A Constituição Federal como norte para os atos da Administração Pública, no sentido de iniciar o processo de extração dos objetivos fundamentais de sua condição de meras normas programáticas

Resumo: O presente estudo tem a finalidade de apresentar as características dos direitos humanos por um breve relato sobre sua evolução histórica. Demonstrar sua supremacia sobre os regramentos sociais, dada sua visceral importância para a dignidade da pessoa humana. Sua relação direta com os objetivos, direitos e garantias fundamentais, expressos na Constituição da República Federativa do Brasil e a necessária observação pelos agentes públicos para legitimação do Estado. A possibilidade de os tratados de direitos humanos serem incorporados como emendas constitucionais e sua hierarquia no arcabouço normativo nacional. Analisa-se os valores e princípios constitucionais como expoentes máximos dos anseios de uma sociedade democraticamente constituída, tendo a Constituição Federal como norte para os atos da Administração Pública e o processo legislativo. O neoconstitucionalismo como fomentador de ações governamentais, permeando toda a estrutura político administrativa, no sentido de auferir aos cidadãos os direitos e garantias fundamentais positivados na Carta Magna, bem como iniciar o processo de extração dos objetivos fundamentais da condição de meras normas programáticas.

Palavras-chave: Constituição. Direitos Humanos. Dignidade da pessoa humana. Neoconstitucionalismo. Administração Pública.

Abstract: This study aims to present the characteristics of human rights by a brief account of its historical evolution. Demonstrate their supremacy over the social  regulations, given its visceral importance to human dignity. Its direct relation to the fundamental objectives, rights and guarantees expressed in the Constitution of the Federative Republic of Brazil and the necessary observation by state officials for a State legitimation. The possibility of the human rights treaties be incorporated as constitutional amendments and their hierarchy in the national normative framework. It analyzes the constitutional values and principles as exponents of the desires of a democratically constituted society, being  the Federal Constitution a north to the acts of public administration and the legislative process. The neoconstitutionalism as developer of government actions, permeating the entire political administrative structure in order to earn the citizens fundamental rights and guarantees written in the Constitution, and begin of the process of extracting the fundamental objectives from the condition of mere programmatic rules.

Keywords: Constitution. Human Rights. Dignity of the human person. Neoconstitutionalism. Public Administration.

Sumário: Introdução.  A dignidade humana. 1. O valor do homem na sociedade. 1.1. A importância dos direitos humanos para a ordem interna e internacional. 1.2. A Constituição, seus valores e princípios como ferramentas para o desenvolvimento social. 2. Desenvolvimento social pela observação dos princípios e valores constitucionais. 2.1. Concretização dos anseios expressos na Constituição cidadã. 3. Conclusão. Referências.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho trata do Direito Constitucional, mais especificamente sobre a importância da Administração Pública, por todos os seus órgãos, agentes e entidades, nortear seus atos pelos princípios constitucionais, visando à efetiva consecução dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil.

O Direito Internacional dos Direitos Humanos como o reconhecemos hoje, começou a ser cunhado após a ocorrência de um dos eventos de maior afronta à dignidade humana: a Segunda Guerra Mundial.

Antes a proteção aos direitos do homem estava restrita a legislações internas de poucos países, como Estados Unidos, Inglaterra e França. Questões humanitárias só eram consideradas nos casos de beligerância entre nações, quando ao menos algumas poucas questões humanitárias eram levadas em conta sob o ângulo internacional e temas como o respeito às minorias dentro dos territórios nacionais e direitos de expressão política não eram abordados, quiçá questionados, pois o princípio de soberania era inconteste.

Naquele período nefasto de 1939 a 1945, populações tiveram sua identidade humana ceifada, anos nos quais a mais essencial noção de civilidade foi profanada, tudo fundado não apenas na ganância em seus diversos espectros, mas principalmente motivada por preconceitos raciais e divergência ideológica.

Como resposta às barbáries cometidas no Holocausto, tomou corpo todo um processo de internacionalização dos direitos humanos, criando uma sistemática internacional de proteção, cuja axiologia aponta à responsabilização do Estado no plano externo quando, internamente, os órgãos competentes não apresentam resposta adequada e satisfatória na sua proteção.

A partir de 1945, da adoção da Carta das Nações Unidas no pós-Segunda Guerra, é que o Direito Internacional dos Direitos Humanos começou a verdadeiramente se desenvolver e a se efetivar. Antes existiam normas que podiam ser consideradas como de proteção dos direitos humanos, no entanto, o que faltava era uma normatização específica que protegesse os indivíduos como seres humanos, abarcando aqui toda a humanidade, bastando tão apenas ser humano para receber proteção, independente de cor, raça, credo, idioma ou quaisquer outras características que sirvam vilmente de justificativa para segregação.

A Carta da ONU de 1945 contribuiu enormemente para o processo de asseveração dos direitos humanos e liberdades fundamentais.

Alguns dispositivos que fazem referência direta a tal proteção:

“Art. 1º Os propósitos das Nações Unidas são:

Conseguir uma cooperação internacional para resolver os problemas internacionais de caráter econômico, social, cultural ou humanitário, e para promover e estimular o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião”

“Art. 13

A Assembleia Geral iniciará estudos e fará recomendações, destinados a:

[…] b) promover cooperação internacional nos terrenos econômico, social, cultural, educacional e sanitário, e favorecer o pleno gozo dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, por parte de todos os povos, sem distinção de raça, língua ou religião”

“Art. 55 Com o fim de criar condições de estabilidade e bem-estar, necessárias às relações pacíficas e amistosas entre as Nações, baseadas no respeito ao princípio da igualdade de direitos e da autodeterminação dos povos, as Nações Unidas favorecerão:

[…] c) o respeito universal e efetivo dos direitos humanos e das liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião”

“Art. 56 Para a realização dos propósitos enumerados no art. 55, todos os membros da Organização se comprometem a agir em cooperação com esta, em conjunto ou separadamente”

“Art. 62

[…] Poderá igualmente fazer recomendações destinadas a promover o respeito e a observância dos direitos humanos e das liberdades fundamentais para todos”

“Art. 76 Os objetivos básicos do sistema de tutela, de acordo com os propósitos das Nações Unidas enumerados no art. 1º da presente Carta são:

[…] c) estimular o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião, e favorecer o reconhecimento da interdependência de todos os povos.”

Constata-se então que os princípios do liberalismo foram insuficientes para garantir a igualdade e a justiça social. Existia uma necessidade latente de intervenção no domínio social e econômico, que, se alcançado, asseguraria igualdade entre os cidadãos. Toma impulso a atuação do Estado em todas as áreas da vida social e econômica, o homem deixa de ser visto como o fim único do direito, ganhando força a ideia de que os interesses públicos devem ser protegidos pelo Estado.

As razões nas quais se fundam os ditames de direitos humanos nos leva a crer que nada pode ser mais premente que o valor da dignidade humana, ainda que custoso. A esse respeito pronunciou-se Ignacy Sachs sabiamente:

“Não se insistirá nunca o bastante sobre o fato de que a ascensão dos direitos é fruto de lutas, que os direitos são conquistados, às vezes, com barricadas, em um processo histórico cheio de vicissitudes, por meio do qual as necessidades e as aspirações se articulam em reivindicações e em estandartes de luta antes de serem reconhecidos como direitos.” (SACHS, 1998, p. 156)

É notável a observação de Aléxis de Tocqueville ao esclarecer que não basta o reconhecimento de direitos para que um Estado manifeste o respeito à pessoa, é importante que atue de forma ativa para fortalecer as iniciativas comunitárias e as liberdades individuais. Em que pese os tratados internacionais de Direitos Humanos versarem sobre o “mínimo ético irredutível”, cumpre ao Estado se certificar que esses sejam seguidos à risca, por meio de força impositiva aos que têm por obrigação funcional promover o desenvolvimento.

1.1 A DIGNIDADE HUMANA

O valor do homem na sociedade
Toda lei tem um conteúdo material, representado pela ideia de direito natural, decorrente da natureza do homem e descoberto pela razão; daí a conclusão de que o Poder é limitado por um direito superior, que está fora de seu alcance mudar.

Claramente a Carta teve como uma de suas principais preocupações a positivação internacional dos direitos humanos e liberdades fundamentais do ser humano, condizentes com a ideia de que valores humanos se moldam e solidificam-se com o passar da história, com a análise dos erros experimentados pelas sociedades.

Flávia Piovesan leciona que a internacionalização dos direitos humanos constitui, assim, um movimento extremamente recente na história, que surgiu a partir do pós-guerra como resposta às atrocidades e aos horrores cometidos durante o nazismo. (PIOVESAN, 2006, p. 116 – 118) 

Do surgimento da Organização das Nações Unidas, ao final da Segunda Grande Guerra, e da consequente aprovação da declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, o direito internacional dos direitos humanos começa a dar ensejo à produção de inúmeros tratados internacionais destinados a proteger os direitos fundamentais dos indivíduos, agora positivados.

Tem começo, ao menos no âmbito das Nações Unidas, cujo propósito básico é “…to reaffirm faith in fundamental human rights, in the dignity and worth of the human person”, um sistema de proteção dos direitos humanos de amplitude mundial, tanto de caráter geral de proteção dos direitos civis e políticos, como de caráter específico, no combate à tortura, à discriminação racial, à violência contra as mulheres e crianças, e diversas outras afrontas ao que começava a ser delineado como um direito global entre os homens.

