A complexidade dos conflitos socioambientais e a mediação como alternativa de resolução democrática

Resumo: A partir da década de 60 iniciou-se uma reflexão acerca da relação entre a sociedade e a natureza, centrada na utilização dos recursos do meio pelo homem e na questão do seu lugar no mundo não-humano. É nessa época que surgem os primeiros movimentos ambientalistas. No atual contexto de globalização, capitalismo e consumismo exagerado, alcançar o desenvolvimento sustentável é um desafio. Surge o conflito e a utilização privada do bem ambiental, que é constitucionalmente declarado público e de uso coletivo. Considerando-se que uma única disciplina do conhecimento não pode ser suficiente para analisar os conflitos relacionados à promoção de formas mais sustentáveis de desenvolvimento e a crise de legitimidade pela qual passa o Estado-nação, a abordagem sistêmica e o estilo consensual se mostram o caminho mais viável para o desenvolvimento sustentável. A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica e a observação in loco dos problemas ambientais na empresa de celulose e papel Cambará S.A. Restou demonstrada a complexidade do tema e que os conflitos ambientais não podem ser tratados de forma excludente, não se podendo admitir ganhadores e perdedores nessa relação.[1]

Palavras-chave: Sociedade e natureza. Conflitos ambientais. Mediação.

Abstract: From the 60s on, a reflection on the relationship between society and nature began, focusing on the use of environmental resources by man and the question of its place in the non-human world. At this moment the first environmental movements arise. In the current context of globalization, capitalism and exaggerated consumerism, achieving sustainable development is a challenge. A conflict appears and the private use of the environmental benefits, which is constitutionally declared public and of collective use. Considering that a single discipline of knowledge may not be sufficient to analyze the conflicts related to the promotion of more sustainable forms of development and crisis of legitimacy which goes by the nation-state, the systemic approach and consensual style come out as the most viable way for sustainable development. The methodology used was the literature research and on-site observation of environmental problems in the pulp and paper company Cambará SA. Been demonstrated that the issue is complex and that environmental conflicts can not be treated in an exclusive way, it can not admit winners and losers in this relationship.

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Keywords: Society and nature. Environmental conflicts. Mediation.

Sumário: Introdução. 1 Movimentos ambientalistas e questões ecológicas. 2 Conflitos ambientais e mediação. 3 Conflitos ambientais e a empresa de celulose Cambará S.A. Conclusão. Referências.

Introdução

A preocupação com a preservação ambiental, com a correção de formas destrutivas de relacionamento entre o homem e seu ambiente natural através de um desenvolvimento equilibrado, é recente. Mesmo assim, o movimento ambientalista conquistou posição de destaque na vida humana. Instituições, governo e empresas passaram a incluir a questão do ambientalismo em sua agenda de relações públicas.

É recorrente a valorização do aspecto transdisciplinar e das interconexões como alternativas para um desenvolvimento sustentável, diante do sistema complexo que é a vida em sociedade e a relação do homem com a natureza.

Após fases de grande devastação, há uma reversão sobre o agir humano e a tentativa de criação de uma nova cultura nas relações homem-natureza. Esse novo olhar sobre a preservação ambiental, o qual parte de uma premissa menos antropocentrista, em que o homem é mais um integrante do meio em que vive, desperta divergentes opiniões a esse respeito.

De um lado, percebe-se a presença de empreendedores buscando um crescente desenvolvimento tecnológico e, de outro lado, dos ambientalistas almejando a preservação do meio ambiente.

No atual contexto de globalização, capitalismo e consumismo exagerado, alcançar o desenvolvimento sustentável é um desafio. Assim, o desenvolvimento sustentável e, a partir disso, a problemática acerca de qual método de solução de conflitos ambientais traz mais efetividade no seu cumprimento e conscientização, são temas atuais.

A democratização do processo de tomada de decisões acerca dos conflitos ambientais mostra-se um caminho crescente e a análise e reflexão sobre esse tema é fundamental.

A metodologia de pesquisa utilizada no presente artigo foi a pesquisa bibliográfica e a observação.

Dessa forma, por sua importância, serão tratados, através de uma abordagem teórica, os movimentos ambientais, algumas questões ecológicas, os conflitos ambientais e sua complexidade e a mediação como forma de solução desses conflitos. Ainda, será analisado o tema a partir da observação in loco de uma empresa de celulose em Cambará do Sul-RS.

