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A class action americana. Influência exercida no ordenamento brasileiro. Comparação entre os dois sistemas.

Resumo: O presente artigo pretende estabelecer um panorama geral das ações coletivas nos ordenamentos estrangeiros, especialmente as class action norte-americanas. O artigo traz a evolução da class action nos Estados Unidos e ainda os principais requisitos para sua classificação. São analisados alguns breves aspectos sobre a ação coletiva passiva e seus fundamentos. Estabelece as semelhanças e diferenças com a tutela coletiva no direito brasileiro. O artigo faz uma pequena introdução sobre a tutela coletiva e seus objetivos.  Pretende-se ainda sugerir a aplicação de alguns institutos previstos nos ordenamentos estrangeiros, para o direito brasileiro, com as necessárias adaptações.


Palavras-chave: ações coletivas; ordenamentos estrangeiros


Abstract: This article has the purpose to present an overview of the collective process in foreign countries, especially the north-american class action. The article brings the evolution of the class action in the United States and its principal requirements. Establishes the differences and the similarities between the american class action and the brazilian class action. There is an analysis regarding the defendant class actions and its purposes. The article makes a brief introduction regarding the collective process and its goals. Finally, there are suggestions for the appliance of some foreign rules to brasilian legislation, with the necessary adaptations.


Sumário: 1 – Introdução; 2 – Objetivos da tutela coletiva; 2.1. economia processual; 2.2 acesso à justiça; 2.3 efetivação do direito material; 3 – A class action norte-americana; 3.1. Histórico; 3.2. Requisitos; 3.3 Fundamentos específicos; 3.4 demais aspectos da class action; 3.5 ação coletiva passiva; 4 – Influência exercida no ordenamento brasileiro; 5 – Comparação entre os dois sistemas; 6 – Conclusão;7- Bibliografia


1 – INTRODUÇÃO


Conforme leciona o Professor Cândido Rangel Dinamarco: “A ciência processual brasileira vive atualmente, mais do que nunca, uma grande necessidade de se conscientizar das realidades circundantes e tomar conhecimento dos conceitos e institutos dos sistemas processuais de outros paises, com a finalidade de buscar soluções mais adequadas para os problemas da Justiça brasileira”.


Ainda para o Professor, tal necessidade decorre da sociedade atual, nas quais as relações são, em sua maioria, de massa. Isto significa que as relações jurídicas não afetam somente duas partes, mas a coletividade. Em razão disso, é necessária a coletivização da tutela jurisdicional, para evitar a proliferação de demandas com o mesmo objeto.  


A utilização do direito comparado é extremamente enriquecedora para as pesquisas e contribui diretamente para o aperfeiçoamento do direito nacional.


No caso do direito processual coletivo o direito comparado é fundamental, especialmente ao direito norte-americano das denominadas class actions, que foram a base do direito coletivo brasileiro.


A tutela coletiva possui o condão de efetivar três importantes objetivos: promover a economia processual, o acesso à justiça e a aplicação voluntária e autoritativa do direito material.


Outros objetivos podem ser atribuídos às ações coletivas, porém, pode-se afirmar que os três acima especificados são os mais importantes e serão estudados a seguir.


2      – OBJETIVOS DA CLASS ACTION


a) economia processual


No direito americano, a economia processual e a eficiência processual são valores essenciais. As ações coletivas permitem que inúmeras ações individuais sejam substituídas por uma única. As ações coletivas também trazem economia financeira, uma vez que os custos da demanda são rateados entre todo o grupo.


 Para o réu, a demanda coletiva também é mais eficiente, pois se julgada improcedente, impede decisões contraditórias. Se procedente, o réu economizará com o custo de contratação de advogados em inúmeras demandas individuais.


