Resumo: O presente artigo se propõe a analisar o contexto da cidadania ambiental, um novo conceito de cidadania que traduz os direitos e principalmente os deveres dos cidadãos em relação ao meio ambiente. Ainda, o artigo explana sobre a atual sociedade de risco que consiste no presente período que a humanidade vive um estágio de complexas tomadas de decisões relativas à modernização e alto consumo, jamais vistos anteriormente.
Palavras-chave: cidadania ambiental, sociedade de risco, direitos, deveres.
Abstract: This article aims to analyze the context of environmental citizenship, a new concept of citizenship that reflects the rights and duties of citizens especially in relation to the environment. Still, the article explains about the current risk society that is in this period that humanity is going through a complex stage of decision making regarding the modernization and high consumption never seen before.
Keywords: environmental citizenship, risk society, rights, ought.
Sumário: Introdução. 1. Conceito de Cidadania. 1.2. Definição de Cidadania na Constituição/1988 e o Papel do Cidadão. 2. Análise do Estudo. Conclusão. Referências.
Introdução
Atualmente vive-se uma quadra da história na qual se experimenta um avanço tecnológico como jamais visto antes, além de estar associado a um forte apelo ao consumo, segundo Turatti (2010).
Assim, faz-se necessário reconhecer que o presente estágio da humanidade é o período que pode ser chamado de sociedade de risco, resultado da complexidade das tomadas de decisões relativas à modernização da informação e do progresso industrial (BAGGIO, 2010).
Diante dessas questões, o cidadão deve assumir seu papel perante a sociedade em que vive e, considerando a participação um fator indispensável para a cidadania, Leite e Ayala (2004) afirmam que esse atributo colabora com a criação de um novo modelo de cidadania, a cidadania ambiental, compatível com a execução de um Estado de Direito do Ambiente. O conceito deste novo modelo de cidadania é exposto no capítulo subsequente.
1. Conceito de Cidadania
Para definir cidadania, primeiramente é necessário conceituar o que é ser cidadão. De acordo com o dicionário da língua portuguesa Michaelis (2009), cidadão é o indivíduo que está em pleno gozo dos direitos civis e políticos de um Estado ou habitante de uma cidade.
Conforme Cesar (2002), a palavra cidadão origina-se da expressão latina civis, que significa sócio da civitas ou polis, quer dizer, sócio da cidade-Estado da Antiguidade Greco-Romana. Nessa visão, enquadram-se como cidadãos apenas os homens que, através do exercício dos seus direitos políticos, participam da gestão da cidade, sem interferência de representantes. A participação política devia-se à votação das leis e prática de funções públicas.
Após a extinção da civilização greco-romana, substituiu-se o statuscivis por relações hierárquicas privadas, caracterizadas por relações sociopolíticas do feudalismo, momento em que cessou o elemento de liberdade da cidadania clássica (CESAR, 2002).
Com o avanço político e territorial do absolutismo monárquico, centralizador do poder político, os pequenos espaços de liberdade que somente retornariam através do pensamento liberal-burguês foram eliminados. Assim, de acordo com Cesar (2002), surge à cidadania liberal pensamento vitorioso das revoluções burguesas que marcaram o cenário político europeu do século XVIII.
Em conformidade com Scherer (2008), na cidadania liberal os direitos civis tornaram-se indispensáveis para economia de mercado competitivo, pois concederam a cada indivíduo o status individual, isto é, o poder de participar de forma independente na concorrência econômica. Dessa forma, tornou-se possível negar assistência estatal, baseando-se na ideia de que o homem era capaz de proteger a si mesmo. A liberdade e igualdade diante da lei representavam a emancipação e libertação dos indivíduos perante um Estado monárquico que lhes vedava a criatividade. No Estado Liberal os homens essencialmente eram livres e iguais em status, apesar de não necessariamente iguais em poder.
Entretanto, com o avanço do capitalismo, utilitarismo e racionalidade tecnológica, o objetivo original do estabelecimento do Estado Liberal era conceder a todos os homens adultos o status de cidadão, garantindo a liberdade e igualdade formal perante a Lei. Nesse espaço de liberdade, os cidadãos poderiam prosperar, ou não, na competição com os demais e os melhores destacariam sua capacidade. O liberalismo trata de um sistema egoísta, sendo marcado pelo individualismo, pois exacerba as características individuais e ignora os mais fracos, hipossuficientes, segundo Scherer (2008).
