Resumo: Quando se esgotam os recursos cabíveis, quando estes são mal utilizados ou quando há decurso de prazo legal sem que seja interposto qualquer recurso, e o julgamento antes proferido torna aquela decisão imutável, surge o instituto da coisa julgada. A coisa julgada deve ser entendida como simples técnica utilizada pelo legislador para assegurar a convivência social e a estabilidade de certas relações jurídicas, isso porque é conveniente que algumas decisões permaneçam imutáveis e tenham validade erga omnes. Nas ações coletivas de um modo geral a coisa julgada ocorre de acordo com o resultado do processo, secundum eventum litis, o que significa dizer simplesmente que havendo procedência da demanda ou face à improcedência fundada em provas suficientes, operar-se-á coisa julgada; caso contrário, havendo improcedência por falta de provas, poderá ser proposta nova ação, com base em prova nova. Apesar de no processo civil comum, imperar a imutabilidade da coisa julgada, esta, dentro do processo coletivo, ocorre de acordo com o resultado da demanda, haja vista que, em se tratando de interesses coletivos (o que engloba os direitos difusos, coletivos e os individuais homogêneos), há um bem maior a ser tutelado, qual seja, o interesse da coletividade.
Palavras-chaves: processo civil – coisa julgada – processo coletivo.
Resumen: Cuando si agotan los recursos de los cabíveis, cuando éstos se utilizan gravemente o cuando tiene continuación del período indicado legal sin ningún recurso se interpone, y el juicio antes de que sea pronunciado se convierten en esa decisión invariante, aparecen el instituto de la cosa considerada. La cosa considerada se debe entender como técnica simple usada para el legislador para asegurar el convivência social y la estabilidad de ciertas relaciones legales, éste porque es conveniente que algunas decisiones siguen siendo invariantes y tienen omnes del aumento de la validez. En las acciones de clase de una manera general la cosa considerada de acuerdo con ocurre el resultado del proceso, el eventum del litis del secundum, qué significa decir simplemente eso que tiene el origen de la demanda o cara a la impertinencia establecida en bastantes pruebas, consideraba cosa será funcionada; en caso de que ese contrario, teniendo impertinencia debido a las pruebas, acción podría ser oferta nueva, en base de nueva prueba. Aunque en la acción civil común, reinar la inmutabilidad de la cosa juzgada, ésta, dentro del proceso colectivo, de acuerdo con él ocurre el resultado de la demanda, ha visto que, adentro si el tratar a los intereses colectivos (qué engloba las derechas y el individuo difusos, colectivos los homogéneos), tiene más grande el bien a ser tutored a persona, que es, el interés del colectivo.
Palabras-llaves: acción civil – cosa considerada – proceso colectivo.
Sumário: 1.Introdução, 2.Conceito e características da coisa julgada, 3.Imutabilidade e efeitos da coisa julgada, 4. Natureza jurídica da coisa julgada, 5.Relativização da coisa julgada, 6. Coisa julgada material e coisa julgada formal, 7. Coisa julgada nas ações coletivas, 8. Considerações finais, 9. Referências.
INTRODUÇÃO
Toda situação jurídica submetida à apreciação do Poder Judiciário, em regra, deve ser apreciada e decidida acolhendo-se ou não o pedido formulado pelo Autor. Desta decisão caberá sempre algum recurso a ela correspondente, que é o meio hábil do qual se vale a parte vencida para ter sua pretensão novamente apreciada. Não obstante, tal Direito não pode ser utilizado de forma indefinida e irrestrita, até porque é necessário que se garanta a estabilidade do direito reconhecido judicialmente.
Assim, quando se esgotam os recursos cabíveis, quando estes são mal utilizados, ou ainda, quando há decurso de prazo legal sem que seja interposto qualquer recurso, e o julgamento antes proferido torna aquela decisão imutável, surgindo o instituto da coisa julgada.
