção – errada, diga-se de passagem – que é tudo muito lógico, portanto seria tudo “preto no branco”. Porém tais pessoas começam a se desanimar quando percebem que não é bem assim. Para o Direito, provar um fato vai além da lógica pertinente àqueles que lidam com a tecnologia.

Para que a prova eletrônica tenha eficácia jurídica é essencial que tenha credibilidade, confiança e fiabilidade como reproduções de fatos, que terá que se firmar em dois pilares: genuinidade e segurança. Um documento só pode ser considerado genuíno quando não sofreu nenhum tipo de alteração e só poderá ser considerado seguro, quando for difícil de realizar alterações nele, aliado também à facilidade de se perceber quaisquer alterações que por ventura venha a sofrer e, por fim, à possibilidade de se reconstituir o original.

O imbróglio jurídico principal está firmado. As informações digitais têm em sua essência a característica de serem reproduzidas livremente e também de poderem ser alteradas à conveniência daquele que a está manuseando. Todo e qualquer arquivo digital possui diversas “camadas” que podem ser alteradas de acordo com o conhecimento do usuário que o está manipulando, sem contar ainda, que o sistema computacional geralmente altera algumas informações apenas com a visualização.

A busca da verdade, então, é um desafio ainda maior quando se trata de fatos que envolvem sistemas digitais. Por exemplo, é possível que qualquer pessoa altere uma foto digital, colocando ou retirando elementos para que fique ao seu gosto. Porém, existem técnicos com conhecimento suficiente que podem realizar alterações diretamente no arquivo, sem a necessidade de programas de edição de imagens. Por certo que o nível de exigência de conhecimento técnico é muito mais elevado neste caso, mas a possibilidade é real e existe. Nem por isso a foto digital não deve ser utilizada dentro do processo, mesmo com a exigência do CPC de que deve vir acompanhada de negativo, vez que atualmente são praticamente inexistentes equipamentos que utilizem o negativo, com o mercado comercializando quase que exclusivamente máquinas digitais. Destarte, não bastará apenas alegar a falta de negativo da fotografia, mas sim impugnar a prova produzida, como se vê nos julgados:

Sustenta o recorrente a inexistência de conjunto probatório apto a comprovar a ocorrência da irregularidade apontada, vez que as fotografias carreadas ao feito não se encontram acompanhadas dos negativos correspondentes.

Contudo, a mera ausência dos negativos, sem que tenha sido efetivamente impugnada a autenticidade das fotografias, não se configura apta a afastar a sua admissão como meio de prova, vez que referida formalidade há muito restou superada pelos Tribunais pátrios ante o advento da tecnologia digital.

Desta forma, inexistindo nos autos elementos que abalem a idoneidade das fotos apresentadas, que demonstram de forma insofismável o desvio de energia realizado pelo Requerente, não tendo este efetivamente indicado a existência de adulteração nas fotografias carreadas, cingindo-se a refutá-las de formas genérica e não fundamentada, não comporta acolhida sua deduzida ineficácia.” (APELAÇÃO CÍVEL N° 689.897-5, DA COMARCA DE MARINGÁ – 4ª VARA CÍVEL.)

“AGRAVO DE INSTRUMENTO (…) FOTOGRAFIA DESACOMPANHADA DE NEGATIVO. PROVA VÁLIDA E EFICAZ. INEXISTÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO FUNDAMENTADA. (…) Por outro lado, não há que se falar em necessidade de retirada das fotografias juntadas sem os respectivos negativos, as quais se prestam perfeitamente à produção da prova, mormente quando não há impugnação fundamentada para a prática de tal ato judicial.” (Agravo N° 1.0111.06.009141-5/003. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Comarca de Campina Verde. Relatora: Desembargadora Cláudia Maia, julgado em 25/10/2007).

“CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM. TEORIA DA ASSERÇÃO. APLICAÇÃO. INÉPCIA DA INICIAL. INEXISTÊNICA. PROVA ILÍCITA. INOCORRÊNCIA. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. CONDUTA OMISSIVA. CULPA. NEGLIGÊNCIA. COMPROVAÇÃO. RECURSO DESPROVIDO. 4. Não configura prova ilícita a juntada de fotografias sem os correspondentes negativos, especialmente nos dias atuais, quando a grande maioria das máquinas fotográficas é digital, tornando-se inviável, portanto, a exigência prevista no artigo 385,§1º, do CPC. 5. O Município deve responder pela indenização dos danos materiais experimentados pelo autor, quando comprovados os danos, a negligência da Administração Pública Municipal no que tange à sinalização de rodovia municipal e o nexo de causalidade entre ambos. 6. Preliminares rejeitadas. Recurso desprovido.” (TJES; AC 11080169748; Quarta Câmara Cível; Rel. Des. Samuel Meira Brasil Junior; Julg. 27/02/2012; DJES 15/03/2012; Pág. 106)

O magistrado, e as partes também, obviamente, enfrentam assim um desafio a mais ao tentarem provar um fato que dependa de arquivos eletrônicos, pois a “prova” propriamente dita não bastará para a comprovação do fato alegado, quem a produziu, provavelmente, também deverá provar que não houve qualquer tipo de alteração ou adulteração, ou seja, há no mínimo dois fatos a serem comprovados, o que dificulta ainda mais a obtenção da verdade dos fatos.

Assim, além da prova eletrônica trazida aos autos, testemunhas podem e devem corroborar os fatos, auxiliando a busca da verdade, nesse sentido temos o julgado:

(…) "Este controle eletrônico, mais do que os cartões picados, permite adulterações. O cartão que foi picado, picado fica, mas o controle eletrônico adulterado pode ser por qualquer um que possua a necessária senha de acesso ao programa. (…) Havendo prova de horas extras, como de fato há de acordo com a exordial, a fraude no controle se pressupõe, sendo absurdo imaginar que é necessário provar a fraude nos controles para se chegar à conclusão das horas extras e, pelo que dos autos consta como prova produzida oralmente emerge a veracidade da causa de pedir na íntegra (..)" (TRT15, Rel. Luiz Felipe Bruno Lobo, RO 00867-2007-024-15-00-8, J. em 08/05/2009).

Também é comum atualmente em processos relacionados ao uso da tecnologia envolvendo crimes de calúnia, difamação ou injúria e também os de indenização por danos morais serem baseados na identificação do usuário por meio do endereço IP. O endereço IP, numa conceituação extremamente simplista, é um identificador que todo e qualquer dispositivo eletrônico que acessa a Internet possui. É impossível acessar a grande rede sem possuir um endereço IP.

A crença da maioria dos operadores do Direito é que tal identificador é confiável o suficiente para que haja a responsabilização de determinado indivíduo. No entanto, existem inúmeras tecnologias existentes que contrariam tal suposição, inclusive, que são usadas a todo o momento pelas empresas que possibilitam a conexão com a Internet, sem o conhecimento do usuário.

Aparentemente, a verdade pode parecer algo fácil de conseguir, vez que, por se tratar de sistemas eletrônicos, pode-se argumentar que aquilo que está registrado é o que aconteceu, portanto é prova irrefutável do fato ocorrido, representando a verdade, não cabendo nenhum tipo de interpretação que possa levar a outra conclusão. Recorrendo novamente ao endereçamento IP como exemplo, é facilmente passível de comprovação por meio de pesquisas empíricas que ao menos cinquenta por cento dos endereços atribuídos a determinado usuário na realidade não o estão identificando corretamente. Destarte, se pode até mesmo alegar que tal “prova” seria inaceitável. No entanto, isso também seria extremamente prejudicial ao processo como um todo.