Scherer (2008) explica que, no final do século XIX, constatou-se que a cidadania liberal pouco fez para redução da desigualdade, entretanto um triunfo alcançado foi o reconhecimento do dissídio coletivo. Pode-se interpretar como uma importante conquista de direito social, mas na verdade, representava a procura do progresso social por meio do fortalecimento dos direitos civis. Entretanto, por outro lado, a cidadania liberal ajudou a conduzir o processo para o caminho das políticas igualitárias do século XX, momento em que surge a cidadania social.
Os direitos políticos, compreendidos como direitos de votar e ser votado, foram consolidados no século XIX e, a partir do século XX, os direitos sociais materializaram-se e têm como referência social as classes de trabalhadores que formam o elemento da cidadania social, adquirindo sua plenitude após a Segunda Guerra Mundial, por meio das instituições do Estado-Providência, como refere Cesar (2002).
A normatização dos direitos sociais foi um misto entre concessões estatais e conquistas populares provenientes de um processo social dinâmico, ou seja, sem as lutas sociais do movimento operário, tais concessões não seriam feitas. Esse processo de transformação do Estado capitalista significou, politicamente, a integração das classes trabalhadoras na sua estrutura e essa foi sua maior legitimação (MARSHALL, 1967).
A cidadania, para Covre (2001), depende dos sujeitos, dos grupos sociais e das condições globais da sociedade, pois permite que os cidadãos façam História em determinadas circunstâncias estruturais, o que significa não pender nem para os sujeitos, nem para as estruturas. Assim, é possível fazer uma ligação entre os desejos e as necessidades dos cidadãos, enquantoindivíduos e enquanto sujeitos grupais no bairro, no sindicato, nos partidos, enfim, até alcançar o âmbito global da sociedade.
É preciso haver uma educação para a cidadania, conscientizar a população dos seus direitos e deveres, para que possam reivindicá-los e criar espaços para estender esse conhecimento a todos os cidadãos, a fim de que possam realmente compreender e assumir sua cidadania (COVRE, 2001).
Segundo Vieira (2005), a cidadania não pode ficar limitada ao espaço territorial nacional, precisa ter uma proteção transnacional, como os direitos humanos. A partir dessa ideia, seria possível pertencer a uma comunidade política e ter participação independente da nacionalidade.
O autor lembra que os problemas sociais que afetam a humanidade e o planeta atravessam fronteiras e tornam-se globais. Questões como migração, pobreza, capital financeiro, desemprego, danos ambientais, em suma, as grandes questões econômicas, políticas, sociais e ecológicas não são somente nacionais, e sim, transnacionais.
Nesse contexto, nasce o conceito de “cidadão do mundo”, o qual abarca a cidadania planetária que vem sendo construída pelas sociedades de todos os países, em contraposição ao poder político do Estado e ao poder econômico do mercado, em conformidade com Vieira (2001; 2005).
O conceito de cidadania e os direitos a ela inerentes estavam, e ainda estão, em constante desenvolvimento. Essa transformação alterou e continua alterando as conquistas e concessões do Estado-Providência. Exemplos clássicos que podem ser citados são: os cortes orçamentários nos programas sociais, privatização de setores públicos de saúde, educação, habitação, transportes e previdência social, entre outros, considerados restrições do Estado de Bem-Estar, explica Cesar (2002).
Por fim, o referido autor relata que, por outro lado, essas restrições geraram uma grande movimentação social e, consequentemente, surgiram novos sujeitos sociais, simbolizados por novos movimentos sociais e populares. Esses sujeitos, na grande maioria, contribuíram para a construção de um novo conceito de cidadania.
Tomando como base os conceitos elencados até o momento, torna-se possível compreender novas construções de cidadania, partindo da cidadania na Constituição Federal de 1988, analisando o atual papel do cidadão e chegando a um novo conceito, chamado cidadania ambiental. Essa nova construção de cidadania será trabalhada na sequência.
1.2. Definição de Cidadania na Constituição/1988 e o Papel do Cidadão
De acordo com Carvalho (2008), em 1988 foi redigida e aprovada pela constituinte a Constituição Federal mais liberal[1] e democrática que o País já teve, merecendo o nome de Constituição Cidadã.
