A constitucionalização da justiça policial: reflexões sobre o indiciamento e o processo administrativo policial

Resumo: Este artigo se propõe a um breve estudo dogmático-jurídico sobre a eficácia atual e a perspectiva futura dos atos titulados pelo Polícia Judiciária brasileira, com base na fenomenologia científica e na experiência da incidência do Direito Constitucional na legislação penal e processual penal. A atividade investigatória criminal pátria foi tradicionalmente planejada para dar suporte ao jus persequendi do Direito Punitivo, porém se encontra divorciada da Teoria Geral dos Direitos Fundamentais do Homem de ALEXY (2008), à luz do nosso Estado Democrático Constitucional. Conforme leciona LOPES JÚNIOR (2008), o manejo formal do modelo do inquérito adotado pelo nossa legislação adjetiva penal, às vezes, carreia repercussões negativas desnecessárias e ilegítimas na esfera dos direitos subjetivos pessoais e materiais do autuado, ferindo, assim, o catálogo dos sistemas universais e da vertical proteção imediata à dignidade dos direitos humanos. O uso e a aplicação resolutiva dos atos inquisitórios policiais são incompatíveis com o regime de liberdades públicas da Lex Magna de 1988. Para se chegar a uma Justiça Policial, devem, portanto, ser revistos e aperfeiçoados os instrumentos administrativos e legais pertinentes à espécie, no bojo dos quais os poderes das autoridades estatais sejam equipados com parâmetros constitucionais.

Palavras-chave: Justiça Policial, direito processual administrativo penal, Estado Constitucional.

Abstract: This article proposes a brief dogmatic-legal study on the atual effectiveness and the future prospect of acts titrated by Brazilian police, based on scientific phenomenology and experience the impact of constitutional law in specific Criminal Law and Criminal Procedure. The criminal investigative activity homeland was traditionally designed to support jus persequendi the Punitive Law, but is divorced from the General Theory of Fundamental Rights of the ALEXY (2008), in light of our Democratic Constitutional State. As teaches LOPES JÚNIOR (2008), formal investigation management of the model adopted by our Code of Criminal Procedure often carries unnecessary, illegitimate and unjust negative repercussions in the sphere of personal subjective rights and the materials cited, thus injuring catalog universal systems and immediate protecting the dignity of the vertical human rights. The use and application of problem-solving police inquisitorial acts are incompatible with the system of public freedoms Lex of Magna 1988. To get the local Police Justice, should therefore be reviewed and improved relevant to the species administrative and legislative instruments, in which the powers of state authorities are equipped with constitutional parameters.

Keywords: Justice Police, criminal administrative procedure, Constitutional State.

Sumário: 1. Introdução. 2. Breve história do Direito Policial brasileiro. 3. O Inquérito policial no Direito Processual Penal pátrio. 4. O Direito Punitivo Penal e a investigação criminal. 5. A constitucionalização do inquérito policial. 5.1. Da natureza e dos efeitos do inquérito policial brasileiro. 5.2. Da superação das antijuridicidades do inquérito policial pátrio. 6. A Policiologia constitucional. 6.1. O indiciamento como objeto de uma Emenda Constitucional. 6.2. Da proposta de Súmulas Vinculantes sobre a matéria.7. A Justiça Policial constitucional. 7.1. A Teoria do Abuso de Direito e da Finalidade das provas. 7.2. Do processo administrativo policial: experiência e tendência jurídica.

1. Introdução:

O presente artigo aborda, de forma geral, problemáticas correlacionadas à atuação e à produção de provas no campo da atividade persecutória criminal brasileira. Para alcançar os objetivos propostos, como recursos de pesquisa, foram usados métodos descritivos, indutivos e dedutivos, além de consulta bibliográfica, cujas ideias e concepções aquiescem o atual modelo de inquérito policial como uma experiência jurídica lamentável; violadora de dois pressupostos inseparáveis do Direito Constitucional: um, de caráter axiológico; e o outro, empírico-positivista.

O trabalho da Polícia, que é resumido à elucidação da materialidade e da autoria do delito, é definido por lei, mas se desenvolve por técnicas partidas, que se guiam até um relatório com os fatos coligidos e um juízo denominado indiciamento.

Nesta fase pré-processual, a sistemática criminal brasileira, no entanto, é pobre e caracterizada por uma preocupante ausência de disciplinamento lógico-legal quanto ao exercício dos direitos e poderes em investigação. E, a despeito das recentes Leis nºs 12.830 e 12.850, de 2013, que fortaleceram o Estado, nosso ordenamento continua promovendo um inconcebível desequilíbrio formal em desfavor do governado, que, assim, sofre a ameaça e os perigos de uma autuação policial idiossincrática.

A inquisitividade ontológica do ato administrativo discricionário, levado a efeito pela autoridade policial, que trata o sujeito como mero objeto de investigação, tanto merece severa e abalizada crítica institucional que levou a OAB a apresentar Proposta de Emenda a Constituição e o Projeto de Lei n° 6.705 para alteração do art. 7°, inciso XIV, da Lei n° 8.906/94, com vistas a tornar o advogado indispensável no inquérito policial e no bojo do qual "ao investigado deve ser assegurado o direito de apresentar suas razões e requerer diligências, assistido por advogado". 

Já constituindo um avanço, iniciativas desta naipe, que se voltam contra o arbítrio dos inquisitivismos, mais que aprimorarem o legalismo da ação penal, conferem tratamento humanizante e científico ao Direito. O compromisso supremo do princípio da dignidade da pessoa humana, por sua vez, inadmite juízos prematuros de culpabilidade. A reserva judicial ou constitucional à atividade policial é que pode oferecer uma segurança maior, seja para um Estado-Leviatã, ou para os seus cidadãos.

 As caras conquistas da civilização não se conformam hoje com parábolas jurídicas atávicas, floreadas pelas incertezas das inquisições. O dialeticismo em um processo administrativo policial faz-se necessário, sobetudo para uma Polícia justa.

2. Breve história do Direito Policial brasileiro:

Na evolução das garantias dos chamados direitos humanos de diversas gerações, ao Poder Público também se reservou a possibilidade de aplicar penalidades como forma de coibir ou reprimir a conduta dos que ofendem a integridade da ordem jurídica. O Estado, então, tomou para si a exclusividade da justiça punitiva que, em apertada síntese, pode acarretar restrições ou gravames impostos aos particulares.

No Brasil, após a Constituição de 1824, foram criados em 1827 os juizados de paz que permitiam que as autoridades do império pudessem exercer a prerrogativa da formação da culpa em procedimentos policiais inquisitivos da Corte. Como ato-embrião anterior à pronúncia de um crime, surgiu o inquérito policial que, regulamentado pela Lei nº 2.033 e o Decreto nº 4.824/1871, previa medidas de urgência para preservar os vestígios da infração contra os efeitos do tempo. Pavimentada estava, então, a ideia da culpa rápida policial (SAAD, 2004, pp. 26, 33 e 147).