O ser humano eleva-se à posição até então inimaginável de sujeito de direito internacional, algo reservado ao Estado, que agora começava a tratar da proteção internacional dos direitos humanos contra ele próprio.

Começam a tomar forma os primeiros contornos do Direito Internacional dos Direitos Humanos, evanescendo a ideia de soberania absoluta dos Estados, especialmente quando destoante dos anseios de seus representados, erigindo estes à posição de há muito merecida, de  sujeitos de direito internacional, angariando mecanismos processuais eficazes à salvaguarda de direitos mundialmente reconhecidos como basilares à dignidade humana.

Robert Alexy (2007, p.48), em sua obra Constitucionalismo Discursivo, entende que os direitos humanos podem ser definidos a partir de cinco características. Entre elas a fundamentalidade, que estabelece não serem os direitos humanos protetores de todas as formas imagináveis do bem-estar, mas somente das carências e interesses fundamentais e, como parâmetro de definição, define: “quando sua violação ou não-satisfação ou significa morte ou padecimento grave ou acerta o âmbito nuclear da autonomia”.

Com a criação das Nações Unidas e suas agências especializadas, como preleciona Flávia Piovesan (2006, p.129), o processo de internacionalização dos direitos humanos passa a se desenvolver, possibilitando o surgimento de uma nova ordem internacional que instaura um novo modelo de conduta nas relações internacionais (grifo nosso).

Relações essas com o escopo de manter a paz e a segurança internacionais; desenvolver relações amistosas entre os Estados, gerando avanços nos planos econômico, social e cultural; alcançar um padrão internacional de saúde; proteger o meio ambiente, id est: pavimentar um caminho que leve ao desenvolvimento do ser humano ao redor do globo.  

Ainda a notável jurista:

“Diante da ruptura do paradigma dos direitos humanos, através da negação do valor da pessoa humana como valor fonte do Direito, passou a emergir a necessidade de reconstrução dos direitos humanos, como referencial e paradigma ético que aproxime o direito da moral. (Op. cit., p. 129)

Na terminologia de Hannah Arendt, o direito a ter direitos passa a ser o escopo primeiro de todo esse processo internacionalizante.

Um passo importante e concreto foi dado na reunião de 21 países americanos no México, em 1945, firmando a tese do respeito aos direitos fundamentais do ser humano, na dignidade e valor da pessoa humana, que impregnam a Carta das Nações Unidas de 26 de junho de 1945.

Eis seu preâmbulo:

NÓS, OS POVOS DAS NAÇÕES UNIDAS, RESOLVIDOS

a preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra, que por duas vezes, no espaço da nossa vida, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade, e a reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor do ser humano, na igualdade de direito dos homens e das mulheres, assim como das nações grandes e pequenas, e a estabelecer condições sob as quais a justiça e o respeito às obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes do direito internacional possam ser mantidos, e a promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de uma liberdade ampla.

E para tais fins praticar a tolerância e viver em paz, uns com os outros, como bons vizinhos, e unir as nossas forças para manter a paz e a segurança internacionais, e a garantir, pela aceitação de princípios e a instituição dos métodos, que a força armada não será usada a não ser no interesse comum, a empregar um mecanismo internacional para promover o progresso econômico e social de todos os povos.

Resolvemos conjugar nossos esforços para a consecução desses objetivos.

Em vista disso, nossos respectivos Governos, por intermédio de representantes reunidos na cidade de São Francisco, depois de exibirem seus plenos poderes, que foram achados em boa e devida forma, concordaram com a presente Carta das Nações Unidas e estabelecem, por meio dela, uma organização internacional que será conhecida pelo nome de Nações Unidas”.

1.2 A importância dos direitos humanos para a ordem interna e internacional

O processo de internacionalização dos direitos humanos veio promover a responsabilização e, ainda mais importante, a conscientização dos Estados por violações de direitos humanos, com a principal finalidade de assegurar ao indivíduo, de qualquer nacionalidade, inclusive apátrida, não importando a jurisdição onde se encontre, meios de defesa contra abusos e desvios de poder praticados por qualquer Estado e a correspondente reparação, quando não for possível prevenir a lesão.

Neste âmbito, o artigo 28 da Declaração Universal dos Direitos do Homem prevê que todo homem tem direito a uma ordem social e internacional em que os direitos e liberdades estabelecidos nela possam ser plenamente realizados.

Essa afirmação ressalta, em primeiro lugar, a importância da institucionalização dos direitos humanos para a ordem interna e internacional. Há, na realidade, um verdadeiro direito à institucionalização dos direitos humanos, internamente e nas relações externas. Em segundo lugar, a ordem interna e internacional devem privilegiar certos valores considerados essenciais para a convivência coletiva. É a realização desses valores que confere legitimidade à ordem instituída.

“Os direitos do homem, por terem natureza abstrata, requerem algum tipo de limitação para que sejam aplicados aos casos concretos. Este fato pressupõe a ponderação entre os direitos em conflito, sugerindo a necessidade de se criar instâncias autorizadas a realizar ponderações juridicamente obrigatórias. O Estado, nesse contexto, é necessário não apenas como instância de concretização, mas, também, como instância apta a tomar decisões que efetivem os direitos humanos.” (ALEXY, 1999, p. 58)

Trata-se de um direito a uma ordem específica que proteja e tutele os direitos humanos. A plena realização dos direitos humanos pressupõe regras e procedimentos que os institucionalizem, condição necessária para que a proteção dos direitos humanos seja eficaz, destarte criando condições para que cada ser humano inserido na sociedade possa criar para si mesmo oportunidades, amparado e assegurado pelo Estado.  

Em terceiro lugar, este direito à institucionalização pertence a todos, indistintamente. Como tal, não se caracteriza por ser um privilégio atribuível a determinados indivíduos ou a algumas nações. É possível mesmo dizer que referido direito à institucionalização converteu-se em parte integrante da ordem pública internacional, com caráter de norma consuetudinária, atribuindo-lhe o sentido de norma imperativa, que vincula indivíduos e governos.

No Brasil, a Constituição de 1988 admite existirem direitos implícitos decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. O artigo 5º, em seu parágrafo 3º, acrescentado pela Emenda Constitucional nº 45/2004, dispõe que tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos, se aprovados em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.

Ressalte-se que estamos falando de uma recepção por completo nos casos em que se observar o referido parágrafo, recepção formal e material, não restando espaço para questionamentos quanto aplicá-los ou não, até porque visa proteger as necessidades básicas de justiça social, o direito ao desenvolvimento por meio de ações governamentais assecuratórias.

Registre-se que, por força de seu § 2º, todos os tratados de direitos humanos, independentemente de quórum de aprovação, são materialmente constitucionais, o quórum qualificado está apenas reforçando sua natureza constitucional ao adicionar um lastro inquestionável. Entretanto, na hermenêutica dos direitos, há que imperar a matéria, não a forma, pois o valor a orientar tal discussão deve ser a prevalência da dignidade humana.  

É imprescindível, pois, sejam tais tratados vislumbrados com a devida valoração, não apenas como sendo Emendas à Constituição, mas como vetores que se acrescem aos citados mecanismos, todos exercendo a mesma função: conduzir nossa sociedade à justa equalização de condições sociais.

Neste mote Flávia Piovesan sustenta que a natureza constitucional já se extrai de interpretação conferida ao próprio § 2º do artigo 5º da Constituição Federal, e que a redação do aludido § 3º endossa a hierarquia formalmente constitucional de todos os tratados internacionais de proteção dos direitos humanos ratificados, consagrando que os tratados internacionais de proteção de direitos humanos ratificados pelo Estado brasileiro têm hierarquia constitucional.

Aqui cabe breve comentário sobre as correntes interpretativas acerca da hierarquia dos tratados internacionais de proteção dos direitos humanos no Brasil que se destacam atualmente: a) hierarquia supraconstitucional destes tratados; b) a hierarquia constitucional; c) a hierarquia infraconstitucional, mas supralegal e d) a paridade hierárquica entre tratado e lei federal. No âmbito do Supremo Tribunal Federal, a matéria não se encontra pacificada, ainda que a posição majoritária defenda a paridade hierárquica entre tratado e lei federal, há posições favoráveis à hierarquia constitucional dos tratados de direitos humanos. Neste debate entende-se que, à luz do artigo 5º, § 2º da Constituição Federal de 1988, os direitos fundamentais podem ser classificados em três grupos distintos: o dos direitos expressos na Constituição; o dos direitos implícitos, decorrentes do regime e dos princípios adotados por ela; e o dos direitos expressos nos tratados internacionais subscritos pelo Brasil (grifo nosso).

Ao efetuar tal incorporação, a Carta está a atribuir uma natureza especial e diferenciada aos direitos humanos.

O poder constituinte de 1988, seguindo a diretriz mundial, trouxe uma maior preocupação com a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais, tanto que na Lei Maior se expressam medidas concretas que visam à sua consecução. Atualmente, o valor atribuído aos princípios é o merecido, ocupando posição hierárquica superior às regras; superioridade essa que faz com que se admitam estas serem descumpridas caso colidam com aqueles.

Extrai-se logo de início que o Direito Internacional, sob todos os aspectos, almeja manter um equilíbrio entre a segurança jurídica e o respeito à democracia, com ênfase naquela por servir de pedra angular desta.