 A economia processual coletiva, no entanto, possui um lado negativo. Neste sentido, ensina o Antonio Gidi:


“ A ação coletiva viabiliza a tutela de um grande número de interesses individuais em uma única ação. Embora o procedimento coletivo tenha um custo apenas marginalmente superior ao de uma ação individual, a sentença coletiva tem um valor geometricamente potencializador, de acordo com o número de membros do grupo. A desproporção entre o baixo custo do processo e o alto valor da sentença faz com que mesmo uma ação com uma pequena possibilidade de vitória seja economicamente viável para o grupo, e extremamente perigosa para o réu. A situação de desigualdade entre as partes persiste, mas agora de forma invertida; a empresa ré passa a estar em situação de desvantagem: deixa de ser opressora para ser oprimida.” [1]


Não obstante a desvantagem apontada, que decorre da própria natureza das coisas, as ações coletivas são extremamente benéficas ao sistema, pois além da economia e celeridade processual, trazem a segurança jurídica por evitar decisões contraditórias.


b) acesso à justiça


 As class actions são fundamentais para a efetivação do acesso á justiça. Através delas demandas que dificilmente chegariam ao Poder Judiciário são propostas. Tal importância é facilmente verificada nos casos, por exemplo, ligados ao direito do consumidor.


 Muitas das regras estabelecidas para os fornecedores de produtos e serviços são diariamente desrespeitas sem que haja qualquer punição. Isto porque o prejuízo causado ao consumidor é de pequena monta ou até mesmo imperceptível diretamente.


 Nestas hipóteses apenas em raríssimos casos o consumidor irá buscar o cumprimento da regra judicialmente porque economicamente inviável e a eventual procedência na demanda não traria qualquer prejuízo ao réu.


 Este cenário é alterado quando a demanda é proposta por um legitimado em favor de centenas ou milhares de pessoas. Ainda que individualmente a demanda não seja eficiente, coletivamente ela pressiona o réu a adotar as medidas adequadas.


 Outros exemplos de acesso à justiça proporcionado pelas class actions são a defesa de interesses de pessoas que dificilmente teria condições de sequer conhecer o seu direito, como o caso das crianças e ainda a de interesses de pessoas que por se encontrarem diante de uma situação em que não podem enfrentar diretamente o autor da conduta, como as ações trabalhistas.


Assim, é evidente que a utilização das class actions é de suma importância para que haja um equilíbrio entre os indivíduos e o governo ou grandes empresas.


 Há de se noticiar, no entanto, que existem doutrinadores que entendem de maneira diversa a existência das class acions, no que ousamos discordar. Para estes doutrinadores estas demandas servem apenas para tratar de forma coletiva um conflito que sempre foi coletivo.


“o acesso á justiça não é um fim em si mesmo, mas mera conseqüência”[2]


c) efetivação do direito material


 A existência das class actions, ameaça a impunidade das empresas que, em razão da alta lucratividade, deixam de cumprir as regras estabelecidas. Em razão da possibilidade de punição, a class action estimula o cumprimento voluntários das regras e obrigações.


 A sentença da class action pune ainda de forma coletiva, uma infração coletiva, reforçando a autoridade dos Estados e colaborando na construção de políticas públicas.


 A decisão em demanda coletiva dá ao Poder Judiciário a exata dimensão de sua decisão, podendo ser avaliado pelo julgador todos os aspectos do conflito, trazendo uma maior possibilidade de a sentença ser, de fato, benéfica à sociedade.


 Este estímulo ao cumprimento voluntário das leis é denominado nos Estados Unidos de derrence. Isto significa o estimulo ao cumprimento voluntário do direito através de incentivos e punições.


3 – A CLASS ACTION NORTE-AMERICANA


3.1. Histórico


A class action norte-americana deriva do instituto inglês demonimado Bill Of Peace. Na Inglaterra, os tribunais de direito não permitiam o litisconsórcio voluntário fundado somente nas questões comuns. Já o tribunal de equidade (que possuía a função de regular situações que o direito não disciplinava de forma adequada), permitia a existência do litisconsórcio facultativo.


 As cortes de equidade, para evitar a multiplicidade de procedimentos, passaram a exigir que todos os interessados na lide interviessem no processo, sob pena de extinção. A decisão vinculava todos os interessados.


 Com o passar dos anos, verificou-se que esta obrigatoriedade de intervenção trazia prejuízos às partes e à justiça. A intervenção de todos os interessados prejudicava o andamento do processo e a falta de intervenção impedia a prestação jurisdicional.


