Resumo: A finalidade do presente trabalho foi verificar a situação jurídica dos animais inseridos no ordenamento jurídico brasileiro e revelar a discussão do status jurídico dos animais. Seriam eles sujeitos ou objetos do direito? Foi feita uma pesquisa bibliográfica com o intuito de embasar a discussão proposta. Observou-se que apesar do sistema jurídico brasileiro considerar o animal como objeto do direito, a tutela jurídica destes seres-vivos é bastante relevante e coaduna-se com os princípios do Direito Ambiental e, de fato, com os Direitos Humanos. Embora a norma protetiva dos animais seja bastante evidente, a importância de se pensar na efetivação do Direito dos Animais e na manutenção da função ecológica da fauna ainda são ideologias que precisam ser construídas. Mas para isso, precisa-se investir na mudança dos atuais paradigmas e instaurar a concepção de novos direitos.
Palavras-chave: Direito Ambiental; Tutela Jurídica da Fauna; Ordenamento Jurídico Brasileiro; Direito dos Animais.
Abstract: The aim of this work was to verify the legal status of animal entered in the Brazilian legal system and to reveal the discussion about the legal status of animals. Are they subjects or objects of the rights? It was made a literature research to ratify the discussion. We observed that despite the Brazilian system consider the animal as an object of law, the legal protection of this living beings is quite relevant and consistent with the principles of the Environment Law and, in fact, with the Human Rights. Although the protective law of the wildlife is very clear, the importance of thinking about the effectiveness of the animal rights and the conservation of the wildlife ecological function still remaining ideologies that need to be built. But for this, it’s very important invest in changing of the current paradigms and introduce the conception of new rights.
Keywords: Environment Law; The Protective Law of the Wildlife; Brazilian Legal System; Animal Rights.
Sumário: Introdução; 1. O Antropocentrismo Normativo; 2. Aspectos Jurídicos Relevantes da Fauna; 3. A Condição Jurídica da Fauna no Brasil; 4. O Aparente Conflito da Natureza Jurídica da Fauna; 5. O Atual Paradigma do Direito em Relação a Fauna; Considerações Finais; Referências.
INTRODUÇÃO
Diante do contexto ambiental mundial e da iminente fragilidade da fauna, faz-se necessário discutir a posição dos animais dentro da órbita jurídica, bem como aludir à suscetibilidade deles possuírem um direito que lhes é próprio e específico, uma vez que o tratamento que se dá aos animais hoje em dia tem gerado um verdadeiro conflito moral no mundo jurídico.
Por um lado, existe o velho paradigma jurídico brasileiro que considera o direito ambiental sob o enfoque antropocêntrico, ou seja, como se tudo o que faz parte da natureza servisse aos interesses humanos tão somente; do outro, a moderna e revolucionária corrente do direito ambiental que tenta quebrar velhos paradigmas e inserir temáticas como as do direito dos animais no mundo jurídico.
Para suprir lacunas que existem na doutrina ambientalista do direito dos animais e de estudos normativos em relação à fauna, o presente estudo tem a importância de elucidar uma nova temática que aos poucos vem ganhando espaço no direito moderno, qual seja a luta pela vida de toda e qualquer espécie, não só a humana.
Sendo assim, propõe-se refletir a importância de se repensar a vida, não como um direito fundamental inerente somente ao homem, mas como inerente aos seres em geral, utilizando para isso um enfoque jus filosófico.
1 O ANTROPOCENTRISMO NORMATIVO
As lições clássicas do Direito nos levam a identificar a lei como criação do homem social. As normas são fruto de um consentimento geral advindo da necessidade que os homens encontraram para preservar seus costumes, a harmonia de suas relações e a paz entre os seres.
O direito consuetudinário é primitivo e não se coaduna com a organização política das sociedades modernas, ou pós-moderna como querem muitos pensadores denominar o atual momento histórico-social.
Hoje possuímos um plexo de normas escritas e codificadas que formam o chamado direito objetivo que, em nosso território, possui seu alicerce na Civil Law, de antecedentes da cultura jurídica romana.
Dentro desta perspectiva, erige-se um conjunto de leis que tem a finalidade de reger as relações sociais, sendo que destas relações não sobram dúvidas de que sejam as de natureza humana.
A Constituição Federal é uma criação proposta pelos homens com o fim de construir os auspícios do Estado, da nação a que estão atrelados. Para isso, ordenam todos os princípios de organização social em um diploma legal hierarquicamente superior que a todos é destinada.
Nesta perspectiva, em primeiro lugar, é ao homem que a norma se destina. É ele quem a cria para o bom desempenho de suas relações com o todo, a fim de que se alcance a paz social e a harmonia entre os seres. Por isso, em uma resposta simples à pergunta a quem se destinaria o direito, não há o que se contestar que se destina ao homem.
A própria Norma Superior ao dispor sobre os direitos fundamentais dos seres é clara ao determinar que os sujeitos dessas garantias são os brasileiros e estrangeiros residentes no país, afinal todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, e à propriedade (art. 5º, caput da Constituição).
