Resumo: Com a busca para a formação de um bill of rights próprio da União e a inexistência de um rol de direitos fundamentais escritos nos tratados instituidores da UE, foi criada a Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia. A Carta veio a servir como forma para reforçar a legitimidade da União e deixar mais visível para os cidadãos europeus os seus direitos fundamentais que eram protegidos. Com o advento do Tratado de Lisboa em 2009 a CDFUE passou a ter força jurídica e vinculativa e os Estados membros não podem violar os direitos garantidos pela Carta quando apliquem o direito da União. A sua força vinculativa fez com que a CDFUE se tornasse um ponto de referência habitual na elaboração das políticas da UE, sendo, análise dessa questão o objeto de estudo do presente trabalho.
Palavras Chave: União Europeia, Carta de Direitos Fundamentais, Força Vinculativa, Políticas da União.
Abstract: With the search to create a bill of rights proper to the Union and the absence of a list of fundamental rights written in the founders EU treaties, the Charter of Fundamental Rights of the European Union was created. The Charter came to serve as a way to strengthen the Union's legitimacy and leave more visible to European citizens that their fundamental rights were protected. With the advent of the Lisbon Treaty in 2009, the CFREU now has legal and binding force and the member states may not violate the rights guaranteed by the Charter when they are implementing Union law. Its binding force made the CFREU became a usual point of reference in the elaboration of EU policies, being the analysis of this question the object of study of this work.
Keywords: European Union, Charter of Fundamental Rights, Binding Force, Union’s Policies.
Sumário: Introdução. 1 Breve histórico sobre a Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia. 2 Características da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia. 3 O sentido político da CDFUE. 4 A CDFUE como ponto de referência das políticas da União. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
Nos tratados fundadores das primeiras Comunidades Europeias, tal como o Tratado de Roma de 1957 e Tratado de Paris de 1951 haviam uma fundamental omissão quanto aos direitos fundamentais no âmbito da CE. Somente alguns anos depois o TJCE percebendo a necessidade de criar uma “comunitarização” dos direitos fundamentais foi que criou uma jurisprudência vinculando a CEE pelos direitos fundamentais. Onde, a escapatória jurídica foi considera-los como princípios gerais de direito comunitário originado das tradicionais normas direitos humanos que haviam sido subscritas nas constituições dos Estados Membros.[1]
Buscava-se então a formação de um bill of rights próprio da Comunidade Europeia para que fossem inseridos nos tratados. Assim, a partir do Tratado de Maastricht e de Amsterdam os direitos fundamentais passaram a ser referenciados, porém, embora houvesse uma referência aos direitos fundamentais nesses tratados, não havia um rol de direitos fundamentais escritos.
Tendo isso em vista, a presidência alemã do Conselho Europeu de Colónia visando uma estratégia de impacto imediato no domínio dos direitos humanos, propôs a elaboração de uma Carta de Direitos Fundamentais. O Conselho Europeu concluiu que a elaboração da Carta era uma forma de reforçar a legitimidade da União e que a mesma serviria como forma de sublinhar a importância dos direitos fundamentais e torna-los mais visíveis aos cidadãos da União.[2]
A Carta inclui direitos protegidos no âmbito de primeira, segunda e terceira gerações, abrangendo os planos da dignidade, liberdade, igualdade, solidariedade, cidadania e justiça. Esse sistema adotado pela carta afirma o princípio da indivisibilidade dos direitos fundamentais, assim impedindo que existe uma interpretação menos favorecida aos direitos econômicos e sociais do que aos direitos civis e políticos.
A Carta foi adotada em 2000 e passou a ter força jurídica e vinculativa com o Tratado de Lisboa em 2009, onde os Estados membros são obrigados a respeitar a Carta quando aplicam a legislação europeia. Percebe-se que a Carta consta com um catálogo de direitos que devem servir de padrão para os Estados membros, como também para os novos Estados membros no processo de adesão à União Europeia.
Atuando de forma complementar, a Carta não substitui o sistema nacional. Primeiramente, os Estados membros são sujeitos ao seu próprio rol de direitos fundamentais constitucionalmente protegidos e por ele definidos. Somente quando suas medidas nacionais implementam o direito da União é que os direitos consagrados na Carta devem ser observados.
A entrada em vigor do Tratado de Lisboa e a força jurídico-vinculativa da Carta, fez com que ela se tornasse um ponto de referência habitual na elaboração das políticas da UE. Além de que, após a Carta de tornar vinculativa, a Comissão emitiu uma comunicação sobre a Estratégia para Aplicação Efetiva da Carta dos Direitos Fundamentais pela União Europeia.
Nesta ótica, a Comissão tem como estratégia assegurar a aplicação efetiva dos direitos fundamentais estabelecidos na Carta e afirma que a própria União tem que dar exemplo para as pessoas que vivem na União gozem dos direitos consagrados na Carta, promover confiança entre os países da União, promover a confiança do público nas políticas da UE e melhorar a credibilidade da UE nas suas ações externas no que concerne aos direitos humanos.[3]
Em virtude do que foi mencionado, este trabalho será dividido em quatro tópicos, objetivando descrever um histórico da carta, suas características, o seu sentido político e a sua referência para as políticas da União.
Em síntese, procura-se entender a evolução dos direitos fundamentais e sua implicação política face o surgimento da Carta de Direitos Fundamentais e a sua consequente força vinculativa adquirida com o advento do Tratado de Lisboa, contribuindo como uma forma de reforço ao caráter democrático da União e para a legitimidade da UE.