Em 1937, com o caso dos “Irmãos Naves”, que estrelou um dos maiores erros judiciários de nossa história penal, veio o Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (nosso Código de Processo Penal), sob a égide do qual se erigiram os principais institutos abraçados pelas autoridades do país que compunham o governo autoritário e repressivo daquela época. Fomentado em tempos de guerra e de inspiração nitidamente autoritária, é incrível, mas apesar de todo este tempo, esse Codex foi incorporado à nossa cultura jurídica bacharelesca, de modo que a sua sistemática é aceita até hoje sem filtros ou refinamentos constitucionais. Prova disso é a sobrevivência do indiciamento policial, que, vivendo de sombras da doutrina, agora, reemergiu forte como ação da persecutio extra juditio. Sob o pálio da Lei nº 12.830/13, finalmente, legitimou-se o indiciamento como juízo opinativo da autoridade estatal sobre a probabilidade de autoria ou participação do agente suspeito frente a um dado fato penalmente reprovável.

Nada obstante esse regramento novo, que exige fundamentação e juízo técnico-jurídico do Delegado de Polícia para vincular o suspeito à autoria e à materialidade da infração, o instituto do indiciamento, que curiosamente não tinha presciência legal suficiente, nunca mereceu a devida atenção jusfilosófica dos estudiosos, nem da jurisprudência. Os requisitos objetivos e subjetivos de um despacho de indiciamento caracterizam e motivam uma das mais importantes atividades da história da Policiologia, mas continua, em contrapartida, sendo confeccionado segundo as conveniências e os proselitismos dos manuais internos da Administração Pública.

3. O Inquérito policial no Direito Processual Penal pátrio –

O Direito Punitivo contemporâneo, assim denominado como um dos meios civilizados para a atribuição de responsabilidades jurídicas, é, essencialmente, um direito de aferição de culpa e de sanções restritivas de bens e direitos dos seus titulares.

No campo policial-penal, o indiciamento é seu instrumento por excelência, fundando-se nos mesmos princípios informativos juris tantum dos atos administrativos em geral. Sua nota e peculiaridade: poder cravar juízos de culpabilidade monolíticas e oficiais contra pessoas a partir de uma presunção técnico-jurídica da autoridade.

De se ver que os métodos ou técnicas usadas para o indiciamento não estão compilados em nenhuma norma jurídica, de maneira que se o ato administrativo foi defeituoso, inoportuno, inconveniente, desastroso ou ímprobo, o seu editor pode escudar-se no argumento de que assim o baixou com base no seu livre convencimento.

Esse modelo é frágil e injusto porque o sistema criminal brasileiro, sendo do tipo misto, permanece servindo-se de inquérito policiais inquisitórios e inquisitivos.

O processo punitivo brasileiro, de regra, inicia-se pela própria autoridade julgadora ou pelo Ministério Público que podem requisitar a instauração do procedimento, cuja ordem não pode a autoridade administrativa recusar. O resquício inquisitivo punitivo, no entanto, começa com a notitia-criminis ainda na etapa policial.

Daí com razão NUCCI (2007, pp. 104-105) quando aduz a inexistência de um sistema acusatório real no Brasil. Ipso facto e de jure, nos nossos procedimentos, prevalecem a inquisitividade e, não raro, indiciações de solfejo; de inconciliável desarmonia funcional com o catálogo dos Direitos Processuais Constitucionais. O resultado é que, enquanto se chumba a acusação ainda na Polícia, sonega-se ao investigado toda a malha de institutos e princípios correspondentes ao legal procedure. A racionalização da Justiça deixa de subsistir e a problemática complexa dos naturais conflitos, resistências e oposições dos indivíduos contra os ataques, desvios ou abusos do Poder Público se fundem em ações que abarrotam a esmo as prateleiras judiciais.

Nesta mesma linha, a impossibilidade de o suspeito valer-se do direito de defesa técnica, antes da fase cognitiva da acusação respectiva formal, tolhe o próprio juízo da oportunidade de conhecer provas, ou indícios isentos. O inquérito policial, em suma, de herança punitiva, não raro, enseja e conduz fatos tendenciosos ou parciais, em detrimento dos vetores legais, dos princípios da verdade material e das aspirações constitucionais de uma Justiça Policial aliada à plena tutela dos direitos humanos.

3. Do Direito Punitivo Penal e a investigação criminal –

Já se viu que o Direito Punitivo Penal se inicia com a vontade de imputação de responsabilidades jurídicas, a partir da atuação primária de uma espécie anômala de Justiça Policial que, desprovida de topologias constitucionais de defesa, é marcada pela faculdade ou dever de o Estado antecipar a indicação de culpas pela via da indiciação.

De memória próxima aos Tribunais de Exceção do Medievo, onde notórios eram os poderes e a atuação secular de investigação de culpas, o indiciamento remonta à obra do Frei Dominicano EYMERICH, ocupante do cargo de Inquisidor-Geral da Espanha e autor do livro “Manual dos Inquisidores” (Doctorium Inquisitorium) de 1376, em cuja matriz ideológica a função e o trabalho da defesa eram secundários e descartados; enquanto que a fama e a família dos suspeitos se execravam e dependiam de qualquer sorte vulgar (SILVA, J. L. da, apud EYMERICH, 1993, pp. 138/139).

Estupefaciente e destituído de viés garantista, o inquérito barsileiro continua sendo superestimado em nossa legislação. A imparcialidade e a equidistância, que deveriam ser o norte na instrução de qualquer procedimento, dão lugar a uma acusação prévia aflitiva, privada ainda do formato jurídico da publicidade e do contraditório.

Daí porque, para LOPES JÚNIOR (2006, p. 175), o sistema brasileiro é uma falácia, porquanto não fornece os elementos necessários à demonstração da verdade, nem realiza a verdadeira face da Justiça material. Nele se emprega uma vetusta fórmula que vicia a decisão, fulcrada em provas inquisitoriais. Neste sentido, o modelo processual policializado esvazia-se em seu plano ideal e dá azo a condenações injustas, absolutamente calcadas “nos atos de investigação, naquilo feito na pura inquisição”.

Para piorar a noção de Justiça Policial, foi o indiciamento internalizado e ainda mais empavonado com a superveniência da Lei nº 12.830/13, que, entrementes, perdeu a oportunidade de dar roupagem à regulação desse instituto, deixando de frisar seus contornos e de padronizar o uso e os limites dos lindes de uma ação investigatória.

 Obtempere-se que se, antes, o indiciamento já era capenga, uma vez que o nosso CPP só usava de generalismos para justificá-los (art. 5º, parágrafo 1º, alínea “b”; art. 6º, incisos V, VIII e IX; art. 10º, caput e § 3º; arts. 14, 15, 21, 23 e 125), hoje, o jus persequendi se transformou em uma incógnita jurídica. Ao invés de ofertar segurança a todos, a Justiça Penal Policial é um grande circo de indignidades para saciar a mídia, que explora esses juízos administrativos culpabilizantes, precários e temporários, em arrepio à Constituição e à sua reserva de jurisdição (art. 5º, XXVII e LIII, da CF/88).

O Brasil, em veras, possui um sistema atípico de investigação criminal que se estriba nas reminiscências de feudos que sobrevivem como se fossem órgãos de uma Justiça ExtraPenal. O poder-dever dado à autoridade policial de emitir juízos de valor contra o investigado, além de elaborar boletim de sua vida pregressa e prover anotações negativas referentes aos seus antecedentes criminais, são providências de duvidosa constitucionalidade e ainda carentes de substanciação legal em si.