A realidade apresentada hoje em nosso país é que o endereço IP pode ser totalmente negligenciado pelas empresas responsáveis pelo acesso à Internet, por tal motivo, tivemos a seguinte decisão em um caso concreto:

“Ação civil pública ajuizada pelo Estado do Rio de Janeiro em face de Google Brasil Internet Limitada. Defiro os efeitos da antecipação de tutela para que o réu: a) mantenha IP de criação de qualquer comunidade ou perfil e conserve registros periódicos de “log” das comunidades; b) crie e mantenha sistemas aptos a identificar existência de perfis, comunidades ou páginas dedicados à pedofilia, interrompendo imediatamente seu funcionamento, comunicando tal fato imediatamente ao Estado e preservando, por um ano, os “logs” realizados até então; c) crie e mantenha sistemas aptos a identificar (em especial por meio de ferramenta que busque palavras constantes de lista a ser fornecida e atualizada pelo Estado) existência de perfis, comunidades ou páginas dedicadas à apologia ao crime, inclusive de marcação de brigas/rixas entre torcidas de agremiações esportivas rivais, comunicando a existência ou suspeita de existência imediatamente ao Estado, viabilizando ao Estado o acesso pleno ao respectivo conteúdo, preservando, por um ano, os “logs” realizados e interrompendo seu funcionamento ou limitando seu acesso, caso assim seja determinado pelo Estado; d) crie e mantenha sistemas e canais que permitam a qualquer usuário devidamente identificado, que tenha sido diretamente ofendido por conteúdo veiculado em perfis, páginas ou comunidades, requerer a supressão de tal conteúdo; e) promova campanha midiática a ser realizada na própria página do Orkut com o objetivo de alertar pais e responsáveis acerca dos riscos de utilização da rede mundial de computadores, e, em especial, do Orkut, fixando em 120 dias o prazo para a implementação de tais medidas, sob pena da incidência de multa diária no valor de R$50.000,00. Juíza Simone Lopes da Costa, da 10ª Vara da Fazenda Pública do Rio de Janeiro, processo número 0228160-97.2010.8.19.0001.”

Conforme se vê, a juíza em questão não acredita que apenas o endereço IP seja meio suficiente para a correta identificação do usuário, motivo pelo qual ordenou medidas adicionais para a empresa, qual seja, o Orkut.

No entanto, vem entendendo o STJ em sentido contrário, conforme se observa:

“DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. INTERNET. RELAÇÃO DE CONSUMO. INCIDÊNCIA DO CDC. GRATUIDADE DO SERVIÇO. INDIFERENÇA. PROVEDOR DE CONTEÚDO. FISCALIZAÇÃO PRÉVIA DO TEOR DAS INFORMAÇÕES POSTADAS NO SITE PELOS USUÁRIOS. DESNECESSIDADE. MENSAGEM DE CONTEÚDO OFENSIVO. DANO MORAL. RISCO INERENTE AO NEGÓCIO. INEXISTÊNCIA. CIÊNCIA DA EXISTÊNCIA DE CONTEÚDO ILÍCITO. RETIRADA IMEDIATA DO AR. DEVER. DISPONIBILIZAÇÃO DE MEIOS PARA IDENTIFICAÇÃO DE CADA USUÁRIO. DEVER. REGISTRO DO NÚMERO DE IP. SUFICIÊNCIA. 1. A exploração comercial da internet sujeita as relações de consumo daí advindas à Lei nº 8.078/90. 2. O fato de o serviço prestado pelo provedor de serviço de internet ser gratuito não desvirtua a relação de consumo, pois o termo "mediante remuneração" contido no art. 3º, § 2º, do CDC deve ser interpretado de forma ampla, de modo a incluir o ganho indireto do fornecedor. 3. A fiscalização prévia, pelo provedor de conteúdo, do teor das informações postadas na web por cada usuário não é atividade intrínseca ao serviço prestado, de modo que não se pode reputar defeituoso, nos termos do art. 14 do CDC, o site que não examina e filtra os dados e imagens nele inseridos. 4. O dano moral decorrente de mensagens com conteúdo ofensivo inseridas no site pelo usuário não constitui risco inerente à atividade dos provedores de conteúdo, de modo que não se lhes aplica a responsabilidade objetiva prevista no art. 927, parágrafo único, do CC/02. 5. Ao ser comunicado de que determinado texto ou imagem possui conteúdo ilícito, deve o provedor agir de forma enérgica, retirando o material do ar imediatamente, sob pena de responder solidariamente com o autor direto do dano, em virtude da omissão praticada. 6. Ao oferecer um serviço por meio do qual se possibilita que os usuários externem livremente sua opinião, deve o provedor de conteúdo ter o cuidado de propiciar meios para que se possa identificar cada um desses usuários, coibindo o anonimato e atribuindo a cada manifestação uma autoria certa e determinada. Sob a ótica da diligência média que se espera do provedor, deve este adotar as providências que, conforme as circunstâncias específicas de cada caso, estiverem ao seu alcance para a individualização dos usuários do site, sob pena de responsabilização subjetiva por culpa in omittendo. 7. Ainda que não exija os dados pessoais dos seus usuários, o provedor de conteúdo, que registra o número de protocolo na internet (IP) dos computadores utilizados para o cadastramento de cada conta, mantém um meio razoavelmente eficiente de rastreamento dos seus usuários, medida de segurança que corresponde à diligência média esperada dessa modalidade de provedor de serviço de internet. 8. Recurso especial a que se nega provimento.” (REsp 1193764/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 14/12/2010, DJe 08/08/2011)