 Para evitar estes inconvenientes, as cortes inglesas criaram o Bill of Peace, ações representativas para os casos em que o grupo era tão numeroso que o litisconsório fosse impossível ou impraticável. Estas ações faziam coisa julgada erga omnes, vinculando todos os membros do grupo.


 Os Estados Unidos, colônia da Inglaterra, adotou o mesmo sistema jurídico dos tribunais de Direito e de equidade.


 Com a independência americana, foi criado o sistema jurídico federal.


A primeira lei sobre a matéria, em âmbito federal, foi editada em 1845 e denominada de rule 48. Esta regra sofreu uma modificação em 1912 e foi rebatizada de regra 38. Somente em 1938, com a edição do Federal Rules of Civil Procedure, que a regra sobre a class action assumiu relevância, pois passou a ser adotada pela Suprema Corte.


 Nesta época, a doutrina e a jurisprudência conheciam três tipos de class actions, dependendo do direito a ser tutelado e dos efeitos do julgamento: (a) a verdadeira class action, em que o direito era absolutamente comum a todos da classe; (b) a class action híbrida, em que o direito era comum em razão de várias demandas sobre a mesma matéria e; finalmente, a class action não autêntica, ou seja, quando uma questão comum de fato ou de direito, afetando diversos direitos de várias pessoas que se reuniam para demandar.


A sentença fazia coisa julgada somente para os membros da classe tanto na ação denominada verdadeira como na híbrida. No caso da demanda não autêntica, a sentença apenas teria efeitos para as partes intervenientes.


 Somente com a edição da Rule 23, as ações coletivas com pretensões indenizatórias (class actiom for damages) foram permitidas nos Estados Unidos.


 Em 2005 a Rule 23 sofreu uma alteração, determinando a competência da Justiça federal para o julgamento de todas as class actions de alto valor.


3.2. Requisitos


 No âmbito federal, a class action americana é regulada pela Regra 23 do Federal Rules of Civil Procedure. Por esta regra, para qualquer demanda deste tipo, devem estar presentes concomitantemente sete requisitos:


1 – haver uma classe; para a existência de uma classe não há necessidade de que todos os seus membros sejam previamente identificados ou identificáveis no princípio do processo. Significa apenas que os contornos gerais desta classe sejam delineados para ser possível identificar se um individuo faz ou não parte desta classe.  Esta requisito tem a finalidade de identificar aqueles que devem ser intimados sobre a existência da demanda, ou sejam indenizados no caso de alguma condenação em dinheiro.


2 – o candidato a representante da classe ser membro dela; normalmente, um único autor pode exercer a representação da classe, mas em algumas situações a jurisprudência exige um número maior de representantes, como forme de assegurar uma adequada e justa defesa dos interesses e membros ausentes. Na class action norte-americana, o efeito da sentença transitada em julgado atinge todos os membros da classe, independentemente de seu resultado. Por esta razão, é exigido que o representante tenha seu próprio e individual interesse na lide, de forma que o resultado também o atinja. É de fundamental importância a verificação de que não há conflito de interesses entre o representante e sua classe. Quando determinado que não há adequada representação, pode ocorrer a intervenção de outro membro da classe que seja moral e economicamente mais idôneo. A classe pode ser ainda dividida em subclasses, cada qual com o seu representante. A verificação da representatividade adequada é tão relevante que pode ser feita inclusive após o trânsito em julgado da sentença.


Importante ressaltar ainda que na class action, caso seja verificado que em algum momento durante a demanda houve inadequação da atuação do representante, o indivíduo não sofrerá os efeitos da coisa julgada, e poderá rediscutir a matéria em novo processo.


Com a suspeita de inadequação do representante, este deverá depor em juízo e a defesa procurará provas desta inadequação. O representante deve conhecer profundamente os fatos e documentos dos autos e não apenas aqueles relacionados com o seu direito.  O representante deve estar disposto a pagar as despesas do processo, que poderá vincular os bens processuais.


A classe pode também figurar no pólo passivo da demanda, situação em que será nomeado representante dos demais. O nomeado pode recusar o cargo, mas o juiz pode mantê-lo.