Com o advento dessa nova constituição, o conceito de “cidadão”, na visão constitucional, segundo Herkenhoff (1996), se refere a todo indivíduo que está em pleno gozo de seus direitos civis e políticos e desempenha deveres em um País. Portanto, no Brasil, cidadão brasileiro é o sujeito que possui os direitos civis e políticos reconhecidos no Estado brasileiro. Ainda, menciona que todo cidadão possui uma qualidade denominada de cidadania.
Cidadania é o laço político existente entre o indivíduo e o Estado. No Brasil, a Constituição Federal de 1988 assegurou vários direitos ao cidadão, entre eles, a participação efetiva na vida social.
Leal (2000) define cidadania a partir da especificação dos diferentes direitos e deveres da população, os quais estão estabelecidos expressamente pelo ordenamento constitucional.
O referido autor menciona que o artigo 1°, inciso II[2], da Constituição Federal/1988 traz a cidadania como fundamento de um Estado Democrático de Direito. A cidadania é considerada o princípio fundamental da República Brasileira e normatiza e institucionaliza muitas das reivindicações relacionadas à construção da cidadania. Este é um fenômeno que não possui similaridade em nenhuma das cartas anteriores.
Nas palavras de Cesar (2002, p. 41-42) o conceito de cidadania: “Assim, sendo a cidadania mera decorrência do ordenamento normativo, ou seja, um “status legal”, seu nascedouro é sempre o Estado, “pai” de toda normatividade, que concede ao indivíduo nacional a cidadania. A cidadania, para teoria jurídica dominante, passa a ser, portanto, uma ligação entre o cidadão e o Estado, onde se delimitam seus direitos e deveres, normalmente políticos.”
A partir dessas concepções, os direitos políticos adquiriram amplitude, como nunca antes haviam atingido. Porém, ainda não é possível desconsiderar o perigo da instabilidade democrática, pois a democracia política não solucionou as questões econômicas mais graves, como a desigualdade e o desemprego. Também, houve um agravamento nos direitos civis referentes à segurança individual (CARVALHO, 2008).
A dimensão política da cidadania ampliou-se e continua possuindo relevante importância na contemporânea vida brasileira. Hoje, no Brasil, ser cidadão é ter o direito de voto, ter o direito de ser votado e ter o direito de participar da vida política (HERKENHOFF, 1996).
Nesse sentido, prescreve o artigo 1º da Constituição Federal/1988: “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.
Os direitos políticos, de acordo com Acocella (2009), compreendem os institutos constitucionais referentes ao direito de sufrágio. Esse direito é expresso pela capacidade de eleger e ser eleito e constitui-se por meio do voto, o qual é um dever para os cidadãos maiores de dezoito anos e facultativo para os analfabetos, maiores de setenta anos e para os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos, e está positivado no artigo 14, parágrafos 1º, 2º e 3º, da Constituição Federal[3].
No que se refere à dimensão civil da cidadania, esta também continua possuindo grande importância, pois obteve conquistas consideráveis com o advento da Constituição Federal de 1988. Por exemplo, a mulher igualou-se ao homem, adquirindo os mesmos direitos e obrigações; acabou com a discriminação em relação aos filhos, determinando que sejam todos iguais, independente da condição do nascimento (dentro ou fora do casamento, sendo filhos biológicos ou adotivos), além de proclamar a liberdade de pensamento e crença e a rejeição ao racismo, conforme Herkenhoff (1996).
Quanto à dimensão social e econômica, estabeleceu-se, por meio constitucional, proteção ao trabalho, independente do tipo: seja permanente, temporário, intelectual, manual, industrial, comercial ou doméstico. Dessa forma, a Constituição Federal/1988, no artigo 5º, inciso XIII, estabelece que: “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”.
A dimensão educacional da cidadania consiste no direito de todos à educação, ou seja, ninguém pode ser excluído da educação, conforme o artigo 205 da Constituição Federal/1988[4]. Portanto, é dever do Estado e da família educar. O Governo tem obrigação de manter escolas públicas de boa qualidade com profissionais valorizados e a família tem obrigação de educar, pois não é apenas a escola que realiza esse papel. Os pais, irmãos, o ambiente familiar como um todo, devem favorecer e permitir o processo educacional dos cidadãos (HERKENHOFF, 1996).
Por fim, a dimensão existencial da cidadania, para o autor, significa que ela é uma condição existente para que alguém realmente possa ser uma pessoa, um cidadão, ou seja, ter sua dignidade humana respeitada. O autor refere que para ser um cidadão é necessário ser respeitado como pessoa humana.
