A compreensão da criança frente o seu processo de adoção tardia

Resumo: O presente artigo tem como objetivo analisar como acontece a compreensão da criança frente o seu processo de adoção tardia, tendo em vista que a maioria das produções cientificas da área pouco valorizam a criança como protagonista. A pesquisa teve a participação de três crianças com idades entre seis e oito anos que vivenciaram a adoção tardia. A coleta de dados foi realizada com uma ficha de identificação, um desenho da Família Real e Ideal, uma entrevista para exploração do desenho e uma entrevista semiestruturada sobre a temática. Os dados coletados na entrevista foram analisados a partir da técnica de Análise de Conteúdo, e os desenhos foram analisados conforme a proposta do HTP e Família. Os resultados da pesquisa apontaram que pouco é falado sobre a adoção com a criança adotada e que as famílias desse trabalho preferem não falar sobre a história de vida da criança anterior a adoção.

Palavras-chaves: 1. Adoção– 2. Criança – 3. Família.

Abstract: This article aims to analyze how true understanding of your child ahead late adoption process, considering that the majority of the scientific production of the little area value the child as protagonist. The study had the participation of three children aged six and eight who experienced the late adoption. Data collection was performed with an identification sheet, a drawing of the Royal Family and Ideal, an interview for design exploration and a semistructured interview on the subject. The data collected in the interview were analyzed using the technique of content analysis, and the drawings were analyzed according to the proposed HTP and Family. The survey results indicated that little is spoken about adoption with the adopted child and the families that work would rather not talk about the life history of previous child adoption.

Keywords: 1. Adoption – 2. Child – 3. Family

Sumário: Introdução. 1. Adoção tardia. 2. Método. 2.1. Conhecendo nossos participantes. 3. Análise e discussão dos resultados. 3.1. Expectativas da criança ao ingressar na nova família. 3.2. A comunicação da família sobre adoção. 3.2.1. Comunicação ao ser adotado. 3.2.2. Comunicação da família adotiva com a criança ao ser adotada. 3.3. Desenho da família real e ideal. Considerações finais. Referências.

Introdução

A adoção existe como prática desde os primórdios da humanidade, como um dos princípios de garantir a sobrevivência de uma criança em situação de risco de vida, ameaçada pela perda do cuidado e proteção, através da orfandade ou abandono pelos pais (Solon, 2006).

No entanto, nem sempre a criança foi percebida dessa maneira, pois, na Antiguidade, em quase todas as sociedades a criança foi exposta ao abandono, e até mesmo ao infanticídio. A família nessa época vivia sob autoridade do pai, que tinha o direito de vida e morte sobre seus filhos. Para os romanos, o direito a vida era dado através de um ritual realizado pelo pai, em que o bebe era depositado aos seus pés, e se ele desejasse reconhecer a criança tomava-a em seus braços, se o pai saísse da sala, a criança era posta na rua, se não morresse de fome ou frio, pertencia a qualquer pessoa que tivesse interesse em criá-la e transformá-la em escravo, essa prática durou até a Idade Média. Com o cristianismo, surgiu uma maior proteção dos fracos por parte dos cristãos, exigindo mudanças estruturais sociais (Weber, 2008, p. 28).

No decorrer da história, foi ocorrendo inúmeras modificações de proteção a criança. No Brasil, foi somente com a instituição do Código de Menores em 1927, que houve maior progresso nas leis de adoção. Com os movimentos sociais e o avanço das pesquisas foi promulgado o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em 1990, que visa à proteção integral da criança e do adolescente, tal como seus direitos, sendo entre eles, o de conviver em uma família e comunidade (Weber, 2008, p.34).

Com a promulgação do ECA, ampliam-se as possibilidades de características que passa a ser aceito em relação aos candidatos a adoção. Dessa maneira, a adoção pode ser solicitada por qualquer pessoa maior de 21 anos de idade, independente do seu estado civil, desde que haja diferença de 16 anos de idade entre o adotante e o adotado, não sendo permitida a adoção por familiares (Mariano &Rosseti-Ferreira, 2008). Porém com a lei 12.010 de 2009, também conhecida como Lei Nacional de adoção – Cleber Matos, foram introduzidas mudanças no ECA. Dentre essas mudanças, estão à idade mínima de 18 anos do adotante, respeitando os 16 anos de diferença entre o adotado. Toda criança ou adolescente inserido em programa de acolhimento familiar ou institucional, deverá ter sua situação avaliada a cada seis meses, para que o poder judiciário possa decidir sobre a reintegração familiar (Art. 19, par. 1°). No Art. 38 § 3° é estabelecido que “a inscrição de postulantes a adoção será precedida de um período de preparação psicossocial e jurídica, orientado pela equipe técnica da Justiça da Infância e da Juventude (…)”.