Logo, o próprio dispositivo normativo é objetivo ao destinar os direitos fundamentais aos seres humanos, brasileiros e estrangeiros residentes no País, excluído desta suscetibilidade outros seres não humanos. Os animais, portanto, na órbita Constitucional, não são destinatários de direitos fundamentais, o que nos leva a concluir que a percepção do direito é antropocêntrica. Agora, é óbvio que embora a norma se destine à satisfação humana, não se exclui a proteção de outras formas de vida como a garantida pelo art. 3º da Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº. 6.938/81).
Porém, o que se percebe é que quando, por exemplo, se protege os animais contra práticas cruéis, dentro desta previsão antropocêntrica, o que se está garantindo em primeiro lugar é o principio humano de que os animais merecem proteção por tais práticas cruéis serem socialmente repudiadas, o que derrogaria se a crueldade contra os animais fosse consentida.
Tais afirmações nos levam a crer que qualquer outro ser que não seja o ente humano, de fato, está apartado da destinação das normas no que diz respeito aos direitos fundamentais, que são dos homens e não dos seres vivos em geral. O direito ambiental é antropocêntrico, não há lacuna para qualquer visão holística do meio. O homem está no centro das relações jurídicas e, tutelar o meio ambiente é assegurar os seus interesses e não os interesses dos próprios elementos constituintes do meio.
“Na verdade, o direito ambiental possui uma necessária visão antropocêntrica, porquanto o único animal racional é o homem, cabendo a este a preservação das espécies, incluindo a sua própria. Do contrário, qual será o grau de valoração, senão for a humana, que determina, v.g, que animais podem ser caçados, em que época pode fazê-lo, onde etc.?” (FIORILLO; 2008; p. 16).
Percebe-se que as relações sociais dentro da ordem jurídica estabelecida estão caracterizadas como práticas que são eticamente aceitas, sendo as repudiadas expressamente discriminadas. A cultura, o comportamento social, também faz parte da criação do direito, por isso, tudo aquilo que para o homem é relevante merece ser legalizado.
Antes, o meio ambiente não era tema preponderante para proteção jurídica, hoje é uma das temáticas mais importantes na agenda nacional e internacional. Diante de tamanha relevância, por que não se levar em consideração a mudança do pensamento antropocêntrico jurídico para outra visão, por exemplo, holística?
Parece-nos sábio advogar a tese de que sendo o direito uma ciência que está em constante transformação e observando o caos ambiental hodierno, tal perspectiva antropocêntrica mude. Faz-se necessário repensar o direito, desconstruir o paradigma estabelecido e direcionar o pensamento para novas idéias e de um novo direito em cena.
2 ASPECTOS JURÍDICOS RELEVANTES DA FAUNA
A fauna, em seus múltiplos aspectos biológicos, pode ser considerada simplesmente como o conjunto de espécies existentes em uma determinada região.
Cada espaço territorial apresenta suas características peculiares que interfere de forma direta ou indireta nas características ecológicas da fauna existente. Sabe-se que as florestas tropicais apresentam valor de diversidade biológica mais relevante do que as florestas temperadas. A Amazônia brasileira, não há controvérsia, é uma das mais ricas em termos de biodiversidade.
No campo jurídico o conceito de fauna não é expressamente identificado, mas pode ser deduzido de acordo com o já aludido art. 3º, V, da Lei nº. 6.938 de 1981 que dispõe serem recursos ambientais a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora. Daí depreende-se que fauna nada mais é do que um recurso ambiental que deve ser protegido pelo Poder Público dentro do que determina o art. 225 da Constituição Federal e a Lei mencionada que institui a Política Nacional do Meio Ambiente.
De modo genérico, os animais, dentro de um conceito biológico, são todos aqueles conhecidos pela Taxonomia e determinados dentro desta classificação. As ciências biológicas reconhecem a existência de cinco reinos, a saber: monera, protista, fungi, plantae e animália. A partir daí determina-se a variabilidade e especificidade de cada espécie enquadrada em cada reino. Os animais mais complexos, contudo, encontram-se no reino animália, no qual o homem está inserido, mas no plano jurídico este não se encontra em semelhança com os demais seres do reino. Há uma clara distinção entre os seres racionais (o homem – Homo sapiens) e os irracionais (as demais espécies).
Muitas Leis esparsas também trazem o tema da fauna em seus dispositivos, dentro dos quais podemos até mesmo classificar a fauna de acordo com o seu habitat. Dentro do ordenamento jurídico, a classificação poderia ficar estabelecida do seguinte modo: a fauna silvestre, que é a determinada pelo art. 1º da Lei nº. 5.197 de 1964 que define a fauna silvestre como os animais de quaisquer espécies, em qualquer fase de seu desenvolvimento e que vivem naturalmente fora do cativeiro, compreendendo nesta, a própria fauna ictiológica ou aquática, esta definida através do art. 1º do Decreto-lei nº. 221/1967 – o Código de Peca, que menciona serem esses animais aqueles que têm na água seu normal ou mais freqüente meio de vida.