Com efeito, segundo a melhor doutrina, a coisa julgada deve ser concebida como simples técnica utilizada pelo legislador para assegurar a convivência social e a estabilidade de certas relações jurídicas, isso porque é conveniente que algumas decisões permaneçam imutáveis e tenham validade erga omnes. Entretanto, há hipóteses legais em que não existe a formação da chamada coisa julgada material – a exemplo do que ocorre nos procedimentos de jurisdição voluntária, nas sentenças que estabelecem relações continuativas, nas de jurisdição contenciosa que não analisam o mérito, e em algumas hipóteses nas ações coletivas.
A coisa julgada não pode ser entendida como instrumento que assegure a justiça; tal instituto tem o condão de assegurar ao jurisdicionado que aquele direito reconhecido judicialmente não será modificado ou desrespeitado. Assevera Didier Jr. (2006, p. 478) que
“A coisa julgada é instituto jurídico que integra o conteúdo do direito fundamental à segurança jurídica, assegurado em todo Estado Democrático de Direito, encontrando consagração expressa, em nosso ordenamento, no art. 5º, XXXVI, CF. (…)
A coisa julgada é a imutabilidade da norma jurídica individualizada contida na parte dispositiva de uma decisão judicial. “
O presente trabalho trata do instituto da coisa julgada dentro do Direito Processual Coletivo. Embora a principal fonte de pesquisa tenha sido a doutrina, especialmente os livros e os artigos de periódicos especializados, foram consultadas as legislações, a jurisprudência, e os sítios eletrônicos especializados.
Ao final concluiu-se que apesar de no processo civil comum, imperar a imutabilidade da coisa julgada, esta, dentro do processo coletivo, ocorre de acordo com o resultado da demanda, haja vista que, em se tratando de interesses coletivos (o que engloba os direitos difusos, coletivos e os individuais homogêneos), há um bem maior a ser tutelado, qual seja, o interesse da coletividade.
2. CONCEITO E CARACTERÍSTICAS DA COISA JULGADA
Para os romanos o instituto da res iudicata (coisa julgada) tinha um conteúdo prático de utilidade social haja vista que para eles a vida social se desenvolveria de modo mais seguro e pacífico a partir de quando se garantisse a segurança quanto ao resultado do processo.
Coisa julgada traduz-se no “bem da vida que o autor deduziu em juízo (res in iudicium deducta) com a afirmação de que uma vontade concreta de lei o garante ao seu favor ou nega ao réu depois que o juiz o reconheceu ou desconheceu com a sentença de recebimento ou de rejeição da demanda” (CHIOVENDA; 2002, p. 446).
Para Hugo Nigro Mazzili (1998, p.165) coisa julgada é a imutabilidade dos efeitos da sentença, obtida através do trânsito em julgado. Diz este mesmo autor que
“Toda sentença, independentemente de ter transitado em julgado, é apta a produzir efeitos jurídicos; coisa julgada é apenas a imutabilidade desses efeitos, ou seja, uma qualidade que esses efeitos adquirem com o trânsito em julgado da sentença, por meio da qual se impede que as partes discutam a mesma causa novamente (1998, p. 165).”
A coisa julgada no processo civil comum recai objetivamente sobre a parte decisória, sobre o dispositivo da sentença, atingindo objetivamente, as partes e seus eventuais assistentes litisconsorciais.
Nas ações coletivas de um modo geral a coisa julgada ocorre de acordo com o resultado do processo, isto é, secundum eventum litis, o que significa dizer simplesmente que havendo procedência da demanda ou face à improcedência fundada em provas suficientes, operar-se-á coisa julgada; caso contrário, havendo improcedência por falta de provas, poderá ser proposta nova ação, com base em prova nova.
Não fazem coisa julgada:
– As razões da decisão, que são os motivos que levaram o juiz a decidir (art.469, I,II e III do CPC); podendo tais razões ser objeto de processos posteriores;
– As sentenças de acórdãos que não julgam o mérito, o que se justifica até pela finalidade do instituto que é a de garantir a segurança e a estabilidade das relações jurídicas sobre as quais houve decisão judicial.
– As decisões proferidas em processo de jurisdição voluntária (art. 1.111, CPC); neste particular, frise-se que nos procedimentos de jurisdição voluntária não se pode modificar o provimento jurisdicional a qualquer tempo e por qualquer motivo. Só se pleiteia a modificação do julgado quando e se houver modificação dos fatos que justifiquem o pedido de reexame da causa.