3 – a classe ser tão numerosa que a reunião de todos os membros seja impraticável; não é necessária a demonstração de impossibilidade de reunião, mas de uma acentuada dificuldade ou inconveniência. A class action deve trazer efetiva economia judicial. Se a controvérsia pode ser resolvida eficazmente por meio de ações individuais, não haveria motivos para se processar a class action. Não há um número mínimo de associados.


4 – haver questões de fato ou de direito comuns a todos os membros da classe representada, ou seja, as pessoas representadas devem ter o mesmo interesse.


5 – os pedidos ou defesas dos litigantes serem idênticos aos pedidos e defesas da própria classe;


6 – estar configurada a representatividade adequada, ou seja, o autor deve ser capaz de defender adequadamente os interesses dos membros da classe que estejam ausentes no processo; este requisito exige que os pedidos e defesas dos litigantes sejam idênticos aos pedidos ou defesas da própria classe. e, finalmente;


7 – estar configurada alguma das hipóteses estabelecidas nas alíneas da lei federal que será analisada adiante;


Além das regras federais, os estados possuem regras próprias paras as class actions. Em alguns estados são exigidos requisitos mais brandos para a propositura das demandas, como a necessidade de se tratar de uma classe numerosa e a verificação de que a via administrativa será mais célere que a individual.


 Preenchidos todos os requisitos é emitida uma class certification, que define os limites da classe e o objeto da demanda, além de apontar o representante adequado. Este class certification permite que o autor prossiga com a demanda, sem ele, o processo deverá seguir a linha tradicional, ou seja, individual.


 A verificação dos pressupostos de admissibilidade da class action e conseqüentemente concessão dos certifications, é realizada na primeira oportunidade após o ajuizamento da demanda.


 O juiz ou tribunal pode designar uma audiência prévia para formar seu convencimento sobre a conveniência da certificação. Existe ainda a possibilidade de uma ação individual, em que no decorrer do processo se verifique tratar de direito de classe, seja requerida a certificação para prosseguir como demanda coletiva.


 A decisão de conceder ou não o certification é condicional e pode ser revogada a qualquer momento em decorrência de fato superveniente. Contra tal decisão não há recurso, pois nos Estados Unidos apenas as sentenças estão sujeitas a recursos.


 A negativa do certification por falta de representante adequado ou de advogado suficientemente qualificado não impede a possibilidade de sua obtenção por outro representante.


 Tanto o autor como o réu podem requerer o certification, assim como este pode ser concedido de ofício pelo juiz.


 Interessante notar que na class action americana a capacidade, experiência na matéria discutida nos autos, a reputação profissional e a dedicação do advogado do representante também é fiscalizada, em razão da proteção dos interesses dos ausentes.


 A jurisprudência costuma proibir que os associados sejam sócios ou associados da firma que patrocina a causa.


 Com o tempo a jurisprudência americana passou a admitir que associações promovessem a class action. No entanto, ainda não se pacificou o entendimento a respeito da necessidade de a associação ter de demonstrar a existência de danos próprios ou se basta que um de seus associados tenha sofrido.  Em alguns casos tem se admitido a propositura de class action por agências governamentais.


 O direito americano ainda atribuiu o controle de cumprimento de determinadas leis (consumidor, direitos civis, etc..) aos próprios beneficiários, e não somente através do controle estatal. Essa concepção deu origem ao private attorney general litigation, ações de interesse social (que no Brasil seriam atribuídas ao Ministério Público) propostas diretamente pelas pessoas que tiveram o seu direito violado.


 O Ministério Público nos Estados Unidos não tem legitimidade para a defesa de interesses difusos e coletivos.


3.3 Fundamentos específicos


A regra 23 do Federal Rules of Civil Procedure estabelece três espécies de class action. São situações fáticas e jurídicas diferentes que são denominadas pressupostos de desenvolvimento.