Sendo o inquérito policial um procedimento preparatório, persecutório e preventivo da atividade penal, é deveras constrangedor que, mesmo após o tempo da consagração do princípio da paridade das armas, que foi obtido a duras penas e lutas na História da Civilização, tenhamos, no Direito Penal e Processual Penal, legisladores infraconstitucionais que insistem em criar poderes paralelos de investigação. É o caso, a propósito, do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que, sem se submeter a regras inscritas determinadas por lei, em seu sentido formal, calça-se em normas ou Resoluções internas para exercer este mister, ferindo o art. 22, I, da CF/88.

Ora, a Resolução nº 13/06, do CNMP, que regulamenta os chamados Procedimentos Investigativos Criminais (PICs), e outras quejandas não se coadunam com as exigências de legalidade que permeiam as atividades de controle, fiscalização e execução de índole de investigação penal, sob pena de haver uma desordem no sistema.

O exercício do poder investigatório do Estado só se dá dentro de normas de um eixo constitucional que se impõe como uma afirmação irrenunciável do direito fundamental das pessoas. Como só cabe ao Congresso Nacional legislar sobre normas processuais e penais, e não à Polícia ou ao Ministério Público, a atuação investigativa deve, portanto, ser, em regra, pública, legalista e, invariavelmente, desenvolver-se sob a supervisão do Poder Judiciário (arts. 5º, LIV e LV; 129, III e VIII; e 144, inciso IV, § 4º, da CF/88); como já decidiu o STF no REx nº 593.727/MG e no HC 84.965/MG.

Neste diapasão, discussões desta envergadura, ou as que reinvoquem a Proposta de Emenda Constitucional nº 37, parecem anódinas. É que a atribuição de investigação das responsabilidades penais passa pelo modelo concebido pela cártula constitucional, não sendo toleráveis espionagens casuísticas, seletivas ou sem controle legal (Justiça Ministerial), nem muito menos procedimentos capeados por juízos procelosos e que não atendem à política de supervisão judicial (Justiça Policial).

Por outro lado, elogiável é a apuração dos procedimentos dos Juizados Especiais Criminais, das Leis nºs 9.099/95 e 10.259/01, que, em contrapartida, não admitem inquérito policial e sequer empregam a terminologia indiciar ou indiciamento.

Instruído pelo Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO), que é um instituto despenalizador e consentâneo com a descriminalização de condutas leves ou infrações de menor potencial ofensivo, em que cabem a suspensão condicional do processo e a transação penal, nesta espécie de investigação, o Estado retira do suspeito a situação de peso e desconforto de uma acusação policial temerária, visando à reparação do delito mediante a simplificação do processo e a evitabilidade da prisão.

Já nos delitos praticados por agentes políticos que detêm o privilégio de foro (art. 102, 'b' e 'c', da CF), o direito de investigar deve ser precedido da autorização do Tribunal que detenha a respectiva competência penal originária para processá-los e julgá-los (STF, INQ 2411), desincumbindo a Polícia Judiciária dessa missão direta.

O direito de investigar no âmbito penal, por conseguinte, é restrito à matéria constitucional, não podendo se falar de Justiça Penal Extrajudicial, assim como de juízos pessoais prévios perturbadores que não se assentem com o sistema acusatório.

Sobre o assunto em tela, cumpre ver que o Ministro TEORI ZAVASCKI, no HC 115.015/STF, salientou em seu voto que “o indiciamento não existe na lei processual penal brasileira” e que são graves e muitas as consequências jurídicas e morais decorrentes deste importante ato estatal de gravame às pessoas, na esteira de outros julgados (STF: RHC 1368/SP; HC 85541/GO, rel. Min. Cezar Peluso, 22.4.2008; HC 85.541, 2ª T. Rel. Cezar Peluso j. 22.04.2008 – DJU 22.08.2008). Fato é que nosso ordenamento jurídico não se compraz com a existência de um modelo de investigação criminal que exerçam juízos de valor punitivos precoces, à margem do compêndio constitucional de direitos.

O fetiche do atual Direito Punitivo Penal, porém, é hoje tão exagerado em relação à investigação criminal que a Lei nº 12.683/12, que deu nova redação ao art. 17, da Lei nº 9.613/98, concedeu à autoridade policial verdadeiros poderes extraordinários, equiparados às cautelas judiciais expostas em ação civil pública de improbidade administrativa, ex vi do art. 20 da Lei nº 8.429/92, e do art. 1º, § 5º, da Lei nº 12.850/13. Ao previr o afastamento sumário do servidor público no exercício de suas funções por simples ato de indiciamento em delito de “Lavagem de Dinheiro”, a presciência legal parece exorbitar, mesmo porque dispõe e invade normas jurídicas que não poderiam alcançar servidores de outros Poderes, abatendo, assim, a autonomia de outros entes da Federação. Afinal, mesmo que politicamente se venha a qualificar a autoridade policial como função indispensável à administração da justiça e à promoção da segurança pública, indiciar é um mero ato do Poder Executivo e é sinuoso que uma autoridade estatal seja agraciada com o poder de atuar como uma espécie comum de magistrado.

5. Da constitucionalização do inquérito policial –

Situado em uma contextura desconsertadamente singela, o caderno inquisitivo é o habitat natural da Justiça Policial brasileira, que se realiza e se consuma com o indiciamento. Este instituto depõe contra o status jurídico da presunção de inocência penal antes de um processo formal transitar em julgado, e, hoje, admite até o afastamento automático e preventivo de servidores públicos por ordem policial egológica, como na aludida hipótese do art. 17-D da Lei nº 9.613/98, atentando, assim, contra os preceitos comezinhos do princípio constitucional da separação dos Poderes.

A figura e a atuação do juiz-policial, seja no momento em que indicia ou prende, não podem, porém, usurpar prerrogativas próprias das cautelas que se reservam ao Poder Judiciário, dentro do cenário de um Estado Constitucional de Direito.

De outro flanco, a dinâmica procedimental do inquérito policial pátrio tem permanecido míope e encarna um desequilíbrio processual censurável, já que o órgão acusador figura como o destinatário único das provas. Essa incompreensível sistemática criminal gera sérios prejuízos para os súditos e emperra a própria função da Justiça.

Da forma como concebido e operacionalizado, o inquérito policial, não raro, é desvirtuado dos seus fins administrativos e político-constitucionais, por encomenda, propiciando tendências conflitantes e conflituosas. O draconiano ato de indiciar, sem a apuração final de todos os fatos envolvidos, inclusive que pudessem subsidiar eventual prova de inocência, alimenta uma inquisitoriedade pessoal discricionária que afaga o Estado e às vezes a sociedade, mas que pode empurrar o investigado a uma areia movediça, sujeitando a pessoa (e seu patrimônio) a um longo processo, ou a desgastantes decisões, que, em qualquer hipótese, é deveras massacrante.

A teoria de aparência acusatória legal, oriunda de inquéritos policiais forjados ou mal instruídos, vem, então, disfarçada por inúmeras práticas inquisitivas que sobrevivem de contrabando nos processos brasileiros. A superação desse nó górdio, que clama por uma Justiça ainda na fase policial, requer a própria reinterpretação e aplicação da Constituição frente à doutrina do Direito Processual, que haveria de levar em conta uma constelação de garantias antes de a investigação desaguar no Judiciário.