2. A Constituição, seus valores e princípios como ferramentas para o desenvolvimento social

O livre arbítrio deve imperar em uma relação onde haja acordo entre partes, e para seu pleno exercício, todas as informações relativas ao que se tenta acordar devem ser precisas, prestadas de total boa-fé por todos os envolvidos. Deve ser inerente a qualquer acordo absoluta clareza em todas suas cláusulas, condicionante para que os que venham a anuir firmando seu compromisso, o façam com base na expectativa criada pela análise do cumprimento integral de suas cláusulas. Dessa expectativa devem passar a agir em conformidade com o acordado, não apenas pela manutenção da palavra empenhada, mas para alcançar o objetivo ali celebrado. Salientando que os resultados de um acordo serão factualmente afetados caso não cumprido à risca por qualquer parte, decompondo as expectativas analisadas pelas partes quando de sua assinatura.

Em sua obra “O Leviatã”, Thomas Hobbes (2008, p.111) entende que:

“Os homens têm de cumprir os pactos que celebram. Sem esta lei os pactos seriam vãos e não passariam de palavras vazias. Como o direito de todos os homens a todas as coisas continuaria em vigor, permaneceríamos na condição bélica. Nesta lei natural assenta-se a fonte e a origem da justiça. Sem um pacto anterior, pois, não há transferência de direito, e todo homem tem direito a todas as coisas, seguindo daí que nenhuma ação pode ser injusta. Porém, depois de celebrado um pacto, rompê-lo é injusto. A definição de injustiça é o não cumprimento de um pacto. Tudo o que não é injusto é justo. Ora, como os pactos de confiança mútua são inválidos sempre que de qualquer dos lados existe receio de não cumprimento, embora a origem da justiça seja a celebração dos pactos, não pode haver realmente injustiça antes de ser removida a causa desse medo. Essa remoção não pode ser feita enquanto os homens se encontram na condição natural de guerra. Daí, para que as palavras “justo” e “injusto” possam ter sentido, é necessário alguma espécie de poder coercitivo, capaz de obrigar os homens ao cumprimento dos pactos, mediante o medo de algum castigo que seja superior ao benefício que esperam tirar do rompimento do pacto, e capaz de fortalecer aquela propriedade que os homens adquirem por contrato mútuo, como recompensa do direito universal a que renunciaram.”

Ora, imprescindível à vida em sociedade é reconhecer que do bem estar alheio deriva o nosso próprio, então é de suma importância para uma sociedade sadia que seus cidadãos tenham protegidos seus direitos, ainda que não positivados, para que possam ser imputadas responsabilidades àqueles que não os observarem e, em um paralelo oportuno: uma sociedade de fato se funde na análise dos prós e contras, crente na plena observação das regras acordadas.

Quando trazido para o âmbito de uma sociedade estruturada em Estado, a observação do estabelecido em um acordo é não apenas fundamental para demandar respostas políticas às necessidades sociais, mas fundamental para a própria formulação dessas necessidades.

2.1 Desenvolvimento social pela observação dos princípios e valores constitucionais

Enquanto todos os países membros das Nações Unidas denunciam violações de direitos humanos perpetradas por aqueles que torturam, aprisionam e matam, tende-se a sistematicamente ignorar as violações advindas da violência estrutural do Estado quando falta com sua parte no acordo firmado com seus representados, materializado na negação das oportunidades basilares para o desenvolvimento social.

Gustavo Smizmaul Paulino (2005, p. 172) é sucinto, porém claro ao dizer que:

“Discutir-se sobre a efetividade dos Direitos Fundamentais é assunto de extrema relevância. Basta uma olhadela ao nosso redor para se constatar que, infelizmente, a inobservância é generalizada.”

Cabe relembrar que por toda a história se registram perversidades das mais diversas ordens contra a humanidade, inclusive perpetradas por essas mesmas entidades incumbidas de proteger e zelar por ela, obviamente fator preponderante na evolução dos direitos fundamentais.

Essa proteção e zelo, atividades típicas de Estado como  contra oferta do Leviatã à sociedade, visam em sua essência tutelar a dignidade do ser humano.

Muito oportunas são as palavras de Robert Alexy (1999, p.58), quando declara que:

“A validade dos direitos morais independe da positivação efetuada pela norma que os consagram. No plano moral, quando é suscetível de ser justificada racionalmente perante todos aqueles que a aceitam. Os direitos do homem são direitos morais sempre que puderem ser justificados em face dos indivíduos que os acolhem. Nesse sentido, garantir a eficácia dos direitos humanos é conferir legitimidade à ordem legal vigente, atribuindo a devida prioridade que os direitos humanos ocupam no quadro das normas jurídicas existentes”.

Sem embargo, ainda que os direitos humanos sejam embebidos dessa validade moral que confere legitimidade à nossa ordem jurídica, ainda se faz necessário adicionar-lhes uma validade jurídica, para que tais direitos sejam impostos e institucionalizados. Em outras palavras, tais direitos necessitam ser incorporados ao ordenamento jurídico estatal, para que sua eficácia social seja amplamente garantida.

Nesse sentido, pondera o ilustre filósofo:

“No âmbito intraestatal existe o passo decisivo para a imposição dos direitos do homem em sua positivação como direitos fundamentais da Constituição. Com isso, eles ganham ao lado de sua validez moral, uma positiva jurídica. A validez moral dos direitos do homem exclui, sem dúvida, que eles sejam anulados por direito positivo. Ela, porém, não exclui que lhe seja acrescentada uma validez positiva jurídica. Ao contrário, a validez moral dos direitos do homem exige, como um dos meios mais eficazes de sua imposição, sua positivação. Essa é a conexão fundamental entre direitos do homem e fundamentais. Direitos fundamentais são, portanto, direitos do homem transformados em direito constitucional positivo”. (op. cit., 2007)

De acordo com Joaquim Herrera Flores (mimeo, p.7), os direitos humanos compõem a nossa racionalidade de resistência, na medida em que traduzem processos que abrem e consolidam espaços de luta pela dignidade humana, “Realçam, sobretudo, a esperança de um horizonte moral, pautada pela gramática da inclusão, refletindo a plataforma emancipatória de nosso tempo”.

Ressalte-se que a Declaração de Direitos Humanos de Viena, de 1993 afirma que:

“Todos os direitos humanos são universais, interdependentes e inter-relacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos humanos globalmente de forma justa e equitativa, em pé de igualdade e com a mesma ênfase”.

A Declaração de Viena afirma taxativamente a interdependência entre os valores dos direitos humanos, da democracia e do desenvolvimento social, no intuito de ter os diversos sistemas de proteção de direitos humanos interagindo em benefício dos indivíduos protegidos ao adotar o valor da primazia da pessoa humana, a fim de proporcionar a maior efetividade possível na tutela e promoção de direitos fundamentais.

Conforme alude Eduardo Carlos Bianca Bittar (2008, p.14):

“O Direito, dimensão heterodoxa de conhecimentos e práticas humanas, com seus multifários espectros e formas de apresentação, é um discurso da atualidade humana, sendo que a aparência da homegeneidade secreta uma constelação de problemas sócio-axiológicos”.

Para problemas de tamanha complexidade, temos adotado princípios norteadores de nossa conduta em sociedade.

Tais princípios são o resultado da filtragem, pelo critério do senso comum e de concessões a um acordo social de cooperação, de todas as percepções registradas por cada indivíduo de uma sociedade, coletadas em uma única ânfora, cheia de todas as reflexões sobre atos e fatos do nosso cotidiano, bem como suas causas e consequências, alçadas ou não a paradigmas, sendo transformadas por milhares de anos de costumes em normas legitimadas a produzir efeito concreto. Apesar de sua abstração, a todos se supõe o aceite, implicitamente, às condições do contrato por permanecer naquela sociedade.

Comportamentos que decidimos por serem os mais comumente aceitos naquela sociedade específica, naquele acordo simbiótico onde o indivíduo recebe proteções e retribui legitimando aquele estabelecido para protegê-lo, o Estado, acabam por se tornar regramentos, manuais sobre como agir naquela sociedade. Tais quais manuais, feitos para explicar como, passo a passo, conseguir o resultado almejado.

Destarte, por mais plural que seja uma sociedade, esse senso comum, fonte de todos os princípios, pode ser alcançado e se verifica na positivação, que tenta abarcar todos e de maneira a ter o máximo de alcance e efetividade, os anseios que conseguiram passar pela filtragem.  

Fato é que, na nossa história, já anterior ao Cilindro de Ciro, tem-se por senso comum que trabalhar sob chibatadas, de sol a sol, desprovido de qualquer expectativa de longevidade ou ao menos dignidade, é desumano. Essa noção de desumanidade, congênita à maioria dos seres humanos, é fator pelo qual, à título de exemplo,  a ideia do abolicionismo passou pela filtragem do senso comum, tornando-se não só apta, mas legitimada pela vontade da maioria e das necessárias concessões da minoria, a se tornar regramento. E assim, como regramento imposto a todos, temos evitado problemas já registrados e comprovados como maléficos à vida em sociedade.

Então por silogismo, ao acatar o manual, alcançaremos, ou ao menos mais próximo chegaremos, do resultado esperado.