No Brasil e em grande parte do mundo ocidental, o destino das crianças “abandonadas” pelos seus pais biológicos é de serem criadas e educadas em instituições, mantidas e dirigidas pelo Estado, ou ainda por associações não governamentais e religiosas. Algumas crianças são adotadas por casais e famílias, outras, entretanto, são negligenciadas e excluídas social e economicamente pelo sistema, as quais vivem nas ruas (Camargo, 2005). Embora a permanência de crianças em Instituições de Acolhimento deva ter um caráter temporário para a resolução do conflito e direcionado a uma solução, o que encontramos na prática é o inverso, crianças que ficam anos nessas instituições a espera de um retorno/inserção em uma família.

1. Adoção Tardia

A adoção no Brasil durante muito tempo foi à designada de adoção clássica, que é aquela motivada pela infertilidade ou esterilidade do casal, tendo como adotado preferencial um recém-nascido que tenha as mesmas características físicas dos adotantes. A partir do ECA, visando beneficiar o adotado, passou-se a enfatizar a adoção moderna que compreende a adoção tardia, inter-racial, de grupos de irmãos, entre outros, com o intuito de buscar soluções para crianças sem uma família (Amim & Menandro, 2007).

Esse novo modelo de adoção surge como um movimento por uma nova cultura de adoção, marcada pelo melhor interesse da criança, em que se busca uma família para uma criança, e não uma criança para uma família (Costa & Rosseti-Ferreira, 2007). Portanto, é considerada adoção tardia, quando a criança a ser adotada tem mais de dois anos de idade. Sendo essas crianças abandonadas tardiamente pelas mães, que por algum motivo pessoal ou econômico, não puderam continuar encarregadas de seu cuidado, ou foram retiradas dos seus lares pelo poder judiciário (Vargas, 1998).

Atualmente, tem-se fortalecido um movimento para a “cultura da adoção”, em que se busca oferecer um lar e uma família para uma criança, sem privilegiar suas condições de saúde, idade, sexo e raça (Ebrahim, 2011). Priorizando o maior interesse da criança, e não mais apenas da família (Costa & Rosseti-Ferreira, 2007). Em pesquisa na literatura sobre o tema, percebe-se que se trata de um fenômeno pouco estudado no Brasil, e que por esse motivo poucas são as publicações científicas na área, principalmente quando se refere a estudos sobre a perspectiva da criança sobre seu processo de adoção, os estudos em geral falam da visão dos pais adotivos ou são estudos comparativos (Solon, 2006, p. 33).

Podemos apontar como dificuldade para o ingresso de uma criança em uma nova família, o fato de os pais adotivos na maioria das vezes procurarem por bebês brancos, que tem como justificativa a negação ou a dificuldade de aceitar crianças de cor diferente, tendo como consequência inúmeras crianças que não são adotadas (Gondim, Crispim, Fernandes, Rosendo, Brito, Oliveira & Nakano, 2008). De acordo com o Conselho Nacional de Justiça, o Cadastro Nacional de Adoção, que reúne dados de todos os adotantes e crianças e adolescentes disponíveis para adoção no país, tem 10.518 pessoas interessadas em adotar uma criança no Brasil. Crianças aptas à adoção há pouco mais de 1,3 mil. No entanto, apesar de haver grande número de pessoas interessadas em adotar, o cadastro confirma que a adoção tardia é um obstáculo, pois, das crianças registradas, 124 tem de zero a 4 anos, 445 tem de 5 a 10 anos e 884 tem de 11 a 17 anos (Brasil, 2009).

Diante do exposto, o presente artigo tem como objetivo analisar como acontece a compreensão da criança frente o seu processo de adoção, conhecendo sua expectativa quando ingressou na nova família, identificando o conteúdo da comunicação da família adotante com a criança sobre o processo de adoção tardia, bem como comparar a família idealizada e percebida como real pela criança adotada tardiamente.

