A coisa julgada nas ações coletivas

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Resumo: O presente estudo tem como objetivo analisar a coisa julgada nas ações coletivas, definindo seus limites e sua extensão, mostrando a necessidade da efetivação da coisa julgada no âmbito coletivo como forma de acesso à justiça, de garantir o princípio da segurança jurídica, além de evitar decisões conflitantes quanto ao mesmo direito. O direito coletivo inicialmente surgiu na Lei de Ação Civil Pública em 1985 com duas espécies: Difusos e Coletivos stricto sensu. Posteriormente o rol dos direitos coletivos foi ampliado pelo Código de Defesa do Consumidor em 1990, no qual se encontra três espécies, sendo elas: Direitos Difusos lato sensu, Direitos Coletivos stricto sensu e Direitos Individuais Homogêneos, sendo a defesa destes direitos, ferramenta relevante na garantia dos direitos fundamentais do indivíduo.

Palavras-chave: Processo Civil, Direito Coletivo, Ações Coletivas, Coisa Julgada.

Abstract: The present study aims to analyze the res judicata in class actions, defining its limits and its extension, showing the necessity of realization of res judicata under the collective as a means of access to justice, to ensure the principle of legal certainty and to avoid conflicting decisions on the same right. The collective right originally appeared on Public Civil Action Act in 1985 with two species: Diffuse and Collective strictly. Subsequently the role of collective rights has been expanded by the Code of Consumer Protection in 1990, which is three kinds, namely: Diffuse Rights lato sensu stricto sensu Collective Rights and Individual Rights Homogeneous, with the defense of these rights, the relevant tool guarantee of fundamental rights of the individual.

Keywords: Civil Procedure, Law Collective, Class Actions, Res Judicata.

Sumário: Introdução; 1. Coisa Julgada; 1.1 Considerações Gerais; 1.2 Limites Objetivos e Subjetivos da Coisa Julgada; 2. Processo Coletivo; 2.1 Direito Coletivo; 2.2 Interesses ou Direitos Difusos; 2.3 Interesses ou Direitos Coletivos Estricto Sensu; 2.4 Interesses ou Direitos Individuais Homogêneos; 3. Coisa Julgada nas Ações Coletivas; 3.1 Coisa Julgada Secundum Eventum Litis e Secundum Eventum Probationis; 3.2 Transporte in utilibus da Coisa Julgada Coletiva; 3.3 Limites Territoriais da Coisa Julgada Coletiva; 3.4 Coisa Julgada no Mandado de Segurança Coletivo; Considerações Finais e Referências Bibliográficas.

INTRODUÇÃO

A coisa julgada como fenômeno de suma importância para garantir o princípio da segurança jurídica, encontra fundamento no artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal de 1988.

A Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, Decreto-Lei nº. 4.657, de 04 de setembro de 1942, no artigo 6º, § 3º, traz a definição de coisa julgada ou caso julgado: “Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso”.

O Código de Processo Civil regula a matéria no tocante à coisa julgada formada nos processos individuais, em especial nos artigos 467 a 474, da referida norma processual.

Este trabalho, ainda que de forma superficial pretende uma análise da coisa julgada no âmbito do processo coletivo, partindo das premissas trazidas pela Lei da Ação Civil Pública – LACP (Lei nº. 7.347, de 24 de julho de 1985), pela Lei da Ação Popular – LAP (Lei nº. 4.717, de 29 de junho de 1965) e principalmente pelo Código de Defesa do Consumidor – CDC (Lei nº. 8.078, de 11 de setembro de 1990).

Existem três espécies de Direito Coletivo: Direitos Difusos (lato sensu), Direitos Coletivos (stricto sensu) e direitos individuais homogêneos, que serão estudados em tópicos específicos no decorrer do texto.

Os direitos difusos e coletivos, em sentido estrito, foram introduzidos no ordenamento jurídico pela LACP, porém foi o CDC que os ampliou trazendo consigo uma nova categoria, a de direitos individuais homogêneos.

Pois bem, a coisa julgada no processo individual, em regra, vincula tão somente as partes que litigaram no processo, sendo então inter partes, quanto ao que foi pedido pelo autor e decido pelo Juízo na parte dispositiva da sentença. Forma-se, então, a coisa julgada independentemente do resultado do processo.

Já no direito coletivo, no tocante à coisa julgada, a regra muda para beneficiar todas as vítimas do evento danoso e seus sucessores, possuindo limites subjetivos diferentemente do processo individual.

O professor Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr.[1] afirmam que em relação aos limites subjetivos da coisa julgada existem três possibilidades: inter partes (quando produz efeitos somente entre as partes), ultra partes (alcança além das partes do processo também terceiros) e erga omnes (produz efeitos que atingem todos que tenham participado do processo ou não).

Portanto, o direito coletivo vem sendo utilizado com bastante frequência no país e é um instrumento de grande relevância para garantir ao cidadão o acesso à justiça. Partindo deste pressuposto, este estudo abordará o instituto da coisa julgada no âmbito das ações coletivas.

1 COISA JULGADA

1.1 Considerações Gerais

A coisa julgada é um fenômeno que decorre do princípio da segurança jurídica existente em todos os processos, sejam eles: coletivos ou individuais, podendo ser material ou formal.

O instituto da coisa julgada encontra fundamento no artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal e tem por finalidade conferir estabilidade às relações sociais e jurídicas, evitando decisões conflitantes e garantido o princípio da segurança jurídica.

Também, pode ser definida a coisa julgada como situação jurídica que torna indiscutível os efeitos criados a partir de uma sentença, podendo a lei prever situações excepcionais para desconstituir a coisa julgada material.

A Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, Decreto-Lei nº. 4.657, de 04 de setembro de 1942, também traz o conceito de coisa julgada ou caso julgado, veja-se:

“Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.(…)

§ 3º Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso.”

No atual Código de Processo Civil – CPC, de acordo com o artigo 467, coisa julgada material é definida da seguinte maneira: “a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário”.

Já a coisa julgada formal ocorre nos casos das sentenças terminativas, nas hipóteses de extinção do processo sem resolução de mérito (art. 267), razão pela qual ela se dá dentro do processo não impedindo o autor discutir novamente a lide.