Outra variabilidade de fauna seria a doméstica, sendo aquela que vive fora do seu habitat natural, em condições de cativeiro, cuja dependência existencial está atrelada a interferência do homem; e, por fim, a fauna exótica, que são as espécies que não fazem parte do habitat natural em que ocorrem, e que podem ser advindas de outros países ou de qualquer outra região, introduzidas nesta de algum modo.
A classificação jurídica da fauna, contudo, encontra sua determinação mais precisa em um ato administrativo advindo da Portaria do Instituto Brasileiro dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, que tratou de forma explícita sobre a classificação da fauna, considerando a fauna silvestre brasileira como todos aqueles animais pertencentes às espécies nativas, migratórias e quaisquer outras, aquáticas ou terrestres, que tenham seu ciclo de vida ocorrendo dentro dos limites do Território Brasileiro ou águas jurisdicionais brasileiras; a fauna silvestre exótica como todos aqueles animais pertencentes às espécies ou subespécies cuja distribuição geográfica não inclui o Território Brasileiro e as espécies ou subespécies introduzidas pelo homem, inclusive domésticas em estado asselvajado ou alçado, sendo também consideradas exóticas as espécies ou subespécies que tenham sido introduzidas fora das fronteiras brasileiras e suas águas jurisdicionais e que tenham entrado em Território Brasileiro; e por fim, a fauna doméstica como aqueles animais que através de processos tradicionais e sistematizados de manejo e/ou melhoramento zootécnico tornaram-se domésticas, apresentando características biológicas e comportamentais em estreita dependência do homem, podendo apresentar fenótipo variável, diferente da espécie silvestre que os originou (art. 2º da Portaria do IBAMA Nº. 093, de 07 de Julho de 1998).
Dentro do conceito de fauna e da classificação por hora mencionada, entende-se que de algum modo os animais estão presentes na natureza por algum motivo. Não existem de forma aleatória e muito menos vieram ao mundo como forma de recurso de valor. Apresentam no meio em que vivem uma verdadeira função ecológica incumbido ao Poder Público assegurar o direito de todos possuírem um meio ambiente ecologicamente equilibrado, protegendo a fauna e a flora, vedadas as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade (art. 225, VI da Constituição Federal).
Como podemos observar, são vedadas as práticas que coloquem em risco a função ecológica da fauna e da flora, o que nos leva a compreender, em uma primeira leitura, a existência de uma função que supera os interesses econômicos do homem.
A função ecológica da fauna pode ser compreendia simplesmente como os processos existenciais que são inerentes aos animais dentro de seu habitat. Existe no seu meio um conjunto de funções e atribuições que contribuem para manter o ambiente ecologicamente equilibrado. Interferir nesta dinâmica é desequilibrar o meio natural, o que afronta gravemente os preceitos constitucionais. Não é de se estranhar a exigência do procedimento de Estudo de Impacto Ambiental e seu devido Relatório para a instalação de obras que impliquem em impactos ambientais (art. 225, § 1º, V da Carta Magna), afinal há funções ecológicas e culturais que podem ser afetadas na região em que se irá construir o empreendimento e que merecem ser preservadas.
Dentro desta perspectiva, a função ecológica da fauna entendida como as atividades que os animais desempenham em seu meio, de modo a efetivar os processos ecológicos ali existentes e que tornam o meio ambiente saudável e equilibrado, está também compreendida dentro da própria interação dos conceitos de habitat e nicho ecológico. “O lugar onde uma espécie vive é o seu habitat. O modo de vida dessa espécie, ou seja, sua função na comunidade e a maneira como desempenha essa função, constitui o seu nicho ecológico” (CLEFFI; 1986; p. 56).
De tudo o que foi exposto, não há porque ratificar e teorizar sobre a importância que os animais ocupam no meio ambiente, não apenas como seres inerentes ao meio, mas como verdadeiros seres que fazem parte do direito humano que o homem possui de desfrutar de um meio ambiente ecologicamente equilibrado.
3 A CONDIÇÃO JURÍDICA DA FAUNA NO BRASIL
Levando-se em consideração que a fauna pertence aos elementos constitutivos da natureza e sabendo ser esta a própria manifestação do meio ambiente, por pura interpretação legislativa, quando a Constituição assegura proteger o meio ambiente ecologicamente equilibrado, acaba por proteger neste contexto os próprios seres que dele fazem parte, ou seja, os animais.
O art. 225 da Carta Magna contempla a proteção ao ambiente. Hoje em dia, cada vez mais o meio ambiente se torna alvo de incorporação constitucional, afinal a importância de sua preservação não é encarada mais somente como uma questão de política pública, mas como uma verdadeira questão de sobrevivência. A constitucionalização do meio ambiente é considerada uma tendência mundial irreversível (BENJAMIN, 2002, p. 93).
A matéria constitucional em relação à fauna vem explicitamente ilustrada no art. 225, § 1º, VII, no qual ratifica que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Logo, para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção das espécies ou submetam os animais a crueldade.