2. Método

Trata-se de uma pesquisa qualitativa, que conforme González Rey (2005) nos possibilita apresentar nossas ideias, intuições e opções como sujeitos produtores de conhecimento, dentro do qual se caracteriza como um processo irregular e contínuo, em que novos problemas e desafios são vivenciados.

A pesquisa teve a participação de três crianças, entre seis e oito anos de idade, que vivenciaram um processo de adoção tardia, ou seja, foram adotadas com mais de dois anos, e que permaneceram por um período em uma Instituição de Acolhimento.

A coleta de dados foi realizada no domicílio de cada família. Inicialmente foi utilizada uma ficha de identificação, em que os pais/responsáveis preencheram com as principais informações relativas à vida familiar da criança. Após foi solicitado que as crianças produzissem dois desenhos: o da Família Real, e da Família Ideal, seguido de uma entrevista para exploração do desenho, e após uma entrevista semiestruturada sobre a temática.

Os desenhos foram utilizados como base para a realização da entrevista, e serviram na compreensão da percepção que as crianças têm do seu processo de adoção tardia. Os desenhos da família real e ideal têm a finalidade de identificar conteúdos inconscientes no que diz respeito às relações do examinando com os objetos internos e externos que pertencem a sua dinâmica familiar (Retondo, 2000, p. 123). De acordo com a mesma autora, outra finalidade seria a identificação e implicações de conflitos que provem das relações familiares.

A entrevista semiestruturada para Trivinos (1990, p.146 apud Duarte 2005, p. 3) é um roteiro de questões que permite a cobertura ao interesse de pesquisa. Sendo assim, a entrevista inicia-se com questionamentos básicos, com base em teorias e hipóteses do interesse da pesquisa, e em seguida, dispõe de um extenso campo de interrogativas. Esta pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética da Universidade do Vale do Itajaí e foi aprovado pelo parecer nº 234/11ª.

As entrevistas realizadas com as crianças foram analisadas a partir da técnica de Análise de Conteúdo proposta por Moraes (1999) que compreende a técnica como um modo de reinterpretar as mensagens e compreender seus significados em um nível além da leitura comum. O mesmo autor propõe cinco etapas no processo da análise de conteúdo, sendo elas: preparação das informações, unitarização ou transformação do conteúdo em unidades, categorização ou classificação das unidades em categorias, descrição e interpretação.

Os desenhos foram analisados conforme proposta do Desenho da família de Origem e Ideal sugerido por Retondo (2000), contidos no Manual Prático de Avaliação do HTP (Casa – Árvore – Pessoa) e Família. De acordo com a autora, os desenhos da família de Origem e Ideal têm contribuído para se conhecer a situação do examinando dentro do seio familiar. É essencial que durante a aplicação seja realizada a observação global dos desenhos das famílias, para posteriormente avaliar determinados detalhes individuais, como: posições das figuras: simboliza a forma que o examinando apresenta a sua família, o espaço ocupado, o grau de envolvimento do examinando com o próprio eu e com os membros da família; proporções do desenho: fornece um paralelo das atitudes do examinando para com os membros da família; omissões: representa os sentimentos de proximidade, ciúmes, rejeição e conflitos entre os familiares; figuras parentais: reflete a origem, a estrutura e as modalidades dos vínculos familiares, como são atribuídos os papeis e funcionamento dos mesmos dentro da dinâmica familiar; comparação entre as duas famílias real e ideal: busca verificar as formas de representações, que se mantêm ou se modificam, onde e de que maneira (Retondo, 2000, p. 122-123).

Vale ressaltar, que em consulta sobre a utilização do teste, foi-nos orientado pelo Conselho Federal de Psicologia (2011), que o mesmo é passível de uso somente para pesquisa, não podendo ser utilizado com a finalidade de avaliação.

No próximo tópico iremos apresentar cada criança participante da pesquisa, bem como um pouco da sua vivência apresentada pelos pais adotivos.

2.1. Conhecendo nossos participantes

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De acordo com os relatos dos pais de Leo, os procedimentos para a adoção ocorreu nos trâmites judiciais, através do Cadastro Único Informatizado de Adoção (CUIDA), em que através do perfil disponibilizado virtualmente, foram identificados e chamados na Comarca em que havia uma criança com as características que desejavam. Quando os pais chegaram até o local, foram apresentados ao Léo, e após uma visita até a Instituição de acolhimento que a criança estava, foi autorizada pelo Juiz a morar com a família no estágio de convivência. Quando questionados sobre o motivo da adoção, afirmaram que queriam ter outro filho, pois, já tinham um filho biológico, e por conhecerem as necessidades de uma criança recém-nascida e por não terem mais disposição para os cuidados de outra, optaram por uma criança entre um e seis anos de idade, acreditando que esta não necessitaria de tanta atenção como um bebê. Os pais de Leo relataram que no início, a criança vivia como se “demarcasse” seu espaço dentro da família, se fazendo presente em todos os momentos, principalmente diante do irmão, e com muita conversa afirmaram que conseguiram que a criança entendesse que já tinha seu lugar garantido dentro da família.