Portanto, o objetivo do presente trabalho é analisar o conflito ambiental e a complexidade de suas interferências e a mediação como alternativa de solução, frente à necessidade de democratização do processo de decisão.

1 Movimentos ambientalistas e questões ecológicas

Castells (2001) distingue os termos ambientalista e ecológico. Para ele, o termo ambientalista refere-se às formas de comportamento coletivo que visam corrigir formas destrutivas no relacionamento entre homem e natureza, tanto no discurso com na prática. Ecologia, para ele, é o conjunto de crenças que considera o gênero humano como parte de um ecossistema mais amplo, visando manter o equilíbrio desse sistema.

No cerne de uma reversão do agir humano sobre a natureza e da criação de uma nova cultura estão os movimentos ambientalistas multifacetados que surgiram no final dos anos 60 na maior parte do mundo. A partir de uma revolução pessoal e coletiva, envolvendo todas as dimensões da vida, e desses movimentos ambientalistas, surgem as contraculturas. Para Castells (2001, p. 147), contracultura é “a tentativa deliberada de viver segundo normas diversas e, até certo ponto, contraditórias em relação às institucionalmente reconhecidas pelas sociedades”.

Para Carvalho (2002, p. 56) os tempos da contracultura foram anos de “utopia e ousadia, embalados por uma visão romântica da revolução radical e da contestação à ordem e às disciplinas limitantes do potencial humano e societal”.

Assim, conforme estes autores, buscava-se simplificar a vida, criticando-se os valores da modernidade ocidental, o modelo capitalista de consumo, o individualismo racional e a lógica de mercado. Portanto, a busca pela qualidade de vida, ao invés de um padrão de vida cada vez mais elevado, e a questão do grau de interferência humana no mundo não-humano, estão no centro da agenda dos  movimentos ambientalistas contraculturais.

Segundo Castells (2001), surgiram mobilizações das comunidades locais em defesa de seu espaço com a criação do movimento “Não no meu quintal”, em 1978, nos Estados Unidos. Este movimento combatia a escolha de áreas habitadas por minorias e populações de baixa renda para o despejo de resíduos e a falta de transparência e participação no processo decisório sobre a utilização desses espaços.

Por tudo isso, “nos anos 90, 80% dos norte-americanos e mais de dois terços dos europeus consideram-se ambientalistas” (CASTELLS, 2001, p. 141). Foi nessa época que surgiu o movimento de libertação dos animais de laboratório, cuja principal causa é a oposição incondicional a experiências que utilizem animais como cobaias. Ainda na década de 90, o Greenpeace, organização ambientalista transnacional que conta com a ação direta como estratégia de comunicação, contou com grande número de membros (CASTELLS, 2001).

Portanto, foi somente no final dos anos 60 que surgiu um movimento ambientalista de massa, entre as classes populares e com base na opinião pública. Nos anos 90 houve mais uma explosão de mobilizações ambientais. Isso se reflete até os dias atuais, com a tomada da consciência por uma parcela da população acerca da cultura da espécie humana como componente da natureza, enfretamento de questões que não podem ser abordadas simplesmente no âmbito nacional e a proposta de desenvolvimento sustentável como forma de solidariedade entre gerações.

Para Castells (2001), os movimentos ambientalistas possuem características próprias, como a relação, estreita e ao mesmo tempo ambígua, com a ciência e a tecnologia (pretendem ser baseados nestas, ao mesmo tempo em que as criticam); bem como sua abordagem das questões de tempo e espaço.

As questões ecológicas não podem ser vistas apenas como aquelas vinculadas ao meio ambiente, pois muitos outros aspectos estão envolvidos na complexidade das relações de vida. Na sociedade contemporânea, essas relações sociais e com o meio ambiente se tornam ainda mais complexas a partir da globalização e do capitalismo.

A globalização está diretamente ligada às circunstâncias da vida local, embora implique a ideia de comunidade mundial. Isso decorre da influência do acesso ilimitado de informações e de como esses aspectos serão recebidos por cada cultura. Para Giddens (1996, p. 96), “a globalização também leva a uma insistência na diversidade, uma busca de recuperação de tradições perdidas e uma ênfase na identidade cultural local”. Para ele, a sociedade pós-tradicional é uma ordem cosmopolita global, porém não é uma sociedade na qual as tradições deixam de existir. As tradições são constantemente colocadas em contato umas com as outras e forçadas a “se declararem”.