1 BREVE HISTÓRICO DA CARTA DE DIREITOS FUNDAMENTAIS DA UNIÃO EUROPEIA
Na década de 50, o processo de integração europeia com as Comunidades Europeias teve uma abordagem essencialmente econômica. Os Tratados que criaram essas Comunidades Econômicas Europeias somente tinham como pretensão objetivos econômicos visando a criação de um mercado comum europeu.
Com isso, a natureza econômica específica do processo comunitário de integração fez com que não houvesse preceitos que ditassem a salvaguarda dos direitos fundamentais. Neste sentido, Jonatas Machado afirma que “Originariamente, o direito comunitário escrito não incluía a matéria da proteção dos direitos fundamentais qua tale. O mesmo pretendia ser mais um ‘Bill of powers’ do que um ‘Bill of rights’”[4].
Tendo em vista essas especificidades, Vital Moreira salienta que na redação originária dos tratados fundadores das três primitivas comunidades europeias caracterizavam-se pela fundamental omissão de um catálogo de direitos fundamentais e de mecanismos específicos da sua tutela.[5] Moreira, além disso, destaca que nem mesmo o Tratado de Roma em seu extenso preâmbulo não havia referenciado à garantia e defesa dos direitos fundamentais. Apenas havia uma ressalva quanto as liberdades econômicas tais como liberdade de circulação de pessoas, de bens e capitais no espaço da comunidade, liberdade de estabelecimento e prestação de serviço por entidades de um Estado membro no espaço do outro Estado membro e o princípio da não discriminação por razão de nacionalidade. Além disso, o tratado de Roma não retratava nenhuma outra liberdade, direito ou garantia.[6]
A esse respeito, Moreira também enumera as razões para essa omissão como sendo[7]:
1) Nenhuma organização internacional tinha se ocupado em instituir um sistema próprio de garantia de direitos fundamentais.
2) As três comunidades europeias eram organizações internacionais de escopo assaz limitado, todas viradas para integração econômica.
3) A ideia de que os membros das comunidades eram todos Estados democráticos que garantiam na sua ordem constitucional interna os direitos fundamentais e tinham instituído no âmbito do Conselho da Europa o primeiro sistema regional de garantia supra estadual de direitos humanos através da Convenção Europeia dos Direitos Humanos de 1950 e do correspondente Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.
Com essa perspectiva, por não haver um catálogo de direitos fundamentais nos atos jurídicos das comunidades europeias e a omissão nas disposições dos tratados relativo a esses direitos no âmbito comunitário, suscitaram o problema em saber que tipo de proteção seria dada aos cidadãos em eventuais atos normativos comunitários que lesassem seus direitos e liberdades, bem como as instituições comunitárias que causassem afronta aos direitos fundamentais.
As entidades particulares começaram a impugnar medidas das instâncias comunitárias alegando violação de direitos fundamentais garantidos nas constituições nacionais, verificando assim um problema de direitos fundamentais na CEE.[8]
De tal modo, face a inexistência normativa comunitária no que concerne à tutela dos direitos fundamentais, e tendo em conta as impugnações feitas por particulares contra os atos jurídicos comunitários lesivos aos direitos fundamentais consagrados no direito constitucional interno, o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias passou a abordar a problemática de direitos fundamentais.
Primeiramente, como afirma Vital Moreira, o Tribunal manifestou uma insensibilidade quanto aos direitos fundamentais demonstrando uma evidente displicência em relação à tutela e garantia dos direitos fundamentais como limite à ação das instâncias comunitárias.[9]
Este mesmo doutrinador esclarece que no caso Stork de 1959 o Tribunal declarou que quando do exercício de sua competência para garantir o respeito ao direito na interpretação e aplicação do tratado ele não poderia examinar a acusação (de princípios constitucionais do direito interno alemão). Isso se repetiu também no acórdão do Consórcio do Carvão do Ruhr onde o Tribunal afirmou que também não compete a ele, que decide a legalidade das decisões tomadas pela Alta Autoridade (da CECA), assegurar o respeito das normas de direitos interno, ainda que constitucionais, em vigor num ou noutro dos Estados membros. E que além disso, o Tribunal recusou expressamente a existência no plano comunitário, de um princípio geral de garantia dos direitos adquiridos.[10]
Uma vez que não houve o reconhecimento e a garantia de um rol de direitos fundamentais e a complacência do TJCE, as jurisdições nacionais passaram a questionar as normas e decisões comunitárias, já que sua implementação cabia aos órgãos dos Estados. Face a isso, realçaram algumas decisões históricas dos Tribunais constitucionais alemão e italiano que puseram em causa a supremacia incondicional do direito comunitário sempre que ele afetasse os direitos fundamentais tal como os que são garantidos pela constituição nacional.[11]
Depois dos anos 60 foi que o Tribunal passou a tomar um entendimento diferente da problemática dos direitos fundamentais. A primeira mudança ocorreu no acórdão proferido no caso Stauder de 1969, em que o órgão jurisdicional comunitário considerou os direitos fundamentais como integrante nos princípios gerais de direito comunitário, os quais cabiam ao Tribunal assegurar a sua observância.