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Ao serem questionados sobre como chegaram até a Bia, à mãe relatou que a avó materna adotiva, há trinta anos participa da família acolhedora, que consiste em acolher crianças que foram retiradas dos pais biológicos por decisão judicial, até que estas sejam adotadas, ou completem 18 anos, podendo sair da casa. Bia, chegou à família acolhedora aos 4 anos de idade, oportunidade em que foi levada para o estágio de convivência com uma família, no entanto, foi devolvida por esta após um fim de semana com a família. Por estarem próximos ao convívio diário de Bia na família acolhedora, e após a chegada do irmão biológico da criança, os pais adotivos de Bia, verbalizaram que sentiram que poderiam ser pais das duas crianças, tendo como um sinal o nome destas, pois, antes mesmo de conhecê-las diziam que o dia que tivessem uma filha e um filho, estes teriam o nome que as crianças têm. Durante o período de estágio de convivência, os pais afirmaram que foi difícil, pois a família de origem das crianças era negligente e com histórico de maus tratos, sendo que Bia chegou a casa com várias marcas de queimadura de cigarro pelo corpo, tinha dificuldade no sono, dificuldade de aprendizagem e de socialização. A mãe adotiva relata que Bia apresentou insônia, choro e insistentes pedidos para retornar ao convívio da mãe biológica. Os pais afirmaram ainda, que não conversam com a criança sobre sua vida antes da adoção, e que quando esta pergunta algo, dão uma resposta rápida, e afirmam que o que importa é o daqui para frente.

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A mãe de Alice relatou que todo o processo de adoção ocorreu através do CUIDA, que pelo perfil disponibilizado foi chamada até outra Comarca, pois havia uma criança com as características que ela desejava, após ter realizado três visitas com intervalo de 15 dias na Instituição de Acolhimento em que a criança estava, foi lhe dado o estágio de convivência pelo juiz. A mãe de Alice afirmou que a criança permaneceu por três anos em uma Instituição de Acolhimento, não sabendo informar sobre a história de vida da criança, nem mesmo se esta possuí algum irmão biológico, e expõe que Alice não fala sobre sua vida antes da adoção.

3. Análise e Discussão dos Resultados

Os resultados da pesquisa foram submetidos à análise através de dois procedimentos, sendo o primeiro deles a Entrevista, através da técnica de Análise de Conteúdo, que conforme proposto por Moraes (1999), ficou dividida em categorias temáticas, sendo elas: Expectativas da criança ao ingressar na nova família, e a Comunicação da família sobre adoção, sendo dividida em duas subcategorias: A comunicação da família sobre a adoção, e A comunicação da família adotiva com a criança ao ser adotada.

Os desenhos por sua vez, compreendem o segundo procedimento, foram analisados a partir da proposta de Retondo (2000) no Manual HTP e Família, e resultaram no título Desenhos da Família Real e Ideal.

3.1. Expectativas da criança ao ingressar na nova família

Ao se falar em expectativas quanto à adoção, logo nos surge a ideia de que essa expectativa está relacionada diretamente aos pais, que aguardam uma criança recém-nascida, do sexo feminino e branca, perfil considerado como o de crianças “adotáveis” (Dias, Silva & Fonseca, 2008). Poucas são as pesquisas que tratam da temática sob a perspectiva das crianças. Sendo assim nos perguntamos, qual é a expectativa das crianças que são adotadas?

Nesse sentido, duas das três crianças entrevistadas afirmaram que ao serem adotadas tinham como expectativa fazer parte de uma família, o que pode ser observado nas falas de Alice que esperava “ter uma mãe” e para o Léo “esperava encontrar amigo, irmão”. Bia por sua vez, optou por não responder as perguntas ligadas diretamente a sua adoção.