Destarte, a palpável dissonância entre as atividades do Estado-Polícia e os seus administrados, não passa apenas pela concessão de imunidade funcional dos Delegados, ou pela autonomia e independência das Polícias, mas sim pela conversão dos dutos dos próprios Poderes já constituídos à práxis constitucional.

5.1. Da natureza e dos efeitos do inquérito policial brasileiro –

É cediço que o modelo de inquérito policial atual se revela inapto para reprimir a criminalidade. Em qualquer circunstância, deveria o caderno oferecer chance para que o suspeito dialogasse e comprovasse as verdades de suas alegações.

Não é o que se observa, todavia, nos Códigos Penal e de Processo Penal que, em sua pauta, não esmiúçam nem fazem qualquer menção a elementos reais que dão organicidade à oportunidade do autuado se defender sequer do indiciamento policial.

Nesse panorama, não há ainda definição jurídica clara do que vem a ser indiciamento, nem regras mínimas quanto às suas condições procedimentais e materiais. A ausência de inclusão de valores que increpem uma defesa técnica e os subsequentes efeitos engendrados de um inquisitório policial violam, então, princípios inalienáveis de nossa Constituição, a começar pela ofensa à dignidade da pessoa, que não comporta aferição de culpabilidade registrada por motivos unilaterais e pessoais.

Ainda que seja um profissional da área jurídica, o Delegado de Polícia, a rigor, não deveria substituir-se ao juiz ou ao promotor natural para que, construindo um juízo técnico, promova inseguranças pessoais ou sociais, haja vista inexistir em nosso ordenamento espaço para nódoas na vida dos sujeitos sem o due processo f law.

Ora, a liturgia constitucional relativa aos direitos humanos fundamentais não negocia com achincalhes morais de procedimentos policiais que assaquem contra a idoneidade física, psíquica e moral de um investigado, posto que a famosa “passagem pela polícia” é fruto de um questionável ato unicórdio do Estado, que, a priori, não serve para valorar a conduta, nem para diagnosticar a personalidade do agente infrator.

Neste sentido, seria mesmo melhor condicionar a validade do indiciamento ao referendum de uma decisão judicial, sob pena de vulneração perpétua de direitos constitucionais consagrados (FERNANDES, 2002, p. 128-9). Também assim, o dever de desindiciar-se seria uma obrigação automática do Estado (e não uma faculdade), por infringir o princípio da presunção de inocência (MORAES, 2002, p. 385).

Como ato administrativo pré-processual, dispensável, inclusive, para formulação da delação criminal, o inquérito policial também é imprestável para a caracterização de maus antecedentes (HC 96.618/SP, STF). Urge, pois, proceder-se a uma qualificação politica do inquérito, a fim de preservar, a um só tempo, a supremacia pública e o leque de direitos da pessoa investigada, e não homenagear atos nominais de culpalização criminal prévia em resposta ao clamores da imprensa sensacionalista.

5.2. Da superação das antijuridicidades do inquérito policial pátrio –

É certo que decisões indiciadoras impingem prejuízos nos mais diversos setores da vida do autuado, não só lançando dúvidas quanto à sua idoneidade, mas também acarreta outros indesejados desdobramentos no seu patrimônio. Assim, o suspeito se torna alvo de maledicências e sofre preterições em seus ambientes naturais.

Candidatos indiciados também são alijados em trabalhos, concursos públicos e ficam obrigados a comparecer à repartição administrativa para ser reinquirido, participar de acareações, reconhecimentos e outros atos de averiguação inúteis, podendo ainda ser objeto de medidas cautelares e assecuratórias de segregação, além de manter-se à disposição da autoridade para informar o seu endereço. Indiciar encerra, enfim, uma navalha discriminatória da pessoa sem pouso em uma lei ética e em total descompasso com os objetivos primordiais do art. 3º, da nossa Constituição Federal.

Invenção policialesca, o indiciamento induz a todos, à população, à mídia, às classes sociais e até às próprias autoridades estatais um juízo que pode ser equivocado, tendo por espeque uma presunção de culpa criminal sine praevia lege scripta. Podendo ser falsa ou falseada, a Justiça Policial inquisitiva precipita a realidade fática até prova em contrário e orienta os demais atos que influenciam a instrução judicial.

Por conduzir uma lógica de notícia desfavorável ao sujeito, ainda indefeso no refugo do sistema acusatório, o julgamento policial pode importunar pessoas de bem e desestabilizar inocentes ao fim; que, de suspeito, viram vítimas de um ato infrutuoso.

O erro e a insustentabilidade do indiciamento em nossa ordem jurídica são, pois, encabeçados pela disseminação de uma cultura inquisitiva dos órgãos estatais responsáveis pela persecução (OLIVEIRA, 2004, p. 328) e só se explica mesmo porque originado de um vício histórico penal que se protrai (LOPES JÚNIOR, 2008, p. 278).

A verdade sabida, decalcada pelo ato da indiciação, nada mais é, então, do que a admissão de um pré-julgamento crivado de fragilidade, que despreza o confronto dialético de provas e um exame constituído de legalidade definitiva, enxovalhando o indivíduo a uma mácula física e psicológica de insondáveis proporções se for inocente.

Sem traduzir-se como método acertado ou legalmente sugerido para que o Estado firme culpas seguras e finalize a sua busca pela verdade real, o indiciamento unilateral é uma diligência tirana destituída de nobreza ou propósitos, sendo um ato, por princípio, leviano e que não encontra eco nos quadrantes constitucionais, mas que pasma por ser ainda hoje usado como medidor de desempenho das Polícias Judiciárias.

Acreditando ser sanção jurídica, CHOUKE afirma, categoricamente, que "o indiciamento sempre assumirá um papel de constrangimento que, se não é propriamente ilegal, é muitas vezes inócuo, pois apenas encontra-se a serviço daquele que tem, no dia-a-dia, a formalização da medida em suas mãos" (1995, p. 144).

Os corolários gerais negativos do indiciamento, sentidos em matéria penal e processual penal, expandem-se na via administrativa, trabalhista, social, política e, inovados, já destruir as aspirações e carreiras profissionais do investigado inocente.

Neste prumo, só se cogitaria de indiciamento legal se este ato viesse a ser fidelizado pela aplicação escorreita dos princípios constitucionais do contraditório, da ampla defesa, em um cenário que houvesse um regime mínimo e aceitável de publicidade dos atos constritivos; tudo cometido em sede de um inquérito bilateral.

6. A Policiologia constitucional –

Atestado declaratório oficial do Estado que aponta um súdito como autor de um delito penal, o indiciamento policial não prescinde de tratamento constitucional.

Em que pese a preocupação exposta no Projeto de Lei nº 4.209/2001, em tramitação no Congresso Nacional, e no Projeto de Lei n° 156/2009, do Senado Federal, ou da própria Lei n° 12.830/13, a Policiologia nacional ainda não chegou a um consenso quanto à definição, limites, condições, formas, atos, consequências e regime de garantias que cercam o indiciamento. E o pior: não dota a atividade policial de conexões éticas com o espectro das garantias constitucionais, ressuscitando modelos fossilizados e ineptos frente ao nosso sistema ôntico de proteção de direitos humanos.