Cidadania precisa ser pensada como uma concepção prévia de democracia, uma possibilidade de demarcar propósitos comuns em uma determinada sociedade caracterizada pelo pluralismo e grandes diferenças sociais. Para manter as sociedades, é necessário criar valores comuns, assim como o conceito de união em torno da cidadania, que favorece a identificação de grupos diferentes na mesma sociedade (LEAL, 2002).
A constituição brasileira, estrutura não somente o Estado, mas também a esfera pública, organizando a sociedade e dispondo sobre setores da vida privada. Concede à cidadania um status formal e material de sujeitos co-responsáveis pela construção de um projeto de vida que visa uma democracia efetivamente real, e que não separa as ações públicas dos interesses públicos.
Partindo desse ínterim, a cidadania não é composta apenas por direitos, há também muitos deveres a serem cumpridos e, em diversas situações, existem direitos que são deveres ao mesmo tempo.
Estes direitos/deveres resumem-se em: votar e participar da vida política, trabalhar, usufruir dos “direitos” elencados nas leis e na Constituição, assim como o dever de lutar pelos direitos individuais e coletivos, de acordo com Herkenhoff (1996).
Para que o cidadão realmente assuma seu papel, o referido autor menciona os importantes deveres da cidadania, tais como: o dever de participar da vida coletiva, seja no bairro, no sindicato, no trabalho, no partido político, em diferentes associações, em nível municipal, estadual ou nacional; exercer o dever da solidariedade, não permitindo isolamento e egoísmo; ajudar no progresso dos cidadãos, na superação dos problemas sociais, sempre na medida de suas possibilidades; o dever de pagar impostos, respeitando as proporções das posses de cada cidadão e exigir o direito dos impostos serem bem aplicados; ainda, o dever de prestar serviço militar ou civil, quando os países são agredidos e o dever de lutar por um país fundado pela cooperação, boa vizinhança e nos valores de paz e justiça.
De acordo com Jonas (2008), é dever do cidadão responder por seus atos e suas consequências. Ademais, esse dever precisa ser encarado primeiramente como um ponto de vista legal, não moral. O autor explica que se o cidadão causar danos, por exemplo, ao meio ambiente, esses devem serreparados, mesmo que a causa não tenha sido um ato maudoso e suas consequências não tenham sido desejadas.
O que descreve a responsabilidade é um sentimento moral que tem como finalidade positiva o bem humano. Assim, pode nascer a vontade de assumir responsabilidades e, consequentemente, assumir a cidadania. Caso contrário, há uma grande possibilidade de se lamentar a fuga das responsabilidades e da cidadania (JONAS, 2008).
Para conquistar a cidadania é necessário que haja luta individual e coletiva. A luta individual é mais árdua, porém, sempre que uma situação exigí-la, não se deve recuar diante dos obstáculos, e sim, buscar os direitos enfrentando qualquer barreira. Mas, sempre que possível, deve-se recorrer à luta coletiva, pois a união fortifica os cidadãos. Um exemplo simples dessa luta coletiva pode ocorrer quando várias pessoas têm os mesmos interesses a defender perante a Justiça; torna-se mais prático unirem-se em uma ação comum, ao invés de seguirem separadamente[5].
Todo cidadão deve assegurar seu direito de participar da fixação de regras sociais, para sua própria proteção, afirma Dallari (2002). Esse autor considera que a participação é um dever que não pode ser ignorado, já que os cidadãos devem participar de todos os assuntos de interesse social e comunitário, buscar uma convivência justa e refletir sobre a interdependência entre todos os seres. O direito de participação deve ser assegurado, mas cabe aos cidadãos cumprirem o dever de participar. A participação social asseguraria uma sociedade democrática e o exercício da cidadania.
Os cidadãos precisam aprender a ultrapassar seus desafios utilizando suas forças e unindo-se, independente do ambiente ser adverso a isso ou da luta coletiva ser desvalorizada; será sempre mais eficaz a coletividade, segundo Herkenhoff (1996).
Segundo Carvalho (2008), é preciso dar ênfase à organização da sociedade. Para consolidar a democracia é muito importante reforçar a organização da sociedade para dar embasamento social ao político, quer dizer, democratizar o poder.
De acordo com Lapierre (2003), o cidadão não pode mais sujeitar-se a permanecer como simples beneficiário do Estado; precisa ser participativo e, para isso, aborda diversas maneiras de participação. A mais resumida seria o voto, e a mais completa, seria tornar-se político profissional. Entretanto, não há condições de todos ascenderem à profissão de político. Por essa razão, deve-se buscar formas distintas de participação.