Carvalho e Almeida (2003) expõe que a família é um elemento-chave, não somente para a sobrevivência dos sujeitos, mas também para a proteção e socialização dos seus membros, transmissão de aspectos culturais, capital econômico e propriedade do grupo, além das relações de gênero e de solidariedade entre as gerações.

Entretanto, vale ressaltar, que para se falar de família em adoção, é preciso se remeter ao abandono vivenciado por essas crianças, antes de fazer parte de outra família. São crianças e adolescentes que não são assistidos pelas famílias, e que não tem uma relação de continuidade com a família (Weber, 2008, p. 33).O que leva então uma mãe a abandonar um filho?

Weber (2008, p. 35) salienta que muitas vezes antes de a criança ser abandonada pelos pais, a família já foi abandonada pelo Estado, em um país em que 59% da população são pobres e excluídos, e apesar de uma melhoria, ainda existem cerca de 19 milhões de analfabetos no país. Quase quatro milhões de crianças entre cinco e 14 anos são vítimas de mão-de-obra barata e não conhecem a infância.

Para Weber (2008, p. 37) muitas vezes essas mães, como parcela da população submetida à exclusão, à miséria e a violência têm em mente que estão fazendo o melhor para os seus filhos abandonando-os, já que possuem uma visão clara através da sociedade, de que ela não tem como sair do seu estado de miséria, e que suas necessidades básicas e direitos de cidadã estão fora do seu alcance, então essa mãe movida por um sentimento primitivo, abandona seu filho a cargo do Estado.

Nessa perspectiva, o que surge então, são as institucionalizações das crianças e adolescentes, retirados e/ou abandonados pelas suas famílias. Nessas instituições, o que predomina é o caráter coletivo, em que a máxima “nada é de ninguém” é o de funcionamento do local, em que há planejamentos nas ações com foco na ordem e rotina e falta de privacidade, falta de contato físico, disciplina com base no silêncio na submissão e ausência de autonomia e quebra nos vínculos afetivos (Weber, 2008, p. 36).

Em nossos entrevistados encontramos Leo com histórico de um ano e nove meses de institucionalização, Bia com aproximadamente dois anos e Alice que passou três anos em uma Instituição de Acolhimento. Conscientes dessa realidade, uma das perguntas que fizemos a essas crianças se remetia a esse período: Como era sua vida antes de fazer parte dessa família? Leo respondeu: “era bem”, já Bia e Alice permaneceram em silêncio. Solon (2006, p. 36) reforça que várias pesquisas consideram não só o abandono, mas as vivências em instituições como fatores de alto risco para o desenvolvimento posterior da criança. Todavia, a autora ressalta que mesmo que ocorram experiências adversas na infância, às chances de risco para o desenvolvimento futuro da criança, são menores se as experiências seguintes forem positivas (Rutter, 1989 apud Solon, 2008, p. 34).

Diante dos resultados, podemos supor que o silêncio das meninas, pode estar relacionado com o tempo em que permaneceram institucionalizadas, e as experiências vividas. Dessa forma se a pesquisa pudesse ter sido estendida por mais tempo, essas vivências poderiam ser melhores observadas. Pois, como sabemos, as Instituições de acolhimento tem característica de lugar de passagem, e não de permanência.

3.2 A comunicação da família sobre adoção

O tema adoção nas produções científicas, sempre foi investigado a partir da concepção em que o abandono e as vivências em instituições são vistos como altos fatores de risco para o desenvolvimento da criança. As pesquisas utilizavam avaliações de indicadores, sendo eles: físicos, cognitivos e sociais, e comparações entre grupos diferentes, como de adotados e não adotados, adotados quando bebes e adotados tardiamente, privilegiando as grandes amostras, concentrando a atenção nos resultados das avaliações (Solon, 2008, p. 33). A mesma autora expõe, que questões que interessam todas as famílias adotivas, como, a comunicação sobre adoção, sentimento da criança por ser adotada, problemas que famílias adotivas enfrentam, satisfação com a adoção, são menos prevalentes na literatura científica.

Para melhor análise dos dados obtidos, esta categoria será analisada em subcategorias, sendo elas: Comunicação ao ser adotado e Comunicação da família adotiva com a criança ao ser adotada.