– As decisões que estabelecem relações continuativas. Um exemplo clássico é o da pensao alimentícia: a decisao que fixa os alimentos só poderá ser revista quando e se houver modificação no patrimônio do alimentante e/ou quando houver modificação em relação às necessidades do alimentado.
3. IMUTABILIDADE E EFEITOS DA COISA JULGADA
A imutabilidade da sentença é um dogma constitucional (art. 5º, XXXVI CF/88), deixando, assim, os casos já decididos a salvo, inclusive, do advento de lei posterior, ou seja, nem a edição de uma nova lei pode abalar a soberania da coisa julgada.
Hugo Nigro Mazzili (1998, p. 170-171) analisa os efeitos da sentença com relação a terceiros e a imutabilidade da coisa julgada nas ações coletivas tomando como parâmetros a natureza do interesse jurídico controvertido e o resultado da ação:
– Quanto à natureza do interesse jurídico, sendo o interesse difuso, havendo procedência, esta sempre terá efeito erga omnes; havendo improcedência por falta de provas, não há o referido efeito. Se a improcedência for por outro motivo, a coisa julgada terá efeito erga omnes. Quando for interesse coletivo, a procedência da demanda produz efeitos ultra partes limitado ao grupo ou categoria titular da demanda; improcedência por falta de provas, não há eficácia ultra partes; do contrário, se houver improcedência por outro motivo, há eficácia entre as partes envolvidas no litígio.
– Quando se tratar de interesses individuais homogêneos, a sentença que decidir pela improcedência não terá efeito erga omnes; havendo procedência, a coisa julgada terá eficácia erga omnes apenas em relação às vítimas ou aos seus sucessores.
– Quanto ao resultado da ação, a procedência beneficiará todos os lesados, ressalvado o disposto no art. 104 do CDC[1], bem como, se o interesse for coletivo atingirá apenas o grupo de pessoas atingidas; se for improcedente por falta de provas, não prejudicará os lesados, e, se improcedente por qualquer outro motivo, prejudicará os lesados, excetuando-se daí os titulares de interesses individuais homogêneos, ressalvando-se o disposto no art. 94 do CDC[2].
Segundo entendimento de Fredie Didier Jr. (2007, p. 493), a coisa julgada produz os seguintes efeitos:
– Positivo, porque determina que a lide já decidida e transitada em julgado, retornando à análise em processo incidental, não poderá ser julgada de modo diverso daquele decidido no processo e principal e, por outro lado, porque a coisa julgada induz à vinculação do julgador ao que fora decidido na causa anterior já atingida pela autoridade da coisa julgada, isto é, a coisa julgada, nos processo seguintes, deve ser considerada em julgamentos posteriores;
– Negativo, impedindo que a questão principal seja novamente julgada em outro processo principal;
– Preclusivo, porque a partir do transito em julgado surge o impedimento de que se discuta ou aprecie quaisquer questões que possam influir na decisão judicial, ainda que estas não tenham sido examinadas pelo julgador.
Acerca da eficácia preclusiva da coisa julgada, diz José Carlos Barbosa Moreira (apud DIDIER: 2007, p. 494) o seguinte:
“A eficácia preclusiva da coisa julgada manifesta-se no impedimento que surge, com o trânsito em julgado, à discussão e apreciação das questões suscetíveis de influir, por sua solução, no teor do pronunciamento judicial, ainda que não examinadas pelo juiz. Essas questões perdem, por assim dizer, toda a relevância que pudessem ter em relação à matéria julgada.”[3]
No que se refere à eficácia preclusiva, o entendimento majoritário[4] é o de que esta só atinge os argumentos e provas que serviram para fundamentar a causa de pedir, não atingindo, pois, todas as causas que pudessem ter servido para embasar o pedido.
4. NATUREZA JURÍDICA DA COISA JULGADA
Muito se discute acerca da natureza jurídica da coisa julgada: se é efeito da decisão, se é uma qualidade dos efeitos da decisão ou se é uma situação jurídica do conteúdo da decisão.