Ora, a fixação de juízos de culpa penal contra as pessoas, ainda que temporários e forjados no seio de um procedimento preparatório, não comporta medidas inquisitivas. A indiciologia põe-se, assim, em rota de colisão com a Teoria dos Direitos Fundamentais da Personalidade, oriunda da cronologia da Teoria das Gerações ou de Dimensão de Direitos, formulada por KAREL VASAK (SILVA, 2005, pp. 546-552).

Neste esquema de Justiça material, mais que a abdução de novos cargos e a criação de Leis Orgânicas Policiais, impõe-se o afinamento do inquérito e das atividades investigativas criminais com os motes da revolução constitucional, pois os paradigmas de historicidade e a judicialidade dos direitos humanos, em processos punitivos penais, ultrapassam os componentes jurídicos ordinários, consoante se verá.

6.1. O indiciamento como objeto de uma Emenda Constitucional:

As soluções de categorização do inquérito policial podem ser aproveitadas pela legislação comum, mas o indiciamento se dá pela via constitucionalizável, ainda que os pactos e tratados internacionais, que sub-rogam direitos humanos substantivos, tais como se dessumem do Pacto de São Jose da Costa Rica (Decreto nº 678/1992) e de outras convenções e resoluções externas voltadas para estas finalidades, sequer reúnem pilares ou cláusulas favoráveis ao indiciamento.

Nossa galáxia normativa estabelece a regra da universalidade, irrevogabilidade e da incidência imediata dos princípios do devido processo legal, do contraditório, da ampla defesa, do duplo grau de jurisdição e do direito recursal. Os inquisitórios policiais gravitam, contudo, fora da órbita do art. 5º, da CF/88.

É sintomático, pois, que o indiciamento, como fabrico unicórdio de privação, restrição, negação e gravame de direitos, exiba um clarividente descompasso com a pedra de toque e os valorosos princípios da nossa vocação constitucional liberal.

Daí estar correto BARROSO (2009, p. 351) quando enceta que “(…) Os valores, os fins públicos e os comportamentos contemplados nos princípios e regras da Constituição passam a condicionar a validade e o senti­do de todas as normas do direito infraconstitucional. Como intuitivo, a constitucionalização repercute sobre a atuação dos três Poderes, inclusive e notadamente nas suas rela­ções com particulares. Porém, mais original ainda: reper­cute, também, nas relações entre particulares (…)”.

Nesta toada, são de radicação constitucional os princípios acampados no Direito Penal humanista que se comunicam com a atividade policial, quais sejam: a tipicidade, a intervenção mínima, a subsidiariedade, a insignificância e a fragmentariedade. Sem plexo de razoabilidade e proporcionalidade, as decisões inquisitivas, ao seu turno, não fontes diretas de direitos nem premissas de um governo democrático. A indiciação policial, nessa linha, só poderia ser superada se houvesse sua integração ao nosso arcabouço jurídico através de uma Emenda Constitucional.

Isto quer dizer que, embora se cuide de uma experiência jurídica aética e de contestável juridicidade, os procedimentos do indiciamento deveriam ganhar fotos de validade apenas com um rosto constitucionalizado (art. 60, § 4º, IV, da CF), precedido das garantias régias preservadoras da dignidade humana e, por isso, incrustados como átomos duros que deflui do ápice do nosso comando normativo, conquanto se saiba das dificuldades de sua aprovação em face de uma sociedade sedenta por vingança.

6.2. Da proposta de Súmulas Vinculantes sobre a matéria:

O inquérito policial, muitas vezes, é usado para enfeixar juízos de culpa prévios, ainda que transitórios, que acarretam importantes repercussões na vida dos governados. Dada à violência, mesmo não sendo possível abolir de todo as práticas inquisitivas, ainda assim, é preciso que os atos de seus procedimentos estejam fielmente positivados ou conformados com a nossa Lei Maior, por razões jusfundamentais.

Destarte, se o indiciamento não vier de uma Proposta de Emenda Constitucional ou de adesão a um tratado internacional, a certeza das cláusulas pétreas que se asseguram ao indiciado obrigaria, no mínimo, fosse copiado o modelo da nota de culpa e de ciência de garantias constitucionais asseguradas ao preso, consoante prescrições dos incisos LXI, LXII, LXIII e LXIV, do seu art. 5º, da Magna Carta.

As disposições garantistas na esfera penal é viabilizada por meio das cláusulas constitucionais do contraditório e do due process of law, não tendo cabimento a indiciação, por ser resultante de juízos administrativos apressados e temporãos.

Para não chamuscar o vetor da dignidade do ser humano, outra forma de constitucionalização da investida dos indiciamentos seria através da adaptação de uma Súmula Vinculante que viesse a regular a matéria, nos termos da Lei nº 11.417/2006.

Assunto de inegável relevância, social, política, econômica, jurídica e objeto também de interesse nacional, os desdobramentos do indiciamento no cotidiano jurídico transcendem aos interesses subjetivos de uma causa judicial isolada e já deveria ter atraído a especial intervenção da cúpula do Poder Judiciário nacional.

 Como técnica nova de controle constitucional em ações controvertidas, as Súmulas Vinculantes foram introduzidas em nosso universo normativo pelo § 1° do art. 103-A da CF/88, transmudado em uma espécie de governo judiciário para conflitos.

 Grosso modo, assevera-se que as Súmulas Vinculantes têm por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de determinados preceitos acer­ca dos quais haja discussão atual entre órgãos judiciá­rios, ou entre estes e a Administração Pública.

      Um dos requisitos nodais, para que se reconheça a relevância de sua edição, com seus jurígenos consectários, é que o assunto tratado em uma Súmula Vinculante acarrete grave ou potencial insegurança jurídica. É o caso do indiciamento, sendo outros pressupostos que lhe justificam o uso a sensibilidade lógica e os esforços do Poder Judiciário de inibir, de forma eficaz, a relevante multiplicação de processos que versem sobre idênticas questões derivadas de percalços havidos em inquérito policial.

 Neste prumo, um dos desideratos principais da Súmula Vinculante seria, obviamente, aliviar as barras do Poder Judiciário de processos de conteúdos repetidos e, mais que, isso, realizar a Justiça Constitucional, antevendo a importância da percepção temática dos conflitos emanados desses casos concretos em razão da matéria penal.

Desta feita, a publicação de uma Súmula Vinculante sobre o indiciamento acabaria mitigando, ou mesmo eliminando os exageros e os excessos de poder que são agraciados aos indiciadores. Os beneficiários seriam todos: o Estado e o próprio povo.

Para garantir o efeito vinculante das questões suscitadas pelos indiciamentos inquisitoriais, caberia Reclamação ao STF do ato administrativo ou judicial que desobedecesse à súmula aplicável; e seria recomendável, por fim, que ficasse, desde logo, bem fixada a responsabilização pessoal do indiciador; tudo de conformidade com o que subscrevem o art.103-A, § 3°, da CF/88, e o art. 64-B, Lei nº 9.784/99.

Sob qualquer ângulo, a proclamação de um verbete vinculante, abarcando uma solução constitucional sobre o indiciamento, teria a inegável vantagem de pôr uma pá de cal sobre este símbolo obscuro que ainda domina o imaginário e a prática dos juristas de ocasião, ainda mais agora que o art. 17-D, da Lei nº 9.613/98, e a Lei nº 12.830/13 possibilitam o exercício de uma perigosa magistratura policial.