Em seguida, no caso Internationale Handelgesellschaft de 1970, o Tribunal reafirmou a proteção dos direitos fundamentais por si enquanto princípios gerais de direito comunitário, e que os mesmos se inspiravam nas tradições constitucionais dos Estados membros e que não permitiria a aplicação de preceitos comunitários que fossem incompatíveis com os direitos fundamentais consagrados nas Constituições nacionais.
Por fim, no acórdão do caso Nold de 1974, o Tribunal colocou como referência no quadro de proteção dos direitos fundamentais não apenas as Constituições nacionais como também os instrumentos internacionais de proteção aos direitos humanos em que os Estados membros sejam parte ou que tenham ajudado na elaboração, tais como a CEDH, o Pacto Internacional dos Direitos Civil e Políticos das Nações Unidas de 1966, a Carta Social Europeia de 1961, as Convenções da OIT, etc.
Levando em consideração as decisões anteriores, o Tribunal veio a proceder a agregação desses mesmos direitos fundamentais para dentro da ordem jurídica comunitária, considerando-os como princípios gerais de direito comunitário, com origem nas tradições constitucionais comuns aos Estados membros e nos instrumentos internacionais de direitos humanos que todos os Estados membros da CEE haviam subscrito, nomeadamente a Convenção Europeia de Direitos Humanos.
Embora o Tribunal interpretasse o direito comunitário à luz da CEDH, ele foi afirmando uma série de direitos e princípios correlativos não previstos expressamente por Tratados, tanto que a ora CEE estava vinculada a uma ordem de direitos fundamentais própria de conteúdo incerto dependente da jurisprudência do Tribunal.
Nesta perspectiva, buscava-se a elaboração de um bill of rights próprio da CEE para inserir nos tratados, onde doravante a jurisprudência do Tribunal foi formalmente consagrada pelos textos constitucionais da União Europeia por ocasião do Tratado de Maastricht, que referenciou no seu preambulo o “apego aos princípios da liberdade, democracia, do respeito pelos direitos do homem e liberdades fundamentais e do Estado de Direito” e o artigo F deste tratado, agora correspondente ao atual[12] artigo 6°, nº 2 do Tratado da União Europeia (TUE) afirmou que “A União respeitará os direitos fundamentais tal como os garante a Convenção Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de Novembro de 1950, e tal como resultam das tradições constitucionais comuns aos Estados-membros, enquanto princípios gerais do direito comunitário.”
Não só o Tratado de Maastricht como também o de Amsterdam, como afirma Moreira ‘vieram a proceder uma verdadeira revolução na relação entre a CE/UE e os direitos fundamentais’[13].
Moreira frisa que por um lado foi estabelecida a vinculação da CE/UE aos direitos fundamentais, nos termos em que o TJCE havia estabelecido sua jurisprudência e por outro lado a criação da UE implicou o estabelecimento de uma cidadania europeia, complementar a cidadania nacional dos diferentes Estados membros, a qual foi consubstanciada num conjunto de direitos políticos dos cidadãos europeus, expressamente definidos no Tratado de Maastricht.[14]
Ademais, o Tratado de Amsterdam, por meio de alteração do artigo 46, alínea “d” do TUE veio a estabelecer a competência do Tribunal para assegurar o respeito do artigo 6º, nº 2 do mesmo Tratado pelas instituições comunitárias, para garantir o respeito dos direitos fundamentais nos termos dele estipulados.[15]
Dentro desta ótica Moreira afirma que “os tratados de Maastricht e de Amsterdam, acabaram por incluir e reconhecer, de forma crescente um importante conjunto de direitos fundamentais avulsos em certas áreas, à medida que se foram ampliando as atribuições comunitárias.”[16]
Outrossim, o atual art. 7 do Tratado da UE adicionado no Tratado de Amsterdã prevê punição aos Estados membros que venham a violar de forma grave os direitos fundamentais.
Por conseguinte, Machado assenta que “O passo seguinte consistiu na evolução para um amplo sistema constitucional supranacional de proteção dos direitos, liberdades e garantias e dos direitos económicos, sociais e culturais dos cidadãos europeus”. [17]
Embora houvesse expressamente a proteção dos direitos fundamentais pelos avanços dos Tratados de Maastricht e Amsterdam, não havia um elenco de direitos fundamentais escritos.
Fazia-se necessário a introdução no direito da UE um catálogo de direitos fundamentais dotado de primazia normativa, força jurídica vinculativa e aplicabilidade direta. Um catálogo que constituísse um reforço da cidadania europeia, da transparência das instituições europeias e da sua proximidade com os particulares.[18]
Em uma presidência alemã do Conselho Europeu de Colónia de 1999, foi aprovado a elaboração de uma Carta que reunisse os direitos fundamentais da UE para assim tornar esses direitos mais visíveis para os cidadãos da União.
Soares afirma que “A aprovação de uma Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia recebeu finalmente o acolhimento do Conselho Europeu, mas com um objetivo político bem determinado: o reforço da visibilidade dos direitos fundamentais junto dos cidadãos da União”.[19]
2 CARACTERÍSTICAS DA CARTA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA UNIÃO EUROPEIA
O Conselho Europeu esboçou com precisão o âmbito da futura Carta, afirmando que ela deveria incluir os direitos em matéria de liberdade e igualdade e os direitos processuais fundamentais, tal como os garantidos na Convenção Europeia para proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais (CEDH) e as tradições constitucionais comuns aos Estados membros enquanto princípios gerais do direito comunitário, os direitos que apenas são outorgados aos cidadãos da União e os direitos econômicos e sociais que se encontram consignados na Carta Social Europeia e na Carta Comunitária dos Direitos Sociais Fundamentais dos Trabalhadores (artigo 136º) na medida em que não constituam apenas uma base para objetivos de ação da União.