Para Elpídio Donizetti e Marcelo Malheiros Cerqueira[2] são os efeitos da sentença que vão determinar a natureza da coisa julgada:

“Os efeitos da sentença vão determinar a natureza da coisa julgada que dele emergirá. Tratando-se de sentença de mérito ou definitiva, com efeito formal ou material, portanto, teremos a coisa julgada material. Ao revés, se a sentença apenas põe fim ao processo, sem resolução do mérito, teremos apenas o efeito formal e, consequentemente, a coisa julgada será tão somente formal.”

Os Juristas Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr.[3] definem coisa julgada como:

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“(…) situação jurídica que torna indiscutível as eficácias constantes do conteúdo de determinadas decisões jurisdicionais. Trata-se de conteúdo inerente ao direito fundamental à segurança jurídica.”

Já Chiovenda[4] define coisa julgada como:

“(…) a eficácia própria da sentença que acolhe ou rejeita a demanda, e consiste em que, pela suprema exigência da ordem e da segurança da vida social, a situação das partes fixada pelo juiz com respeito ao bem da vida (res), que foi objeto de contestação, não mais se pode, daí por diante, contestar; o autor que venceu não pode mais ver-se perturbando no gozo daquele bem; o autor que perdeu não lhe pode mais reclamar, ulteriormente, o gozo. A eficácia ou autoridade da coisa julgada é, portanto, por definição, destinada a agir no futuro, com relação aos futuros processos.”

 Somente em situações excepcionalíssimas é possível atacar uma sentença de mérito já transitada em julgado sobre a qual se operou a coisa julgada material. Em regra, a ação rescisória é o instrumento que tem o objetivo de desconstituir a coisa julgada nas hipóteses previstas no artigo 485 do CPC, devendo ser proposta no prazo máximo de 2 (dois) anos, prazo este decadencial, contados a partir do trânsito em julgado da decisão.

A doutrina e a jurisprudência vêm admitindo que é possível atacar uma sentença acobertada pelo manto da coisa julgada, tanto fora das hipóteses do artigo 485 do CPC quanto após o lapso temporal de 2 (dois) anos, quando há no processo vício que acarrete em nulidade absoluta. Podendo, neste caso, a parte propor ação declaratória de inexistência ou declaratória de nulidade.

Nos últimos anos, vem ganhando força, principalmente na doutrina, o instituto da relativização da coisa julgada. Para muitos autores, opera-se a relativização da coisa julgada quando a decisão fere a ordem constitucional.

Aldo Ferreira da Silva Junior[5] afirma que a desconsideração da coisa julgada possui basicamente três fundamentos para a maioria da doutrina, são eles: a) a garantia da coisa julgada tem status infraconstitucional; b) aplicação do princípio da proporcionalidade mitigando a proteção da coisa julgada frente aos demais direitos fundamentais; c) a instrumentalidade do processo como forma de atingir a sua finalidade.

Vale ressaltar que a coisa julgada material gera efeitos processuais negativos ou extrínsecos, id est, fora do processo. Uma vez que esta é uma forma impeditiva de propor nova ação, podendo o juiz de ofício reconhecê-la e extinguir o processo sem resolução de mérito nos termos do artigo 267, inciso V, do CPC.

Porém, caso o réu não arguir na peça contestatória a existência de coisa julgada, poderá ainda arguí-la em grau de recurso nas vias ordinárias, pois por se tratar de matéria de ordem pública não se sujeita à preclusão.

Nos casos em que duas ações transitam em julgado com identidade de partes, ou seja, quando uma segunda ação com os mesmos fundamentos de uma primeira também transita em julgado, a lei não fala qual das duas coisas julgadas deverá prevalecer, se é a primeira, ou a segunda. A doutrina diverge quanto ao assunto. Uns, defendem que a primeira ação prevalece sobre a segunda. Para outros, a segunda ação se sobrepõe à primeira.

A brilhante professora Teresa Arruda Alvim Wambier[6], ao ministrar sua aula no curso de pós-graduação da Universidade Anhanguera-Uniderp, Rede LFG, afirmou que a primeira coisa julgada prevalece sobre a segunda, pois seria a tese mais correta, segundo Teresa Arruda:

“Pode-se, ainda, sustentar outra posição, que é a que, a nosso ver, estaria mais correta, no sentido de que, rigorosamente, não haveria a segunda coisa julgada, já que esta nunca teria chegado a se formar, porque, para a segunda ação, faltaria à parte interesse de agir. Já afirmamos, em outro estudo, que a ausência das condições, impede que se opere a coisa julgada sobre a sentença de mérito.”

Para Aldo Ferreira da Silva Junior a segunda sentença, ainda que conflituosa com a primeira prevalece sobre esta. Segundo ele, “a segunda sentença, ainda que conflituosa com a primeira tem caráter substantivo e, antes de ser rescindida a segunda demanda, esta prevalecerá, impondo-se sobre a primeira” [7].

Faz-se necessário descrever que tão somente a parte dispositiva da sentença se torna imutável, não possuindo está mesma qualidade a fundamentação e o relatório da respectiva sentença.

1.2 Limites Objetivos e Subjetivos da Coisa Julgada

A coisa julgada em virtude da imutabilidade dos efeitos produzidos na sentença possui limites objetivos e subjetivos, conforme disciplina o próprio CPC em se tratando de processo individual.

O limite objetivo se refere à matéria sobre a qual incidirá a coisa julgada, gerando a imutabilidade da sentença. Já o limite subjetivo, diz respeito às pessoas que serão afetadas com a coisa julgada, impossibilitando a rediscussão da sentença.

Conforme já ressaltado, o limite objetivo da sentença alcança tão somente sua parte dispositiva, não fazendo coisa julgada o relatório e a fundamentação da respectiva sentença.