Os tratados de direitos humanos versam exclusivamente sobre o que se tem de mais central, mais claro como sendo de senso comum: aqueles anseios que certamente passariam primeiro por qualquer filtragem; anseios que ninguém em sã consciência disporia ao assinar um contrato onde entrega sua vida à proteção do Estado. Temas como os abordados pelos tratados de direitos humanos, tendo passado por uma filtragem mais abrangente, de significado e importância uníssona entre os seres humanos, não podem ser deixados à conveniência e discricionariedade, pois são a essência dos acordos firmados entre cidadãos e Estados. A alegação que contractus qui habent tractum successivum et dependentiam de futuro, rebus sic stantibus intelliguntur, encontra plena racionalidade neste tipo de contrato. A Teoria da Imprevisão, ou Princípio da Revisão dos Contratos, trata desta possibilidade de revisar o contrato, a despeito de sua obrigatoriedade, sempre que as circunstâncias contemporâneas à sua confecção não forem as mesmas no momento da execução da obrigação contratual, de modo a não prejudicar qualquer  das partes. “Estando as coisas assim” é razão mor da recepção dos tratados de direitos humanos, é razão essencial ao contrato, pois a cada época, necessidades específicas devem ser atendidas.

Parafraseando Cícero: o tempora o mores, é fator fomentador e delineador dos anseios de uma sociedade, que podem ou não ser positivados em tratados e convenções, posteriormente trazidos ao organismo estatal nacional, respeitando-se as formalidades estabelecidas no contrato, que, em nosso caso, se exprime pelo parágrafo 3º do artigo 5º da Constituição Federal.  O que não se discute, no entanto, é que tais tratados estejam fora de contexto temporal, afinal, desde o esboço das cláusulas as coisas estiveram e sempre estarão assim, até que tais anseios sejam atendidos, dando ensejo a outros, mutatis mutandis, que serão demandados aos seus tempos.  

Sem entrar na seara do gradiente de aceitação individual das normas, mas considerando o caráter metamórfico das necessidades humanas, o estabelecido como regra social a cada geração deve ser considerado como passo fundamental, conditio sine qua non para, ainda que não alcançado o resultado esperado, ao menos sirva de dado para análise das causas intrínsecas e extrínsecas que o impeçam ou alterem.

Portanto, a questão de discricionariedade do Poder Público deve ser sempre observada por lupa, mormente quando o assunto é de importância vital aos seus representados.

Ademais, podemos conceituar princípios e valores como os dormentes dos trilhos que levam o Estado à sua contraprestação. 

Já do indivíduo espera-se a não conformidade pontual com regramentos, “desvios” de conduta do particular; aliás, por isso o contrato estipular sanção para aqueles que as cometam. No entanto, ao Leviatã e àqueles que fazem parte de sua estrutura tangível, não se pode esperar tais desvios, dada a repercussão abrangente, incidente por toda a sociedade sob sua égide.

Platão, em A República, ensina que a política é a arte de governar os homens com o seu consentimento (grifo nosso). O consentimento, em termos de ações estatais como contraprestação no contrato social pactuado pela sociedade como um todo, deve ser expresso, daí a redação de uma Constituição. Até porque só assim terão os cidadãos comuns condições plenas de embasarem suas expectativas quanto à sociedade onde se inserem, e aqueles que se dispõem a atuar como agentes do Estado, parâmetros de atuação. Entretanto, se sistematicamente não oferecidas tais contraprestações e recorrentes ocorrências de flexibilização dos parâmetros, a eficácia do contrato será, no mínimo, questionável.

O Estado Democrático de Direito, tal como concebemos hoje, pressupõe a harmonização entre direitos fundamentais e democracia. A Constituição, então não mais um apanhado de valores e diretrizes políticas retóricas, desprovida de caráter vinculativo, passa a ocupar seu devido espaço, deitando fundação sobre a qual o Estado deve se erguer.

Não é por acaso que nosso texto constitucional expressa que a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamento, dentre outros, a dignidade da pessoa humana.

A preocupação com a eficácia dos direitos fundamentais e o total respeito à dignidade da pessoa humana é lógica: como os direitos fundamentais são conquistas da civilização ao longo de toda a história, por batalhas travadas não só em face do Estado, mas também em face de todo o poder abstrato ou personificado, tendo a dignidade humana como seus resultados, é de fundamental importância procurarmos o máximo de eficácia em sua proteção. Vemos então uma necessidade patente de proteção judicial aos direitos humanos, isso é claro; no entanto, não podemos nutrir a esperança que com a mera inserção do rol de direitos humanos em nosso ordenamento jurídico se tenha sua execução e garantia plenas. Aliás, a simples enunciação de direitos não garante absolutamente nada: mesmo normas positivadas em nosso ordenamento sofrem depauperação de suas forças pela não aceitação da sociedade que se propõe regrar, submetendo-as à ineficácia.

A força do direito e dos princípios jurídicos, é conferida por fatores culturais que transcendem suas próprias forças impositivo normativas. À alteração da realidade daquela sociedade é necessária uma validade social, uma aceitação geral dos valores contemplados, sem o que o direito não passará de um “conjunto de normas estampadas, explicitadas em uma folha de papel”. (LASALLE, 1862, P. 59)

Transcrevendo excerto do grande orador polonês:

“Podem os meus ouvintes plantar no seu quintal uma macieira e segurar no seu tronco um papel que diga: “esta árvore é uma figueira”. Bastará esse papel para transformar em figueira o que é macieira ? Não, naturalmente. E embora conseguissem que seus criados, vizinhos e conhecidos, por uma razão de solidariedade, confirmassem a inscrição existente na árvore de que o pé plantado era uma figueira, a planta continuaria sendo o que realmente era e, quando desse frutos, destruiriam estes a fábula produzindo maçãs e não figos.

Igual acontece com as constituições. De nada servirá o que se escrever numa folha de papel, se não se justifica pelos fatos reais e efetivos do poder.”

O poder constituinte originário deve observar os grandes princípios do bem comum, do direito natural, da moral, da razão; preceitos e princípios muitas vezes encontrados em tratados internacionais de proteção aos direitos humanos. Nesta seara, Professor Pedro Lenza bem observa estarmos diante de uma proibição de uma evolução reacionária, que limita o poder originário no que tange ao que universalmente acordamos como sendo essencial, medular à existência humana.

Por tudo isso aduz ser o povo o beneficiário natural dessa supremacia axiológica e material da Constituição, visto ser por ele e para ele a estruturação da sociedade em um Estado no qual se funde um corpo normativo verdadeiramente preocupado com a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais, onde a implementação de medidas concretas em relação às necessidades básicas do ser humano sejam rigorosamente observadas pelos agentes designados à sua concretização.

Marçal Justen Filho (2006, p.47) atribui o nome de personalização do direito administrativo, segundo o qual

“[…] propicia reconhecer que a administração pública não é um valor em si mesma. Também aqui a diretriz primeira é a democracia e o respeito aos direitos fundamentais. A atividade administrativa do Estado tem de nortear-se pela realização desses valores, inclusive (e especialmente) quando se trata de interesses de minorias. Não se admite que os titulares do poder político legitimem suas decisões invocando meramente a “conveniência” do interesse público e produzindo, concretamente, o sacrifício do valor fundamental (direitos fundamentais das minorias, por exemplo). O núcleo do direito administrativo não é o poder e suas conveniências, mas a realização dos direitos fundamentais (grifo). Qualquer invocação genérica ao “interesse público” deve ser repudiada como incompatível com o Estado Democrático de Direito.” (grifo nosso)

Inferimos que o verdadeiro interesse público sempre deve coincidir com o interesse constitucional. A consagração dos direitos fundamentais ao cerne axiológico da Carta Magna consiste na impossibilidade de se preterir um direito fundamental, ainda que em favor de um interesse coletivo, conquanto este não esteja amparado constitucionalmente. Os princípios passam a ostentar caráter normativo, desempenhando papel fundamental no exercício da atividade administrativa.

No âmbito da Administração Pública, em inúmeras oportunidades o agente público irá se deparar com situações em que o Direito não predeterminou a conduta a ser utilizada, oportunidade em que deverá pautar sua conduta na observância dos princípios previstos no sistema jurídico, especialmente o da supremacia do interesse público consoante a Constituição, Imperando tal supremacia apenas e tão somente se, e na medida em que, esteja atuando prioritariamente congraçada aos princípios e valores constitucionais que visam à consecução dos direitos fundamentais. Desta feita, o agente não tem total liberdade para eleger qual a conduta mais adequada, porquanto está obrigado a agir em consonância com os princípios norteadores do Direito Administrativo, impondo a conformação de todas as normas infraconstitucionais com os postulados constitucionais, fazendo com que toda interpretação jurídica seja também constitucional.

A supremacia da Constituição determina sejam seus princípios e regras irradiados aos institutos do Direito Administrativo, conferindo à Administração Pública uma roupagem constitucional, onde a atividade administrativa encontrará seu fundamento e seus limites na Carta Magna, de modo que o administrador público seja obrigado a trabalhar à luz da vontade constitucional, assim, do verdadeiro interesse público.

Neste paradigma de Estado Constitucional, a eficácia da Carta Magna ocupa um papel central, principalmente, no que diz respeito à efetivação dos direitos fundamentais.