A proteção da fauna dada pela Constituição Federal é clara e compreende: a proteção da função ecológica dos animais; a proteção em relação a sua existência na medida em que se pretende evitar as práticas que provoquem a extinção das espécies; e a proteção à integridade física (e por que não psicológica?) dos animais quando visa repudiar as ações que submetam os animais à crueldade.
Como norma hierarquicamente superior às demais, o texto constitucional nos fornece um verdadeiro plano normativo para a efetivação da proteção à fauna. Muitas outras leis ordinárias surgiram com a finalidade de fortalecer as diretrizes impostas pela Carta Magna em relação ao meio ambiente e em relação à fauna.
No campo das competências legislativas, o art. 24, VI da Constituição declara competir à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre a caça, a pesca e a fauna. A competência aqui é a concorrente. O que se quer dizer com isso é que cada ente haverá de elaborar leis dentro de seu campo específico de atuação.
O papel da União restringir-se-á à edição de normas gerais, competindo aos Estados e ao Distrito Federal sua suplementação, conforme estabelece o § 2º do art. 24 da Constituição. Agora, se houver ausência de lei federal sobre normas gerais, os Estados e o Distrito Federal poderão exercer competência legislativa plena para atender as suas peculiaridades, conforme salienta o texto constitucional no art. 24, § 3º. É bom esclarecer que a superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual ou distrital no que lhe for contrária (art. 24, § 4º, da Constituição Federal de 1988).
No que concerne às questões ambientais, a nossa Constituição se mostra impecável, embora tenha que travar boas lutas para se efetivar contra os setores reacionários que insistem em degradar o meio.
“Somente a Constituição de 1988, tão vilipendiada pelos setores reacionários, mas sem dúvida a mais democrática e socialmente avançada de nossa história, deu ao meio ambiente o caráter de um direito fundamental da pessoa humana, dedicando-lhe todo um capítulo no título reservado à ordem social e impregnando todo o conjunto da Carta de numerosos conceitos e referências atinentes às questões ambientais.” (LIMA; 2001; p. 80).
No que diz respeito aos outros diplomas legais que dispõem algo de protetivo sobre a fauna seria uma tarefa complicada, uma vez que são vários os dispositivos que visam proteger a fauna.
A Lei dos Crimes Ambientais (Lei nº. 9.605 de 12 de fevereiro de 1998), por exemplo, dispõe sobre as sanções penais em caso de crimes ambientais. Por exemplo, a lei aplica a pena de detenção de seis meses a um ano, e multa se o infrator matar, perseguir, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida (art. 29 da Lei 9.605/98).
Há de se observar também que Lei de Crimes Ambientais assegura o que a Constituição tutela em relação à crueldade contra os animais, dispondo que quem praticar ato de abuso, maus tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos, ficará submetido a uma pena de detenção de três meses a um ano e multa (art. 32 da Lei nº. 9.605/98).
A Lei supramencionada também mencionava as infrações ambientais no âmbito administrativo, mas não as regulamentava. Esta regulamentação veio com o Decreto nº. 3.179 de 1999, hoje revogada pelo novo Decreto nº. 6.514/2008. Este último tornou a legislação ambiental mais rígida, dispondo inclusive sobre uma série de crimes contra a fauna e sua conseqüente sanção administrativa.
É inquestionável, portanto, as sanções existentes que visam assegurar, por força sancionatória e coercitiva, a proteção da fauna, podendo inclusive inferir que nossa legislação ambiental no âmbito punitivo é uma das mais completas, embora em vias de plena efetivação.
Outra importante Lei que vem ao encontro da proteção da fauna e é a Lei nº. 9.985 de 18 de julho de 2000 que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza – SNUC, que tem como principal finalidade criar áreas que visem manter os processos ecológicos ali existentes, podendo ser divididas como de Proteção Integral, quando não admite intervenção direta do homem no espaço protegido e de Desenvolvimento Sustentável, quando admite a intervenção humana nos processos ecológicos de forma sustentável e com o fim de assegurar as atividades culturais desenvolvidas por comunidades locais e povos tradicionais ali existentes.
O SNUC que é gerido e administrado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio (recentemente criado pela Lei nº. 11.516 de 28 de Agosto de 2007 e regulamentado pelo Decreto nº. 4.340 de 2003) é um importante instrumento de proteção da fauna, pois permite que esta exerça dentro de limites espacialmente protegidos sua função ecológica, permitindo sua sobrevivência dentro de seu habitat e promovendo a manutenção da diversidade biológica. Cite-se, como exemplo, a Unidade de Conservação de Proteção Integral denominada Refúgio da Vida Silvestre que tem como objetivo proteger ambientes naturais onde se assegurem condições para a existência ou reprodução de espécies ou comunidades da flora local e da fauna residente ou migratória (art. 13 da Lei do SNUC).
Ao todo são cinco categorias do grupo de Unidades de Conservação de Proteção Integral e sete das de Desenvolvimento Sustentável, todas com a finalidade direcionada à preservação da natureza.