Adeptos da primeira corrente doutrinária que possui forte influência dos processualistas alemães, os quais defendem ser a coisa julgada apenas um efeito da decisão, limitando a coisa julgada ao conteúdo declaratório da decisão. Para estes doutrinadores a coisa julgada é mera declaração da existência ou inexistência de um direito que seria indiscutível e imutável posto que nada apaga a declaração do juiz.
A segunda corrente doutrinária, à qual filia-se a maior parte da doutrina processual pátria[5] e que sustenta a idéia de que a coisa julgada é uma qualidade dos efeitos da decisão judicial, posto que, a autoridade da coisa julgada não deveria ser entendida como um efeito declaratório da sentença eis que a imutabilidade da sentença é que daria a qualidade à esse efeito declaratório do julgado. Segundo Liebman, “Identificar a declaração produzida pela sentença com a coisa julgada significa, portanto, confundir o efeito com um elemento novo que o qualifica”[6].
Para Liebman, precursor da presente corrente doutrinária, a natureza jurídica da coisa julgada é uma qualidade da sentença, contrapondo a noção de que a coisa julgada seria um efeito a sentença, até porque, a sentença produz efeitos desde o momento da publicação, não do transito em julgado.
E a terceira e última corrente doutrinária, à qual se filiam José Carlos Barbosa Moreira e Fredie Didier Jr., defende que a coisa julgada é uma situação jurídica do conteúdo da decisão, isto é, a coisa julgada se traduz, segundo essa corrente, pela imutabilidade do conteúdo da decisão. Para os adeptos desta corrente, não há que se falar em imutabilidade dos efeitos da coisa julgada, haja vista que tais efeitos podem ser alterados.
Sustenta Didier Jr. que,
“A coisa julgada é um efeito jurídico (uma situação jurídica, portanto), que nasce a partir do advento de um fato jurídico composto consistente na prolação de uma decisão jurisdicional sobre o mérito (objeto litigioso), fundada em cognição exauriente, que se tornou inimpugnável no processo em que foi proferida. E este efeito jurídico (coisa julgada) é, exatamente, a imutabilidade do conteúdo do dispositivo da decisão, da norma jurídica individualizada ali contida[7].”
Finaliza o mesmo autor dizendo que a decisão judicial nada mais é do que um dos fatos que são conseqüentes à ocorrência da coisa julgada, não sendo, pois, um efeito desta. No entanto, como dito em linhas anteriores, o entendimento predominante é o de que a coisa julgada é uma qualidade dos efeitos da sentença e não efeito desta.
5. RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA
Muito se tem discutido acera da relativização da coisa julgada no processo civil comum, o que significaria atribuir um valor menor a este instituto frente a outros valores também relevantes para o Direito e em alguns casos, excepcionais.
Tanto a Doutrina como entendimentos dos Tribunais têm se posicionado no sentido de que alguns valores merecem proteção mais acentuada do que àquela conferida à coisa julgada em homenagem à segurança jurídica. Isso quer dizer que decisões manifestamente inconstitucionais não transitariam em julgado, não podendo ser rescindidas por ofensa à lei, porque, nesta hipótese, estariam eivadas de nulidade, não podendo sequer ser acobertadas pela autoridade da coisa julgada.
Analisemos o seguinte exemplo: quando há decisão transitada em julgado que viole direito fundamental e sendo a imutabilidade da coisa julgada também direito fundamental, estamos diante de um conflito entre normas constitucionais. Nesta hipótese, deve-se utilizar dos meios de impugnação comuns à coisa julgada: ação rescisória ou embargos disciplinados no art. 741, parágrafo único do CPC. Se a utilização desses meio não for possível, o entendimento é o de que a impugnação dessas decisões deveria ser feita através de ação declaratória de inexistência jurídica[8] e não por meio de ação rescisória, sob a justificativa de que se a coisa julgada está eivada de inconstitucionalidade, e sendo esta causa de nulidade, a decisão não poderia ser rescindida.