3.2.1 Comunicação ao ser adotado

Ao direcionar nossa análise sobre as narrativas das crianças pesquisadas sobre como foi ingressar na família adotante, verificamos que a deficiência na comunicação ocorre desde o início do processo de adoção, como afirma Solon (2008, p. 148-9), as crianças circulam de um contexto para outro, como da família biológica, Instituição de acolhimento e família adotiva, submetidas às decisões dos adultos, muitas vezes sem compreender o que está acontecendo. Ao ser perguntado para Leo sobre o que sabia de sua adoção, ele respondeu: “eles fizeram uma festa na minha chegada”. Já para Alice a mesma relata “falaram que era pra eu vir morar aqui”, deixando em aberto em suas falas sobre como essas crianças são preparadas para ingressar em uma nova família e como ocorre o contato entre a família candidata a adoção e a criança a ser adotada.

É importante ressaltar que o Leo e a Alice, foram encaminhados para as famílias adotivas pelo CUIDA, e Bia pela família Acolhedora de sua avó adotiva, sendo que o Leo permaneceu um ano e nove meses em uma Instituição de Acolhimento, Alice três anos e Bia aproximadamente dois anos. Período significativo, quando observamos o pouco que é falado e preparado às crianças para o processo de inserção em nova família.

O Cadastro Único Informatizado de Adoção e Abrigo (CUIDA) foi instituído através do Provimento 13/2005 de 20 de outubro/2005. É um sistema de informações sobre os pretendentes à adoção, inscritos e habilitados em Santa Catarina, de entidades de Instituições de Acolhimento e de crianças e adolescentes acolhidos ou em condições de colocação em família substituta.

O CUIDA tem como objetivo agilizar os procedimentos de encaminhamento de crianças e adolescentes para a adoção e racionalizar a sistemática de inscrição de pretendentes à adoção evitando a multiplicidade de pedidos (Brasil, 2005). Dessa forma, possibilita que os pretendentes a adoção se inscrevam apenas na sua Comarca, e depois de deferida a habilitação, estes passam a concorrer dentro do Estado de Santa Catarina, evitando que os pretendentes a adoção tenham inúmeros cadastros em diferentes Comarcas a procura de um bebe ideal (Weber, 2008, p. 62).

3.2.2 Comunicação da família adotiva com a criança ao ser adotada

Concretizando os objetivos de nossa pesquisa, procuramos conhecer através das próprias crianças que vivenciaram o processo de adoção tardia, o que estas pensavam e narravam sobre o tema.

Leo ao ser questionado se conversava sobre sua adoção com alguém, afirmou que “Não, porque eu nunca quis”. Para Alice a adoção é um tema presente em suas conversas com a mãe adotiva, onde afirmou: “Sim, com a mãe”. Porém quando questionada sobre o conteúdo da fala a mesma diz: “Não sei”. Cabe acrescentar que quando perguntado para Bia se ela conversava sobre a sua adoção, a mesma permaneceu em silêncio, demonstrando em sua face o desconforto em falar como era sua vida antes de fazer parte da atual família.

No entanto percebemos que quando o assunto não é adoção, Leo, responde a nossa pergunta, dizendo que a pessoa com quem mais conversa na sua casa é o irmão, pontua o conteúdo dizendo: conversamos sobre “dvd, brinquedo, sobre um monte de coisa”. De uma forma geral os pais adotivos de Leo, afirmam que pouco conhecem a história do filho antes de ser adotado, dando enfoque apenas no que é vivenciado pela criança no presente. Gagno e Weber (2002) através de um levantamento em duas revistas nacionais sobre o tema adoção, concluíram em geral as pessoas aceitam falar adoção, desde que, no entanto, esta não faça parte da vida da própria pessoa.

Podemos também incluir a fala da mãe de Alice ao referir não saber sobre a vida da filha antes da adoção. O que segundo Costa e Campos (2003), a falta de cuidado, a coleta e a preservação das informações dos envolvidos na adoção, como os adotantes, genitores e intermediários, pode estar relacionado ao desejo de apagar a história da criança, sua origem inferior ou tida como vergonhosa.

Mas a comunicação sobre o processo de adoção passa também pelo que é sabido sobre a criança antes de ser adotada e que não é falado. Ficando claro, quando os pais de Bia como a própria Bia reforçam que não conversam sobre sua vida antes da adoção, que quando a criança pergunta ou fala algo, os pais dão uma resposta rápida, e mudam de assunto, verbalizando que o que importa é o daqui para frente, e o que aconteceu no passado lá deve ficar.