Não poderia ser deixada de fora a Lei nº. 6.938 de 31 de agosto de 1981, que foi quem instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente bem antes da tutela Constitucional do Meio Ambiente de 1988 ao assegurar a proteção da fauna. Tal política traz todos os mecanismos de estruturação das formas de preservação ambiental, tendo diversos princípios asseguradores de tal preservação (art. 2º, incisos de I à X) e os instrumentos necessários para o bom desempenho das políticas ambientais, tais como a criação de espaços territoriais especialmente protegidos pelo Poder Público federal, estadual e municipal (art. 9º, inciso VI), que nada mais é do que a própria criação das Unidades de Conservação já mencionadas.
Agora, é óbvio que no âmbito das legislações concernentes à própria proteção da fauna, temos a Lei nº. 5.197 de 3 de janeiro de 1967 que dispõe especificamente sobre a proteção à fauna. A Lei pode ser considerada paradoxal, pois ao mesmo tempo em que protege a integridade física dos animais proibindo a caça profissional (art.2º da Lei 5197/67), lhe comporta várias exceções que acabam pondo em risco a salvaguarda desta, como por exemplo, não impedindo a existência da caça amadorística e até mesmo regulamentando-a (art. 11 da Lei de Proteção à Fauna). Inconsistente do ponto de vista da efetivação da proteção dos animais, há de se louvar sua existência em uma época tão conturbada da história do Brasil. Muitos de seus dispositivos, contudo, foram revogados tacitamente pela Lei de Crimes Ambientais nº. 9.605 de 1998.
Outra Lei interessante que de alguma forma visa preservar a integridade física do animal é a Lei nº. 6.638 de 1979 que cuida da vivissecção (operação feita em animais vivos para estudos de natureza fisiológica) que embora permita tal prática, impõe uma série de cuidados com vista a evitar sofrimentos excessivos e desnecessários.
Ainda que seja paradoxal ter uma lei que permite e limite práticas de sacrifícios cirúrgicos para fins científicos, é bom salientar a preocupação, ainda que contraditória, do bem estar do animal, pois dispõe que o animal só poderá ser submetido à intervenções recomendadas nos protocolos das experiências que constituem a pesquisa ou programas de aprendizagem cirúrgico, quando, durante ou após a vivissecção, receber cuidados especiais (art. 4º da Lei nº. 6.638/79).
No âmbito das relações internacionais, talvez as leis que mais se destaquem do ponto de vista da proteção da fauna são o Decreto nº. 2.519 de 16 de março de 1998 que promulga a Convenção sobre Diversidade Biológica, assinada no Rio de Janeiro no dia 5 de junho de 1992 e sua conseqüente Política Nacional de Biodiversidade (Decreto nº. 4.339 de 2002); e o Decreto nº. 3.607 de 2000 que implantou no Brasil a Convenção sobre Comércio Internacional da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção – CITES.
A Convenção sobre Diversidade Biológica é importante porque traz uma nova perspectiva sobre o conceito de biodiversidade e tudo que a ela é inerente, como os animais. A Convenção reconhece na biodiversidade valor intrínseco, possuindo valor em si mesma, independente das atribuições valorativas humanas.
Da perspectiva sobre a biodiversidade ter um valor em si, depreende-se que a fauna, como componente da biodiversidade, também possui valor em si. Tal compreensão é o prelúdio da Ecologia Profunda, que traz uma concepção filosófica de que os recursos ambientais possuem valor de existência intrínseca às suas essências, independendo da valoração que o homem possa lhes atribuir para fins utilitários.
Já a Convenção CITES é importante porque restringe a comercialização das espécies animais que possam sofrer danos ecológicos extintivos, dividindo os efeitos de comercialização em Anexos, de acordo com o grau de risco das espécies.
O Anexo I da Convenção traz espécies ameaçadas de extinção e que são ou podem ser afetadas pelo comércio; o Anexo II dispõe sobre as espécies que, embora atualmente não se encontrem necessariamente em perigo de extinção, poderão chegar a esta situação; e o Anexo III traz as espécies comercializáveis que necessitam de certa restrição ou impedimento e que requerem a cooperação no seu controle.
No âmbito processual o então defasado Decreto nº. 24.645 de 1934 que não sofreu alterações substanciais ao longo dos anos, mas teve alguns de seus dispositivos tacitamente revogados por novas leis processuais, estabelece a representação dos animais em Juízo pelo Ministério Público (art. 3º, § 3º do Decreto nº. 24.645/34). Embora obsoleta do ponto de vista da evolução processual, é um Decreto que nos informa que, de alguma forma, os animais possuem sua representação processual assegurada, o que é uma proposta inovadora para a época. A única crítica que fica é a falta de inovação de seu dispositivo, pois a sociedade em muito mudou sua concepção sobre a necessidade da proteção da fauna.
Poderia se discorrer sobre a Ação Civil Pública (Lei nº. 7.347 de 1985) ou até mesmo da Ação Popular (Lei nº. 4.717 de 1945), mas dada sua finalidade difusa que visa tutelar o meio ambiente como um todo e não particularmente os animais, sua inserção na discussão tornar-se-ia relevante apenas do ponto de vista da tutela ambiental geral, mas não do ponto de vista específico da fauna, uma vez que não se individualiza o meio ambiente em partes, considera-o no todo indivisível.