O Jurista Fernando da Fonseca Gajardoni[8] ao falar sobre os limites subjetivos da coisa julgada afirma que:

“Exatamente pelo vínculo que tem com os elementos da ação (art. 301 e parágrafos do CPC), a coisa julgada no processo individual, como regra, só atinge as partes do processo, não beneficiando nem prejudicando terceiros (art. 472 do CPC), sendo, portanto, intra partes. Terceiros não intervenientes, exatamente por não serem partes, podem rediscutir questão decidida em processo alheio. Este é o principal limite subjetivo da coisa julgada.”

O que difere os limites da coisa julgada individual da coisa julgada coletiva é que esta se opera e cria a imutabilidade da sentença independentemente da procedência dos pedidos da ação, exceto nas hipóteses trazidas pelos artigos 469 e 471, ambos do CPC. Ainda, quanto aos limites da coisa julgada no processo individual Elpídio Donizetti e Marcelo Malheiros Cerqueira[9] afirmam que:

“No processo individual, a regra é de que a coisa vincula apenas as partes do processo em relação ao que foi pedido e decidido no dispositivo da sentença, formando-se independentemente do resultado da demanda. Assim, pode se dizer o seguinte sobre o regime jurídico da coisa julgada:

a)     modo de produção: a coisa julgada forma-se pro et contra (independentemente do resultado da lide);

b)     limites objetivos: a autoridade da coisa julgada incide sobre o que foi pedido na demanda (questão principal) e decidido no dispositivo da sentença (arts. 468 e 469 do CPC);

c)     limites subjetivos: a autoridade da coisa julgada é inter partes, vinculando apenas as partes entre as quais é proferida a sentença” (art. 472 do CPC).

Os artigos 469 e 471 do CPC trazem as exceções que não acarretam o instituto da coisa julgada, assim descritos, respectivamente, in verbis:

“Art. 469. Não fazem coisa julgada:

I – os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença;

II – a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento na sentença;

III – a apreciação da questão prejudicial, decidida incidentalmente no processo.

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Art. 471. Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas, relativas à mesma lide, salvo:

I – se, tratando-se de relação jurídica continuativa, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito; caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença;

II – nos demais casos prescritos em lei.”

O artigo 471 do CPC, citado acima, enfoca a coisa julgada formal, permitindo ao autor a rediscussão da matéria sobrevindo modificação no estado de fato ou de direito caracterizando, portanto, exceção à regra.

2 PROCESSO COLETIVO – COISA JULGADA

2.1 Direito Coletivo

Inicialmente, antes de adentrar na discussão central do tema da coisa julgada nas ações coletivas, faz-se necessário tecer alguns comentários sobre o direito coletivo e suas espécies.

O direito coletivo possui fundamento na Constituição Federal de 1988, na LAP e foi materializado por meio da LACP e pelo CDC. A CF/88 dispõe no artigo 5º, inciso XXXII, que o Estado na forma da lei promoverá a defesa do consumidor. Pois bem, nesse sentido foi criado o CDC com a edição da Lei nº. 8.078/90, tendo sua vigência iniciada em cento e oitenta dias contados a partir de sua publicação que se deu no dia 12 de setembro de 1990.

O CDC é o Código mais importante no âmbito do direito coletivo. Ele tem sua origem na CF/88 instituído pelo constituinte originário nos termos do artigo 48 do Ato Das Disposições Constitucionais Transitórias.

No Brasil ainda não há um Código de Processo Coletivo, no entanto no ano de 2004 na Venezuela, durante a jornada do Instituto Ibero-Americano de Direito Processual, houve aprovação do Código Modelo de Processos Coletivos, elaborado por quatro grandes processualistas brasileiros, sendo eles: Ada Pellegrini Grinover, Aluísio G. de Castro Mendes, Antônio Gidi e Kazuo Watanabe.

Segundo José Carlos Barbosa Moreira[10] denomina-se direito coletivo:

“Denominam-se direitos coletivos lato sensu os direitos coletivos entendidos como gênero, dos quais são espécies: os direitos difusos, os direitos coletivos stricto sensu e os direitos individuais homogêneos. Em conhecida sistematização doutrinária, haveria direitos/interesses essencialmente coletivos (difusos e coletivos em sentido estrito) e os direitos acidentalmente coletivos (individuais homogêneos).”

Para os juristas Elpídio Donizetti e Marcelo Malheiros Cerqueira[11] o processo coletivo poderá ser visto a partir de três características principais: do objeto, da legitimidade para agir e da coisa julgada. O objeto consiste no próprio processo coletivo em sentido amplo (lato sensu). A legitimidade é aquela ad causam, atribuída pela lei, substituindo a coletividade ou grupo. Já a coisa julgada atinge todos, sendo erga omnes ou ultra partes.

O CDC no artigo 81, § único, traz a classificação do direito coletivo adotada também pelos professores Didier Jr. e Zaneti Jr.[12], mencionando três categorias para o direito coletivo, que serão abordadas separadamente nos itens subsequentes.

2.2 Interesses ou Direitos Difusos

Conforme o artigo 81, parágrafo único, inciso I do CDC, os interesses ou direitos difusos caracterizam-se como transindividuais, sendo indivisíveis, com titulares indeterminados e ligados por circunstâncias de fato e não jurídicas.

Estes interesses ou direitos, citados no parágrafo anterior, pertencem à categoria dos direitos coletivos lato sensu, sendo, portanto, direitos pertencentes a uma coletividade. Assim, seus titulares são indetermináveis.

Para Luciana de Oliveira Leal (2008)[13], juíza do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro/RJ, a indivisibilidade e a indeterminação dos interesses difusos possuem o mesmo sentido, pois representa a impossibilidade de se repartir entre as pessoas os benefícios decorrentes da tutela prestada, já que o objeto é indivisível em virtude de sua natureza. Assim, não é possível individualizar seus titulares.

A professora Ada Pellegrini Grinover[14] ensina-nos o seguinte:

“Os interesses difusos são aqueles que não encontram apoio em uma relação-base bem definida, reconduzindo-se, na realidade, o vínculo entre as pessoas a fatores conjuntos ou genéricos, a circunstâncias muitas vezes acidentais, tais como as que decorrem de habitar a mesma região, consumir o mesmo produto viver em determinadas condições sócio-econômicas e etc”.