A elaboração da Carta foi feita por organismo ah hoc, de composição definida na cimeira de Colónia, que compreendia representantes do Parlamento Europeu, da Comissão Europeia, dos governos dos Estados membros, dos parlamentos nacionais, observadores do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e do Conselho da Europa. Além disso, ainda convidou o Comité Económico e Social, o Comité das Regiões e o Provedor de Justiça europeu para apresentar observações.
O processo de elaboração da carta foi aberto para a sociedade civil, ou seja, feito de forma transparente e aberta ao público, onde seus projetos já iam sendo publicados na internet.
Isto feito, o Conselho Europeu de Colónia mandatou que o organismo encarregado da elaboração da Carta, que veio a se autodenominar “Convenção”, apresentasse um projeto final da Carta antes do Conselho Europeu de Dezembro de 2000. Este projeto foi ratificado pelo Conselho Europeu e adotado pelas diferentes instituições comunitárias na cimeira de Nice em 7 de dezembro de 2000.
Dentre as fontes utilizadas para os preceitos da Carta encontra-se a CEDH, a Carta Social Europeia, o TUE e TCE, outros instrumentos internacionais de direitos fundamentais, preceitos comuns das constituições dos Estados-membros e direitos sem precedentes nessas outras fontes que foram criados ex novo pela Carta.
Moreira afirma que era evidente que houve uma ampliação dos direitos no âmbito do artigo 6º do Tratado de Maastricht. Tendo como novidade a referência aos direitos econômicos e sociais como os constantes na Carta Social Europeia.[20]
Machado disserta que a Carta “constitui uma mais valia relativamente à CEDH, sem precludir a adesão a este instrumento por parte da UE”. E ainda ressalta que “A CDFUE pretende um equilíbrio razoável entre o patrimônio cultural e normativo comum dos povos europeus e a diversidade que nalgumas matérias se verifica entre eles.”[21]
A Carta contém 54 artigos os quais integram um conjunto de direitos inerentes aos direitos civis e políticos, direitos dos cidadãos da UE, direitos económicos sociais e outros direitos que responder os problemas gerados pelas modernas sociedades pós-industriais, bem como os progressos científicos e tecnológicos entretanto realizados.[22]
Isto posto, Moreira enumera os traços principais da CDFUE como sendo os seguintes: “Originalidade de sistematização, demarcando-se decididamente da divisão tradicional entre o elenco dos direitos de 1.ª geração (direitos de liberdade) e os direitos da 2.ª geração (direitos econômicos, sociais e culturais);
Inclusividade, na medida em que o elenco de direitos fundamenta inclui todos os tipos de direitos, da 1.ª, 2.ª e da 3.ª gerações, de forma integrada;
O caráter enxuto e lapidar das suas formulações.”[23]
Essa sistematização feita pela Carta passa a afirmar o princípio da indivisibilidade dos direitos fundamentais, impedindo que seja dada uma interpretação diferenciada entre os direitos económicos e sociais dos direitos civis e políticos. Esta perspectiva é vista no próprio preâmbulo da Carta quando dispõe que “A União baseia-se nos valores indivisíveis e universais da dignidade do ser humano (…)”.
Inicialmente, a CDFUE era usada como norma de autocontrolo, sendo sempre referida e invocada pela Comissão e o Parlamento Europeu, porém não passava de soft law, sem força vinculativa e sem poder ser invocada judicialmente.[24]
As normas da CDFUE, conforme seu artigo 51/1º se dirigem às instituições e órgãos da União, observando o princípio da subsidiariedade, bem como aos Estados-membros quando estes aplicam o direito da União. Com isso, vê-se que as disposições da Carta são aplicadas às atividades desenvolvidas pelas Instituições da União englobando todos os órgãos e entidades existentes na UE. Os Estados membros que importam em implementar o ordenamento comunitário são destinatários da Carta quando aplicam o direito da União.
Outro detalhe importante relativo aos destinatários da Carta, e que é bem ressaltado por Canotilho, é que “…. a carta europeia de direitos fundamentais não substitui nem pode substituir as constituições dos Estados-membros. É aplicável às instituições da União, aos seus órgãos e respectivos actos, mas não impõe obrigações aos Estados-membros fora do âmbito e finalidades das demais normas primárias da Comunidade”.[25]
Pode-se verificar que a CDFUE contém diferentes tipos de direitos no que concerne aos seus beneficiários, podendo mencionar a divisão em direitos que assistem a todas as pessoas, os direitos que são reconhecidos apenas para os cidadãos da União e os direitos que são atribuídos a certas pessoas com características especiais, como criança e trabalhadores.
Por conseguinte, salienta-se que a Carta em seu artigo 51, 2º afirma que não criar quaisquer novas atribuições ou competência para União, nem modifica aquelas já definidas nos Tratados. Assim, a CDFUE não é um instrumento que altera o estado do ordenamento jurídico atual da União e sua aprovação não desequilibra das competências vigentes.