6. COISA JULGADA MATERIAL E COISA JULGADA FORMAL:
Importante é a distinção entre coisa julgada material e coisa julgada formal, tendo em vista que o que diferencia uma da outra é a extensão dos efeitos: se restringe-se ao processo ou se projeta para fora da relação processual. A coisa julgada formal é a imutabilidade da decisão dentro do processo, por não haver mais recurso cabível, seja pelo esgotamento destes ou pelo decurso de prazo. É simplesmente quando ocorre o trânsito em julgado da decisão.
A coisa julgada material é mais abrangente, repercutindo efetivamente nas relações jurídicas porque torna indiscutível a decisão judicial dentro e fora do processo. A coisa julgada formal é pressuposto necessário para que haja coisa julgada material.
Para Luiz Eduardo Mourão (apud DIDIER JR., 2006, p. 479) a coisa julgada formal é a indiscutibilidade fora do processo, atingindo as decisões cujo conteúdo é processual a exemplo das hipóteses do art. 267 do CPC, contrapondo-se à coisa julgada material que é a mesma coisa só que refere-se às decisões de mérito, presentes no art. 269 do CPC; ao passo que tanto a coisa julgada material quanto à coisa julgada formal diferem da preclusão posto que esta última possui efeito dentro do processo.
Para que em uma decisão se opere a coisa julgada material, devem estar presentes quatro pressupostos indispensáveis, a saber: (1) deve haver uma decisão judicial, (2) o provimento deve se referir ao mérito da causa, (3) o mérito deve ter sido analisado em processo de cognição exauriente( que refere-se à decisões definitivas), (4) a decisão tenha feito coisa julgada formal, ou seja, deve ter transitado em julgado. Desta feita, qualquer decisão judicial , independente da denominação, desde que preencha os requisitos supra, está apta a fazer coisa julgada.
A coisa julgada material é a coisa julgada por excelência, tanto que, quando nos referimos à coisa julgada simplesmente, tratamos da coisa julgada material; Quando se quer referir à coisa julgada formal, devemos dizê-lo expressamente.
A coisa julgada formal é o trânsito em julgado do processo, é o “fim” do processo. A coisa julgada material tem como objeto qualquer sentença ou acórdão cujo conteúdo é decisório. A característica de tornar indiscutível a coisa julgada formal se limita ao processo no qual a decisão foi proferida.
Quando na doutrina se utiliza a expressão “preclusão máxima”, esta ocorre quando da decisão não cabe mais nenhum recurso ou porque a parte deixou decorrer os prazos recursais ou ainda porque já se interpôs todos os recursos.
São exemplos de decisões que fazem coisa julgada formal a sentença que extingue o processo por carência de ação, a que homologa transação ou ainda a que reconhece ou não o pedido formulado pelo autor.
Tanto a coisa julgada formal quanto à material se formam em geral ao mesmo tempo, isto é, quando da decisão que pôs fim ao processo não cabe mais nenhum recurso. Mas há vezes em que a ocorrência da coisa julgada material e da coisa julgada formal não são simultâneas ou ocorre uma e outra não. A coisa julgada formal sempre ocorre (trânsito em julgado) sem ocorrer, contudo, a coisa julgada material, que só ocorrerá quando a sentença for de mérito.
7. COISA JULGADA NAS AÇÕES COLETIVAS
Sendo a coisa julgada qualidade que torna indiscutível o conteúdo de determinadas decisões em razão do direito fundamental à segurança jurídica, no processo individual ela produz efeitos, como dito acima, apenas entre as partes, tanto em benefício do autor com a procedência do pedido quanto em seu prejuízo, quando decidido pela improcedência.
O regramento da coisa julgada no processo coletivo, prevista no art. 103 do CDC, é provavelmente o que mais o diferencia do processo civil comum individual.
Nas ações coletivas de um modo geral a coisa julgada ocorre de acordo com o resultado do processo, isto é, secundum eventum litis, concepção esta que na doutrina italiana[9] encontrou resistência tendo em vista que a possibilidade de poderem ingressar com um sem número de ações contra o mesmo réu afrontaria a garantia do devido processo legal também para o Réu.