Conforme se observa, para o STJ o endereço IP já é prova suficiente para a correta identificação do usuário, no entanto, como não há nenhum tipo de regramento para que as empresas nacionais armazenem e identifiquem tal endereço de forma padronizada, não há como inferir que o mesmo representa a verdade dos fatos, mesmo que minimamente, o que sem dúvida fará que sejam necessários vários outros elementos para corroborar uma acusação para a correta identificação do agente.

Destarte, mesmo com a apreciação das informações geradas pelos dispositivos eletrônicos, não pode o juiz ou as partes esperar que surgisse dali a verdade sobre os fatos ocorridos, o razoável, conforme já argumentado, é que haja um juízo de probabilidade, ou seja, que as provas obtidas pelos meios eletrônicos aparentemente demonstrem com intenso grau de certeza a realidade dos fatos que se quer provar.

Atualmente há inúmeros julgados nos quais se percebem que a decisão foi exarada sem a devida precaução com a ponderação das provas apresentadas, tomando como verdade que os sistemas eletrônicos não “mentem”, como visto inclusive no julgado do STJ acima citado. A gravidade se acentua na medida em que grandes empresas acabam “escapando” de condenações apresentando dados dentro do processo que não são questionados pela parte contrária ou mesmo pelo juiz, e fica assim tomado como verdade.

A tecnologia é atualizada a ritmo estonteante, não permitindo que o homem médio acompanhe a sua evolução, impossibilitando que se possa chegar a uma conclusão minimamente razoável sobre a probabilidade da prova produzida ser ao menos aparentemente a expressão dos fatos discutidos.

A pressão que os magistrados sofrem para julgar cada vez mais rápido e a quantidade descomunal de processos que estão sob seus cuidados são, sem dúvida, mais entraves para a correta solução processual, o que em muitos casos inviabiliza a correta produção probatória, sacrificando a elucidação dos fatos, o que representa deixar a verdade de lado, contentando-se com a mera suposição do que realmente aconteceu.

A razão, portanto, acaba ficando relegada, uma mera utopia que é buscada apenas no íntimo do sujeito cognoscente. O processo, então, acaba sendo resolvido baseado no relacionamento humano, que carrega consigo outros elementos, não apenas o conhecimento científico necessário para a solução almejada, assim as características inerentes aos sistemas tecnológicos acabam sendo ignoradas, permitindo que as provas induzam tanto o julgador quanto as partes a uma conclusão errônea sobre a realidade dos fatos, novamente, diminuindo assim a verdade buscada.

CONCLUSÃO

É facilmente perceptível que a verdade substancial não será jamais alcançada dentro do processo, já que não há como se ter a verdade inerente que possa ser atribuída a um fato. A verdade, então, deve ser construída por meio da argumentação.

A verdade não pode ser encarada como um conceito eterno, imutável. A verdade é algo provisório, que prevalecerá apenas enquanto existir o consenso sobre o que está a se falar. Desta feita, as provas devem ser constantemente justificadas e também legitimadas, para que seja possível, a qualquer momento, verificar a manutenção do consenso a respeito dos fatos.