Malgrado a problemática da constitucionalidade que se espraia da produção dos efeitos materiais dos atos inquisitoriais não definitivos, para enfrentar as complexas temáticas da Justiça Policial, abaixo, ad exmplus, consignam-se algumas sugestões de redação, positiva e negativa, de Súmulas Vinculantes sobre o assunto em apreço:

É inconstitucional o indiciamento, em sede de qualquer procedimento administrativo, político ou policial, que não seja ratificado por decisão judicial final que o legitime, devendo produzir efeitos somente declaratórios de suspeita de autoria sobre um dado ilícito no seu respectivo processo final”.

“Fica defeso a todos os Poderes, órgãos e autoridades da República de promoverem discriminação por causa do indiciamento de pessoas, em qualquer procedimento administrativo, político ou policial, até final do respectivo processo, por se tratar de procedimento incompatível com o feixe dos direitos e garantias constitucionais inscritos na Carta Federal de 1988”.

 “A indiciação é ato unilateral da autoridade administrativa encarregada de presidir procedimento ou processo quando se convencer, por seu livre juízo, que a autoria e da materialidade do fato ilícito punível deve recair sobre determinada pessoa, sem produzir efeitos materiais contra o indiciado”.

 “O indiciamento da pessoa, na esfera administrativa, fica condicionado ao exercício prévio de vista do processo pelo autuado e de decisão fundamentada sobre as razões e o mérito da suspeita de autoria de um ilícito, sem prejuízo do direito de ampla defesa, juntada de provas, eventual interposição de recurso à autoridade superior e dos consectários legais do princípio constitucional da presunção da inocência decorrentes deste ato”.

Sem enfrentamento do seu mérito jurídico-filosófico e do seu alcance constitucional, a Policiologia permanecerá fadada a desvendar um ou outro caso concreto e o indiciamento apenas servirá a governantes interessados na mensuração de dados estatísticos, quando já se está em tempo de plantar a concreção de uma Justiça Policial, que não sucumba a uma decisão judicial que por ventura lhe foi contrária.

7. A Justiça Policial constitucional –

Dentro da semiótica jurídica, a atividade penal consiste em buscar a responsabilização de alguém por um fato típico e punível, sobre o qual a autoridade judicial declarará a culpa definitiva e correspondente sanção à pessoa infratora.

Já os atos de ius imperi da Justiça Policial consubstanciam providências administrativas com o fito de apurar um dado fato punitivo. Suas tarefas e conclusões se revestem, porém, de legitimidade relativa. Mesmo assim, a linguagem do indiciamento representa, o grau mais elevado de uma culpabilidade veloz que o Estado designa ao suposto autor de um ilícito, ainda que a pessoa esteja, nesta etapa, suprimida de exercer o seu sacrossanto direito de defesa constitucional (LOPES JÚNIOR, 2008, p. 289).

A inconstitucionalidade do indiciamento, ou a legalidade hoje da indiciação, confunde-se, pois, com o próprio pensamento atávico do Estado-Policial (ou Policialesco), que, obcecado na fixação de juicios de culpas preliminares, ignoram os mandamentos do eticismo dos direitos humanos fundamentais.

O jus persequendi e o jus accusationis do Estado encontram, por conseguinte, limites em inúmeros postulados constitucionais, dentre eles o que repele a utilização de provas ilícitas (teoria dos frutos da árvore envenenada ou do poison tree).

A operação de indiciamento, sem a exegese do princípio da verdade real em voga no art. 155 do CPP, todavia, não espelha prova legítima capaz de ser transplantada para o vezo acusatório, à míngua de exibição de defesa mínima em favor do particular.

Tem-se, pois, que a Justiça Policial, que tradicionalmente se destina a escorar juízos de responsabilidade criminal, ressente-se de juridicidade. O inquérito policial, antes de ser uma ferramenta voltada para alimentar o Estado-acusação, deveria ser dotado de elementos constitucionais capazes de apurar a culpa penal sobre o fato, em toda a sua extensão. Sendo esse o espírito ínsito ao processo penal, a falta de percepção temática da abordagem inquisitorial e do papel da autoridade policial com a vontade colmatada do legislador constitucional, na prática, provoca a inversão de provas e valores, danifica órgãos, confunde a sociedade, e, sobretudo, enfraquece o indivíduo.

A Justiça Policial, de feição inquisitorial, retém investigações nas mãos do Estado e sob a batuta de apenas um servidor. Logo, põe em risco o propósito filosófico-existencialista do Estado de Direito, cuja promessa atrela-se à chancela integral do ser humano de estar a salvo do arbítrio de forças ou qualquer outra forma de violência.

Com efeito, a visão de uma Justiça Penal não pode ser monopólio de um ativismo policial. Urge que os governados sejam alçados à mesma posição jurídica do agente do Estado que capitaneia as investigações. Sem as prerrogativas cogentes da sedimentação da defesa e de direitos afins, a Justiça Policial cunhada ao inquérito continuará sendo infértil e rompedora dos pacto social de intangibilidade das pessoas.

7.1. A Teoria do Abuso de Direito e da Finalidade das provas-

Frente ao direito comparado, o legislador constituinte brasileiro desenvolveu um dos mais complexos, porém, mais aperfeiçoados sistemas de controle da constitucionalidade de leis para arrancar do ordenamento jurídico pátrio a validade de normas adversas da latitude constitucional, rechaçando, inclusive, essa Justiça Policial.

Fora da seara do princípio da autotutela estatal, dentre os sistemas de controle externo de constitucionalidade de leis ou dos atos normativos em vigor, têm-se as seguintes espécies de controle: o preventivo (anterior) e o repressivo (posterior).

Hipoteticamente, a verificação de inconstitucionalidade, ou não, dos atos policiais no Brasil se daria, por conseguinte, através de três modelos ordinários de controle conhecidos: o político (exercido pelo Poder Executivo e Legislativo), o jurisdicional (privativo do Poder Judiciário), e o misto (híbrido dessas duas espécies).

O Brasil ordem adotou o sistema misto, havendo ainda os meios de controles de constitucionalidade concentrado (controle fechado, ou via da ação positiva) e o difuso (controle aberto, ou via da exceção); todos relevantes para a Teoria das Provas.

O concentrado reserva-se a impugnações de atos abstratos e tem legitimidade deferida apenas a determinadas categorias de pessoas. Já o difuso é exercitável pelo modo incidental ou de ofício, competindo, privativamente, às autoridades judiciárias ante os casos concretos, de acordo com a nossa Carta Federal.

Atualmente, no Brasil, as respostas ao desfazimento ao ato de indiciamento e de suas consequências só podem ser feitas através do método extraordinário de controle, ou seja, pela via da exceção ou meio difuso; frente a uma hipótese real, portanto.

Isto porque, do ponto de vista pragmático, como o indiciamento só se tornou produto diretamente de lei em sentido abstrato e formal após a sua tímida citação no texto da Lei nº 12.830/13, antes inexistia a possibilidade jurídica para que o seu eventual expurgo se efetuasse por intermédio dos ditos mecanismos diretos de controle judicial concentrado, cujas espécies são as Ações Declaratórias de Inconstitucionalidade (ADIN), por ação e omissão, as Arguições de Descumprimento de Prefeito Fundamental (ADPFs) e as Ações Diretas de Constitucionalidade (ADC).