Por fim, os direitos difusos são classificados como indivisíveis; essencialmente coletivos ou metaindividuais; transindividuais; metassubjetivos ou ainda superindividuais, conforme lecionam Elpídio Donizetti e Marcelo Malheiros Cerqueira[15].

2.3 Interesses ou Direitos Coletivos Stricto Sensu

Interesses ou direitos coletivos, nos termos do artigo 81, parágrafo único, do CDC, são os transinviduais, de natureza indivisível, de que sejam titulares grupos, categorias ou classes de pessoas ligadas entre si ou à parte contrária por meio de uma relação jurídica.

Pois bem, os interesses/direitos coletivos stricto sensu, diferem-se dos interesses/direitos difusos porque enquanto naqueles os direitos e as pessoas são indeterminados, nestes, embora os interesses sejam indeterminados, seus titulares são determináveis.

Eduardo Braga Bacal[16] ao falar sobre o assunto descreveu o seguinte:

 “Estes interesses prendem-se à ideia de grupos sociais organizados e formalmente estruturados, como associações, as cooperativas, os Sindicatos. De maneira distinta dos interesses difusos, os interesses coletivos se organizam de tal forma que todos os sujeitos envolvidos encontram-se vinculados a uma relação jurídica-base.”

Donizetti e Cerqueira[17] ao falarem sobre os direitos coletivos em sentido estrito afirmam que “assim como os direitos difusos, os direitos coletivos em sentido estrito também são classificados como essencialmente coletivos (transindividuais), porquanto indivisíveis”.

Desta feita, tem-se, portanto, que direitos coletivos stricto sensu são direitos indivisíveis pertencentes a uma categoria, grupo ou classe de indivíduos, sendo que seus titulares podem ser identificados e estão ligados por uma relação jurídica quanto à lesão que sofreram.

2.4 Interesses ou Direitos Individuais Homogêneos

Interesses ou direitos individuais homogêneos constituem a terceira categoria de direito coletivo criada pelo CDC, no artigo 81, parágrafo único, inciso II. Dizem respeito àqueles decorrentes de origem comum, também denominados pela doutrina, acidentalmente coletivos[18].

Os renomados processualistas Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr.[19] trazem conceituação ampla dos direitos individuais homogêneos:

“O CDC conceitua laconicamente os direitos individuais homogêneos como aqueles decorrentes de origem comum, ou seja, os direitos nascidos em conseqüência da própria lesão, ou, mais raramente, ameaça de lesão, em que a relação jurídica entre as partes é post factum (fato lesivo). Não é necessário, contudo, que o fato se dê em um só lugar ou momento histórico, mas que dele decorra a homogeneidade entre os direitos dos diversos titulares de pretensões individuais.”

Na doutrina há divergência quanto à classificação adotada pelo CDC no que se refere aos direitos individuais homogêneos, pois para alguns autores não se trata de direito coletivo, mas sim de direitos individuais tratados como se fossem coletivos.

Para o ilustre ministro do Supremo Tribunal Federal – STF Teori Albino Zavascki[20] os direitos individuais homogêneos não se enquadram na classificação de direitos coletivos, sendo na verdade direitos individuais tratados como direito coletivo.

No entanto, diferentemente da posição defendida pelo Ministro Teori Zavascki, a doutrina majoritária diz que está correta a classificação trazida pelo CDC, justificando que essa denominação é bastante ampla e que por isso mesmo não pode se restringir somente aos direitos individuais. Esta posição é defendida também por Didier Jr. e Zaneti Jr.[21].

Assim, interesses ou direitos individuais homogêneos são direitos coletivos e divisíveis. Neles, as titularidades são determináveis em razão do ato lesivo que experimentaram, fazendo jus à tutela coletiva sem prejuízo da tutela individual buscada por cada indivíduo vítima do evento lesivo.

3 COISA JULGADA NAS AÇÕES COLETIVAS

A coisa julgada no âmbito das ações coletivas é regida principalmente pelos artigos 103 e 104, ambos do Código de Defesa do Consumidor, bem como se aplica subsidiariamente o Código de Processo Civil quanto à parte processual da ação coletiva, além da Lei da Ação Civil Pública e Lei da Ação Popular.

Aldo Ferreira da Silva Junior[22] aduz que a coisa julgada e a legitimidade para agir no âmbito do processo coletivo são os principais pontos diferenciais em relação ao processo individual e se justifica pelas seguintes razões:

“a) nas ações coletivas, os efeitos da sentença atingem normalmente uma coletividade, são os conflitos de massa, em que a lesão de um implica a lesão de um grupo, seja determinado ou indeterminado número de pessoas; b) a possibilidade do acesso à Justiça daqueles que individualmente não teriam condições para tanto, seja porque a pretensão é economicamente inviável, seja porque a parte ofendida individualmente é hipossuficiente, ou seja, ainda, pela indivisibilidade do objeto.”

A coisa julgada no âmbito do processo coletivo, em regra, só existe para beneficiar as partes integrantes do grupo, categoria ou da classe, possuindo efeitos erga omnes ou ultra partes, variando-se a depender da ação proposta, seja para defesa dos interesses difusos, seja para defesa dos interesses coletivos ou individuais homogêneos.

Ressalta-se que os limites objetivos e subjetivos da coisa julgada no âmbito do processo coletivo, não sãos os mesmos adotados no direito individual, ou seja, nas ações individuais.

Os limites subjetivos da coisa julgada coletiva serão ultra partes (alcançando além das partes do processo, bem como terceiros não participantes daquela relação jurídica) e erga omnes (a sentença produz efeitos que atingem todos, ainda que não tenha o indivíduo participado do processo).

3.1 Coisa Julgada Secundum Eventum Litis e Secundum Eventum Probationis

Conforme já ressaltado, a coisa julgada no âmbito do processo coletivo vem disciplinada nos artigos 103 e 104, do CDC, que por sua vez, estabeleceram o regime da coisa julgada secundum eventum Litis, isto é, a coisa julgada segundo o resultado do processo e secundum eventum probationis, ou seja, de acordo com o sucesso da prova.