Foi com o Tratado de Lisboa que a Carta passou a ter força jurídica e se tornou vinculativa fazendo parte do direito primário da UE. A esse respeito Moreira afirma que “(…) a CDFUE passava finalmente a fazer parte do ‘direito primário’ (constitucional) da UE, vinculando suas instituições, órgãos e agências e protegendo os cidadãos europeus e demais pessoas e entidades sujeitas à jurisdição da União face à sua atividade política, legislativa e administrativa lesiva dos seus direitos”[26]
A Carta não foi incluída no Tratado de Lisboa, apenas sendo anexada sob forma de declaração. Ela se tornou vinculativa para 25 Estados membros, onde apenas a Polônia e o Reino Unido têm uma derrogação acerca da sua aplicação.[27]
No que tange ao valor jurídico da Carta, esta veio a contribuir dando mais clareza e precisão à proteção dos direitos fundamentais na União. A alteração feita pelo Tratado de Amsterdam introduzida no artigo 46 do TUE tornou justiciáveis junto ao TJCE os direitos fundamentais referidos no artigo 6º, 2º desse mesmo tratado.[28]
3 O SENTIDO POLÍTICO DA CDFUE
A CDFUE além de possuir relevância jurídico-constitucional, possui relevância política. Uma vez que se tornou o padrão dos direitos fundamentais na União Europeia, passou a ser relevante em diversos aspectos. Primeiramente, a Carta veio a ser importante para o preenchimento dos critérios políticos de adesão de novos países à União. Esses critérios, que fazem parte dos critérios de Copenhagen, são nomeadamente a democracia, o Estado de direito e os direitos humanos, que vêm elencado no artigo 49 do TUE.
Os novos Estados candidatos a fazer parte da União devem passar no teste de respeito aos direitos consagrados na CDFUE, onde devem possuir instituições estáveis que respeitem a tríade acima referida. Caso esses critérios não sejam preenchidos, o Estado candidato não poderá fazer parte da União.
Além de que, nos acordos internacionais de adesão à UE existe uma cláusula expressa de direitos humanos que é constitucionalmente imposta. A CDFUE serve como referência para o controlo e avaliação prévia do cumprimento dessas condições da cláusula pelo novo Estado.
Seguindo esta perspectiva Moreira assenta que “um catálogo próprio de direitos fundamentais pode contribuir de maneira decisiva para um reforço da legitimidade política da CE/UE, quer no plano interno, em relação aos seus cidadãos, quer no plano externo, tanto em relação aos novos candidatos à adesão, sob ponto de vista dos requisitos que lhe são exigidos em matéria de direitos fundamentais, como em relação a credibilidade de CE/UE ao impor cláusula de direitos fundamentais aos demais países nos seus acordos internacionais e nas suas iniciativas de apoio ao desenvolvimento”[29]
Levando em consideração esses aspectos, a Carta passou a ser a primeira referência para aplicação do artigo 7º do TUE, em casos de violação grave dos direitos fundamentais da União pelos Estados membros e até mesmo antes disso serviu como justificativa para advertências políticas contra as eventuais ações nacionais desconformes com a Carta.[30]
Acontece que, uma vez verificada a violação grave contra os direitos fundamentais, o Conselho pode suspender alguns dos direitos decorrentes da aplicação do Tratado do Estado membro em causa quando da aplicação das sanções do artigo 7º, 3 do TUE.[31]
Por sua vez, a Carta trouxe um grande impacto sobre o sistema judicial, tanto no nível nacional quanto no nível da UE. Todos os atos da União Europeia são sujeitos ao controlo do Tribunal de Justiça. Esta é a garantia suprema do respeito pelos direitos fundamentais no trabalho do legislativo da União Europeia e em todos os outros atos da União. Salienta-se que o TJUE está fazendo cada vez mais referências a Carta em suas decisões e os tribunais nacionais também seguem dessa forma uma vez que submetem questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça. [32]
Outro fator existente, é que os juízes nacionais estão cada vez mais conscientes do impacto da Carta e eles buscam orientação do Tribunal sobre a aplicação e interpretação da Carta sob o processo da questão prejudicial.
Para determinar se a situação se enquadra no âmbito da Carta, tal como definido no seu artigo 51, o Tribunal examina, em especial, se a legislação nacional pertinente se destina a implementar uma disposição do direito da UE, se está buscando outros objetivos além dos abrangidos pela legislação da União e se existem normas específicas do direito da UE sobre o assunto ou que possam afetá-las.
No Relatório de 2013 da Comissão sobre a aplicação da Carta foram enumeradas três situações em que vai desencadear a aplicação da Carta. Sendo a primeira quando (1)a atividade legislativa e judicial e as práticas administrativas estão cumprindo obrigações sob a lei da União, segundo, (2)quando uma autoridade de um Estado membro exerce o seu poder discricionário investido em virtude da lei da União e por fim, quando (3)as medidas nacionais ligadas ao desembolso de fundos sob uma gestão compartilhada podem constituir implementação da lei da UE.[33]
O respeito da Carta pelas próprias instituições é analisado pelo Tribunal, que verifica a conformidade dos atos da UE com a Carta. A Comissão assegura e analisa minuciosamente se todas as propostas legislativas respeitam e promovem os direitos fundamentais. Ela segue dessa forma durante todo o processo legislativo, desde a proposta, discussão durante as negociações entre as instituições da União até a adoção final.