Tal questão foi resolvida dentro do processo civil coletivo brasileiro, posto que, pela nossa legislação a mesma ação coletiva não pode ser proposta inúmeras vezes; apenas a extensão subjetiva da coisa julgada será conforme o resultado do processo (secumdum eventum litis). Ademais, fora estabelecido pelo CDC que há imutabilidade da coisa julgada nas ações coletivas para os co-legitimados, afastando a ocorrência da coisa julgada contra os titulares de direitos individuais. Dessa forma, caso ocorra igualdade de ações coletivas, podem ser aduzidas exceções de litispendência e de coisa julgada, nos termos do art. 301, incisos I a III do CPC.
Para Antonio Gidi,
“Rigorosamente, a coisa julgada nas ações coletivas do direito brasileiro não é secundum eventum litis. Seria assim se ela se formasse nos casos de procedência do pedido, e não nos de improcedência. Mas não é exatamente isso que acontece. A coisa julgada sempre se formará, independentemente do resultado da demanda ser pela procedência ou improcedência. O que diferirá com o evento da lide não é a formação ou não da coisa julgada, mas o rol de pessoas por ela atingidas. Enfim, o que é secundum eventum litis não é a formação da coisa julgada, mas a sua extensão erga omnes ou ultra partes à esfera jurídica individual de terceiros prejudicados pela conduta considerada ilícita na ação coletiva.” (1995, p. 73-74)
A extensão subjetiva do julgado nas ações coletivas ocorrerá de acordo com o direito a ela referido: se difuso, coletivo ou individual homogêneo.
O Código de Defesa do Consumidor disciplinou o regramento das ações coletivas em seus artigos 81 a 104, determinando dentre outras coisas, que a extensão dos efeitos da coisa julgada ocorrerá de acordo com o interesse jurídico a ser tutelado, da seguinte forma: na hipótese de tutela dos interesses difusos, a sentença após o trânsito em julgado, produzirá efeitos erga omnes, salvo na hipótese de improcedência da demanda por insuficiência de provas; quando se tratar de interesse coletivo, a sentença fará coisa julgada inter partes mas apenas em relação ao grupo ou categoria representada naquela ação; quando o interesse for de natureza individual homogênea, a sentença produzirá efeitos erga omnes em caso de procedência, beneficiando as vítimas ou seus sucessores.
Quanto às ações propostas individualmente, apenas beneficiar-se-ão da coisa julgada obtida em ação coletiva, quando o autor de ação individual tiver requerido oportunamente a suspensão da demanda na esfera individual, caso contrário, este autor não se beneficiará do resultado, nem também terá, em tese, seu direito prejudicado pela eventual improcedência na ação coletiva, o que significa que, havendo improcedência na ação coletiva, aqueles que não integraram a lide como assistentes litisconsorciais podem propor demanda individual.
Nas ações que versam sobre interesses individuais homogêneos, as vítimas e/ou seus sucessores beneficiam-se tanto com a sentença de procedência processo atinente à defesa de interesses difusos, bem como, com a sentença penal condenatória.
As ações coletivas não induzem à litispendência ou coisa julgada em relação às ações individuais, salvo se os interesses protegidos forem de natureza individual homogênea – ocorrendo, neste caso, a coisa julgada em relação aos lesados que intervieram na ação, tendo pedido a suspensão da sua demanda individual caso existisse; ou mesmo, tendo ingressando como assistente litisconsorcial da ação coletiva. Na hipótese de improcedência da ação coletiva, aqueles que não ingressaram na lide coletiva poderão propor ações individuais, pois a coisa julgada produzida naquela ação não atinge o direito individual.
Rodolfo de Camargo Mancuso (2004, p. 408) aponta que a grande dificuldade para solucionar a questão da coisa julgada coletiva reside no fato de que o interesse titulado tem natureza metaindividual e, sendo um número indefinido de titulares, a representação legal, até para efeitos de assegurar a viabilidade da demanda, se dá por meio de um representante seja ela Ministério Público, associações, etc. Tal justificaria a necessidade de que as sentenças proferidas em demandas coletivas, quando de improcedência, não deveriam fazer coisa julgada, tendo em vista que, via de regra, o juiz poderá decidir pela improcedência de determinada demanda e, mais tarde, se constatar que a decisão anterior fora proferida eivada de algum vício ou naquele processo não se obteve as provas necessárias ao deslinde da questão.