Lapierre (2003) menciona que fóruns, como conselhos regionais e municipais e audiências públicas, possibilitam a expansão de participação. Refere-se também à relevância do civismo, explicando que o mesmo é fundamental para a propagação da consciência e da vontade de ser efetivamente um cidadão. Por isso, Lapierre (2003, p. 207) deixa um conselho para os cidadãos: “sed ciudadanos, vigilantes y activos”.
Para Lapierre (2003), os cidadãos vigilantes não acreditam no que os políticos dizem, principalmente em campanhas eleitorais, e os julgam somente pelo que fazem; controlam os governantes e aqueles que os elegeram. Ainda, o autor menciona que os cidadãos ativos, além de votarem, controlam seus eleitos. Podem aderir a um partido, mas o importante é a participação nas lutas sociais. Por isso, Lapierre (2003, p. 207) deixa um conselho para os cidadãos: “sed ciudadanos, vigilantes y activos”.
Para o referido autor, os cidadãos vigilantes não acreditam no que os políticos dizem, principalmente em campanhas eleitorais, e os julgam somente pelo que fazem; controlam os governantes e aqueles que os elegeram. Ainda, o autor menciona que os cidadãos ativos, além de votarem, controlam seus eleitos. Podem aderir a um partido, mas o importante é a participação nas lutas sociais.
Outras maneiras de mobilizar os cidadãos para que exerçam o seu papel na cidadania, segundo Carvalho (2008), são as parcerias entre as prefeituras municipais com associações de moradores e organizações não-governamentais. Esse tipo de aproximação é realizado em nível local, onde a participação sempre é mais frágil, apesar de ser mais relevante para a vida da maioria dos cidadãos.
Para Cesar (2002), essas diversas formas de organizações são chamadas de “novos movimentos sociais”. O autor explica que os novos movimentos sociais interagem com o Estado para o efetivo exercício da cidadania, e desenvolvem-se junto à sociedade, praticando a democracia participativa. Assim, surgem novos atores sociais que são caracterizados por não se restringirem a somente um campo de atuação, fazendo uma interação entre os cidadãos e o Estado na luta pela cidadania.
Entretanto, infelizmente, todos os países do mundo possuem faixas populacionais que não exercem e nem desfrutam da sua cidadania; são casos de exclusão da cidadania.
Mesmo que isso atinja um pequeno percentual de pessoas, o repúdio da população não afetada deve ser manifestado, pois a cidadania deve ser universal. A dignidade humana necessita de reconhecimento e valor, ninguém pode ser privado da condição de cidadão.
A relação entre o Estado versus Cidadão é o que define a cidadania, pois essa não sobrevive sem esta relação. A cidadania é um processo de reflexão do indivíduo sobre si mesmo, tornando-se um ator social para exercer a solidariedade planetária e assumir sua participação social.
Assim, Lapierre (2003) conclui que o conceito de cidadania clássica foi superado e que a cidadania atual deve abarcar um cidadão mais participativo, além de solidário.
A partir do momento que o cidadão assume sua participação na sociedade e reflete sobre o seu papel, inicia-se uma caminhada para compreender e exercer uma nova forma de cidadania, a chamada “cidadania ambiental”. Diante da importância dessa compreensão, faz-se necessário o estudo da cidadania ambiental que será abordado na continuidade.
2. Análise do Estudo
No que tange à temática proposta, realizada uma análise em torno dos conceitos de cidadão e cidadania e, compreendo a definição ampla da matéria com base em conceitos doutrinários e constitucionais, tratou-se de expor o papel do cidadão na sociedade, podendo-se assim, abordar uma nova construção de cidadania: a cidadania ambiental.
A degradação ambiental marcou o quadro mundial das últimas décadas, consequentemente, gerou um aumento da deterioração do meio ambiente afetando a qualidade de vida da população. Um exemplo disso são os efeitos nocivos gerados pelo aquecimento global. Levando-se em consideração esse cenário, Turatti (2010) afirma que o papel do cidadão carece transcender sua forma tradicional e abrigar as questões ambientais.
Nesse sentido, a autora menciona que, para frear o crescimento das degradações e alterar essa situação, deve-se incrementar o papel do cidadão, firmando nesse contexto a cidadania ambiental, que se torna ainda mais importante, visto que o Estado não consegue absorver todas as demandas geradas pela sociedade.