Paralelamente, a Carta pauta a ação externa da União em prol dos direitos humanos, conforme o estabelecido no artigo 21 do TUE, que tem como um dos requisitos da ação externa da União o respeito e a promoção dos direitos humanos.
Acontece que, a promoção e a proteção dos direitos fundamentais constam sempre nas políticas de ação externa da União, podendo ser um dos objetivos principais ou objetivos complementares.
Todos os acordos internacionais de ação externa da UE constam com a cláusula de direitos humanos, que vem como condição para a existência do acordo entre a União com o(s) país(es) contratante(s) e obriga ambos na proteção e promoção dos direitos fundamentais.
Conforme explanado por Moreira “A cláusula de direitos humanos implica para cada parte no acordo internacional uma obrigação de respeito e de proteção dos direitos humanos (bem como da democracia e do Estado de direito), incluindo a obrigação de se absterem de qualquer ação que os infrinja, assim como uma obrigação de tomares as medidas necessárias (medidas políticas, legislativas, administrativas, etc.) para os estabelecerem ou restabelecerem. O incumprimento dessas obrigações autoriza a outra parte a tomar as “medidas adequadas” para sancionar a infração”
Em virtude do que foi exposto, nota-se que a cláusula de direitos humanos utiliza como referência a CDFUE, que é um dos bill of rights da União, ou seja, os direitos abrangidos pela cláusula de direitos humanos fundam-se nos direitos consagrados pela Carta levando em consideração o princípio da indivisibilidade dos direitos fundamentais zelado por ela. Assim sendo, a cláusula abrange todos os direitos humanos sem exclusão.
Por fim, a Carta passou a ser de grande influência nos bill of rights nacionais. Já que, mesmo que não seja um direito comum obrigatório dos Estados-membros, espera-se que ela tenha influência no sentido do alinhamento nacional pelo padrão europeu, incluindo por via de interpretação judicial das cartas nacionais de direitos fundamentais.[34]
Percebe-se que Carta atua complementando o sistema nacional e não o substituindo. Os Estados membros são sujeitos ao seu próprio sistema constitucional e aos direitos fundamentais por ele definido. Esses Estados somente precisam observar os direitos constantes na Carta quando suas medidas nacionais implementam o direito da União conforme é estipulado no artigo 51 da Carta.[35]
A Carta dos Direitos Fundamentais compreende os seguintes direitos e liberdades fundamentais: dignidade, liberdade, igualdade, solidariedade, direitos de cidadania e justiça. E as instituições da UE e as autoridades nacionais, incluindo os tribunais, são obrigados a respeitá-la quando aplicam a legislação europeia.[36] Esse rol de direitos assegurados pela Carta deve ser seguido e respeitado pelos Estados-membros como também pelos novos Estados-membros.
Por exemplo, a Comissão Europeia acerta que a “Carta é aplicável quando os países da UE adotam ou aplicam um ato legislativo que transpõe uma diretiva da União ou quando aplicam diretamente um regulamento da UE. A Carta não alarga as competências da União a questões não incluídas nos tratados. Quando a Carta não é aplicável, a proteção dos direitos fundamentais se dá pelas constituições ou tradições constitucionais dos países da União Europeia e pelas Convenções Internacionais por eles ratificadas.”[37]
Nesta ótica, nota-se que Carta veio para fortalecer a proteção dos direitos humanos fazendo com que esses direitos se tornassem mais visíveis e explícitos para os cidadãos. À vista disso eles se sentem mais à vontade e seguros, uma vez que seus direitos são protegidos, independente do país da UE em que se encontre.
4 A CDFUE COMO PONTO DE REFERÊNCIA DAS POLÍTICAS DA UNIÃO
A Comissão Europeia afirma que a União tem de ter uma atitude exemplar em matéria de direitos fundamentais e garantir o respeito dos direitos consagrados na Carta, visto que a CDFUE deve servir de guia para as políticas da União e para a respectiva aplicação pelos Estados-membros.[38]
Corroborando esta ideia Moreira afirma que a União só pode exigir que outros membros da comunidade internacional respeitem os direitos da Carta se ela os respeitar e também os assegurar em relação a si mesmo. Dessa maneira, a Carta é uma importante alavanca na credibilidade e eficácia da política de direitos humanos da UE.[39]
Com o Tratado de Lisboa, a democracia na União Europeia ficou reforçada como também a capacidade da União em promover os interesses dos cidadãos na sua vida quotidiana.
A Comissão Europeia no texto Justiça, cidadania e direitos fundamentais disserta que “Colocando os cidadãos no centro de todas as políticas da UE, o Tratado de Lisboa veio efetivamente revolucionar o processo de elaboração das políticas da União no domínio da justiça, dos direitos fundamentais e da cidadania”.[40]
Nesta ótica, a partir do momento em que o Tratado de Lisboa fez a Carta vincular juridicamente a União, esta passou a ser como um dos princípios fundamentais, ou mesmo, ponto de referência ao se tratar de direitos fundamentais na União.