O instituto da coisa julgada secundum eventum litis no direito coletivo, segundo Aldo Ferreira da Silva Junior[23] surgiu no Brasil por meio da Lei da Ação Popular ainda no ano de 1965:

“O instituto da coisa julgada secundum eventum litis surgiu no Brasil através da Lei nº. 4.417/65, da Ação Popular, em que era permitida a renovação da demanda por qualquer cidadão, desde que com novas provas, nos casos de improcedência por insuficiência probatória na primeira ação.”

A doutrina diverge quanto ao termo adotado na formação da coisa julgada nas ações coletivas. Parte da doutrina defende que a coisa julgada nas ações coletivas, de fato, opera por meio do instituto secundum eventum litis. Eduardo Braga Bacal[24] explica, neste sentido, que:

“Conforme já se analisou em momento anterior, tendo a LACP e o CDC acolhido o modelo da coisa julgada secundum eventum litis, resulta que a sentença, transitada em julgado, proferida em ação civil pública, apenas poderá beneficiar o resultado das ações individuais e, portanto, jamais prejudicá-las em caso de improcedência do pedido formulado na ação coletiva.”

 No entanto, de acordo com Antônio Gidi[25] a coisa julgada não será secundum eventum litis, pois não se forma no caso de improcedência do pedido. Logo, o que é secundum eventum litis não é a formação da coisa julgada, mas sim sua extensão perante terceiros que poderá ser erga omnes ou ultra partes.

Este também é o entendimento de Fredie Didier Jr. e Zaneti Jr. que aduzem[26]:

“Convém observar, ainda, que a decisão de procedência ou de improcedência, com esgotamento de prova, está apta a tornar-se indiscutível no âmbito coletivo. Ou seja, nessas situações, não será admissível a repropositura da demanda coletiva, mesmo que por outro colegitimado.

Não é correto, portanto, dizer que a coisa julgada coletiva é estritamente secundum eventum litis, o que é segundo o resultado do litígio é a sua extensão, apenas para beneficiar os titulares dos direitos individuais.”

Vale ressaltar que em se tratando dos efeitos da coisa julgada nas ações coletivas, o CDC, quanto aos direitos difusos, optou pela coisa julgada erga omnes. Sendo que em relação aos direitos coletivos stricto sensu o efeito da coisa julgada será ultra partes.

Diz o artigo 103 do CDC, in verbis:

“Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa julgada:

I – erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento valendo-se de nova prova, na hipótese do inciso I do parágrafo único do art. 81;

II – ultra partes, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo improcedência por insuficiência de provas, nos termos do inciso anterior, quando se tratar da hipótese prevista no inciso II do parágrafo único do art. 81;

III – erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 81.”

Assim, na ação coletiva tratando-se de interesses ou direitos difusos, a coisa julgada será erga omnes, isto é, para todos, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas. Desta feita, qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento nos termos do art. 103, inciso I, do CDC, valendo-se de nova prova.

Ora, realmente se faz necessário que a sentença faça coisa julgada erga omnes quando a ação coletiva versar sobre direitos difusos, dada a impossibilidade de identificação de seus membros, além da indivisibilidade do direito tutelado. Logo o benefício a todos se estende, bem como a todos se aproveita.

Já em relação à ação coletiva que busca tutelar os interesses ou os direitos coletivos stricto sensu, a sentença fará coisa julgada ultra partes para todos os indivíduos pertencentes ao grupo, à categoria ou à classe, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de prova. Neste caso, qualquer legitimado poderá propor nova ação, desde que com nova prova, conforme dispõe o art. 103, inciso II, do CDC.

Assim, a coisa julgada nas ações coletivas stricto sensu terá efeito ultra partes, uma vez que o direito será indivisível, bem como seus titulares são passíveis de serem determinados ou determináveis. Nestes termos, a sentença fará coisa julgada limitada ao grupo, à categoria ou à classe.

Segundo a professora Ada Pellegrini Grinover[27] os limites subjetivos da coisa julgada nas ações coletivas de interesses coletivos stricto sensu e de interesses difusos se diferenciam no seguinte aspecto:

“O regime dos limites subjetivos da coisa julgada, nas ações em defesa dos interesses coletivos, é exatamente o mesmo traçado para as ações em defesa dos interesses difusos. Anota que a única diferença reside na diversa extensão dos efeitos da sentença com relação a terceiros, consoante se trate de interesses difusos ou interesses coletivos. No primeiro caso, é própria da sentença a extensão da coisa julgada a toda a coletividade, sem exceção; no segundo, a natureza mesma dos interesses coletivos restringe os efeitos da sentença aos membros da categoria ou classes, ligados entre si ou com a parte contrária por uma relação base”.

No tocante aos interesses ou direitos individuais homogêneos, há diferenças em relação aos direitos difusos e coletivos, uma vez que a sentença formará coisa julgada erga omnes. Porém, apenas no caso de procedência do pedido para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores (art. 103, inciso III, do CDC).

No caso citado no parágrafo anterior o direito é divisível. Seus titulares são individualizados e estes se unem em Juízo pleiteando o mesmo direito, razão pela qual no caso de improcedência do pedido, seja por insuficiência de provas ou não, a sentença fará coisa julgada material limitada aos participantes da ação coletiva.

É importante ressaltar que, aquele indivíduo possuidor de direito individual homogêneo, não participante do processo coletivo, quer como litisconsorte, quer como assistente, poderá propor sua demanda a título individual em juízo, nos termos do artigo 103, § 1º, do CDC.

No entanto, só é possível o titular de direito individual homogêneo se beneficiar da ação coletiva se requerer a suspensão da ação individual no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva, de acordo com artigo 104, do CDC. E ainda, as ações coletivas para defesa de interesses ou direitos difusos, bem como as ações coletivas para defesa de interesses ou direitos coletivos stricto sensu, não induzem litispendência para as ações individuais (art. 104, CDC).