Acerca da improcedência por insuficiência de provas, frise-se o seguinte: “o julgamento por insuficiência de provas não precisa ser expresso. Deve contudo, decorrer do conteúdo da decisão que outro poderia ter sido o resultado caso o autor comprovasse os fatos constitutivos de seu direito” (GIDI apud DIDIER JR.; 2007, p. 345).
Com efeito, se o direito for difuso, a coisa julgada terá efeitos erga omnes, se for coletivo, a extensão dos efeitos será ultra partes, atingindo a todos os membros da classe ou categoria de sujeitos identificáveis; se for direito individual homogêneo, a decisão terá efeitos erga omnes em relação àqueles que comprovarem serem vítimas da lesão relativa ao direito discutido em juízo. Neste último caso, a sentença será ilíquida, devendo os sujeitos atingidos pela relação jurídica que promoverem a liquidação do julgado, até porque, na sentença obtida não é possível nem saber o quantum devido e, muito menos, os sujeitos beneficiados com a sentença.
Um bom exemplo se extrai das demandas ambientais, quando muitas vezes, determinada indústria ao emitir gases na atmosfera é processada questionando-se o impacto desses gases na saúde humana: de repente, de plano, pode não ser comprovado se àqueles gases causavam ou não danos à saúde dos habitantes (hipótese de improcedência por falta de provas) e, anos mais tarde, descobrir-se que os danos foram causados, embora não se tenha verificado anteriormente. Se, por acaso, tal decisão estivesse protegida pela coisa julgada, não poderiam as vítimas do evento, serem indenizadas em razão dos danos ocasionados pela dita fábrica.
São instrumentos do processo civil coletivo: a ação civil pública, ação popular, mandado de segurança coletivo, o mandado de injunção, este último de pouquíssima utilização. Esses instrumentos visam proteger os chamados direitos coletivos consagrados constitucionalmente, quais sejam: o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, ao patrimônio público, moralidade administrativa, direitos do consumidor, direito do idoso, infância e juventude, dentre outros.
Inicialmente, os limites subjetivos da coisa julgada em matéria de interesse coletivo, foi disciplinado pelo art. 18 da Lei 4.717/65 (Lei de Ação Popular), análogo ao art. 16 da Lei 7.347/85 (Lei de Ação Civil Pública).
Na ação popular, como nas demais ações coletivas, a coisa julgada apresenta-se de modo diverso daquele adotado pelo Código de Processo Civil, haja vista que, pela sistemática deste Diploma Legal, cada parte por si ou por seu representante legal, é titular de direito seu (hipótese de legitimação ordinária), enquanto que nas ações de tipo coletivo, como a ação popular, o autor não se apresenta como titular exclusivo do interesse em lide, mesmo porque sua legitimação é comum a um número indeterminado de pessoas que também poderiam ter ajuizado aquela mesma ação.
Por outro lado, embora o autor popular represente a sociedade civil a qual pertence, os limites subjetivos da coisa julgada não podem seguir os mesmos parâmetros estabelecidos no CPC para os conflitos inter partes, até porque o art. 22 da Lei de Ação Popular dispõe que o CPC deverá ser utilizado subsidiariamente “naquilo em que não contrariem os dispositivos desta Lei, nem a natureza específica da ação”.
Por esse motivo é que a autoridade da coisa julgada na ação popular restringe-se aos limites da lide naquele processo, de acordo com o que ficar no dispositivo do julgado, de sorte que, se a prova oferecida em determinada ação não tiver sido suficiente para o convencimento do juiz no deslinde inteiro da demanda, admitir-se-á o ajuizamento de uma outra ação com igual fundamento, mas com base em outro conjunto probatório.
Hamilton Alonso Júnior (2006, p. 248) diz que nas ações civis públicas, como em quaisquer outras demandas coletivas, os efeitos da sentença prolatada atingem a todos os representados pelo autor da demanda, até porque não seria possível, por exemplo, numa Ação Civil Pública requerer a despoluição de um curso d’água em relação à algumas pessoas e a outras não. Independente do interesse tutelado, diz ele, não há como cindir o benefício alcançado, exceto no que tange aos direitos individuais homogêneos.