“A Constituição nesse cenário passa a ocupar o centro do sistema, devendo os Poderes Públicos, quando da observação e aplicação das leis, além das formas prescritas na Constituição, estarem em consonância com seu espírito, seu caráter axiológico e seus valores destacados […]

[…] almeja-se, neste contexto, a reaproximação entre o direito e a ética, o direito e a moral, o direito e a justiça, de modo a revelar a importância do homem e a sua ascendência a filtro axiológico de todo o sistema jurídico político, com a consequente proteção dos direitos fundamentais e da dignidade da pessoa humana.” (LENZA, 2009, p. 9 – 10)

Supera-se o modelo no qual a Constituição estava adstrita a um documento meramente político,

“Tem como princípios a constitucionalidade, entendida como vinculação deste Estado a uma Constituição, concebida como instrumento básico de garantia jurídica; a organização democrática de uma sociedade; um sistema de direitos fundamentais individuais e coletivos, de modo a assegurar ao homem uma autonomia perante os poderes públicos, bem como proporcionar a existência de um Estado amigo, apto a respeitar a dignidade da pessoa humana, empenhado na defesa e garantia da liberdade, da justiça e solidariedade; a justiça social como mecanismo corretivo das desigualdades; a igualdade, que além de uma concepção formal, denota-se como articulação de uma sociedade justa; a divisão de funções do Estado a órgãos especializados para seu desempenho; a legalidade imposta como medida de Direito, perfazendo-se como meio de ordenação racional, vinculativamente prescritivo de normas e procedimentos que excluem o arbítrio e a prepotência; a segurança e a correção jurídicas”. (STRECK, 2006, p. 97 – 98)

Portanto, a interpretação constitucional como toda interpretação jurídica, está intimamente conectada à aplicação do Direito, da noção social de justiça. Não se trata a Constituição de um rol abstrato de conceitos, sua observação pelos intitulados a trabalhar em prol da melhor conformação da vida pela norma, é imperiosa.

A supremacia da Constituição impõe a irradiação de seus princípios e regras por todo o Direito, inclusive o Administrativo, conferindo à Administração Pública uma roupagem constitucional. Toda Administração deve encontrar seu fundamento e limites na Carta Magna, fazendo com que o administrador trabalhe exclusivamente à luz da vontade constitucional, portanto, da vontade da sociedade que a legitima.

Com uma clareza cristalina e admirável síntese, Thomas Paine (PAINE, 1989, P.89) conceitua que “uma Constituição não é o ato de um governo, mas de um povo que constitui um governo”. (grifo nosso)

Coadunam as palavras de Jorge Miranda (2011, p. 157-192) quando diz que:

“os traços fundamentais do Estado resultam da experiência, enquadrando o Estado sempre pelas normas jurídicas que o regem – antes de mais, pela Constituição. Assim, em qualquer Estado, em qualquer época e lugar, encontra-se sempre uma Constituição como expressão jurídica do enlace entre poder e comunidade política ou entre governantes e governados”.

À Constituição se dá o status não apenas de fundação, mas também de fundamentação do Poder Público e da ordem jurídica.

A respeito da importância da Carta Magna, Georges Burdeau  pondera ser a Constituição o ato determinador da ideia de Direito.

Edgard Bodenheimer (1966, p. 15) esclarece que “a maior garantia do império do Direito é a existência de uma Constituição que defina e limite os poderes do governo e outorgue aos cidadãos direitos fundamentais do Estado constitucional e básicos dos indivíduos” (grifo nosso). Essa é uma auto-outorga, por assim dizer, vez que é do povo que emana o poder de um Estado, inclusive o constituinte.

O preâmbulo da Constituição da República já aponta que da reunião do povo brasileiro em Assembleia Nacional Constituinte foi instituído um Estado Democrático de Direito, visando a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, da liberdade, segurança, desenvolvimento, bem-estar, igualdade e justiça como valores supremos. (grifo)

Portanto a Constituição é fonte imediata, fundamental, necessária, síntese da organização jurídica e política do estado, a orientar todos os demais ramos do Direito. É nela que se concentram os anseios que fundamentam e legitimam o pacto com o Leviatã.

Nessa seara afirma Hans Kelsen (1934, p.207):

“porque é o fundamento de validade de todo o ordenamento jurídico, é a norma fundamental que constitui a unidade de uma pluralidade de normas enquanto representa o fundamento da validade de todas as normas pertencentes a essa ordem normativa”

Abre-se aqui um parêntese oportuno para transcrever o anteriormente mencionado princípio da Administração Pública, no entendimento de Fábio Bellote (2006, p.17):

“Sobretudo na sociedade atual, em que os interesses e as atividades econômicas privadas possuem enorme representatividade social, pode-se considerar o interesse público e a sua satisfação, como a maior razão da existência do Estado e da Administração Pública, visto que, como regra, o Estado não mais prioriza a sua atuação em atividades típicas da iniciativa privada, reservando para si, unicamente, as atividades que considera prioritárias e cuja execução não é suscetível de atribuição aos particulares. Por tudo isso, as ações típicas da Administração Pública, representadas por atos administrativos, gozam de presunção de legitimidade, devendo sempre ser vistas como uma manifestação concreta do interesse público, tutelado pelo Estado”.

Ainda nesta seara, com o advento da Carta Magna de 1988, são mudados os paradigmas do Direito Administrativo brasileiro; a constitucionalização do direito impõe uma reinterpretação de todos os institutos do Direito Administrativo, à luz dos postulados constitucionais, a fim de que eles se adaptem aos anseios democráticos da sociedade, que legitima não só a própria Constituição, mas acima de tudo, a Administração e seus atos.

Marçal Justen Filho (2005, p. 14) preleciona de forma contundente que:

“A supremacia da Constituição não pode ser mero elemento do discurso político. Deve constituir o núcleo concreto e real da atividade administrativa. Isso equivale a rejeitar o enfoque tradicional, que inviabiliza o controle das atividades administrativas por meio de soluções opacas e destituídas de transparência, tais como discricionariedade administrativa, conveniência, oportunidade e interesse público. Essas fórmulas não devem ser definitivamente suprimidas, mas a sua extensão e importância têm de ser restringidas à dimensão constitucional e democrática”.

O que se infere é dever ser a Carta Magna, seus princípios e especialmente seu sistema de direitos fundamentais, os componentes da amálgama cristalizadora do arcabouço normativo que conduz o regime jurídico administrativo. Vincula-se, com justiça, a Constituição aos princípios da Administração Pública, dentre eles os da Finalidade, Moralidade e Supremacia do Interesse Público (mandatório considerar, ao citar este, a universalidade aplicativa da Constituição, id est, o emprego direto de suas normas, valores e princípios sobre todas as relações jurídicas indistintamente, conferindo uma eficácia horizontal aos direitos fundamentais). Assim se institui verdadeira democracia, fundada na vontade geral de conseguir tomar o maior número de decisões administrativas que façam com que a sociedade progrida no sentido do expresso na Constituição cidadã de 1988.

Essa vontade popular também se expressa na escolha de governantes, que são os principais, porém não os únicos, incumbidos de tomar tais decisões em nosso sistema de governo; sendo investidos em seus cargos sob a condição de atuarem exclusivamente pautados por aquela vontade.

O parágrafo único do artigo 1º da Carta Magna é claro: Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

Diretamente, de acordo com o que se tem pelo artigo 14 da citada Carta:

“A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:

I-plebiscito;

II- referendo;

III – iniciativa popular”.

Podemos depreender que referido mecanismo democráticos, em uma análise honesta, culmina sempre na entrega das tomadas de decisões aos representantes.

Citamos a iniciativa popular por ser expoente maior da democracia direta, expressa na Constituição cidadã consoante seu artigo acima grafado. Embora tida como interferência direta do povo para o povo, não é simples, rápida, ágil, efetiva ou ao menos verdadeiramente direta, vez que, ainda que se consiga o hercúleo esforço exigido nos termos do parágrafo 2º do artigo 61, será ela submetida à apreciação dos colegiados parlamentares.

Esse poder então é, na prática de nossa atual democracia, entregue aos representantes, pois não há falar em poder de decisão emanado do povo sem pensar nas barreiras de dificílima transposição para que seja levado a cabo o proposto em tal instrumento da nossa democracia (direta ?). Todo o poder emanado pelo povo então se resume em escolher quem ficará imbuído da tomada das decisões que afetarão toda aquela sociedade.

Aqui fica gritante a necessidade de garantir ao povo proteção constante e cada vez mais eficaz contra decisões perniciosas advindas daqueles que recebem do povo tamanho poder. Há que estabelecer limites à regra da maioria, que observar unicamente os valores imanentes ao ser humano, quebrando o ciclo mais do que viciado de nossa milenar distinção censitária e majoritária.

Os agentes políticos também atuam finalisticamente por atos administrativos, que são manifestações unilaterais da Administração Pública, direta ou indireta, no exercício de suas funções, destinadas à aquisição, proteção, transferência, modificação, declaração ou extinção de direitos em relação a si própria ou aos administrados, em geral ou em particular.

Destarte, a percepção mais concreta da presença do Estado a regular nossas vidas, se dá pelos atos administrativos; “qualquer vício na sua formação pode viciar o próprio ato administrativo e, via de regra, comprometer a atuação da Administração Pública”.(BELLOTE, 2006, p.46).

Atrela-se o Poder Legislativo a tal consideração, ainda que um poder exclusivamente delegado, pois deve ter o povo capacidade de demover o legislador se, deliberadamente, executar atos contrários à confiança nele depositada; procurando um juízo de ponderação apto a chegar ao equilíbrio entre o princípio da nulidade da lei inconstitucional e os da segurança jurídica e do excepcional interesse social, buscando a preservação das relações jurídicas que são constituídas sob a égide da presunção de validade.