No que diz respeito às entidades administrativas, bem como seus órgãos constitutivos por descentralização, podemos citar os componentes do Sistema Nacional do Meio Ambiente – SINAMA, como o Conselho Nacional do Meio Ambiente, e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, que também ajudam a incrementar normas de proteção à fauna e de preservação ambiental, criando resoluções e portarias, respectivamente. O próprio Ministério do Meio Ambiente – MMA, no âmbito de suas competências, também expede Instruções Normativas com fins de proteção da fauna.
São muitas normas que de forma direta ou indireta tutelam de algum modo a fauna. E trazer à luz todas elas seria muito difícil e poderíamos até incorrer em negligência, uma vez que todas possuem sua devida importância normativa no ordenamento jurídico brasileiro.
Em nível regional, alguns estados brasileiros dentro de seu âmbito de competência legislativa, trouxeram uma inovação no campo da proteção dos animais ao instituírem seus próprios Códigos Estaduais de Proteção aos Animais, por exemplo, o Estado do Paraná (Lei nº. 14.037 de 20 de Março de 2003); o Estado de São Paulo (Lei nº. 11.977 de 25 de Agosto de 2005); o Estado do Rio Grande do Sul (Lei nº. 11.915 de 21 de Maio de 2003). Ainda que muitos outros estados brasileiros não possuam uma Lei que assegure a proteção da fauna, percebemos que a tendência é que tais estados passem a regularizar a proteção dos animais, visto essa regionalização legislativa com relação à fauna ser bastante recente.
Como ficou observado, Leis como a dos Crimes Ambientais, embora incisivas, não nos traduzem nada de consistente em relação aos direitos de integridade física do próprio animal, ou seja, não se precisa a quem a lei ampara, se é o interesse do homem, ou o interesse da própria fauna. Mas, a interpretação antropocêntrica que não nos deixa mentir ou interpretar os fatos de forma inequívoca, nos revela que as Leis de um modo geral tutelam o interesse do próprio homem, pois proteger estas espécies faz parte da proteção do próprio homem.
4 O APARENTE CONFLITO DA NATUREZA JURÍDICA DA FAUNA
Como ficou observado acima, por força Constitucional, percebe-se que o meio ambiente apresenta uma natureza jurídica de bem difuso por ser considerado um bem de uso comum do povo essencial à sadia qualidade de vida (art. 225, caput da Carta Magna). Como um bem de interesse difuso, pode ser então considerado como aquele interesse juridicamente reconhecido, de uma pluralidade indeterminada ou indeterminável de sujeitos que, potencialmente, pode incluir todos os participantes da comunidade.
A fauna entendida como recurso ambiental e, por isso mesmo, elemento constitutivo do meio ambiente, também encontra sua natureza jurídica no Brasil denominada como difusa. É, pois, um interesse difuso. Posto nessa perspectiva, a fauna é um interesse que a todos pertence, bem como se respalda na defesa pública e coletiva de sua proteção, o que nos leva a crer que uma ofensa à fauna é uma ofensa a todos os homens indistintamente considerados.
Bens de uso comum do povo são “todos aqueles destinados ao uso do povo sem nenhuma restrição, a não ser a da boa conduta, nos termos da lei, ou dos costumes, principalmente quanto à moral pública e aos bons costumes” (FARIA; 1999; p. 401).
Logo, todos os elementos ambientais munem-se desse aparato jurídico e ideológico da difusão, não podendo, portanto, ser caracterizado como um direito de propriedade, eminentemente privado de livre disposição, utilização e gozo humano. O meio ambiente não é propriedade de alguns, mas de todos, até porque não se trata de propriedade, mas de direito fundamental imprescindível à sadia qualidade de vida.
Tendo observado esta natureza assegurada Constitucionalmente, parece-nos que por emanar de uma lei hierarquicamente superior, é a que deve prevalecer. Entretanto, na prática, no que diz respeito aos animais, não é a que prevalece, pois o direito civil considera esses seres como bens semoventes, determinando-os como bens móveis por serem suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social (art. 82 do Código Civil de 2002).
Inserido nesta perspectiva civilista, os animais considerados bens semoventes, podem vestir-se das prerrogativas da propriedade, podendo estes ser considerados bens de livre disposição humana por parte de seu proprietário. E é aí que nasce uma aparente contradição em relação à natureza jurídica da fauna.
Se ao mesmo tempo os animais inserem-se em um conceito contratualista de propriedade e de um conceito de bem de natureza difusa que a ninguém pertence, então como fica resolvido este aparente dilema? Uma vez que não restam dúvidas que na prática, nos parece que ambas as conceituações convivem pacificamente no mundo jurídico.