A Lei da Ação Civil Pública tratou da coisa julgada no art. 16 referindo-se aos direitos metaindividuais; mais tarde, o CDC embora não tenha revogado o art. 16 citado, tratou do assunto no seu art. 103 mais detalhadamente, estabelecendo que no processo coletivo a coisa julgada varia de acordo com a natureza do bem tutelado.
A Lei 9.494/97 deu nova redação ao art. 16 da Lei de Ação Civil Pública, com o objetivo de restringir os efeitos da coisa julgada erga omnes estabelecendo os efeitos da coisa julgada em Ação Civil Pública de acordo com a competência territorial do órgão prolator. Com a referida lei buscava-se fazer com que a sentença na ACP tivesse os efeitos restritos à área territorial do juiz que prolatou a decisão, o que afastaria a possibilidade de que os efeitos desta decisão tivessem abrangência regional ou nacional.
No entanto, se o governo tentou mitigar os efeitos da sentença coletiva para beneficiar-se, foi infeliz tanto na nova redação do artigo 16 quanto nos objetivos que pretendia, tendo em vista que a alteração não incluiu o inciso I do art. 103[10], podendo ser utilizado para afastar a limitação imposta pela nova redação do art. 16, visto que, “ o que parece, alterou-se apenas a versão original – a da LACP – , mas se esqueceram de alterar a nova leitura da versão original (CDC, art. 103, seus incisos e parágrafos).” (ALMEIDA: 2001, p. 168). Essa modificação (art. 16 da LACP) recebeu críticas severas por parte de vários processualistas, a exemplo de Nelson Nery Jr. e Ada Pellegrini Grinover.
Ressalte-se que nos dois anteprojetos do Código Brasileiro de Processo Coletivo – CBPC-IBDP e CBPC-UERJ-UNESA[11] – existe previsão expressa no sentido de não limitar a competência territorial na coisa julgada erga omnes.
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A coisa julgada deve ser concebida como simples técnica utilizada pelo legislador para assegurar a convivência social e a estabilidade de determinadas relações jurídicas, isso porque é conveniente que algumas decisões permaneçam imutáveis e tenham validade erga omnes.
Entretanto, há hipóteses legais em que não existe a formação da chamada coisa julgada material – a exemplo do que ocorre nos procedimentos de jurisdição voluntária, nas sentenças que estabelecem relações continuativas, nas de jurisdição contenciosa que não analisam o mérito, em algumas hipóteses nas ações coletivas.
Nas ações coletivas de um modo geral a coisa julgada, apesar de críticas por parte de uma parcela da doutrina, ocorre de acordo com o resultado do processo secundum eventum litis, ou seja, havendo procedência da demanda ou face à improcedência fundada em provas suficientes, operar-se-á coisa julgada; caso contrário, havendo improcedência por falta de provas, poderá ser proposta nova ação, com base em prova nova.
Desta feita, concluiu-se que apesar de no processo civil comum, imperar a imutabilidade da coisa julgada, esta, dentro do processo coletivo, ocorre de acordo com o resultado da demanda, haja vista que, em se tratando de interesses coletivos há um bem maior a ser tutelado, que é o interesse da coletividade.
Informações Sobre o Autor
Geórgia Karênia Rodrigues Martins Marsicano de Melo
Graduada em Direito (2006) e Especialista em Direito Processual Civil pela Faculdade de Ciências Sociais e Aplicadas – FACISA (2008). Advogada da Faculdade de Ciências Sociais e Aplicadas – FACISA (2008-2011). Mestre em Recursos Naturais pela Universidade Federal de Campina Grande – UFCG (2011). Doutoranda em Recursos Naturais pela Universidade Federal de Campina Grande – UFCG (2011- atual). Professora dos cursos de Administração e Direito da Faculdade de Ciências Sociais e Aplicadas – FACISA. Atualmente, realiza pesquisas nas áreas de Direito e Política Ambiental, Educação Ambiental, Gestão de Recursos Hídricos e Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) para conservação do semiárido. Advogada militante e consultora ambiental