Solon (2008, p.78) expõe que essa maneira de a criança se expressar sobre o seu passado, através do silêncio, se negando a falar, ou abortando a conversa, pode estar relacionada com questões históricas ou ideológicas.

Em síntese, diante do que foi falado e do que não foi falado em nossas entrevistas, percebemos que o assunto adoção, está fortemente carregado de mitos, insegurança e pré – julgamento. Não se tendo um consenso de como proceder diante da criança e de sua história passada. Schetini, Amazonas e Dias (2006), nos auxiliam afirmando para que dinâmicas mais favoráveis sejam construídas, é necessário que as especificidades do processo de adoção sejam trabalhadas de forma preventiva. É importante que os pais adotivos estejam conscientes que os filhos adotados têm outro casal como genitores e trará consigo uma história anterior à adoção, que não poderá ser negada ou descartada, mas para a saúde mental da criança, esta precisará ser integrada em sua história. Essa conscientização pode ser dificultada por processos de negação e silêncio relacionados a questões inconscientes dos adotantes.

3.3 Desenhos da Família Real e Ideal

Conforme anteriormente exposto, foi solicitado para as crianças participantes da pesquisa que desenhassem a família percebida como real e ideal, com o intuito de fazer um comparativo entre elas. Os desenhos foram analisados com a proposta do manual HTP (Casa- árvore – pessoa) e Família.

A seguir, os resultados serão apresentados em forma de tabela, comparando a Família Real e Ideal, e posteriormente as semelhanças e diferenças entre ambas.

Desenhos de Leo

Nos desenhos de Leo, ele desenha o pai, a mãe, ele e o irmão para representar a Família Real e Ideal.

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Nos desenhos elaborados por Leo, há semelhança na posição da família quando a criança simboliza a forma que apresenta a tanto sua família Ideal como a família Real, o espaço ocupado, o grau de envolvimento dele com o próprio eu e com os membros da família. Leo se inclui em ambos os desenhos, denotando sentimentos de pertinência e/ou proximidade e de fazer parte da família. Essa característica fica evidenciada através do relato da criança sobre a sua vivência familiar, em que o irmão é apontado como a pessoa com a qual a criança estabelece mais diálogo e afirma maior envolvimento dos dois juntos em atividades cotidianas.

As diferenças são percebidas na análise da proporção entre os desenhos, fornecendo um paralelo das atitudes do examinando para com os membros da família. Na família Real a figura do pai é desenhada maior que a da mãe e já na família Ideal, a família é representada através de desenhos baseados na idade de cada um, sendo a mãe do mesmo tamanho que o pai, projetando um desejo de perfeição, falta de criatividade, preferências, rigidez ou equilíbrio emocional entre os membros.

Desenhos de Bia

Nos desenhos de Bia, ela desenha para representar a família Real: mãe, pai, ela e irmão. Para representar a família Ideal apenas a mãe.

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Nos desenhos de Bia as semelhanças são identificadas na representação das figuras parentais refletindo a origem, a estrutura e as modalidades dos vínculos familiares, como são atribuídos os papeis e o funcionamento dos mesmos dentro da dinâmica familiar. Sendo importante, atentar para o fato de que a criança no desenho da família Ideal desenhou somente a figura da mãe.

No desenho da Bia encontramos varias diferenças, pois a criança desenhou somente a mãe para representar sua família Ideal e todos os membros para representar a família Real. Dessa forma a avaliação se volta para as omissões que representam os sentimentos de proximidade, ciúmes, rejeição e conflitos entre os familiares, que segundo o Manual HTP e Família, reportaria a algumas questões como omissões: Do examinando; sentimentos de rejeição, de não participar do grupo familiar, de não ser apreciado, querido, de ser inferior, de não receber afetividade desejada ou rivalidade entre o irmão. Do pai; ressentimento ou mágoas para com o membro ausente no desenho. Do irmão; ciúmes do mesmo. Em contrapartida, essas questões podem ser associadas ao silêncio de Bia na entrevista realizada.

Desenhos de Alice

Nos desenhos de Alice ela desenha para representar sua Família Real a mãe e para representar a Família Ideal o tio e a tia que segundo a mãe moravam com eles duas semanas antes da pesquisa. Encontramos também como variável o fato de Alice estar adotada somente há cinco meses.

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Nas representações de Alice encontramos semelhanças, quando se refere às omissões, pois tanto na família Real como na família Ideal ela não se inclui nos desenhos. Referindo a sentimentos de rejeição, de não participar do grupo familiar, de não se sentir apreciada, querida, de se sentir inferior, de não receber afetividade desejada.