 Para desenvolver-se como uma class action é indispensável, além de preencher os requisitos já explicitados, que a demanda se encaixe em uma das três hipóteses a seguir:


1 – a demanda pode ser processada como class action se além dos preenchimentos dos requisitos o ajuizamento de ações individuais por ou em face de membros do grupo faça surgir o risco de que a respectivas sentenças nelas proferidas imponham ao litigante contrário à classe comportamento antagônico ou; tais sentenças prejudiquem ou tornem extremamente difícil a tutela dos direitos de parte dos membros da classe estranhos ao julgamento.


 Esta hipótese prevê duas preocupações distintas: o prejuízo do litigante contrário e com os membros da classe que não integrarem a relação processual.


 A preocupação com sentenças antagônicas impede que determinado litigante tenha que pagar indenização para os membros de uma classe e saia vencedor com relação aos outros membros. Dá-se tratamento idêntico a todos os membros da classe.


 A segunda hipótese impede que o julgamento de uma demanda individual possa causar prejuízo a quem não é parte na lide. O exemplo mais significativo é existência de várias demandas individuais em face de um fundo limitado. Os primeiros litigantes teriam seu direito indenizado enquanto os demais não conseguiriam receber.


  2 – a classe action também pode se desenvolver quando o litigante contrário à classe atuou ou recusou-se a atuar de modo uniforme perante todos os membros da classe. Nesta hipótese a sentença final imporá à parte um provimento mandamental para que todos os membros da classe sejam tratados de forma igualitária. Este class action é frequentemente utilizada para a proteção de direitos civis e de outras garantias constitucionais. Nesta class action não é admitido pedido de caráter patrimonial. Aproxima-se, portanto, da ação civil pública para a proteção de direitos difusos.


  3 – a última hipótese de class action em âmbito federal,é considerada a mais controvertida e a mais freqüente. É denominada de class action for damages. O fundamento da class action será o Tribunal entender que as questões de direito e de fato comuns aos componentes da classe ultrapassem as questões meramente individuais e, neste caso, a class action constituirá uma tutela mais adequada para o correto e eficaz deslinde da controvérsia. Para chegar a esta conclusão, no caso concreto, o Tribunal deverá analisar o interesse individual dos membros do grupo no ajuizamento ou na defesa da demanda separadamente, a extensão do conteúdo das demandas já ajuizadas por ou em face dos membros do grupo; a conveniência da reunião das causas e a dificuldade do processamento da demanda na forma de class action.


 A defesa do consumidor está inserida na hipótese desta alínea.


 Nas class actions americanas os interessados, ou seja, os membros do grupo devem ser intimados da existência da demanda. A intimação, se possível, deverá ser pessoal. Os custos com a intimação são do representante da classe, e se este não tiver condições econômicas de intimar todos os membros do grupo, este deverá desistir da class action.


 A intimação deve ser realizada ainda que por amostragem, e é indispensável, especialmente na terceira hipótese de class action, já analisada. Isto ocorre porque ninguém pode ser condenado a perder um direito sem que suas razões possam ser expostas para o Tribunal.


 Outra finalidade desta intimação é permitir que o interessado opte por não fazer parte do processo, denominado como opt-out. para realizar a manifestação esta deve ser feita tempestivamente, ou seja, não pode ocorrer em qualquer momento do processo. Exercido o opt-out o representando não será beneficiário se a sentença for procedente. Esta opção de sair da demanda somente é admitida na hipótese de ações indenizatórias, previstas na terceira hipótese das class actions. Nas duas primeiras hipóteses este direito não é facultado aos membros da classe.


 O autor que arcar com o custo da intimação dos interessados será devidamente reembolsado pela outra parte no caso de procedência da demanda. O dinheiro é recuperado do chamado class recovery, ou seja, aquilo que foi recuperado pela classe.


 Na hipótese da alínea 2, ou seja, a class action que tem como objetivo um provimento mandamental para o órgão contrário à classe, e ainda na alínea 1, ou seja, a class action com fundamento na divergência de sentenças ou prejuízo de terceiros, não há obrigatoriedade de intimação de todos os membros da classe, pois estes não podem exercer o opt-out. O juiz, no entanto, pode determinar a cientificação dos ausentes através de um comunicado geral.