Assim, a participação na cidadania ambiental possui duas funções: a de advertência e de compromisso, enfatizando-se a responsabilidade na obtenção de significados relativos ao exercício do poder político em relação a questões ambientais, privilegiando os interesses coletivos (LEITE; AYALA, 2004).
A cidadania ambiental, segundo Leite e Ayala (2004), objetiva a proteção intercomunitária do bem ambiental, a partir dos elementos mencionados na cidadania clássica. Ela funda-se na solidariedade e participação responsável na proteção ambiental, portanto, considera-se que o cidadão não terá um compromisso de lealdade nacional, mas sim, lealdade ecológica.
Essa nova cidadania vincula-se a uma ideia de solidariedade, pois o cidadão se relaciona com o Estado e com a sua comunidade, preocupando-se com as gerações atuais e também com as gerações futuras, conforme Turatti (2010).
Deve ser exercida individualmente e coletivamente, com ações associativas, sempre priorizando aspectos da cidadania coletiva para obter maior força nas reivindicações de proteção ambiental. Este modelo de cidadania ocorre somente quando há uma transformação no jeito de pensar e de viver do homem, já que exige uma visão consciente e solidária do cidadão como algo essencial para sua sobrevivência, segundo Leite e Ayala (2004).
De acordo com Turatti (2010), no que se refere à matéria ambiental, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 225, caput[6], tornou acessível à participação e atuação da população na preservação e defesa ambiental, quando impôs à coletividade o dever de defender o meio ambiente, bem de uso comum do povo. Assim, tornou-se direito da sociedade participar, tanto na formulação, quanto na execução das políticas ambientais.
O cidadão e a coletividade brasileira têm a sua disposição instrumentos constitucionais para tutelar em favor do meio ambiente, são eles: I) o Mandado de Segurança Coletivo, positivado no artigo5º, inciso LXX, da Constituição Federal de 1988; II) a Ação Civil Pública, utilizada para reprimir ou impedir danos ao meio ambiente (entre outros) e tem a finalidade de proteger os interesses difusos da sociedade; III) a Ação Popular, mediante a qual a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso LXXIII, assegura ao cidadão a possibilidade de “anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural […]”, em conformidade com Turatti (2010).
A autora supra mencionada explica que a efetiva atuação do cidadão é um eficaz instrumento para a consolidação da democracia participativa, não apenas individual, mas também coletiva. Um grande exemplo disso são as inúmeras ONG’s ambientais que atualmente desempenham um papel fundamental nesse sentido.
Nas palavras de Turatti (2010 p. 65): “A participação integra o processo democrático e é alicerce da cidadania. A garantia do Estado Democrático de Direito, na atual sociedade pluralista, depende fundamentalmente de uma participação popular que busque solidificar e intensificar as conquistas em todos os campos, neste caso, as relacionadas com os problemas das incertezas globais referentes à questão do meio ambiente.”
Soffiati (2002) afirma que o ecossistema[7] precisa adquirir importância fundamental na construção da cidadania ambiental (chamada pelo autor de ecocidadania), pois não pode ser construída de forma individual, mas sim, coletiva. A relevância da ecocidadania torna-se ainda maior perante a crise ambiental atual.
O autor supracitado menciona que a crise ambiental da atualidade origina-se de uma concepção utilitarista da natureza, e essa concepção é resultado complexo do capitalismo, que também é responsável pela revolução tecnológica. Assim, a compreensão equivocada da natureza e as relações materialistas – consumismo – impregnaram as sociedades do planeta. De forma complexa, a crise ambiental do presente revela seu aspecto horizontal e global.
Partindo dessa equivocada concepção de natureza e considerando a perplexidade diante da grandeza da crise ambiental contemporânea, surgem duas posições fundamentais referentes às atitudes humanas: o mundo como artifício e o mundo como natureza. O artificialismo é extremamente coeso, mesmo que possa ser desdobrado em várias linhas. No que tange ao naturalismo contemporâneo, esse se distingue em quatro posturas apresentadas por Soffiati (2002).
A primeira postura é denominada exponencialismo; parte da premissa de que a natureza não tem limites, é um estoque inesgotável de recursos disponíveis ao “Homem”, com capacidade de sustentar um crescimento exponencial. Ainda, a natureza apresenta, ao mesmo tempo, capacidade ilimitada de receber os resíduos produzidos pelas sociedades humanas.