3.2 Transporte In Utilibus da Coisa Julgada Coletiva

O chamado transporte in utilibus da coisa julgada coletiva para os processos individuais se refere à criação dada pelo CDC, que permite ao indivíduo transportar o resultado da ação coletiva para a demanda individual. Isso porque o artigo 103, parágrafo terceiro do CDC, aduz que os efeitos da coisa julgada não prejudicam as ações de indenização por danos pessoalmente sofridos. Porém, caso seja julgado procedente o pedido da ação coletiva serão beneficiados as vítimas e seus sucessores.

O transporte da coisa julgada coletiva para as ações individuais se justifica, segundo Eduardo Braga Bacal[28], em nome da economia processual e da segurança jurídica, bem como para evitar decisões conflitantes.

Didier Jr. e Zanetti Jr. [29] descrevem com precisão sobre este fenômeno:

“Isso significa que se, por um lado, a sentença coletiva de improcedência do pedido não produz efeitos na esfera individual, não prejudicando as pretensões individuais (art. 103, §1º, CDC), por outro, a sentença de procedência nas ações para a tutela de direitos difusos e coletivos stricto sensu poderá ser liquidada e executada no plano individual sem a necessidade de um novo processo para afirmação do an debeatur (o que é devido). Assim, os titulares dos direitos individuais homogêneos poderão promover ação de indenização dos seus prejuízos”.

Antes da execução da sentença coletiva se faz necessário promover sua liquidação no plano individual, caso queira o indivíduo se beneficiar da coisa julgada coletiva.  Além disso, a liquidação e a execução da respectiva sentença, conforme prevê o art. 97 do CDC, poderão ser promovidas pela vítima e seus sucessores, bem como os legitimados previstos no rol do artigo 82 também do CDC.

Para Donizetti e Cerqueira[30] é inadequada a denominação de execução coletiva prevista no artigo 98 do CDC, por se tratar de direitos individuais homogêneos. Nestes termos, não se trataria de execução coletiva, mas sim individualizada. Logo, o correto seria utilizar a expressão execução individual realizada por ente coletivo, podendo ser una ou plúrima, id est, em litisconsórcio simples.

Gajardoni[31] assegura que a suspensão da ação individual em trâmite é condição para o transporte in utilibus da coisa julgada coletiva, caso o indivíduo tenha interesse em ser beneficiado pela coisa julgada coletiva.

O art. 104 do CDC diz que se não for requerida a suspensão do processo individual no prazo de 30 dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva, o autor não poderá ser beneficiado com a sentença coletiva.

Como bem descreveu Fernando da Fonseca Gajardoni[32] o Superior Tribunal de Justiça – STJ por meio do REsp. nº. 1.110.549/RS, Rel. Ministro Sidnei Beneti, já decidiu que ajuizada ação coletiva em defesa de interesses individuais homogêneos, suspendem-se obrigatoriamente as ações individuais, devendo-se aguardar o julgamento da ação coletiva. Porém, não impede a propositura de demanda judicial do titular do referido direito individual discutido em juízo. Logo, a suspensão da ação individual é obrigatória, levando em consideração as regras processuais sobre recursos repetitivos (art. 543-C, do CPC).

Por fim, também é cabível o transporte in utilibus da coisa julgada coletiva no caso de sentença penal condenatória, conforme artigo 103, parágrafo quarto do CDC, devendo a parte, as vítimas e seus sucessores liquidarem a respectiva sentença e executá-la no juízo cível.

3.3 Limites Territoriais da Coisa Julgada Coletiva

Um dos pontos mais criticados na doutrina quanto aos limites da coisa julgada coletiva refere-se ao artigo 16 da Lei da Ação Civil Pública. Questiona-se se este artigo alcança, ou não, a coisa julgada coletiva prevista no CDC.

O artigo 16 da LACP coloca que a sentença fará coisa julgada erga omnes nos limites do órgão prolator da decisão, salvo se o pedido da ação civil pública for julgado improcedente por insuficiência de prova. Neste caso, qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, utilizando-se de nova prova.

Conforme já explanado, a doutrina crítica veemente essa limitação colocada pelo artigo 16 da LACP, alterado pela Lei nº. 9.494, de 10 de setembro de 1997. Aldo Ferreira da Silva Junior[33] assim manifesta:

“Não há qualquer razão de ser essa limitação legal, diante da natureza de conflitos de massa, isto é, quando se tratar de direitos transindividuais, dependendo do caso concreto, a extensão subjetiva da coisa julgada será ultra partes ou erga omnes, porquanto indivisível o objeto da demanda”.

Para Eduardo Braga Bacal[34] o artigo de 16 da LACP é inconstitucional, uma vez que viola o princípio da isonomia e outras normas constitucionais implícitas, tal como o princípio da razoabilidade das leis e do devido processo coletivo.

O CDC quanto aos direitos difusos acolheu o regime da coisa julgada previsto no artigo 18 da Lei de Ação Popular, que diz que a sentença fará coisa julgada erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por deficiência de prova. Caso em que qualquer cidadão poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.

Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr. [35] fazem severas críticas ao artigo 16, da LACP, descrevendo o seguinte:

“A matéria, como vem sendo ressaltado em inúmeros procedentes jurisprudenciais e na doutrina mais abalizada, resultou de infeliz redação legislativa por uma série de motivos: a) é inconstitucional, ferindo o acesso à justiça, a igualdade e a universidade da jurisdição; b) é ineficaz, já que a disciplina do art. 103 do CDC mais ampla e estar inserida no microssistema do processo coletivo, aplicando-se também à LACP; c) não se trata de limitação da coisa julgada mas da eficácia da sentença, ferindo a disposição processual de que a jurisdição é uma em todo território nacional; e, por último, d) é contrária a essência do processo coletivo que prevê o tratamento molecular dos litígios evitando-se a fragmentação das demandas.”

Contudo, mesmo diante de várias críticas da doutrina brasileira, o STJ vem decidindo de forma contrária ao entendimento doutrinário, acolhendo, portanto, o artigo 16 da LACP, que aduz que a sentença fará coisa julga erga omnes nos limites da competência territorial do órgão prolator da decisão.