Levando em consideração que a Carta passou a integrar o direito primário da União, se equiparando aos Tratados, os atos ou omissão das autoridades da União que venham a infringir os direitos assegurados pela Carta são inválidos e podem gerar responsabilidades pelo dano causado. Logo, como mecanismo de autocontrolo a Comissão e o Parlamento Europeu se autovincularam para verificar sistematicamente o respeito da Carta nas suas iniciativas, antes de lhe darem seguimento. [41]
Depois que a Carta se tornou vinculativa com o Tratado de Lisboa, a Comissão emitiu uma comunicação sobre a ‘Estratégia para aplicação efetiva da Carta dos Direitos Fundamentais pela União Europeia’, (COM(2010)573) DE 19/10/2010, enunciando um conjunto de medidas obrigatórias, incluindo um check-out na preparação de qualquer ato da Comissão e um relatório anual sobre a implementação da Carta.[42]
A estratégia da Comissão consiste em assegurar a aplicação efetiva dos direitos fundamentais estabelecidos na Carta, onde a própria União tem que dar exemplo para: (1) permitir as pessoas que vivem na União gozarem dos direitos consignados na Carta, (2) promover a confiança mútua entre países da UE, (3) promover a confiança do público nas políticas da UE e (4) melhorar a credibilidade da ação externa da UE no que respeita aos direitos humanos.[43]
Dois anos após a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, a Carta se tornou um ponto de referência habitual na elaboração das políticas da UE. Esta dinâmica foi desencadeada pelo Tratado de Lisboa, já que após a sua entrada em vigor a Comissão adotou uma estratégia para aplicação efetiva da Carta nos termos da qual a legislação da União deve respeitar de forma exemplar os direitos fundamentais. [44]
A Comissão vem fazendo uma política ativa para garantir a efetiva aplicação da Carta numa grande variedade de domínios abrangidos pelo direito da UE. Como também, a Comissão Europeia realiza o controlo e diálogo político para assegurar a manutenção da Carta como um ponto de referência para integração dos direitos fundamentais em todos os atos jurídicos da União e na aplicação do direito da UE por parte dos Estados membros.[45]
A política da UE no domínio dos direitos humanos engloba os direitos civis, políticos, económicos, sociais e culturais. A União procura também promover os direitos das mulheres, das crianças, das minorias e das pessoas deslocadas.
Ademais, a promoção dos direitos humanos em países terceiros é igualmente uma prioridade da UE, como também é uma das principais prioridades no processo de alargamento da União que será reforçada durante as negociações de adesão.
Os direitos fundamentais devem ser promovidos em todas as políticas da UE. Essa política da Comissão de conferir efeito útil ao estatuto de cidadão da União Europeia complementa a promoção dos direitos fundamentais no seio da União. A maioria dos direitos fundamentais consagrados na Carta não é aplicável apenas aos cidadãos da UE, revestindo também grande importância para a proteção de todas as pessoas que vivem na União Europeia, quer sejam cidadão da União ou não.
Onde a União tem competência para agir, a Comissão propõe legislações da União que dá efeito concreto aos direitos e princípios consagrados na Carta. A Comissão também toma medidas ativas para promover a carta e promover o respeito à lei da União através de processo de infração contra os Estados membros.[46]
A Carta deve servir de guia quando se elaboram iniciativas da UE para promover o crescimento. E em seu relatório de 2011 a Comissão afirma que a União tomou medidas concretas para aplicação efetiva da Carta. Esses esforços serviram para ajudar os cidadãos a gozar dos seus direitos fundamentais nos casos em que o direito da União é aplicável.[47]
A CDFUE se aplica a todas as ações da UE, nomeadamente no domínio das ações externas. Revela-se assim a importância da Carta na esfera da ação externa da UE, tanto no nível bilateral como multilateral, no que se diz respeito a promoção dos direitos humanos a nível mundial.[48] O Conselho adotou um quadro estratégico para os direitos humanos e a democracia e um plano de ação destinado a melhorar nos próximos anos a eficácia e a coerência das políticas da UE em matéria de direitos humanos. [49]
Em virtude do que foi mencionado, verifica-se que a proteção dos direitos fundamentais vem sendo cada vez mais intensa pela União e pelos Estados-membros tanto na esfera interna quanto externa. E as políticas internas e externas da União utilizam-se da CDFUE como referência de catálogo de direitos protegidos “constitucionalmente” pela União.
CONCLUSÃO
Depois de verificada uma omissão nos tratados constitutivos da Comunidade Europeia no tocante aos direitos fundamentais, ficou claro a necessidade de uma construção de um catálogo de direitos que pudesse servir como guia para a União e seus Estados membros.
As entidades e os cidadãos da União se encontravam em uma posição de incerteza quanto a tutela dos direitos fundamentais, uma vez que começaram a surgir impugnações nessa matéria e não havia nenhum rol normativo.
O Tribunal primeiramente resolveu essa celeuma, depois de muita resistência no sentido, em caracterizar os direitos fundamentais como um dos princípios gerais do direito comunitário, o qual cabia ao Tribunal assegurar o respeito.
Em seguida, os Tratados de Maastricht e Amsterdam vieram a regulamentar em seus textos a proteção aos direitos fundamentais e sanções em caso de descumprimento. Foi nesse momento que passou a haver a proteção expressa dos direitos fundamentais nos Tratados.
Embora houvesse a proteção dos direitos fundamentais expressa pelos Tratados de Maastricht e Amsterdam, não havia um rol de direitos fundamentais elencados e escritos. A criação da Carta veio no momento em que era necessário um catálogo de direitos que tivesse primazia normativa, força jurídica vinculativa e uma aplicabilidade direta. A criação desse instrumento serve como um reforço e visibilidade aos direitos fundamentais dos cidadãos da União.