A segunda grande postura naturalista é o compatibilismo, o qual pretende conciliar os estilos convencionais de desenvolvimento com a proteção ambiental, ou seja, conciliar entidades inconciliáveis. Trata-se da concepção da Modernidade acerca das questões ambientais; enfim, passa a ser apenas mais uma ideia entre outras que deve ser encaixada num compartimento.
A terceira postura naturalista é representada pelos movimentos civis de defesa do meio ambiente. Esses movimentos não apresentam uma unidade e seu caráter civil não os restringem da sociedade civil e os opõem ao governo. Seus representantes, em sua maioria, não ocupam cargos de confiança junto ao governo e geralmente são constituídos por ecologistas, que assumem a postura mais consequente dos movimentos, pois não se limitam apenas à crítica das relações entre sociedades humanas e natureza não-humana. Pretendem instituir um sistema filosófico construtivista que supere a Modernidade, por meio de uma transformação radical nos planos tecnológico, econômico, social, cultural, político, das relações internacionais e das relações entre os homens e a natureza.
Por último, a quarta grande postura naturalista consiste no determinismo biológico, atualmente representado pela sociobiologia. Essa tipologia não vence a complexidade e o dinamismo da realidade, além de apresentar interpenetrações, já que o artificialismo como o determinismo biológico desempenha papel reduzido no conjunto das tendências (SOFFIATI, 2002).
Portanto, o embate se dá entre o exponencialismo, cada vez mais acudado, o compatibilismo e os movimentos civis de defesa do meio ambiente. Na visão de Soffiati (2002), no âmbito desses últimos, o ecologismo parece ocupar posição de futuro promissor.
O mencionado autor explica que o ecologismo busca colocar em funcionamento o projeto de uma nova tecnologia, um novo sistema econômico, uma nova ordem social, uma nova concepção de política e uma nova cultura. Mas sua maior ambição é redimensionar as relações entre as sociedades humanas e o meio ambiente, com o objetivo de subscrever um contrato natural, onde se estabeleça a paz perpétua entre essas duas entidades, além de torná-las complementares.
Entretanto, para que isso ocorra, é essencial que haja mudanças de atitude e também é necessária a construção de uma nova relação entre as sociedades humanas e a natureza. Para isso tornar-se possível, é imprescindível assumir novas formas de cidadania, ou seja, as sociedades humanas necessitam incorporar a ecocidadania em seu sistema (SOFFIATI, 2002).
Conclusão
Tangenciando as ideias abordadas, Turatti (2010) menciona que a cidadania ambiental exige uma mudança de postura da população. Para isso, é preciso investir na educação ambiental, inserindo na consciência das crianças a importante tarefa de proteger o meio ambiente, não só para eles, mas também para as gerações futuras. Essa é a condição para que se possa criar verdadeiros cidadãos ambientais.
A cidadania ambiental não está limitada a um determinado povo, espaço ou território, ela ultrapassa todas essas barreiras e tem como finalidade a proteção de um bem difuso comum a todos os cidadãos, o meio ambiente (TURATTI, 2010).
Nessa mesma visão, Leite e Ayala (2004) mencionam que a cidadania ambiental é mais abrangente e não está delimitada espacialmente a um determinado território ou povo. Ela tem como objetivo comum a proteção do bem difuso ambiental, fugindo dos elementos referentes à cidadania clássica.
Na era da sociedade de risco, verifica-se também que a cidadania ambiental deve ser exercida em termos planetários, sem fronteiras, e exige uma participação compartilhada entre o Estado e os cidadãos para conseguir alcançar seus fins de proteção das responsabilidades difusas com o ambiente. Além disso, deve ser configurada em uma ética intergeracional, ou seja, entre todas as gerações, atuais e futuras (LEITE; AYALA, 2004).
A difusão da cidadania ambiental somente ocorrerá com a transformação do modo de pensar e de viver do homem, o qual deverá inserir nos seus valores a importância de conviver em harmonia com o meio ambiente. A cidadania ambiental requer do cidadão uma visão consciente e solidária, como um bem indispensável a sua sobrevivência.
Informações Sobre o Autor
Ana Christina Konrad
Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Ambiente e Desenvolvimento da Universidade do Vale do Taquari, Mestra em Ambiente e Desenvolvimento, graduada em Direito (UNIVATES); Bolsista PROSUC/CAPES