No REsp. nº. 293.407, julgado em 22 de outubro de 2002, Relator Ministro Ruy Rosado de Aguiar, assim decidiu o STJ “AÇÃO CIVIL PÚBLICA. Eficácia erga omnes. Limite. A eficácia erga omnes circunscreve-se aos limites da jurisdição do tribunal competente para julgar o recurso ordinário. Recurso conhecido e provido”[36].

Por outro lado, tratando-se de ação civil coletiva para defesa dos interesses individuais homogêneos, o STJ, REsp. 399.357-SP[37] vem decidindo com base no artigo 103, II do CDC, veja-se:

“PROCESSO CIVIL E DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO COLETIVA AJUIZADA POR ASSOCIAÇÃO CIVIL EM DEFESA DE DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. EXPURGOS INFLACIONÁRIOS DEVIDOS EM CADERNETA DE POUPANÇA EM JANEIRO DE 1989. DISTINÇÃO ENTRE EFICÁCIA DA SENTENÇA E COISA JULGADA. EFICÁCIA NACIONAL DA DECISÃO.

– A Lei da Ação Civil Pública, originariamente, foi criada para regular a defesa em juízo de direitos difusos e coletivos. A figura dos direitos individuais homogêneos surgiu a partir do Código de Defesa do Consumidor, como uma terceira categoria equiparada os primeiros, porém antologicamente diversa.

– Distinguem-se os conceitos de eficácia e de coisa julgada. A coisa julgada é meramente a imutabilidade dos efeitos da sentença. O art. 16 da LAP, ao impor limitação territorial à coisa julgada, não alcança os efeitos que propriamente emanam da sentença.

– os efeitos da sentença produzem-se “erga omnes”, para além dos limites da competência territorial do órgão julgador.

Recurso Especial improvido.”

Portanto, quanto ao alcance dos efeitos da sentença na ação civil coletiva para defesa de interesses individuais homogêneos, não se aplicam os efeitos da sentença produzidos a partir do artigo 16 da LACP, pois aqueles se referem a direitos coletivos e difusos.

Assim, a limitação à coisa julgada coletiva imposta pelo artigo 16 da LACP, bem como pela jurisprudência predominante do STJ, como assegura a doutrina, é inconstitucional, pois fere veemente a regra do artigo 103 do CDC, que é de suma importância para proteção dos direitos individuais homogêneos, coletivos estricto sensu e difusos.

3.4 Coisa Julgada no Mandado de Segurança Coletivo

A nova lei da ação mandamental, Lei nº. 12.016, de 07 de agosto de 2009, trouxe inovação no tocante à coisa julgada no mandado de segurança coletivo. Dispondo no artigo 22 que “no mandado de segurança coletivo, a sentença fará coisa julgada limitadamente aos membros do grupo ou categoria substituídos pelo impetrante”. Percebe-se que o legislador não fez nenhuma referência ao artigo 103 do Código de Defesa do Consumidor, que traz dois efeitos para a sentença, sendo eles: erga omnes ou ultra partes.

A doutrina afirma que há lacuna normativa na Lei do Mandado de Segurança quanto ao mencionado artigo 22, pois não contempla as normas previstas no CDC quanto aos efeitos da sentença. Nesse sentido, diante da omissão normativa, Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr.[38] afirmam que:

“(…) O modo de produção da coisa julgada no mandado de segurança coletivo é o mesmo previsto genericamente para as ações coletivas e está regulado no art. 103 do CDC: secundum eventum probationis, sem qualquer limitação quanto ao novo meio de prova que pode fundar a repropositura da demanda coletiva.”

Para os juristas Donizetti e Cerqueira[39] é cabível a aplicação do artigo 104 do CDC quanto à coisa julgada no mandado de segurança coletivo, pois em vez do indivíduo pedir desistência da ação individual (art. 22, parágrafo primeiro, da Lei nº. 12.016/09), torna-se necessário apenas pedir suspensão do mandado de segurança individual para se beneficiar do resultado da demanda coletiva.

Por fim, a regra que vem sendo adotada nos tribunais do país é a prevista no artigo 22, da Lei do Mandado de Segurança que, conforme já explanado, prevê que a sentença fará coisa julgada limitada os membros do grupo ou categoria dos substituídos pelo impetrante.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo teve como objetivo demonstrar a importância da coisa julgada no processo civil, em especial nas ações coletivas no sentido de evitar decisões conflitantes e garantir a todos os litigantes o princípio da segurança jurídica.

Ao longo deste estudo é possível verificar algumas discussões doutrinárias, como, por exemplo, em torno dos casos em que há duas sentenças de mérito com as mesmas partes, causa de pedir e pedido já transitadas em julgado qual delas prevalecerá sobre a outra.

A meu ver, a primeira coisa julgada sobrepõe à segunda, até porque na segunda sentença que fez coisa julgada o autor carece de interesse processual, não possuindo, portanto, legitimidade. Logo, fere um dos pressupostos do direito subjetivo de ação.

No âmbito da coisa julgada coletiva, data venia a quem pense de forma contrária, a formação da coisa julgada nas ações coletivas não será secundum eventum litis, ou seja, de acordo com o resultado da lide, mas sim, secundum eventum probationes, isto é, a formação da coisa julgada será de acordo com a prova produzida nos autos.

Isso porque, na primeira situação, coisa julgada secundum eventum litis, refere-se à extensão da coisa julgada perante a terceiros, id est, efeitos erga omnes ou ultra partes. Enquanto que na segunda, coisa julgada secundum eventum probationes, refere-se à formação da coisa julgada que, por se tratar de direitos difusos e coletivos stricto sensu, não ocorrerá se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas.

Nas ações coletivas promovidas em defesa de interesses coletivos stricto sensu e individuais homogêneos, ainda que proposta por meio de Ação Civil Pública, a coisa julgada deverá ser de acordo com o artigo 103 do CDC e não de acordo com o artigo 16 da Lei LACP. Pois, este fere veemente o processo coletivo e afasta a justiça do cidadão. Logo a sentença terá efeitos erga omnes ou ultra partes, não só perante o órgão julgador prolator da decisão, mas também perante a toda sociedade.