O capitalismo e seu impacto pelo mundo é mais complexo e multifacetado do que anteriormente. Além disso, a tomada da decisão atualmente é muito mais recorrente, em virtude da liberdade e acesso a amplas possibilidades de vida. Assim, as questões ecológicas não podem ser entendidas como relacionadas apenas à relação sociedade x natureza.

Consoante Giddens (1996, p. 234), as questões ecológicas devem ser entendidas como “parte de um acordo com a modernização reflexiva, no contexto da globalização. Os problemas da ecologia não podem mais ser separados do impacto da destradicionalização”.

O controle humano sobre a natureza enfrenta seus limites à medida que é generalizada e globalizada. Portanto, “o que vem ocorrendo com o ambientalismo vai além da questão estratégica. O enfoque ecológico à vida, à economia e às instituições de sociedade enfatiza o caráter holístico de todas as formas de matéria” (CASTELLS, 2001, p. 166).

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A proposta de Guatarri (1990, p. 24) é apreendermos o mundo através de “três vasos comunicantes que constituem nossos três pontos de vista ecológicos”. Para ele, os três registros ecológicos – o do meio ambiente, o das relações sociais e o da subjetividade humana – são uma articulação que poderia esclarecer as novas problemáticas multipolares.

Segundo o autor, a ecosofia social consiste em desenvolver práticas específicas que tendam a modificar e reinventar maneiras de ser em diversas áreas, da família, do contexto urbano, do trabalho, etc.

O ecosofia mental, por sua vez, refere-se a reinventar a relação do sujeito com o corpo, com os mistérios da vida e da morte. E a ecosofia ambiental põe em causa o conjunto da subjetividade e das formações de poder capitalísticos.

“Se não houver uma rearticulação dos três registros fundamentais da ecologia, podemos pressagiar a escalada de todos os perigos: os do racismo, do fanatismo, etc.” (GUATARRI, 1990, p. 16 e 17). Portanto, trata-se de um processo de ressingularização contínuo. As três ecologias deveriam ser concebidas como sendo de uma disciplina comum ético-estética. Assim, “precisamos aprender a pensar ‘transversalmente’ as interações entre ecossistemas”. (GUATARRI, 1990, p. 25).

Carvalho (2002) indica que, pelos movimentos ecológicos, a natureza ganha o sentido de sujeito de direito, o “Outro”, articulando-se o ideal ético e político em dupla face: uma natureza interna (subjetiva) e uma natureza externa (objetiva).

     Diante do exposto, ao desenvolver novas sensibilidades para com a natureza e perceber as interconexões das áreas subjetiva, coletiva e ambiental, podemos concluir que se estará vivendo em harmonia com valores humanos e ecológicos.

2 Conflitos ambientais e mediação

As situações que permeiam nosso dia a dia, de comercialização de bens ambientais em benefício de ganhos particulares e o uso privado desses bens, vão de encontro ao princípio básico insculpido na Constituição Federal (art. 225[2]). Este princípio refere que bens ambientais são bens públicos, indispensáveis à vida humana.

“Os modos de acesso aos bens ambientais e de seu uso, nos quais prevalecem os interesses privados, além de ocasionarem agressões ambientais, ferem seu caráter coletivo” (CARVALHO, 2008, p. 166).

Extração ilegal de mogno e areia para comercialização, venda de animais selvagens, desmatamento com a finalidade de exploração industrial são alguns exemplos de apropriação privada dos bens ambientais. Quando são liberados resíduos ou dejetos tóxicos no ar ou na água ou depositados em terrenos não preparados para recebê-los, está se afetando a natureza e as comunidades que vivem naquele ambiente, bem como as comunidades abastecidas pelos mananciais contaminados (CARVALHO, 2008).

Assim, surgem os conflitos ambientais. De um lado, percebe-se a presença de empreendedores buscando um crescente desenvolvimento tecnológico sem qualquer preocupação ambiental e, de outro lado, de ambientalistas almejando a preservação do meio ambiente.