Doutras palavras, a própria ausência de lei que, direta e objetivamente, definisse e disciplinasse o indiciamento, obstaculizava a sua consideração do mundo como ato jurídico, haja vista que os instrumentos formais do controle de constitucionalidade fechado só atingem atos normativos em sentido abstrato e geral.

Já com a edição da Lei nº 12.830/13, que inseriu o indiciamento em nosso sistema penal, seus efeitos – diretos e indiretos – estão sendo questionados pelo sistema de controle pelas ADIns nº 5.403, 5.059 e 5073; todas em trâmite no STF.

Já contra medidas policiais que constrangem prematuramente o indivíduo que é fichado na polícia, existem diversos remédios processuais à disposição. Assim, o habeas corpus, a ação popular, a ação civil pública de improbidade, o mandado de injunção, o mandado de segurança, o mandado de segurança coletivo, o habeas data, as ações ordinárias de nulidade ou indenizatórias, sem prejuízo do direito de petição e de certidão junto ao Poder Público, são modalidades de rights que, por imposição principiológica constitucional, substantiva e processual, podem, em tese, pôr em xeque a validade dos atos policiais em nosso céu jurídico (art. 5º, V e X, da CF). Nada obstante essas opções, contra os abusos de direito e desvio de poder ou da finalidade das provas, propõe-se uma Justiça Policial realizada no Direito Constitucional Processual.

7.2. Do processo administrativo policial como experiência e tendência jurídicas

Os fólios policiais seguem procedimentos romanescos, que privilegiam a forma ao invés do conteúdo. Ultrapassado, obsoleto, antidemocrático e funcionando à margem do trato constitucional, o inquérito policial é um caderno de apuração penal extravagante, que faculta ao seu Presidente exercer juízos inculpantes temerários e sem o devido temperamento da reserva judicial (art. 5º, XXVII e LIII, da CF/88).

A utilidade do art. 3º da Lei nº 12.830/13, que contempla o Delegado com o tratamento protocolar dado aos atores da Justiça Criminal (Mensagem-circular nº 012/2013-COGER/DPF) talvez só se concebesse se fizesse parte de um pacote do conjunto de melhorias que sufragassem garantias investigatórias constitucionais.

Em que pese também a alusão à nova regra legal de remoção da autoridade policial somente por interesse público, a inexistência das prerrogativas de independência funcional e de autonomia também aplacam interferências indesejadas nos trabalhos de pesquisa criminal, mormente se tem ciência de que, na Polícia Federal, agora, é compulsório o preenchimento do formulário de dados cadastrais das operações de inteligência. A cessão às influências políticas em trabalhos investigativos é indubitável.

Como dificilmente tais questões são corrigidas sem os contratempos das polêmicas disciplinares, deveria, pois, o legislador aparelhar melhor os policiais para a execução de suas tarefas, não só no tocante à transferência de condições e recursos logísticos, mas também criando cargos ou funções públicas de assessoria, a serem ocupadas por analistas que auxiliassem as autoridades policiais em seus misteres.

A melhor iniciativa, porém, de drenar o desperdício de esforço e de energia que se anotam da briga interna entre as classes do DPF, poderia ser mais adequadamente viabilizada também se for implantado, em nossa ordem, um processo administrativo policial, no qual, sem qualquer conservadorismo corporativista em prol dos Delegados, a legislação acolhesse o surgimento de um Direito Processual Policial.

Produto de experiência e tendência jurídicas já implementadas com sucesso em outros ramos do Direito Administrativo, a positivação de um processo administrativo policial, nos moldes ajustados à nossa Carta de 1988, afastaria, assim e de vez, o arcaísmo da investigação penal. O horizonte do nosso sistema penal, além de mais justo, harmonizaria, então, o inquérito às exigências constitucionais que denunciam e tornam infensas as violações múltiplas da intimidade, da vida privada, da honra, da imagem e da presunção de inocência, dentre outros direitos fundamentais.

A ser concebida pelo legislador infraconstitucional, a feitura de um processo administrativo policial modificaria o CPP através de um estatuto peculiar, com regras heterônomas e bilaterais, revolucionando a contraproducente Justiça Policial de hoje.

A engrenagem medíocre e anticonstitucional que marca o jus persequendi estatal possibilitaria, portanto, o manejo de uma fisionomia real do arquétipo de justiça, inibindo-se as falhas do sistema que está repleto de acusações lânguidas e inefáveis.

No mais, a impertinência técnico-legal dos juízos e dos juízes inquisitoriais, pela imantação de um processo administrativo policial, impediriam os esculaches à honra e ao patrimônio alheios. As blasfêmias jurídicas se curvariam, ao menos, à observância estrita do legal procedure e a atuação policial seria prestigiada pelos freios constitucionais impostos pela processualística de um Estado da Justiça e do Direito.

Mais que a participação do advogado no inquérito, defende-se a criação legislativa de um processo administrativo policial, com a necessidade de formalização de uma relação triangular, em que autoridade policial, advogado e o autuado interajam, a fim de que os conflitos de interesses não se degenerem pela disparidade das armas.

O processo administrativo policial retrataria, assim, a aplicação correta da Justiça Constitucional da Polícia brasileira, sem a coordenação de robôs inquisitoriais.

Desta feita, a litigiosidade policial, gerada pelos procedimentos inquisitoriais, diminuiria a resistência à pretensão punitiva estatal; e, o mais importante, filiaria o Brasil no sistema acusatório que lhe foi constitucionalmente determinado.

A introdução de um Direito Processual Policial far-se-ia por lei ordinária (art. 22, I, da CF) e seus “ritos” procedimentais não estariam laçados apenas ao caminho do jus puniendi em si, mas sim à ideia de promover a justiça administrativa real.

A fiação de um processo administrativo, que repila os atos inquisitoriais como regra e que acene para a concreção de uma justiça social, de conotação garantista e constitucional, é a razão para a jusmotivação de um Estado de Polícia democrático.

Esse plano de uma justiça policial só seria, contanto, aceitavelmente, operacionalizada e alcançada se outorgadas fossem aos Delegados as mesmas prerrogativas de autonomia funcional dos agentes políticos, sem prejuízo dos mecanismos de supervisão, revisão ou de critérios de homologação que fundassem e legitimassem, afinal, os seus atos, criando-se a figura de uma Polícia conciliadora.

A revitalização do modelo de inquérito policial, com a adoção de um formato dualista, não elidiria a fiscalização do processo administrativo policial pelo Poder Judiciário, nem o seu permanente acompanhamento pelo Ministério Público.

A crise da Polícia Judiciária, e em particular a que hoje tensiona a Polícia Federal, desenganadamente, externa o descrédito do conhecimento das premissas e da familiaridade constitucional da Policiologia com a processualística administrativa.

A solução de combate à criminalidade não ocorrerá com a mudança de nome do inquérito policial, nem dos atores que presidem investigações. No fundo, a baixa produtividade policial é sociológica e a luta intestina pela ascensão, travada nos seus quadros interiores, são fenômenos casuísticos de disputas pelo poder. A paz coletiva e o bem público, porém, só serão resolvidos quando acatada, no aspecto técnico-jurídico, a formulação de um Direito Processual Policial, de veia multidisciplinar para a nação.