Destarte, as provas produzidas por meios eletrônicos e digitais, são também incapazes de retratar com a verdade os fatos tais quais como ocorreram, apesar de se tratar de algo inerente às ciências exatas e conceitos matemáticos, que, em tese, não estariam sujeitos às questões de subjetividade que comumente surgem com as disciplinas das ciências humanas. No entanto, em virtude de sua intangibilidade e de ser facilmente manipuláveis, é exatamente isso que se verifica, a prova eletrônica fica assim com uma carga extrema de subjetividade, necessitando ser convalidada a todo momento, posto que não há como garantir a sua certeza seja em qual ponto do tempo se houver questionamento de sua autenticidade.

Os critérios técnicos para a correta avaliação de provas eletrônicas aumentam a cada dia, dificultando a perfeita compreensão da realidade que se apresenta nos autos do processo, não raro indicando um caminho para o magistrado que está a julgar a lide que não condiz com os fatos ocorridos, o que em última análise, pode prejudicar uma das partes, haja vista que a tendência geralmente é a de se isentar o acusado caso não se tenha provas conclusivas sobre a acusação.

A resolução processual, então, parece se contentar com a “verdade possível”, uma verdade suficiente para se chegue à sentença, mas que não é suficiente para que haja a satisfação dos envolvidos, não havendo, portanto, a devida preocupação com a construção da verdade que seria necessária para o perfeito – ou ao menos, algo próximo – entendimento dos fatos ocorridos.

As provas eletrônicas passam por esse dilema. À primeira vista tudo o que se apresenta nos meios digitais servem como prova dos fatos, no entanto, quanto mais se faz a investigação e se aprofunda dentro dos sistemas que dão suporte aos dados digitais, se percebe que não é possível de pronto aceitar que determinadas condições ou preceitos sejam aceitos como verdadeiros, caso contrário, corre-se o risco de que a prova produzida seja fundamental para a conclusão errônea do processo.

Os meios digitais necessitam de uma atenção maior quando da sua utilização como meio probatório. Ademais, a verdade aparente pode, de fato, esconder o que realmente aconteceu, portanto, paradigmas antes considerados essenciais para o prosseguimento do andamento processual devem ser desfeitos, não podendo as partes se contentar com a imposição de determinadas decisões que vão de encontro com a realidade da evolução dos sistemas de informação, preceitos devem ser colocados de lado e uma pesquisa minuciosa é necessária para a correta validação da realidade que busca retratar dos fatos ocorridos para a existência da lide.

Não resta outra conclusão, por fim, a não ser que, provavelmente, a prova não consiste na descoberta da verdade, mas sim de um vislumbre da realidade dos fatos, que pode ser mais ou menos intensa de acordo com a vontade das partes e também da diligência com a qual o magistrado toca o processo. Agrava-se tal condição com os sistemas eletrônicos já que todas as informações são intangíveis, podendo ser modificadas a qualquer tempo, não havendo, portanto, nenhuma garantia de que realmente representarão com qualquer nível de fidedignidade os fatos que ensejaram o processo.

Devem, assim, os operadores do direito se inteirarem sobre as novas tecnologias, não com o intuito de substituir peritos, mas sim para que tenham conhecimento suficiente para ao menos argumentar a respeito de que determinada prova ou conjunto probatório de fato representa a realidade dos fatos, ao menos a verdade aparente, se há uma probabilidade de que tudo tenha acontecido como se supõe, não ficando tudo sujeito à subjetividade e intuição do magistrado. Com certeza, com isso em mente e trabalhando com esses objetivos, será possível alcançar a almejada paz social, que é o objetivo último do processo em si.

 

Referências
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. Malheiros Editores Ltda. São Paulo: 2009.
CARNELUTTI, Francesco. Veritá, dubbio, certezza. Rivista di Diritto Processuale, 2ª série, n. 20, Padova, Cedam, 1965 apud MARINONI, L. G. ARENHART, S. C..
DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 14ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009.
MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. Prova. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.
PINHEIRO, Patrícia Peck. Direito Digital. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2010.
REALE, Miguel. Verdade e conjectura. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1983.
TARUFFO, M. La prueba. Tradução para o espanhol de Laura Manriquez e Jordi Ferrer Beltrán. Madrid: Marcial Pons, 2008.
SILVA, Nelson Finotti. Verdade real versus verdade formal no processo civil. Revista Síntese Direito Civil e Processo Civil – novembro/dezembro 2002 – v. 20 – páginas 17/21.