Ocorre que, “nem todos os grupos sociais envolvidos nos conflitos socioambientais se vêem como ecologistas ou consideram suas lutas estritamente ecológicas. Contudo, isso não significa que (…) essas populações não tenham já certa sensibilidade ambiental” (CARVALHO, 2008, p. 167).

Portanto, essa preservação do planeta e dos vínculos de solidariedade social, indispensáveis à convivência humana, e a consciência de riscos compartilhados podem atuar como força agregadora (CARVALHO, 2008).

A questão ambiental envolve políticas públicas e iniciativas privadas, ou seja, os conflitos ambientais não são apenas conflitos entre movimentos sociais ou entre grupos sociais estanques. As dinâmicas sociais, políticas e econômicas das relações que envolvem sociedade e natureza implicam num enfoque interdisciplinar. Uma única disciplina do conhecimento pode não ser suficiente para se analisar os conflitos relacionados à promoção de formas mais sustentáveis de desenvolvimento (BARBANTI, texto digital).

Acselrad (2004) levanta duas premissas para analisar a relação entre conflito e ambiente. A primeira é de que os objetos constituintes do ambiente vão além da matéria e da energia, eles são também culturais e históricos. A segunda é a diferença entre problemas, impactos e conflitos ambientais. O impacto é a ação do homem sobre o meio ambiente, que pode resultar em uma alteração positiva ou negativa do ecossistema. O impacto negativo pode resultar em um problema, que pode gerar disputas e eclodir em um conflito.

Little (2001, p. 107) define conflitos ambientais como “disputas entre grupos sociais derivados dos distintos tipos de relação que eles mantêm com seu meio”. Ele engloba o social e o ambiental em três dimensões básicas: “o mundo biofísico e seus múltiplos ciclos naturais, o mundo humano e suas estruturas sociais, e o relacionamento dinâmico e interdependente entre os dois mundos”.

Segundo o autor, os conflitos em torno do controle dos recursos naturais, quando o homem define um uso para determinado elemento da natureza, têm três dimensões. A dimensão política está relacionada com a distribuição dos recursos; a dimensão social se refere a disputas sobre o acesso a recursos naturais; e a jurídica é a disputa formal pelo recurso.

O autor elenca ainda mais dois tipos de conflitos: os conflitos em torno dos impactos ambientais e sociais gerados pela ação humana; e os conflitos em torno dos conhecimentos ambientais.

Portanto, os conflitos ambientais vão além da matéria e da energia, eles são também culturais e históricos e exigem um tratamento interdisciplinar, pois os aspectos envolvidos são complexos e estão inter-relacionados.

Conforme Soares (2010), as disputas ambientais são situações confusas, dinâmicas, que envolvem vários interesses numa rede intrínseca de relações e podem se desenvolver em um contexto local, regional ou nacional.

Não bastassem essas particularidades do conflito ambiental, atualmente o Estado-nação passa por um momento de crise de legitimidade, em que os envolvidos parecem não confiar mais a resolução das suas questões ao poder público.

Assim, a globalização trouxe com ela a crise de legitimidade do Estado-nação. Para Haesbaert (2008, p. 184), “o enfraquecimento crescente do Estado como agente de intervenção diante do processo avassalador e ‘sem fronteiras’ de mercantilização da sociedade leva muitas” redes ilegais a promoverem reestruturações próprias.

Para Soares (2010, p. 47), “o Direito também sofreu com o enfraquecimento do Estado, perdendo força na regulação de comportamentos, não conseguindo lidar com os problemas ambientais de forma oportuna”. O Judiciário passou a ser uma opção ineficiente para a resolução de conflitos.

Conforme Spengler (2010, p. 25), “a tarefa de ‘dizer o Direito’ encontra limites na precariedade da jurisdição moderna, incapaz de responder às demandas contemporâneas produzidas por uma sociedade que avança tecnologicamente”.

Esta Justiça abarrotada e morosa também prejudica uma gestão eficaz dos conflitos ambientais. Segundo Folberg e Taylor (1997) e Granziera (2006), quando as desavenças são levadas aos tribunais, as políticas públicas são obstaculizadas e retardadas, tornando-se, na maioria das vezes, ineficazes para a proteção do meio ambiente ecologicamente sadio.