Seria utopia imaginar que apenas as alternativas de uma Polícia Preventiva ou a ideia de administrativização dos processos policiais venham a resolver as mazelas da Criminologia e da Criminalística, mas a humanização da Justiça Policial, com o enxerto de garantias constitucionais no inquérito policial, sem dúvidas, forneceria as soluções menos ortodoxas ao Estado para o exercício da cidadania dos homens de bem.

Este estudo não rejeita que o sistema penal brasileiro pode evoluir para os Juizados de Instrução nos delitos de bagatela, mas nem mesmo a nitroglicerina das organizações criminais transnacionais hão de obstaculizar o senso magnético de uma Justiça Policial Constitucional, de inclinação ao contraditório e à defesa pública.

 Neste rosário, uma Policiologia binuclear seria informada por princípios a serem munidos pelo Direito Processual Policial. D natureza jusfundamental, ei-los: o da diferenciação do processo administrativo policial; o da dualidade de cognição; o da congruência com o Direito Processual Penal e Penal; o da tutela judicial efetiva em matéria policial; o da autotutela vinculada ao Estado e aos direitos fundamentais; e o princípio administrativo da publicidade da Justiça Policial.

Na vertente material, o Direito Processual Policial seria norteado pelos princípios da legalidade; da generalidade; da isonomia; da fragmentariedade; da ofensividade; da gravidade, da razoabilidade e o da proporcionalidade dos meios penais.

Comuns aos procedimentos e processos administrativos policiais, subsistiriam ainda os princípios: da legalidade objetiva; da vinculação; da verdade material; da oficialidade; do dever de colaboração; e do dever de investigação. Já os princípios privativos dos procedimentos administrativos policiais seriam: o da excepcional inquisitoriedade; o da cientificação; o do formalismo moderado e da exceção; o da fundamentação; o da acessibilidade e da gratuidade; e o da celeridade.

Dentre os princípios essenciais dos processos administrativos policiais: o devido processo legal; o do contraditório; o da ampla defesa técnica e da motivação das decisões policiais; o da ampla instrução probatória e da proibição da prova ilícita; o da recorribilidade e do duplo grau de cognição; e, enfim, o da obrigatoriedade do advogado e do julgador competente com ampla competência decisória e de publicidade interpars.

Para finalizar esta grade classificatória, à Justiça Policial se aplicariam ainda os princípios constitucionais dos processos judiciais, quais sejam: o da isonomia; o do juiz e do promotor natural; o da inafastabilidade do controle jurisdicional; o contraditório; a proibição da prova ilícita; a publicidade dos atos processuais; o duplo grau de jurisdição ; o da recorribilidade; e o da motivação de suas decisões.

Considerações finais –

Os destinos sobre bens e liberdades humanas não podem ser decididos com a frieza de cálculos matemáticos, nem para mero deleite da catarse coletiva. Os modismos, o imediatismo e o livre convencimento dos agentes estatais devem situar-se no ápice teleológico do Direito e da Justiça, em sua conformação jusfilosófica.

O predomínio da formação bacharelesca e não humanista do sistema criminal brasileiro, herdado dos tempos fascistas, amalgama um Estado Policial opressor que, às vezes, empareda inocentes na tortuosa curva do artificialismo jurídico.

 As condutas desviantes são anacrônicas e há a patológica tendência de o inquérito policial de criar uma casta de pessoas de segunda categoria: os indiciados.

De conteúdo heurístico e niilista, mas mui festejada em nossa rede jurídico-social, a ideação das culpas e as acusações do tipo “chapa-branca” estigmatizam histórias e pessoas, fraturando o imperativo categórico da Justiça Policial. A falha dos substratos axiológicos e deontológicos inquisitivistas do inquérito atual não atendem às promessas de um Estado de Direito compromissado com a dignidade constitucional.

O Direito Punitivo Penal e a investigação criminal hodierna não suportam mais silogismos efêmeros ou oportunistas, que se costuram no mundo jurídico à base de ambiguidades, e não à luz de ambivalências. Neste ponto, o indiciamento policial, que é edificado sob argumentos herméticos, não enfeixando juízo seguro e definitivo sobre autoria ou participação no fato ilícito, exprime conclusão frágil sobre culpabilidades.

O indiciamento e o inquérito, afinal, têm servido e implicado como importante instrumento de supressão e desgastes injustificáveis à raça humana, devendo, por conseguinte, ter suas antijuridicidades reformadas pelos doutos.

No estudo da Policiologia, viu-se que o indiciamento precisaria tornar-se objeto de uma Emenda Constitucional para ganhar foros de licitude em nosso sistema, havendo, ainda a alternativa das propostas de Súmulas Vinculantes sobre a matéria.

Com o recrudescimento da violência e o aumento alarmante dos níveis de criminalidade, não se pode transformar o Direito Penal e Processual penal em objeto de aviltes humanos ou alavancas de carreiras. O Estado há de ser comedido e não avassalar inocentes sob a evasiva de se distanciar das impunidades. A injustiça é indelével.

A percepção da Justiça Policial constitucional tem sua gênese no abuso de direitos e na finalidade das provas, que não deveriam prescindir da cientificidade e da positivização de um novo modelo de investigação criminal: o processo administrativo policial, que, viria em substituição ao atavismo do inquérito hodierno.

Mais que experiência e tendência jurídicas, o significado do surgimento de um Direito Processual Policial reduziria os nefastos efeitos das desigualdades e das antinomias humanas, liquidando condenações existenciais negativistas intermitentes e precipitadas. As condecorações majestosas de culpa e a compleição de acusações profanadas pelos tipos “indiciários” da “magistratura policial, além de não constituírem meios de prova válidos, maculam os direitos fundamentais dos povos.

Em um reechstaat, não há necessidade de um ato policial declaratório ou constitutivo da qualidade de indiciado. A indicação do suspeito como autor de um crime deve ser contida, restrita a hipóteses legais claras, sem a subserviência a um jogo de poder político, ou a adivinhações punitivas antes de uma sentença judicial definitiva.

Como um mal retrógrado, que contamina a higidez do tecido das relações interindividuais, o proveito pro societas do indiciamento estatal só deveria ter lugar para fins internos policiais, sem qualquer corroboração administrativa, porque é cediço e certo a eclosão de inúmero desvios ao núcleo da presunção constitucional da inocência.

A ratio da constitucionalização da Justiça Policial objetiva extirpar a inclinação antidemocrática dos inquisidores do século XXI, que pouca ou quase nenhuma vivência exibem com a literatura dos princípios e valores basilares universais. O regime das garantias constitucionais e as cláusulas pétreas não são uma paragem do idealismo jurídico, e sim o ponto de partida e o fim da Ciência do Direito, que tem na dignidade existencial do homem o meio, a medida e sua razão epistemológica de ser.

 

Referências
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Informações Sobre o Autor

Rilke Rithcliff Pierre Branco

Aluno do Curso de Doutorado em Direito pela Universidade Federal da Argentina UBA o autor é MBA Executivo em Segurança do Trabalho e Meio Ambiente; Consultor Executivo Político e Jurídico; ex-advogado; Delegado aposentado da Polícia Federal; pós-graduado em Direito Constitucional Tributário Civil Consultoria Empresarial em Gestão Pública e em Legislação Urbana tendo vasta experiência profissional na área e como projetista social


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