Feita com um processo de elaboração aberto ao público de forma transparente, a Carta foi elaborada por um organismo ad hoc com representantes de Parlamento Europeu e Nacional, governos dos Estados membros, Comissão Europeia, observadores do TEDH e do Conselho da Europa, além de convidar o Comité Económico e Social, o Comité das Regiões e o Provedor de Justiça Europeu.
Esses acordaram que deveria ser elaborado uma Carta que reunisse os direitos fundamentais vigentes ao nível da União, de forma a lhes dar mais visibilidade. A Carta aborda os direitos de primeira, segunda e terceira gerações de forma integrada, zelando pelo princípio da indivisibilidade dos direitos fundamentais, sendo o primeiro instrumento de direitos fundamentais que o cumpre.
Houve uma compilação na Carta dos direitos protegidos pela CEDH, pela Carta Social Europeia e pelos tratados da UE e da CE, do mesmo modo abordou os princípios comuns às constituições nacionais dos Estados membros, como também alguns dos direitos elencados foram buscados em outros instrumentos internacionais de direitos humanos, e por fim, ainda trouxe alguns direitos que foram criados pela própria Convenção (como se autonomeou o organismo ad hoc de criação da Carta).
Primeiramente, a Carta não passava de soft law, sendo sempre referida e invocada pelo Parlamento e Comissão como meio de autocontrolo, mas sem força vinculativa e sem poder de ser invocada judicialmente. Porém, com o advento do Tratado de Lisboa, a Carta passou a ter força jurídico-vinculativa, fazendo parte do direito primário da União, passou assim a se tornar vinculante para União e Estados membros, quando apliquem o direito da União.
A Carta não veio como integrante do Tratado de Lisboa, mas sim como anexo sob forma de declaração. Tornou-se vinculativa para quase todos os Estados-membros da União, somente não se vinculando para Polônia e Reino Unido que fizeram opting out.
Com esse novo instrumento a proteção aos direitos fundamentais na União se tornou mais clara e precisa. Como também passou a ser um dos instrumentos à serem observados junto ao Tribunal.
Além de possuir relevância jurídico-constitucional, a Carta também possui relevância política. Fator que veio a ser observado no que concerne ao preenchimento nos critérios políticos de adesão de novos países a União Europeia, sendo o respeito aos direitos fundamentais um dos objetos que fazem parte dos Critérios de Copenhagen.
Nesse mesmo aspecto, a Carta passou a ser a primeira referência para o cumprimento do art. 7º do TUE, que trata dos casos de violação grave dos direitos fundamentais da União pelos Estados-membros. Ademais, a CDFUE deu um grande impacto no sistema judicial, tanto em âmbito nacional quanto comunitário, já que todos os atos da UE são sujeitos a controlo do Tribunal.
Em análise aos relatórios da Comissão, ficou perceptível que os Tribunais passaram a fazer cada vez mais referências à Carta em suas decisões e que os tribunais nacionais passaram a enviar questões prejudiciais para avaliação ao TJUE sobre a aplicação da Carta.
Paralelamente, a Carta vem sendo um instrumento de referência na ação externa da União em prol da proteção dos direitos humanos, uma vez que os direitos humanos se encaixam nos objetivos principais ou complementares das políticas de ação externa da União.
Essa referência pode ser encontrada na cláusula de direitos humanos que é uma característica dos acordos internacionais da União com países terceiros. Essa cláusula obriga tanto a União como o terceiro acordante a proteger e promover os direitos fundamentais. Caso isso não aconteça, uma das hipóteses de sanção é que os benefícios do acordo poderão ser suspensos até que a situação de direitos humanos retorne ao desejável.
Não obstante, a Carta passou a ser de grande influência nas legislações nacionais, já que se tornou um direito comum e obrigatório para os Estados-membros. Ela complementa o sistema constitucional nacional, somente sendo necessário os Estados observarem os direitos constantes na Carta quando forem implementar o direito da União.
Levando em consideração esses aspectos importantes da CDFUE, ficou compreensível que após o Tratado de Lisboa a Carta passou a ser um instrumento guia para as políticas da União. Sendo ela uma importante alavanca para credibilidade e eficácia da política de direitos humanos da UE.
A Comissão Europeia passou a fazer estratégias para a aplicação da Carta, emitindo relatórios anuais sobre a sua implementação na União. A Comissão vem fazendo o controlo e diálogo político para a manutenção da Carta como ponto de referência na integração dos direitos fundamentais.
Por fim, nota-se que a promoção dos direitos humanos é uma prioridade da UE, isto vêm se manifestando por meio das ações externas com a cláusula de direitos humanos, no processo de alargamento da UE que reforça no processo de adesão a necessidade de respeito e proteção aos direitos fundamentais. Como também, as políticas da União sempre devem promover os direitos fundamentais pautando-se na CDFUE, já que essa é guia na elaboração de iniciativas da UE para promover o crescimento.
Em síntese, fica claro que a Comissão vem sendo ativa ao tratar da aplicação da CDFUE, não somente em aplica-la no seio da União, como também na elaboração de estratégias para que os direitos fundamentais sejam promovidos por todos meios da União, tanto em âmbito interno quanto externo.
Informações Sobre o Autor
Lycia Cibely Porto Jales
Advogada Especialista em Direito Internacional pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte Mestranda em Direito Internacional Público e Europeu na Universidade de Coimbra