Em se tratando de atividade administrativa do Estado, a Constituição é o texto axiomático a definir as ações e inações a serem desenvolvidas por seus entes e órgãos, para assegurar que a sociedade desfrute de um sistema normativo integrado e coerente destinado à proteção, incentivo e concretização dos direitos fundamentais, como conditio sine qua non da legitimação de sua atuação.

Professor Diogo de Figueiredo Moreira Neto (2012, P. 16), refere-se à

“[…] tríplice referencialidade aplicativa – garantia, promoção e realização – que se instituirão e se interpretarão as competências administrativas, os processos administrativos, as finalidades administrativas e, sobretudo os resultados administrativos, servindo, em suma, como o inafastável balizamento da legitimidade de qualquer opção, comissiva ou omissiva, que se manifeste na forma de decisão administrativa do Estado”.

Na teoria da Constituição Dirigente, por José Gomes Canotilho, os Poderes Judiciário e Executivo estão vinculados às leis, já o legislador não tem vínculos diretos. O professor expressa ser imperativo considerarmos a Constituição Federal como norma, uma lei juridicamente vinculadora, fora do âmbito político e meramente dogmático; que nela não se contenham declarações abstratas, aleluias políticos, mas diretrizes a serem efetivamente observadas, para que se alcance o desenvolvimento social planejado.  

Neste sentido alude o Professor Diogo de Figueiredo (2012, P. 16) que:

“[…] sem que se reconheça a força normativa própria das regras e princípios constitucionais, ou seja, a que, como qualquer outra norma jurídica, deva produzir efeitos jurídicos, independentemente de leis que as regulamentem, o seu texto se limitaria a gerar meros efeitos políticos, portanto, não mais que orientações programáticas, indiferentemente dirigidas às demais funções independentes do Estado ou à própria sociedade, salvo previsto na própria Constituição”.

Atualmente encontramos diversos artigos publicados sobre a aplicabilidade das normas constitucionais, a efetividade da Constituição, o controle da inconstitucionalidade por omissão, entre outros, vez que a Constituição não pode ser apenas uma meta narrativa, um preâmbulo do que a sociedade almejava quando de sua redação. O Estado de Direito deve submeter todas as relações ao regime da lei, por ser da essência do sistema democrático, tendo em mente que decisões fundamentais para a vida da sociedade são tomadas pelo Poder Legislativo, instituição fundamental do regime democrático representativo.

A competência legislativa implica responsabilidade e impõe ao legislador a obrigação de empreender as providências essenciais reclamadas. Compete a ele a concretização genérica da vontade constitucional, mas cumpre-lhe, igualmente, preencher as lacunas ou corrigir os defeitos identificados na legislação em vigor. “O poder de legislar converte-se, pois, num dever de legislar”. (MENDES, 2000, p. 01)

Ainda nas palavras do Ministro:

“Nunca é demasiado enfatizar a delicadeza da tarefa confiada ao legislador. A generalidade, a abstração e o efeito vinculante que caracterizam a lei revelam não só a grandeza, mas também a problemática que marcam a atividade legislativa. A despeito dos cuidados tomados na feitura da lei (os estudos minudentes, os prognósticos realizados com base em levantamentos cuidadosos, etc.), não há como deixar de caracterizar o seu afazer como uma experiência. Trata-se, porém, da mais difícil das experiências, a "experiência com o destino humano".

O conteúdo essencial dos direitos fundamentais constitui uma garantia dos direitos e liberdades frente à atividade legislativa de limitação dos mesmos. Tal conteúdo assinala uma fronteira que o legislador não pode ultrapassar. Aqui não está se propondo a redução da esfera de liberdade do legislador democraticamente legitimado para regulamentar a Constituição, mas evitar que normas universalmente reconhecidas como de importância visceral no desenvolvimento social, humano, sejam subestimadas, quando não tratadas como normas meramente programáticas, esperando o momento oportuno para serem implementadas.   

Sobre esse mérito, Marçal Justen Filho (2006, p.47) coloca:

“[…] propicia reconhecer que a administração pública não é um valor em si mesma. Também aqui a diretriz primeira é a democracia e o respeito aos direitos fundamentais. A atividade administrativa do Estado tem de nortear-se pela realização desses valores, inclusive (e especialmente) quando se trata de interesses de minorias. Não se admite que os titulares do poder político legitimem suas condições invocando meramente a conveniência do interesse público e produzindo, concretamente, o sacrifício do valor fundamental. O núcleo do direito administrativo não é o poder e suas conveniências, mas a realização dos direitos fundamentais. Qualquer invocação genérica ao “interesse público” deve ser repudiada como incompatível com o Estado Democrático de Direito”.

É cristalina a mensagem passada: o interesse público deve estar pari passu com o interesse constitucional. Negar que a Constituição é caldeirão de anseios sociais e em seu detrimento obedecer “cegamente” a letra da lei, é assumir postura de retrocesso, chegando onde já estivemos, história onde muita injustiça social foi legitimada por causa de cabresto legal e oportunismo político, impeditivos de ver o quadro em sua amplitude.

3. Concretização dos anseios expressos na Constituição Cidadã

O direito ao desenvolvimento demanda uma globalização ética e solidária. A declaração de Viena de 1993 enfatiza ser o direito ao desenvolvimento um direito universal e inalienável, parte integral dos direitos humanos fundamentais. Tal Declaração reconhece a relação de interdependência entre a democracia, o desenvolvimento e os direitos humanos.

No entender de Mohammed Bedjaqui (1991, p. 1182), a dimensão internacional do direito ao desenvolvimento é nada mais que o direito a uma repartição equitativa concernente ao bem estar social e econômico mundial. (grifo nosso)

Esse entendimento reflete uma demanda crucial de nosso tempo: Como fazer com que tais direitos, imprescindíveis ao desenvolvimento social de um país, sejam cumpridos ?

A necessidade de adoção de programas e políticas nacionais é essencial para prover meios que encorajem o direito ao desenvolvimento, ou seja, o Estado é que tem o dever de adotar medidas voltadas a formular políticas de desenvolvimento que estejam em plena sintonia, uníssonas com os direitos fundamentais do ser humano. Neste aspecto, além da Carta Magna, temos diversos tratados ratificados pelo Brasil que balizariam o comportamento legislativo e administrativo rumo a esse desenvolvimento.

Oportuno citar neste momento o disposto no artigo 8º da Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento:

“Os Estados devem tomar, a nível nacional, todas as medidas necessárias para a realização do direito ao desenvolvimento e devem assegurar, inter alia, igualdade de oportunidade para todos em seu acesso aos recursos básicos, educação, serviços de saúde, alimentação, habitação, emprego e distribuição equitativa da renda. Reformas econômicas e sociais apropriadas devem ser efetuadas com vistas à erradicação de todas as injustiças sociais”. (A/RES/41/128- Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento. Assembleia Geral das Nações Unidas, 1986)

Podemos depreender deste artigo o quão abstrato pode ser uma determinação expressa em tratados internacionais, ainda que de proteção de direitos essenciais ao ser humano; o que nos faz refletir sobre a profunda necessidade de estar o Estado empenhado em, coercitivamente, fazer com que legisladores e gestores públicos observem-nas em sua extrema importância, deem consistência, corpo para que possam ser efetivamente aplicadas.    

Para José Joaquim Gomes Canotilho (1993, p.74)

“A legitimidade material da Constituição não se basta com um “dar forma” ou “constituir” de órgãos; exige uma fundamentação substantiva para os actos dos poderes públicos e daí que ela tenha de ser um parâmetro material, directivo e inspirador desses actos. A fundamentação material é hoje essencialmente fornecida pelo catálogo de direitos fundamentais, liberdades e garantias e direitos econômicos, sociais e culturais”.

Há que se instituir de forma eficaz um vínculo inquebrantável entre o administrador e a concretização dos direitos fundamentais sociais por meio de políticas públicas.

O Professor Canotilho anota que a Constituição brasileira é sim dirigente, além disso, vincula o legislador, o administrador e o juiz, que não têm liberdade de conformação absoluta, devendo observar o disposto nela.

Ressalta Andreas Krell (2004, p.33) sobre o tema:

“Não é mais possível admitir que a doutrina tradicional e a jurisprudência majoritária do País ainda defendam, com base na separação de poderes, uma larga margem de discricionariedade do administrador, a blindagem do mérito administrativo e a necessidade de conceitos jurídicos indeterminados, sob o argumento de que apenas assim, a Administração Pública pode atender às exigências de uma sociedade complexa e em constante transformação”.

Neste mote, o Legislativo sendo exclusivamente um poder delegado de modo a agir com fins determinados, sempre remanesce com o povo o poder supremo para remover ou alterar o legislador quando encontrarmos atos legislativos contrários à confiança depositada naquele poder. É um erro pensar que o Poder Legislativo é supremo em qualquer comunidade, no sentido de fazer o que deseja sua vontade; ele deve ser conduzido pela maioria. O corpo legislativo deveria mover-se segundo os desígnios populares, segundo o movimento das forças que o embalam, do contrário será impossível continuar a atuar em dada comunidade.

Não apenas no âmbito da legiferação, o alarme começa a soar quando a discricionariedade administrativa camufla intenções que não aquelas alinhavadas com os planos constitucionais.