Ao que tudo indica, a distinção se faz pela classificação da fauna. As tidas como silvestres são propriedades do Estado (art. 1º da Lei nº. 5.197/67) e por isso munem-se de uma proteção de natureza pública, o que é garantido pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza – SNUC, no caso da Unidade de Conservação de Proteção Integral denominado Refúgio da Vida Silvestre (art. 13 da Lei nº. 9.985/2000). Inclusive prevê-se mediante Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, a transferência provisória de animais silvestres apreendidos para pessoas físicas por parte do Poder Público fiscalizador (Resolução nº. 3.84/2006).
Naquelas consideradas domésticas, tem-se uma natureza privada, pois que a forma de adquirirem-se tais espécimes se dá por contrato de compra e venda ou doação, ambos os institutos do direito civil e, por isso mesmo, bens semoventes passíveis de livre disposição.
A natureza difusa nos parece mitigada, posto que a visão dos animais como propriedade é a que predomina. Afinal, se levasse a natureza difusa da fauna até a máxima interpretação doutrinária, o comércio legal de animais seria dificultado, pois a discussão da propriedade de um bem difuso por parte de particulares seria questionada, pois todos teriam interesse naquela comercialização. Imagine o que aconteceria com a indústria da carne?!
Parece-nos, entretanto, que quando a norma considera o meio ambiente como um bem de natureza difusa, aí se incluindo a fauna, a questão apontada é apenas terminológica, uma vez que a exegese da determinação da natureza jurídica do meio ambiente e, conseqüentemente, da fauna, ainda insere-se em uma problemática passível de argumentação.
Isso é bem verdade, pois hora efetiva-se a tutela ambiental como bem jurídico difuso, quando se impetra uma ação civil pública, por exemplo, para impedir ato lesivo ao meio ambiente proveniente de uma indústria química, no qual toda comunidade seria afetada pelos malefícios da poluição. Por outro lado, ações de indenização por danos patrimoniais, de natureza eminentemente civil, são ingressadas constantemente para restituir-se o valor de um animal que foi subtraído por culpa de outrem. Sem contar nas indústrias alimentícias que produzem animais para o abate comercial.
Enfim, embora haja essa discussão a respeito da natureza jurídica da fauna, compactuamos com a natureza jurídica apregoada pela Constituição Federal, norma hierarquicamente superior e que diz ser um bem de uso comum do povo e, por isso, um bem de natureza difusa.
A falta de objetividade do legislador e por parte da maioria da doutrina em prol da tutela jurídica da fauna permanece um assunto polêmico a ser constantemente aludido e questionado. Fato é que, mesmo considerado o meio ambiente um bem difuso, a Amazônia vem sendo devastada de forma predatória e indiscriminada. Imagine se considerasse o meio ambiente um mero bem de natureza privada?
5 O ATUAL PARADIGMA DO DIREITO EM RELAÇÃO À FAUNA
De tudo o que se inferiu até aqui, não nos resta dúvida afirmar que a Constituição Federal inova em matéria ambiental por inserir um capítulo todo especial sobre o meio ambiente dentro da Ordem Social (Título VIII – Da Ordem Social da Constituição Federal). E mais especificamente no que diz respeito à fauna, pois repudia atos que a submeta a crueldades (art. 225, §1º, VII, da Constituição).
Como já analisado anteriormente, a natureza jurídica do meio ambiente é difusa, melhor dizendo, é um bem de natureza difusa. Difusa também é a determinação jurídica da fauna, que por analogia pode ser considerada um bem difuso, embora a Política Nacional do Meio Ambiente a tenha considerada tão somente como um recurso ambiental (art. 3º, V da Lei nº. 6.938/81) e o direito civil abra lacunas relevantes para sua comercialização.
A vida em seus múltiplos aspectos não pode ser considerada apenas como uma prerrogativa do ser humano. Embora a Constituição Federal Brasileira se destine ao homem nacional ou estrangeiro dentro do território nacional, o direito à vida como direito fundamental por excelência (art. 5º, caput, da Carta Magna) não pode ser excluído de outros seres que não sejam humanos, como por exemplo, os animais.
É certo que a visão do direito brasileiro possui uma perspectiva antropocêntrica, mas tal ótica não pode ser considerada como um passaporte para a livre disposição humana perante outros seres não abarcados pelo antropocentrismo jurídico.
Há uma vida especial apartada do conceito de sociedade humana que se reveste de particularidades inerentes à sua condição física e existencial, os animais.
Os animais, preponderantemente são considerados semoventes para o direito civil (art. 82, caput do Novo Código Civil), ou seja, constituem o conceito de propriedade privada, travestidas dos elementos de uso, gozo e livre disposição. Já para o Estado, segundo a Lei de Proteção à Fauna, estes seres, embora catalogados como silvestres, não mencionando as outras classificações da fauna, são sua propriedade (art. 1º, caput da Lei nº. 5.197/67).
No Direito Penal, embora não disciplinado de forma expressa no Código Penal Brasileiro, mas na Lei de Crimes Ambientais, a natureza jurídica da fauna parece guardar relações com a do direito civil, mas se percebe uma forte conotação moral a ser relevado no ato lesivo à integridade física da fauna. Como já observamos alhures, por exemplo, a Lei de Crimes Ambientais criminaliza condutas que atentam contra a vida da fauna (art. 29 da Lei nº. 9.605/98).