Portanto, vislumbrando-se que “nas décadas de 1960 e 1970 surgem os processo de mobilização social que procuram o empoderamento de grupos desprivilegiados na sociedade americana”, percebeu-se um grande aumento de conflitos entre indivíduos, organizações privadas e governo. “Com uma boa parte dos conflitos indo parar na Justiça, esta se viu atolada e inoperante. Surgiu então uma forma alternativa de gestão de conflitos fora do sistema legal” (BARBANTI, texto digital).

A partir da incapacidade do Estado de oferecer respostas à sociedade a partir dos parâmetros tradicionais surgem novas formas de solução de conflitos. Os conflitos ambientais não podem ser tratados de forma binária, excludente, não se podendo permitir ganhadores e perdedores nessa relação. É necessária uma nova forma de ver o mundo e a relação homem-natureza (Soares, 2010).

As condições mínimas “necessárias ao tratamento ‘adequado’ da questão ambiental são: 1) uma abordagem ‘sistêmica’ dos problemas ambientais, que supere a natureza pontual e corretiva das políticas públicas tradicionais” e 2) um estilo consensual capaz de produzir soluções integradas aos problemas e que atendam ao seu caráter complexo (ALONSO e COSTA, 2000, texto digital).

Beck (1994) refere que é necessário reconhecer a ambiguidade e a ambivalência dos processos sociais como inevitáveis, abrindo-se o diálogo e o processo decisório.

A mediação é o processo pelo qual um mediador facilita e/ou incentiva a autocomposição.

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Segundo Calmon (2008, p. 119) “mediação é a intervenção de um terceiro imparcial e neutro, sem qualquer poder de decisão, para ajudar os envolvidos em um conflito a alcançar voluntariamente uma solução mutuamente aceitável”.

As vantagens da mediação no tratamento de disputas ambientais são: a informalidade, o reconhecimento das responsabilidades de cada envolvido quanto aos direitos e deveres ambientais, o fortalecimento das relações de confiança e credibilidade que traz uma solução conjunta, a prática de princípios como respeito, solidariedade e cooperação e o diálogo direto entre os envolvidos, evitando-se manipulações autoritárias (SOARES, 2010).

Assim, permite a implementação da gestão ambiental de forma participativa e democrática e incentiva a lidar com o conflito como uma forma de aprendizagem e crescimento pessoal. A mediação pode “viabilizar a política pública ambiental, ao mesmo tempo que permite uma transformações social, através da (…) assunção de responsabilidade dos sujeitos frente ao meio em que vivem” (SOARES, 2010, p. 138).

A reflexão sobre a relação homem-natureza pode ser estimulada através dessas práticas.

3 Conflitos ambientais e a empresa de celulose Cambará S.A.

Foi realizada, nos dias 13 e 14 de abril de 2013, uma saída a campo na disciplina de Natureza do Conhecimento Ambiental do Programa de Pós-graduação Strictu Sensu em Ambiente e Desenvolvimento da UNIVATES. O objetivo da atividade foi a avaliação de aspectos ambientais, econômicos e culturais relacionados aos sistemas observados com aplicação prática dos conhecimentos construídos na disciplina.

Visitou-se o Município de Cambará do Sul, no Estado do Rio Grande do Sul. A área territorial do município é de 1.212,541 km² e sua altitude é de 980 metros. Conforme o censo de 2010 do IBGE, a população local é de 6.545 habitantes, sendo 5.540 eleitores. O Índice de Desenvolvimento Humano é de 0,76, o Produto Interno Bruto per capita é de R$ 13.921,56 e o índice de pobreza é de 22,9% (CAMBARÁ DO SUL, 2010, texto digital).

A Cambará S. A., empresa produtora de celulose e papel, está localizada em Cambará do Sul/RS. A empresa foi fundada em 1942, por Osvaldo Kroeff, e entrou em operação em 1º de setembro de 1947. A Cambará S.A. produz celulose fluff e papel tissue, destinados ao segmento de higiene. Em março de 2008 contava com 280 colaboradores diretos, 500 fornecedores e prestadores de serviços, movimentando 80% da economia de Cambará do Sul. A empresa divulga fomento a ações sociais e de desenvolvimento, como a manutenção das instalações de casas da Vila Ouro Verde, ambulatório, ginásio de esportes e Grêmio Esportivo Cambará, localizados na área onde está situada a indústria, e apoio sistemático às escolas estaduais Osvaldo Kroeff, Alziro Torres, Nereu Ramos e Raia, situadas nas proximidades da fábrica (CAMBARÁ S.A., 2008, texto digital).