Na interpretação das diferenças entre os desenhos, deparamos com desenhos dos tios para a representação da família Ideal, omitindo a existência da mãe. Sendo assim, a avaliação volta-se para a omissão da mãe que sugere ressentimento, mágoas para com a mãe. Outro fator que pode ser avaliado na diferença dos desenhos representados por Alice, esta na posição da família, pois quando ela desenha os tios, representa somente os rostos dos mesmos, indicando inteligência elevada, no entanto, problemas com o corpo ou até mesmo dificuldade de contato físico.

Segundo Retondo (2000), os resultados dos desenhos da família Real e da família Ideal têm-se demonstrado extremamente úteis para conhecer a situação dos examinados dentro do seio familiar. E quando se trata de crianças fica evidente que para acessar ao seu mundo, a técnica de desenho passa a ser um dos meios de comunicação mais favorável.

De forma geral podemos considerar que a técnica do desenho nos permitiu compreender um pouco mais a dinâmica familiar das quais as crianças adotadas fazem parte. No entanto, nossa intenção não foi fazer um comparativo dos desenhos entre as crianças, mas sim perceber como esses desenhos foram projetados quando se tratava da família Real e quando se apresentava a família Ideal. Perceber as diferenças, bem como relacionar com a realidade apresentada pela respectiva criança, nos leva a pensar que se faz necessário um acompanhamento psicológico para ambas as crianças e suas famílias. Pois, as crianças têm consciência da configuração (dos membros) de sua família Real, no entanto, ao projetar a família Ideal, surgem as discrepâncias.

Considerações finais

Este artigo pretendeu propor uma reflexão sobre a expectativa da criança ao ingressar na nova família, pois, ficou perceptível em duas entrevistas o anseio que as crianças têm em serem adotadas e fazerem parte de uma família. Buscamos enfatizar o processo de adoção tardia, discutindo o conteúdo das falas das crianças sobre essa expectativa. No entanto, salienta-se que a história de vida anterior à adoção, deve ser respeitada para que a criança possa ter a possibilidade de falar sobre seu passado e reconstruir sua história.

A técnica do desenho comparando os desenhos da Família Real e Ideal pode nos indicar como é sentido pelas crianças o seu ingresso na nova família; o lugar que ocupa na família, o grau de envolvimento com os membros familiares, o sentimento de pertença e os sonhos ainda a serem conquistados. Como no caso de Alice que desenhou os tios adotivos (materno), para representar sua família Ideal.

As omissões nos desenhos remetem segundo a análise do HTP – Família a aspectos importante que nos permite associar a comunicação ocorrida nas famílias. Nas representações da Bia e Alice encontramos as omissões, e o silêncio quando perguntado sobre seu processo de adoção. Na representação de Bia a ausência acontece somente na representação da família Ideal, no entanto para Alice a omissão dela como membro da família acontece em ambas às situações, porém não podemos esquecer que a Alice esta na família somente há cinco meses. Em contrapartida, Leo através do desenho representou todos os membros da família tanto para a representação da família Real como da família Ideal, na entrevista sobre a adoção é a criança que mais apresentou dados sobre seu processo de adoção.

Dessa forma, diante do objetivo da pesquisa, que foi analisar como acontece a compreensão da criança frente o seu processo de adoção, foi possível ter acesso sobre a perspectiva da criança ao ingressar na nova família, o conteúdo da comunicação estabelecida, bem como, as formas que as famílias adotantes encontram para falar ou não sobre a história de vida passada da criança, associado ao processo de adoção e inserção na família adotiva.

Destarte, mesmo diante do Cuida, que marcou presença em nossa pesquisa, sendo dois participantes inscritos no mesmo. Como também o Grupo de Preparação de Apoio a Adoção que está presente na historia de Alice. Verificamos que se tratando de Adoção Tardia, muitas variáveis são levantadas e muitos questionamentos ficam sem respostas. O que nos provocou uma inquietação de como esse processo pode ser conduzido de forma mais saudável e possível. Vale ressaltar, que poucas são as pesquisas que colocam a criança adotada como sujeito com voz ativa nesse processo.

 

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Informações Sobre os Autores

Aline Fagundes Silva

Psicóloga formada pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI

Iliane Machado Saqui

Psicóloga formada pela UNIVALI


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