Ultimamente muito vem se discutindo sobre os “direitos transindividuais”, questão esta surgida em virtude do nascimento de novas relações jurídicas geradas pela economia de massa, que se destacam por representar interesses que não pertencem a uma pessoa individualmente considerada, mas a uma pluralidade de sujeitos vinculados por um objetivo comum, que não resulta da soma dos interesses individuais e sim de uma coletividade organicamente estruturada.
A Constituição Federal de 1988 ao consagrar inúmeros direitos e garantias fundamentais dos cidadãos, como por exemplo, direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado; o direito a ser respeitado enquanto consumidor; o direito a uma relação justa e humana de trabalho, dentre outros, possibilitou consequentemente uma ampliação do “acesso à justiça”, isto porque, para garantir o respeito aos direitos consagrados, tornou-se necessária a criação de institutos jurídicos de índole processual coletiva, que na hipótese de lesão a estes direitos houvesse um meio adequado para deduzir a pretensão em Juízo e angariar a tutela jurisdicional para a sua proteção e defesa.
Antes da entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor, a doutrina ainda não havia chegado a um consenso no que concerne ao conceito de “direitos difusos e coletivos”. O legislador achou por bem definir os conceitos que são mais adequados no plano de defesa do consumidor.
Podemos dizer que a tutela coletiva abrange diferentes tipos de interesses ou direitos. Os direitos difusos são caracterizados pelo critério da indeterminação absoluta dos titulares e da inexistência entre eles de relação jurídica-base, no aspecto subjetivo, e pela indivisibilidade do bem jurídico, no aspecto objetivo (artigo 81, parágrafo único, inciso I, do CDC). Em razão de sua natureza, são insuscetíveis de apropriação individual, de transmissão e de renúncia ou transação.
Os direitos coletivos são conceituados como direitos transindividuais com determinação relativa dos titulares e indivisíveis, pois sua lesão afeta a todos os possíveis titulares. Assim como os direitos difusos, os coletivos são insuscetíveis de apropriação individual, transmissão, transação ou renúncia.
Os individuais homogêneos, os quais são também denominados de acidentalmente coletivos, visto que é possível que se determine os titulares dos direitos envolvidos, pois a lesão ofende a esfera jurídica de cada um deles, no entanto, estão ligados em razão da origem comum do fato que provocou o dano (artigo 81, parágrafo único, inciso III, do CDC).
Visto que os interesses objetivados são metaindividuais, é fundamental que a sua judicialização não fique restrita a um só legitimado, mas venha atribuída a mais de um ente esponenziale[1] que, na visão do legislador, reúna as condições para tal, dado que os interesses difusos, por definição, não devem ter sua tutela restringida à atuação de certos órgãos governamentais, nem somente ao Ministério Público, havendo mesmo quem minimize a importância da personalidade jurídica das associações, de sore a admitir tam´bem legitimação a sociedades de fato.[2]
A solução intermédia exsurge, naturalmente, como a mais indicada na espécie. Os interesses difusos, pelo fato mesmo de sua natureza, pedem uma legitimação difusa, a ser reconhecida, em dese disjuntiva e concorrente, aos cidadãos per se (via ação popular), às associações, Ministério Público, entes e órgãos públicos, no caso da ação civil pública. Observe-se que o cidadão dispõe, ainda, de legitimação para representar ao Procurador-Geral da República, instando-o a ingressar com uma ação de tipo coletivo, de extração constitucional: a arguição por descumprimento de preceito fundamental, nos termos do art. 102, § 1º; e art. 2º, § 1º da Lei n. 9.882/99).
Em resumo, portanto, podemos dizer que o indivíduo pode, sim, pleitear sozinho a tutela coletiva.
E aproveitando tudo o que já foi dito acerca da tutela coletiva, podemos logo afirmar também que a legitimidade do Ministério Público para a Ação Civil Pública não impede a de terceiros, de acordo com a interpretação sistemática do art. 129, III, e seu § 1 º da CF. Vale dizer, em se tratando de ACP, a legitimação ativa ad causam emerge da aplicação conjunta da CF (art. 129, III e seu § 1º), da LACP (art. 5 º), do CDC (art. 82), da LOMPU (art. 6 º, VII) e da LONMP (art. 25, IV). Isso significa, em síntese, que são legitimados para a ação:
a) o Ministério Público (da União e dos Estados – art. 128 da CF);
b) a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;
c) as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados a defesa dos interesses metaindividuais;
d) as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses metaindividuais, podendo, no entanto, o requisito da pré-constituição ser dispensado pelo juiz, quando haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido.
E ainda, ao analisarmos o que diz o art. 5º da Lei n. 7.347/85, em seu § 3º:
“Em caso de desistência infundada ou abandono da ação por associação legitimada, o Ministério Público ou outro órgão legitimado assumirá a titularidade ativa”.
Para o prof. José Afonso da Silva: “Fica assegurado ao representante do MP promover o prosseguimento da ação. Quer dizer, assegura-se-lhe o direito de dar continuidade ao processo. Não é obrigado a fazê-lo, confere-se-lhe mera faculdade”.[3]
A par de todo o exposto, somos do entendimento que a legitimação do MP para a ACP não impede a de terceiros, nas mesmas hipóteses, segundo o disposto na CF e na lei.
Informações Sobre o Autor
Vinicius de Freitas Escobar
Pós-graduando em Direito e Processo do Trabalho pela UNIDERP-Anhanguera