 A class action americana, ao menos em tese, pode ter um representante da classe como autor ou como réu na demanda. A defendant class action, ou seja, aquela em que a classe é ré, é pouco comum nos tribunais americanos. Isto porque entendem os doutrinadores ser extremamente difícil a caracterização da representação adequada, requisito fundamental para uma class action.


 De todo modo, ao selecionar um representante para o réu, o juiz deverá verificar se ele tem recursos suficientes para manter uma tutela adequada.


3.4 demais aspectos da class action


 Nos sistema norte-americano comum grande parte da disputa judicial é realizada fora dos tribunais, inclusive a produção de provas. Ao juiz caberia o papel de apenas dirigir o encontro entre as partes e ao Tribunal verificar quem está com a razão. Assim, o processo nos Estados Unidos tem nítido caráter privatístico.


 Entretanto, a tutela de interesses coletivos em geral trouxe a necessidade de transformação do papel do juiz. A class action somente se torna um instrumento valioso se acompanhado de adequado controle público. 


 O juiz, nas class actions, possui poderes considerados excepcionais para o sistema americano. Os principais poderes do juiz na class action são: a analise de admissibilidade e de adequada representação do processo, a possibilidade de determinar que uma demanda individual se converta em class action, se assim exigir o interesse público, delimitar o objeto da demanda ou cindi-la em diversos processos, adotar as medidas para evitar repetições inúteis, determinar a intimação dos membros da classe, autorizar a desistência, renuncia e transação, fixação de multas diárias para o cumprimento das decisões.


 A sentença na class action pode ser de obrigação de fazer e não fazer, com sanções para o caso de inadimplemento ou condenação de reparação de danos, dependendo da hipótese se cabimento.


 Nos Estados Unidos é prevista a figura do fluid recovery, assim como no direito brasileiro. Por esta forma de reparação de danos é fixado um valor aproximado do prejuízo causado aos indivíduos não identificados e o valor é destinado a um fundo de reparação do bem lesado.


 A coisa julgada na class action, conforme já explicitado acima, são uma exceção à regra de que a coisa julgada é somente entre as partes litigantes no processo. O julgamento favorável ou desfavorável à classe será diretamente eficaz a todos aqueles que o tribunal declarar como integrantes do grupo.


 Por fim, no direito norte-americano não há isenção de custas do processo, o que significa que todo o valor gasto com o processo será custeado pelo autor. Não existindo condenação em custas e honorários, tanto o advogado do autor como a recuperação do dinheiro gasto com o processo serão recuperados com a condenação da outra parte ao pagamento de indenização.


3.5 Ação coletiva passiva


A Rule 23, todavia, que um ou mais membros do grupo podem demandar ou ser demandados como representantes do grupo. São as denominadas  defendant class actions.


 Em geral, mas não necessariamente, o grupo-réu é composto de pessoas jurídicas.  Da mesma forma como ocorre com a ação coletiva comum, a ação coletiva passiva pode resultar em sentença declaratória, mandamental e condenatória. O seu uso mais comum visa sentença declaratória ou injuntiva, contra um grupo que cometeu o mesmo ilícito civil.


 A condenação ao pagamento de indenizações é, em geral, condicionada à apresentação de defesas individuais.


 Esta ação também pode ser usada nos casos de reconvenção de ações coletivas e individuais, embora sua utilização seja rara no ultimo caso.


 Na rule 23 não há qualquer especificidade sobre o procedimento da defendant class action.


 A ação coletiva passiva não é muito utilizada nos Estados Unidos, especialmente pela falta de regramento. Os doutrinadores e a jurisprudência americana entendem que os requisitos da ação coletiva comum e da passiva não podem ser os mesmos.


4 – INFLUENCIA EXERCIDA NO DIREITO BRASILEIRO


O direito brasileiro tenta, de alguma forma, obter os mesmos parâmetros do direito norte-americano no que se refere à legitimidade e ao processamento das ações coletivas. É impossível traçar uma linha de comparação retilínea, porque de um lado um sistema de commom Law e de outro civil Law. Nos Estados Unidos os problemas que surgem no exame de uma ação coletiva é solucionado pelo próprio juiz, poder que o juiz brasileiro não tem, em razão do nosso sistema jurídico.