Notas:
[1] MARINONI, Luiz Guilherme., ARENHART, Sérgio Cruz. Prova. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 25 e 26.
[2] ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. Malheiros Editores Ltda. São Paulo: 2009, p. 136.
[3] MARINONI, L. G., ARENHART, S. C. Op. Cit., p. 26.
[4] Id. Ibid., p. 27 e 28.
[5] TARUFFO, M. La prueba. Tradução para o espanhol de Laura Manriquez e Jordi Ferrer Beltrán. Madrid: Marcial Pons, 2008, p. 26.
[6] SILVA, Nelson Finotti. Verdade real versus verdade formal no processo civil. Revista Síntese – Direito Civil e Processo Civil – novembro/dezembro 2002 – v. 20 – páginas 17/21.
[7] MARINONI, L. G., ARENHART, S. C., Op. Cit., p. 32.

[8] Id. Ibid., p. 32.
[9] DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 14ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 335.
[10] REALE, Miguel. Verdade e conjectura. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1983. p. 17 e 18.
[11] CARNELUTTI, Francesco. Veritá, dubbio, certezza. Rivista di Diritto Processuale, 2ª série, n. 20, Padova, Cedam, 1965 apud MARINONI, L. G. ARENHART, S. C. op. cit. p. 36 e 37.
[12] MARINONI, L. G., ARENHART, S. C., Op. Cit., p. 39.
[13] Id. Ibid., p. 39.
[14] Id. Ibid., p. 41.
[15] PINHEIRO, Patrícia Peck. Direito Digital. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 208.


Informações Sobre os Autores

Celso Jefferson Messias Paganelli

Doutorando em Direito pela ITE – Instituição Toledo de Ensino. Mestre em Direito pelo Centro Universitário Eurípedes de Marília – UNIVEM. Pós-graduado em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera-UNIDERP, Pós-graduado em Direito da Tecnologia da Informação pela Universidade Cândido Mendes. Graduado em Direito pela Associação Educacional do Vale do Jurumirim (2009). Atualmente é professor de Direito na graduação das Faculdades Integradas de Ourinhos/SP e na pós-graduação da Projuris-FIO em Ourinhos/SP. Tem vasta experiência com informática, possuindo mais de 30 certificações da Microsoft e diversos títulos, entre eles MCSE, MCSD, MCPD, MCTS, MCSA: Messaging, MCDBA e MCAD. Articulista e colunista de diversas revistas e jornais, sendo diretor e membro do Conselho Editorial da Revista de Direito do Instituto Palatino e membro do Conselho Editorial da Revista Acadêmica de Direito do Projuris

Alexandre Gazetta Simões

Mestrando em Teoria do Direito e do Estado pelo Centro Universitário Eurípedes de Marília (UNIVEM). Pós-graduado, com Especialização em Gestão de Cidades (UNOPEC). Direito Constitucional (UNISUL). Direito Constitucional (FAESO). Direito Civil e Processo Civil (FACULDADE MARECHAL RONDON). Direito Tributário (UNAMA). graduado em Direito (ITE-BAURU. Analista Judiciário Federal – TRF3. Professor de graduação de Direito na Associação Educacional do Vale do Jurumirim (EDUVALE AVARÉ). Membro do Conselho Editorial da Revista de Direito do Instituto Palatino. Membro do Conselho Editorial da Revista Acadêmica de Ciências Jurídicas da Faculdade Eduvale Avaré. – Ethos Jus. Co-autor da obra “Ativismo Judicial – Paradigmas Atuais” (2011) Letras Jurídicas. Co-Organizador da obra “Ensaios Sobre a História e a Teoria do Direito Social” (2012) Letras Jurídicas


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