Observa-se na visita ao local a existência de pequenos ambulatórios, escolas, igrejas e pequenos comércios na Vila Ouro Verde, comunidade que surgiu nos arredores da indústria, constituindo-se em locais para realização de atividades sociais, de atendimento médico, educacional e espiritual. Pelo exposto, constata-se que a empresa é a principal atividade econômica do município e que muitos habitantes dependem do seu funcionamento para viver.

Ocorre que um estudo de qualidade ambiental na região hidrográfica do Guaíba, realizado pela Fundação Estadual de Proteção Ambiental do Rio Grande do Sul (FEPAM), constatou que:

“O rio Taquari-Antas tem suas nascentes nos municípios de Cambará do Sul, Bom Jesus e São José dos Ausentes, numa região de baixa densidade populacional, onde predomina a criação extensiva de gado. As indústrias que mais contribuem com carga orgânica estão situadas nos municípios de Cambará do Sul, Bento Gonçalves, Marau, Veranópolis e Garibaldi, e as que mais contribuem com carga inorgânica, nos municípios de Farroupilha, Encantado, Caxias do Sul e Bento Gonçalves. No município de Cambará do Sul é importante salientar a influência da contribuição da fábrica Celulose Cambará. (…) Os parâmetros DQO e Condutividade não foram utilizados na metodologia deste trabalho, e também não tem limites fixados na Resolução Nº 357 / 05 do CONAMA, mas alertamos que são altas as medições destes parâmetros no local de amostragem denominado Bom Jesus (ponte sobre o rio das Antas). Este fato se deve ainda à presença de efluentes de uma fábrica de celulose localizada no município de Cambará do Sul. Esta empresa vem nos últimos anos realizando esforços para minimizar a poluição, reformando todo o processo produtivo e já possui tratamento primário. A lixívia bruta atualmente é reaproveitada em empresa vizinha” (FEPAM, 2005, texto digital).

Assim, surge o conflito ambiental. A empresa, ao descartar os resíduos no rio, polui o meio ambiente, prejudicando toda a coletividade, principalmente por estar localizada em um município que pertence a uma região de nascentes. Por outro lado, a maior parte dos cambaraenses depende do emprego na indústria e no desenvolvimento da Vila Ouro Verde, incentivada por ela. Percebe-se a complexidade e amplitude que alcança o problema ambiental.

Esta saída de campo possibilitou entrevistas informais com os habitantes locais, que afirmaram que a indústria estava em fase de encerramento de atividades, em virtude de uma crise financeira. O estudo realizado pela FEPAM informa que a empresa estava realizando esforços para minimizar a poluição.

Portanto, no presente caso fica nítida a importância do debate de todos os envolvidos acerca do conflito ambiental. Há interesse da iniciativa privada, da coletividade e do poder público em discutir a manutenção da empresa, o desenvolvimento social e a preservação do meio ambiente. Dessa forma, verifica-se que as disputas ambientais envolvem aspectos sociais, econômicos, ambientais, culturais, jurídicos e históricos, entre outros.

Assim, a questão ambiental “não pode ser entendida como una, universal e objetiva. Na sociedade, os sujeitos sociais apresentam-se como portadores de relações e interações diferenciadas com o meio ambiente” (ZHOURI e OLIVEIRA, 2010, p. 444).

A abertura do diálogo nesta vila e neste município mostra-se um caminho mais salutar para a entrega aos cidadãos do poder de definir a direção da mudança de suas vidas. A participação na tomada de decisão no conflito ambiental faz com que os envolvidos se tornem sujeitos de seu próprio destino, o que é necessário, pois esses conflitos abarcam questões de lugar e identidade regional, apropriação de recursos naturais para exploração capitalista e direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Além disso, a participação ativa na tomada de decisão permite maior conscientização e comprometimento com o desenvolvimento sustentável pelos envolvidos.

A mediação de conflitos e a gestão de interesses “devem se referenciar no interesse público e na busca da humanidade por soluções, o que não está atendido com escolhas de caráter exclusivamente econômico, político ou mesmo ecológico” (SILVA, 2005, p. 11).