 Entretanto, é evidente que o direito brasileiro, no que tange à tutela coletiva, possui grande influência do sistema norte-americano.


 A class action for damages, já analisada, mostrou-se particularmente relevante para a experiência brasileira, porque dela derivou nossa inspiração para a tutela coletiva de interesses individuais homogêneos. Conforme ensina a Professora Ada Pelegrini Grinover: a prevalência das questões comuns sobre as individuais, que é condição de admissibilidade no sistema da class action for damages norte-americanas, também o é no ordenamento brasileiro, que só possibilita a tutela coletiva dos direitos individuais quando estes forem homogêneos.


 Outra grande influência do sistema norte-americano está na divulgação para a propositura da ação para os interessados, previsão do artigo 94 do CDC. A previsão do direito brasileiro não é tão extensa como no sistema norte-americano, pois lá a previsão é de intimação pessoal e os indivíduos podem optar por não participar da demanda.


A defesa de direitos difusos e coletivos no sistema brasileiro não tem a mesma influência do sistema norte-americano que no caso dos direitos individuais homogêneos, uma vez que, conforme já discutido, não há legitimação do Ministério Público para a defesa de direitos difusos ou coletivos strictu sensu.


 No entanto, outra grande influencia do sistema americano no brasileiro é a previsão do fuid recovery. Este instituto foi criado pelo direito norte-americano para os casos em que o ressarcimento deve ser para milhares de membros da classe, cuja identificação individual se tornasse impossível. Nestes casos, o juiz, desde ligo, já estabeleceria o valor da condenação total.


 O condenado depositaria o dinheiro da condenação neste fundo, cujo objetivo seria a reparação do dano causado. Este fundo existe no direito brasileiro como o fundo de defesa dos direitos difusos. E sua precisão está no artigo 100 do CDC.


 Note que no direito brasileiro este fundo é residual, ou seja, somente haverá a condenação para o fundo, no caso dos direitos individuais homogêneos, caso o número de interessados em executar individualmente não represente o real dano causado.


 No direito americano o fundo é o principal destinatário das condenações das ações coletivas. No Brasil o Fundo também recebe os valores decorrentes de indenizações pagas por demandas de direitos difusos e coletivos stricto sensu.


5 – COMPARAÇÃO ENTRE OS DOIS SISTEMAS


A primeira comparação a ser feita sobre os dois sistemas refere-se ao tema da representatividade adequada. No Brasil a representatividade é denominada de pertinência temática. Em razão da pertinência temática o juiz brasileiro pode indeferir a petição inicial em razão de o autor da demanda coletiva não possuir pertinência temática com o direito pleiteado. No sistema norte-americano utiliza-se conceito diverso. O juiz analisa na petição inicial se o direito postulado é o interesse de classe. Se entender que o direito pleiteado é realmente o interesse de classe emitirá um certificado de classe para dar continuidade na ação.


 No sistema norte americano é possível o controle da representatividade adequada pelo juiz. No Brasil, a posição dominante na doutrina e na jurisprudência é da inexistência do controle jurisdicional sobre a representação.


 Este certificado equivale ao despacho inicial de conteúdo positivo. Nos Estados Unidos pode ser definida uma classe em razão da impossibilidade de se reunir seus integrantes por litisconsórcio. No Brasil, o requisito de uma associação para ser autora de uma demanda coletiva é apenas a pertinência temática e o tempo de constituição, ou seja, não há necessidade de se comprovar a impossibilidade de litisconsórcio.


 Outra diferença com relação à legitimidade se refere ao Ministério Público. Enquanto no Brasil o Ministério Público tem legitimidade para ajuizar grande parte das demandas coletivas, nos Estados Unidos não há esta possibilidade. Nos Estados Unidos apenas algumas agências governamentais possuem capacidade postulatória. No direito brasileiro não há capacidade postulatória para agências, mas apenas para os entes políticos, como União, Estados e Municípios.


 Para alguns autores seria importante, sob a perspectiva do réu, a existência de uma certificação de que a ação poderá prosseguir como uma ação coletiva, especialmente em razão dos custos do processo coletivo.