Exortando Hans Huber quando diz que a discricionariedade administrativa representa um verdadeiro “Cavalo de Tróia” em um Estado de Direito, encobrindo arbitrariedades da Administração Pública, depreendemos que a metáfora cabe perfeitamente aos dias atuais, dadas as notícias que nos chegam de todos níveis e órgãos da Administração.

Nesse tocante, em que pese o administrador disponha de margem de liberdade de conformação, encontra-se vinculado não apenas às normas, mas acima de tudo, ao projeto e princípios constitucionais. Ao administrador não pode ser dado o subterfúgio da discricionariedade administrativa, dos conceitos jurídicos indeterminados e o mérito administrativo para legitimar arbitrariedades.

Professor José Gomes Canotilho nos ensina que o como satisfazer os direitos, princípios e objetivos fundamentais é matéria residente no âmbito de decisão de natureza política. O proceder de cada administrador público é questão de técnica, abordagem, visão, vertente ou ideologia política, mas o que não se discute é o comprometimento absoluto com a satisfação dos direitos fundamentais.

Em um país legiferante como o nosso, a questão não é a falta de leis, mas a carência de prestação real dos direitos básicos que deveriam ser providos pelo Poder Público, resultado da ausência de implementação e manutenção de políticas públicas consoantes o compromisso firmado na Carta Magna. Mister se faz um direcionamento de toda atividade estatal ao atendimento da necessidade coletiva, de modo que criemos condições básicas para o alcance da igualdade material e social.

Aponta Fábio Konder Comparato (1998, p. 43) neste sentido:

 

 “O Estado Dirigente em que os poderes públicos não se contentam em produzir leis ou normas gerais, mas guiam efetivamente a coletividade para o alcance de metas predeterminadas”.

Fica claro que o Estado social de direito só se legitima pela execução de políticas públicas que materializem os direitos sociais.

Professor Gilberto Bercovici (2004, p. 102), em obra de nome sugestivo: “Dilemas da concretização da Constituição de 1988”, leciona que

“Ao invés de buscar efetividade dos direitos fundamentais, a promoção do desenvolvimento e a construção de um Estado social, o Governo Federal patrocina a desfiguração do texto da Constituição. Em tese, a Constituição não poderia ser modificada para adaptar-se aos planos de governo dos governantes. O Governo está vinculado à Constituição, não o contrário. A pergunta que se faz é qual é o motivo desta sanha por reformar e desfigurar a Constituição ? E a resposta é simples: apesar de todos os problemas, a Constituição de 1988 é um instrumento capaz de promover, por meio da atuação do Estado, a transformação social”.

Partindo das premissas que o governo encontra-se atrelado à Constituição, não o contrário, e de que a Carta Magna deve ser vista como um instrumento hábil a promover a tão desejada transformação da realidade social para melhor, a questão não é outra senão como fazer com que assim funcione.

A própria Constituição traz em seu bojo mecanismos que visam garantir tal perspectiva, como o mandado de injunção, a ação de inconstitucionalidade por omissão, o mandado de segurança coletivo e desde 2004, os tratados internacionais que versem sobre direitos humanos. Aqui cabe repisar o reconhecimento da dignidade humana como bem máximo a ser preservado por quaisquer meios e instâncias. Em conformidade, André Karam Trindade (1980, p. 40):

 “Assim sendo, as questões ligadas à concretização das tarefas sociais, como a formulação das respectivas políticas públicas, não estão relegadas à arbitrariedade dos governos ou à vontade da Administração, mas têm o seu fundamento nas próprias normas constitucionais sobre direitos sociais”.

Depreendemos que todo e qualquer ato praticado pelo governo deve se sujeitar à Constituição, subordinando-se não apenas à forma, mas principalmente à matéria. Sobre nosso modelo de Estado Democrático de Direito, leciona Fábio Konder Comparato (1998, p. 46):

“[…] resta inadmissível atividade isenta de controle jurisdicional, não só quando viola direitos, mas também – ante a garantia da constitucionalidade – quando contraria princípios fundamentais e preceitos constitucionais. Portanto, impõe-se afirmar que não há ato estatal insindicável pelo Poder Judiciário ou pelas formas institucionais de controle existentes, desde que viole direitos ou represente potencial risco às garantias asseguradas pelo sistema jurídico pátrio – através de suas regras e princípios fundacionais”.

A legitimação dos governantes se esteia em seus atos; depois de investidos em cargo ou emprego público, enquanto administradores do erário público e assim das ferramentas necessárias ao atendimento dos anseios sociais, restringir-se-á ao discricionário apenas a escolha dos parâmetros político- ideológicos adotados para a condução dos trabalhos pelos eleitos. A convicção ideológica de cada partido direciona seus atos; não o fosse, não teria sentido se falar de Plano Plurianual, previsto no artigo 165, inciso I da Constituição Federal, instrumento pelo qual se declara o conjunto das políticas públicas de um governo, no afã de viabilizar as metas estabelecidas e usadas como propaganda enquanto ainda candidato, mas não os isentam de uma revisão sob uma ótica de valores e princípios constitucionais para que sejam socialmente válidos e factíveis.

Assim sendo, deduz todo ato administrativo que não atenda ao preceito fundamental de servir somente ao interesse coletivo, estar em desacordo com os princípios e deveres embasadores da sociedade, ainda que de cunho discricionário.

De acordo com a doutrina majoritária brasileira, ao adotarmos o sistema Marshall de controle de constitucionalidade, os atos administrativos – inclusive e especialmente a criação de leis – que ferem princípios constitucionais são nulos de pleno direito. Desta feita, mesmo com maior densidade subjetiva, toda ordem emanada pela Administração Pública deve ser balizada por princípios constitucionais que a imbua de legitimidade, pois o objetivo de qualquer ato da Administração Pública deve ser de deitar pavimento para erigir o progresso da sociedade, isonomicamente.

Questões ligadas à concretização desse objetivo, como a formulação de políticas públicas e a efetiva aplicação por meio dos atos administrativos, não estão relegadas à arbitrariedade dos governos ou Administração; têm seu fundamento nas próprias normas constitucionais sobre direitos sociais, cuja observação por toda a Administração Pública se faz obrigatória.

Nossa Constituição adotou a fórmula do Estado de Direito, significando que toda atividade estatal está submetida à lei e ao direito, exercendo, cada um dos Poderes, suas atribuições com independência em relação aos demais, cabendo ao Judiciário, por sua aura de independência e imparcialidade, apreciar a legalidade dos atos da Administração e a constitucionalidade de leis e atos normativos editados pelos demais Poderes.

O Estado Democrático de Direito introduziu duas ideias fundamentais: a de participação do cidadão na gestão e no controle da Administração Pública (democracia participativa) e da legalidade vista sob o aspecto material, não apenas formal.

Dá-se aqui uma nova fase, portanto interpretação, ao princípio da legalidade, abrindo caminho para a constitucionalização do direito administrativo.

A ilustre Professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2012, p. 05) ensina que a constitucionalização do direito administrativo brasileiro não constitui um dado novo “ela sempre existiu, em maior ou menor grau, em praticamente todas as Constituições e vem em um crescendo até o momento atual, especialmente por força de emendas à Constituição”.

A constitucionalização do direito administrativo se traduz em uma constitucionalização de valores e princípios, que passam a orientar a atuação dos três Poderes, obrigando o Legislativo a observar os valores e princípios expressos ou implícitos em nossa Carta Magna, fazendo com que, no caso de inobservância constatada, seja declarada a inconstitucionalidade da lei.

São obrigatórios, também, para a Administração Pública, pois a discricionariedade fica limitada não só pela lei, mas pelos valores e princípios consagrados na Constituição, podendo seus atos serem anulados pelo controle jurídico.

Essa obrigatoriedade se estende ao Poder Judiciário, que tem seu controle ampliado sobre as leis e os atos administrativos a partir da interpretação de valores que são adotados como verdadeiros dogmas do ordenamento jurídico.

A esse respeito, vale abrir um parêntese para os novos paradigmas advindos com a constitucionalização do direito administrativo:

“Nesta perspectiva, o modelo clássico de administração pública vem sofrendo modificações em consequência das diversas transformações do papel do Estado perante o cidadão, esses novos paradigmas são simplesmente uma releitura dos antigos modelos com a visão constitucionalista: redefinição da odeia de supremacia do interesse público sobre o interesse privado e a ascensão do princípio da ponderação de direitos fundamentais. A grande parte da doutrina do direito administrativo traz o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado como um dos pilares da administração pública, reconhecendo-o como um verdadeiro axioma no direito público e proclamando a superioridade do interesse da coletividade, o qual fundamenta toda a posição privilegiada do órgão administrativo nas relações com os particulares, nos limites das funções determinadas pela lei e de onde decorrem todos os demais princípios do regime jurídico administrativo nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello.” (BARROSO, 2010, p. 376-377)

Houve, então, uma ampliação do sentido da lei, no sentido de que ela passou a ser vista sob o aspecto formal e material (grifo nosso), por ela ter o papel de realizar os valores e princípios consagrados na Constituição, vinculando a lei aos ideais de justiça, prestigiando os direitos fundamentais do homem, pelo respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana.