Frisa-se que não há qualquer lei no Brasil que proíba a mediação ambiental. Além de não haver limites legais, há um incentivo às práticas de negociação, o que se percebe nos princípios ambientais de participação, informação e cooperação. 

Portanto, a mediação de conflitos socioambeintais pode ser um caminho diante da sua complexidade e da necessária democratização do processo de decisão.

Conclusão

O impacto do capitalismo, da industrialização e da maquinização resultou no individualismo e na falta de reflexão sobre o ambiente e o homem inserido no meio. Pensar ‘transversalmente’ as interações entre ecossistemas contemporaneamente se mostra um desafio e uma tendência.

Alguns movimentos sociais como o Instituto Arca Verde, Común Tierra, Decrescimento Brasil, Transition Brasil, Agapan, Fundação Gaia, WWF, Greenpeace e Avaaz; apenas para citar alguns, mostram um apelo ao não consumismo exagerado, contra o desperdício e a favor do respeito e preservação ao meio ambiente[3].

O art. 225 da Constituição Federal estabelece que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é das presentes e futuras gerações e que o dever de cuidar da natureza é de todos (governo e coletividade). Assim, estabelece-se o desenvolvimento sustentável como forma de solidariedade entre gerações.

Portanto, não se pode mais conceber um desenvolvimento tecnológico desenfreado, desligado das preocupações ambientais. Assim, a ecologia nos aspectos subjetivo (mental), coletivo (social) e ambiental (meio) é a base para a manutenção da vida e para a busca do bem-estar e enfrentamento de dilemas morais básicos de nossa existência.

Ocorre que, embora previsto constitucionalmente o bem ambiental como bem público, ele está sendo utilizado para interesses eminentemente privados, ferindo seu caráter coletivo e de essencialidade à vida humana.

A divergência de interesses resulta em conflitos ambientais. Esses conflitos são complexos porque envolvem aspectos de ordem legal, social, econômica, histórico-geográficas, etc.

Além dessas particularidades do conflito ambiental, atualmente o Estado-nação passa por um momento de crise de legitimidade, em que os envolvidos parecem não confiar mais a resolução das suas questões ao poder público.

O diálogo mostra-se o caminho mais coerente na solução dos conflitos ambientais. A transformação social através da reflexão e da assunção de responsabilidade dos sujeitos frente ao meio em que vivem pode ser alcançada com a abertura do processo decisório para toda a coletividade.

A análise da situação da empresa Cambará S.A., situada em Cambará do Sul-RS, permitiu concluir-se que o conflito ambiental é complexo, abrangente e ambivalente, e confirmou a importância da busca por soluções negociadas e consensuais.

Menegolia e Sant’Anna (1992, p. 62) analisam a realização de um planejamento, salientando que, se ele foi individualista ou fechado “se torna um instrumento de coação e imposição, pois toma decisões para um universo de pessoas, sem que estas estejam seriamente envolvidas na tomada de decisões”, propondo um agir exclusivista, a partir de uma única visão. Referem, ainda, que quando um planejamento surge das necessidades de um grupo, em decorrência de suas urgências, dos seus problemas e de seus objetivos, o próprio grupo passa a ter condições de criar o seu processo de ação. “E da participação grupal vão surgindo as ideias e a organização até chegarem à execução prática. Assim, o grupo se torna o dono do grupo e não o planejamento o dono do grupo” (p. 63).

Esta análise pode ser aplicada aos conflitos ambientais que são complexos e envolvem diversas dimensões. Com efeito, são os envolvidos que devem pensar e decidir sobre as soluções para os conflitos ambientais. Assim, a mediação apresenta-se um caminho para o restabelecimento da paz, através de meios democráticos e participativos. A participação ativa na tomada de decisão permite maior conscientização e comprometimento com o desenvolvimento sustentável pelos envolvidos.

 

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Notas:
[1] Trabalho orientado pelo Prof. Renato de Oliveira, Professor colaborador da UNIVATES, Doutor em Sociologia pela Ecole des Hautes Études en Sciences Sociales pela EHESS França.

[2] Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

[3] Informações obtidas nos sites das entidades, citados nas referências.


Informações Sobre o Autor

Luzia Klunk

Bolsista CAPES/PROSUP mestranda no Programa de Pós-Graduação em Ambiente e Desenvolvimento da UNIVATES advogada


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