 Nos Estados Unidos, na chamada class action for damages, que podemos comparar com a ação coletiva de direito individual homogêneo há a necessidade de intimação eficaz dos membros da classe para que tomem conhecimento do direito pleiteado, e, se desejarem, intervenha no processo ou mesmo optem por não se beneficiarem dele (opt-out).


 No Brasil há previsão de intimação de consumidores por edital e estes só não se beneficiarão ou se prejudicarão com a sentença se já tiverem ajuizado demanda individual e não pedirem sua suspensão durante a tramitação da demanda coletiva.


Nos Estados Unidos, uma vez optando por ser representado pela class action, o individuo não poderá propor nova demanda em qualquer hipótese, exceto se demonstrar que a representatividade da classe não foi adequada.


 No Brasil a sentença da demanda coletiva não prejudica a possibilidade de ajuizamento de demanda individual.


 Outra diferença importante se refere á possibilidade de acordo. Nos Estados Unidos não há possibilidade de celebração de acordo com relação às class action sem que este seja autorizado pelo Tribunal. No Brasil é possível a celebração de acordo sem qualquer intervenção judicial.


 Nos Estados Unidos há ainda a previsão de class action passiva, ou seja, que a classe esteja no pólo passivo da demanda. No Brasil as ações coletivas somente possuem os representantes como autores.


 As possibilidades de ações coletivas no Brasil são mais extensas que no direito norte-americano, pois há aqui previsões claras de proteção aos direitos difusos e coletivos, além de uma maior quantidade de legitimados para a propositura da demanda. Os requisitos para uma class action são mais rígidos do que os exigidos para as ações coletivas no Brasil.


 Por fim, enquanto a lei brasileira ressalva que não haverá qualquer adiantamento de custas e emolumentos para a associação, nos Estados Unidos é o representante da classe que arcará com os custos do processo, sendo ressarcido apenas no caso de procedência e pelo valor da condenação, uma vez que não há condenação em custas e honorários nos Estados Unidos.


6 – CONCLUSÃO


 Pelo presente trabalho conclui-se que o sistema americano na defesa de direitos difusos e coletivos é bastante avançado e possui inúmeros institutos que podem ser utilizados na legislação brasileira.


 No que tange aos direitos individuais homogêneos, no entanto, entendo que o direito brasileiro possui regras mais pertinentes para a nossa cultura. Ao menos na situação atual, entendo que o Brasil não possui cultura jurídica suficientemente madura para permitir o controle da representação pelo judiciário.


Outra regra que entendo ser incompatível com o sistema brasileiro atual é a impossibilidade de propositura de ação individual. Ainda que regulamentado o direito ao opt-out.


 Diante do disposto no artigo 5º, XXXV, que prevê a inafastabilidade do Poder Jurisdicional, qualquer regra que impeça a propositura de demanda individual seria inconstitucional.


 Por outro lado, a possibilidade de ação coletiva passiva, inclusive com a previsão de reconvenção em ações coletivas é extremamente interessante e poderia ser utilizada pelo sistema brasileiro.


 É evidente que diante das diferenças substanciais entre o civil law brasileiro e o common law americano sempre serão necessárias adaptações, mas a comparação e utilização de experiências de outros paises para o ordenamento são enriquecedoras, e deve ser explorada.


 


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ZVASCKI, Teori Albino. Processo Coletivo. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2010.


Notas:

[1] [1] A class action como instrumento de tutela coletiva de direitos. Ações coletivas em uma perspectiva comparada. Ed. Revista dos Tribunais.

[2] Maxweel Blecher, Is the class action rule doing the job?, 555 Federal Rule Decisions, Tradução livre.

Informações Sobre o Autor

Bruna Simões França

Graduada em direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo 2005 e Mestra em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo 2012. Defensora Pública do Estado de São Paulo. Professora da Universidade Paulista UNIP e do Curso Preparatório para Concursos FMB. Autora dos livros Legitimidade Ativa da Defensoria Pública para a Defesa Coletiva dos Direitos do Consumidor e Defensoria Pública Ponto a Ponto – Direitos Difusos e Coletivos


Equipe Âmbito Jurídico

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