Observamos, portanto, que há uma problemática de cunho ético no preceito normativo que nos faz levar a crer num possível sentimento de compaixão do legislador em relação aos animais, afinal, se estes seres são bens semoventes de livre disposição humana, por que então amparar a sua vida culminando até sanções punitivas para aqueles que atentam contra a sua vida?
Por analogia aos Princípios Gerais do Direito, o que podemos interpretar é que tal medida protetiva que a legislação oferece aos animais é baseada numa ética humana e não em uma ética animal. Afinal, a criminalização de condutas que atentem contra a integridade física da fauna parte de um ponto de vista valorativo social. É que tais condutas vão de encontro com os princípios morais da sociedade.
O posicionamento é ratificado pela própria postura antropocêntrica da lei que se destina somente ao homem, não incluindo os animais. Nesta perspectiva infere-se que o ordenamento jurídico considera os animais como objetos do direito.
Resta consumada a visão de que, de fato, os animais são considerados objetos de direitos, afinal é o homem quem determina tal status jurídico a eles, pois a norma gira em torno dos interesses dos próprios homens. Sobre o assunto determina Érika Bechara:
“Por mais que esta visão tenha uma aparência egoísta, somos obrigados a reconhecer que o nosso ordenamento jurídico não confere direitos à natureza, aos bens ambientais. São eles, dessa forma, tratados como objetos de direito, não como sujeitos. São objetos que atendem a uma gama de interesses dos sujeitos – os seres humanos.” (BECHARA; 2003; p. 72).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quando falamos em direito, vem-nos à mente sempre um conjunto de leis, ou compilações normativas organizadas em códigos. Essa é uma forma muito simplista de conceber o direito, que pode receber muitas acepções, inclusive como Ciência.
Dentro do ordenamento jurídico, coexistem duas formas de observar o fenômeno do direito, por um lado é o sistema criado pelo homem, e é como nós o conhecemos hoje, tão complexo e estratificado. Do outro lado, temos a concepção de que o direito é anterior ao homem, faz parte daquelas criações naturais que regem o homem de forma imanente, não podendo este dispor sobre aquele, é a visão Jusnaturalista do fenômeno jurídico.
A bem da verdade, existem princípios e normas que regem o ser humano independentemente de sua positivação. Ou seja, não precisam estar escritos textualmente para serem reconhecidos. Por exemplo, os direitos humanos. Não é preciso que haja um código de direitos humanos, pois estes fazem parte do homem independente de serem postos em norma, é o direito à vida, à saúde, à dignidade humana, etc.
Mas, assim como os homens, existem outros seres que possuem sua forma de vida própria, regem-se por suas próprias leis naturais, mas não necessitam de um direito sistematizado para bem conviverem com seus semelhantes, conseguem muito bem desenvolverem por suas próprias regras de existência: as leis da natureza.
Por não possuírem a tão “interessante” racionalidade humana para criar entes políticos e códigos normativos que visam regular as suas relações sociais, estes seres acabaram por ver suas vidas mitigadas pela sua pseudo-irracionalidade e, por conta disso, além de se preocuparem em exercer sua função ecológica, ainda precisam conviver com as atividades predatórias dos homens que dizimam seus habitats e atentam contra a perpetuação de suas espécies.
Enfim, a discussão acerca da suscetibilidade dos animais serem sujeitos de direito permanece ainda adstrito aos setores alternativos do direito, uma vez que a doutrina majoritária alega serem estes seres objetos do direito e não sujeitos.
A personalidade do animal não-humano ganha uma filosofia própria que pode ser identificada por temas como o direito dos animais, a libertação animal e o veganismo. Mas, dentro da ótica jurídica, o tema preponderante ainda se restringe a discussão acima aludida.
Por um lado advoga-se a causa do direito dos animais, pois só assim sua proteção seria efetivamente ratificada, do outro a posição que os consideram objetos não vêem aquela visão como algo relevante, uma vez que, embora o ordenamento jurídico não lhes confira a personalidade devida para exercerem direitos, há um plexo de leis que amparam a fauna, inclusive a constitucional.
Devemos levar em consideração que a fauna tem valor em si mesma e, por isso, embora não seja considerada sujeito de direito, apresenta uma personalidade que lhe é especifica e que coaduna-se com a sua função ecológica.
Ainda que a doutrina majoritária lhe atribua o status de objeto de direito, mudanças de paradigmas devem ser apregoadas para sustentar a efetivação jurídica dos animais não como parte dos recursos ambientais, mas como seres-vivos dotados de um direito que lhes é especifico, que é de existir em prol de sua função ecológica. Para inserir este pensamento no atual modelo jurídico, é necessário se repensar as estruturas do direito e estabelecer uma desconstrução no sistema.
Informações Sobre o Autor
Marcos Felipe Alonso de Souza
Advogado. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Pará. Pós Graduação lato sensu em Direito Ambiental pela Universidade Cândido Mendes/AVM – Faculdades Integradas.Mestrando em Filosofia pela Universidade Federal do Pará.