Portanto, a coisa julgada nas ações coletivas, principalmente no que se refere aos direitos coletivos stricto sensu e individuais homogêneos, sua concretização é medida que se impõe não só pela doutrina, mas também pelo Judiciário. Espera-se, assim, garantir a todos os indivíduos o acesso à justiça e a segurança jurídica ao passo que a sentença, tratando-se de um mesmo direito, seja uma só para todos.

 

Referências
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Notas:
 
[1] DIDIER JR., Fredie; Zaneti Jr., Hermes. Curso de Direito Processual Civil – Processo Coletivo. V. IV. 8 ed. Salvador: JusPodivm, 2013, p. 385-386.

[2] DONIZETTI, Elpídio; CERQUEIRA, Marcelo Malheiros. Curso de Processo Coletivo. São Paulo: Atlas, 2010, p. 350.

[3] DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Op. Cit. p. 385.

[4] CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direitos Processual Civil, 2000. In: SILVA JUNIOR, Aldo Ferreira da. Novas Linhas da Coisa Julgada. Da “relativização” da coisa julgada e os mecanismos de rescindibilidade. Campo Grande: Futura, 2009, p. 14.

[5] SILVA JUNIOR, Aldo Ferreira da.  Op. Cit. p. 54-55.

[6] WAMBIER, Teresa Arruda Alvim e Medina, José Miguel Garcia. Mecanismos de Impugnação da Coisa Julgada no Processo Civil Brasileiro. Material da 2ª aula da disciplina Recursos e Meios de Impugnação, ministrada no curso de Pós-Graduação Lato Sensu TeleVirtual em Direito Processual Civil – Anhanguera-Uniderp / Rede LFG, 2012.

[7] SILVA JUNIOR, Aldo Ferreira da.  Op. Cit. p. 49.

[8] GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Direitos Difusos e Coletivos I. Coleção Saberes do Direito – 34. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 72.

[9] DONIZETTI, Elpídio; CERQUEIRA, Marcelo Malheiros. Op. Cit. p. 353-354.
 

[10] MOREIRA, José Carlos Barbosa. “Tutela jurisdicional dos interesses coletivos ou difusos”. Temas de Direito Processual Civil, 1984. In: DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Op. Cit. p. 77.

[11] DONIZETTI, Elpídio; CERQUEIRA, Marcelo Malheiros. Op. Cit. p. 14-15.

[12] Nesse sentido, adotam-se três categorias para definir o direito coletivo: Interesses ou Direitos Difusos, Interesses ou Direitos Coletivos Stricto Sensu e Direitos Individuais Homogêneos.

[13] LEAL, Luciana de Oliveira. A Coisa Julgada Nas Ações Coletivas. Texto disponibilizado no Banco de Conhecimento em 16 de julho de 2008, TJ/RJ. Disponível em: http://www.tjrj.jus.br/c/document_library/get_file?uuid=cce8be67-3e36-49f5-912b-219abbae66ea&groupId=101369. Acesso em 08 de agosto de 2013.

[14] GRINOVER, Ada Pellegrini. Novas Tendências na tutela jurisdicional dos interesses difusos, 1984.  In: BACAL, Eduardo Braga. A Tutela Processual Ambiental. E a Coisa Julgada nas Ações Coletivas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012. p. 33-34.

[15] DONIZETTI, Elpídio; CERQUEIRA, Marcelo Malheiros. Op. Cit. p. 46-47.

[16] BACAL, Eduardo Braga. A Tutela Processual Ambiental. E a Coisa Julgada nas Ações Coletivas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012. p. 37.

[17] DONIZETTI, Elpídio; CERQUEIRA, Marcelo Malheiros. Op. Cit. p. 47.

[18] Seguindo essa classificação cita-se: DONIZETTI, Elpídio; CERQUEIRA, Marcelo Malheiros. Op. Cit. p. 49.

[19] DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Op. Cit. p. 80.

[20] ZAVASCKI, Teori Albino. Processo Coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. 2006. In: DONIZETTI, Elpídio; CERQUEIRA, Marcelo Malheiros. Op. Cit. p. 39.

[21] DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Op. Cit. p. 84.

[22] SILVA JUNIOR, Aldo Ferreira da.  Op. Cit. p. 93.

[23] SILVA JUNIOR, Aldo Ferreira da.  Op. Cit. p. 94.

[24] BACAL, Eduardo Braga. Op. Cit. p. 148.

[25] GIDI, Antônio. Coisa Julgada e Litispendência em Ações Coletivas. São Paulo: Saraiva, 1995.  p. 73.

[26] DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Op. Cit. p. 390.

[27] GRINOVER, Ada Pellegrini. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto, 2001. In: SILVA JUNIOR, Aldo Ferreira da.  Op. Cit. p. 100.

[28] BACAL, Eduardo Braga. Op. Cit. p. 148-149.

[29] DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Op. Cit. p. 392.

[30] DONIZETTI, Elpídio; CERQUEIRA, Marcelo Malheiros. Op. Cit. p. 386-387.

[31] GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Op. Cit. 76.

[32] GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Op. Cit. 77.

[33] SILVA JUNIOR, Aldo Ferreira da.  Op. Cit. p. 108.

[34] BACAL, Eduardo Braga. Op. Cit. p. 147-148.

[35] DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Op. Cit. p. 391-392.

[36]STJ. REsp. nº. 293.407–SP. 4ª Turma. Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar. J. 22/10/2002, publicado no DJ 07/04/2003. Disponível no site: www.stj.jus.br.

[37] STJ. REsp. 399.357-SP. 3ª Turma. Rel. Nancy Andrighi. J. 17/03/2009, publicado no DJe 20/04/2009. Disponível no site: www.stj.jus.br.

[38] DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Op. Cit. p. 391-392.

[39] DONIZETTI, Elpídio; CERQUEIRA, Marcelo Malheiros. Op. Cit. p. 466.


Informações Sobre o Autor

Samuel Rodrigues Freires

Graduado em direito pela Universidade Luterana do Brasil – ULBRA. Pós-Graduado em Processo Civil pela Universidade Anhanguera-Uniderp. Advogado de Empresa Pública Federal


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