Exemplo digno de ser mencionado é o da Lei Fundamental da Alemanha, que dispõe logo no artigo 1º que

A dignidade do homem é intangível. Respeitá-la é obrigação de todo o poder público. 2. O povo alemão reconhece, portanto, os direitos invioláveis e inalienáveis do homem como fundamentos de qualquer comunidade humana, da paz e da justiça no mundo. 3. Os direitos fundamentais a seguir discriminados constituem direito diretamente aplicável para os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.

Já na introdução daquela Lei afirma-se que

[…] suas normas não se esgotam com princípios sobre estrutura e função da organização pública. A Lei Fundamental é bem mais do que isso, um ordenamento de valores que reconhece na defesa da liberdade e da dignidade humana o seu mais elevado bem jurídico. Sua concepção do homem, contudo, não é a do indivíduo autocrático, mas a da personalidade integrada na comunidade e a esta vinculada de múltiplas formas. Como expressão de que seja tarefa do estado servir ao ser humano, os direitos fundamentais abrem a Lei Fundamental. (Lei Fundamental da República Federal da Alemanha)

O direito brasileiro segue a mesma evolução, caracterizada pela “devida valorização dos direitos fundamentais e pela atribuição, aos princípios e valores previstos na constituição, de papel orientador das três funções do Estado”. (DI PIETRO, 2012, p. 06)

O preâmbulo de nossa Constituição já exprime a intenção de se instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, coadunando com as palavras da digníssima Professora supra citada. Além disso, outros vários dispositivos constitucionais revelam a preocupação com os valores a serem observados no desempenho da função estatal, relacionados com a liberdade, igualdade, segurança, desenvolvimento, bem-estar e justiça propriamente dita.

A Constituição adotou ainda o modelo do Estado Social, influência do bem maior de um Estado, qual seja a dignidade da pessoa humana, expressos nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, confirmados pelo artigo 3º da Carta Magna, que atribui à República os objetivos de garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização, reduzindo as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de raça, religião, cor, idade ou outra forma de discriminação qualquer.

Como consequência, supera-se a ideia de que a ordem social da Constituição detém apenas normas programáticas. Os direitos sociais foram inseridos no Título dos direitos e garantias fundamentais, portanto, é dever do Estado garantir tais direitos, não os deixando indefinidamente dependentes de leis e providências administrativas que os tornem fruíveis.

Infere-se que as normas constitucionais que garantam esses direitos, devem ter o máximo de eficácia decorrente da própria Constituição, norte de todo o Estado em busca dos anseios sociais.

Esse é um aspecto da constitucionalização do direito administrativo: a concretização dos direitos sociais deixa de depender do direito administrativo (leis e atos), sendo garantidos por decisões judiciais tomadas em casos concretos.

Podemos afirmar que o Judiciário vem, desta feita, interferindo nas políticas públicas adotadas pelos Governos federal, estaduais e municipais. Esse é outro aspecto da constitucionalização: o reconhecimento de efetividade às normas constitucionais que garantam os direitos sociais, reconhecendo a essencialidade da defesa da dignidade da pessoa humana.

Como exemplo cumpre citar que ações judiciais em que cidadãos pleiteiam proteção a tais direitos, têm indisfarçável tendência do Judiciário em acatá-las, especialmente na área de saúde.

Nesse sentido, em consonância com o aqui exposto, merece destaque a importante decisão proferida no Superior Tribunal de Justiça:

“Direito Constitucional à absoluta prioridade na efetivação do direito à saúde da criança e do adolescente. Norma constitucional reproduzida nos artigos 7 e 11 do Estatuo da Criança e do Adolescente. Normas definidoras de direito não programáticas. Exigibilidade em juízo. Interesse transindividual atinente às crianças situadas nessa faixa etária. Ação Civil Pública. Cabimento e procedência. 1. Ação civil pública de preceito cominatório de obrigação de fazer, ajuizada pelo Ministério Público do estado de Santa Catarina tendo em vista a violação do direito à saúde de mais de 6.000 (seis mil) crianças e adolescentes, sujeitas a tratamento médico-cirúrgico de forma irregular e deficiente em hospital infantil daquele Estado […] 4. Releva notar que uma constituição Federal é fruto da vontade política nacional, erigida mediante consulta das expectativas e das possibilidades do que se vai consagrar, por isso que cogentes e eficazes suas promessas, sob pena de restarem vãs e frias enquanto letras mortas no papel. Ressoa inconcebível que direitos consagrados em normas menores como Circulares, Portarias, Medidas Provisórias, Leis Ordinárias tenham eficácia imediata e os direitos consagrados constitucionalmente, inspirados nos mais altos valores éticos e morais da nação, sejam relegados ao segundo plano. Prometendo o Estado o direito à saúde, cumpre adimpli-lo, porquanto a vontade política e constitucional, para utilizarmos a expressão de Konrad Hesse, foi no sentido da erradicação da miséria que assola o país. O direito à saúde da criança e do adolescente é consagrado em regra com a normatividade mais do que suficiente, porquanto se define pelo dever, indicando o sujeito passivo, in casu, o Estado. […] 6. A determinação judicial desse dever pelo Estado, não encerra suposta ingerência do judiciário na esfera da administração. Deveras, não há discricionariedade do administrador frente aos direitos consagrados, quiçá constitucionalmente. Nesse campo a atividade é vinculada sem admissão de qualquer exegese que vise afastar a garantia pétrea. […] 8. Afastada a tese descabida da discricionariedade, a única dúvida que se poderia suscitar resvalaria na natureza da norma ora sob enfoque, se programática ou definidora de direitos. Muito embora a matéria seja, somente nesse particular, constitucional, porém sem importância revela-se essa categorização, tendo em vista a explicitude do ECA, inequívoca se revela a normatividade suficiente à promessa constitucional, a ensejar a acionabilidade do direito consagrado no preceito educacional. 9. As metas diretrizes traçadas pelas políticas públicas não são ainda direitos sena promessas de lege ferenda, encartando-se na esfera insindicável pelo Poder Judiciário, qual a da oportunidade de sua implementação. 10. Diversa é a hipótese segundo a qual a Constituição Federal consagra um direito e a norma infraconstitucional o explicita, impondo-se ao judiciário torna-lo realidade, ainda que, para isso, resulte obrigação de fazer, com repercussão na esfera orçamentária. 11. Ressoa evidente que toda imposição jurisdicional à Fazenda Pública implica dispêndio e atuar, sem que isso infrinja a harmonia dos poderes, porquanto no regime democrático e no estado de direito o Estado soberano submete-se à própria justiça que instituiu. Afastada, assim, a ingerência entre os poderes, o judiciário, alegado o malferimento da lei, nada mais fez do que cumpri-la ao determinar a realização prática da promessa constitucional” (REsp nº 577836/SC, Rel. Min. Luiz Fux. Primeira Turma. Superior Tribunal de Justiça. julgado em 21/10/2004. DJ 28/02/2005, p. 200, RDDP, v. 26, p.189).

Conclusão:

A miséria, a fome e o baixo nível de renda condicionam sobremaneira a qualidade de qualquer democracia. O Brasil, em função de seu histórico de colonização, independência econômica e desenvolvimento tardios, além dos problemas internos de longa data e contemporâneos, como corrupção de agentes políticos e administrativos, possui um grande número de pessoas vivendo na miséria extrema em um país de riqueza imensurável.

Segundo censo promovido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) em 2013, cerca de 10.500.000 pessoas viviam na extrema pobreza, bem abaixo da linha de pobreza, que é uma estimativa do valor de uma cesta de alimentos com o mínimo de calorias necessárias para suprir adequadamente uma pessoa em um mês, com base em recomendações da FAO e da OMS.

Esse mesmo censo estipulou que 28.700.000 viviam no considerado “estado de pobreza” (domicílios com renda domiciliar per capita inferior à linha de pobreza).

Tais números são subtraídos de uma população estimada em 201.000.000 almas. Acrescida a estes dados a estimativa dantesca do país contar com 80% de sua população auferindo renda anual apenas suficiente à subsistência, deixando absurdos 42% de renda per capita nas mãos dos 10% mais ricos.

Diante destes dados, é desnecessária a conclusão que o contingente verdadeiramente necessitado dos préstimos do Leviatã não têm condições de participar da vida política do país. O mundo político está no extremo oposto do deles, em um mundo das elites, inatingível, quando se espera que o protagonista desse teatro eleitoral seja exatamente o povo.

Não há democracia com ausência de preparo educacional, com os atores do jogo democrático alijados do processo, caso em que teremos sempre uma democracia meramente formal, entretanto, nunca substancial.

Estudos sobre o tema, conduzidos pela Professora do Departamento de Sociologia e Ciências Políticas, da Universidade Federal de Santa Catarina, Doutora Lígia Helena Hahn Lüchmann (mimeo, p.10), mostram que 

Grupos subalternos ou dominados têm menor condição de produzir autonomamente seus próprios interesses, por conta de diversos mecanismos cumulativos. Por terem menor acesso aos espaços de produção de sentidos (meios de comunicação e escola), estão constrangidos a pensar o mundo, em grande medida, a partir de códigos emprestados, alheios, que refletem mal suas experiências e necessidades. […]

[…] possuem uma perspectiva limitada do mundo social, própria de uma vivência à qual é negada a possibilidade de participação nas principais tomadas de decisão, tanto políticas como econômicas, enquanto os dominantes fica à cavaleiro do restante da sociedade. Ou seja, os pobres são incapazes, manipulados e desorganizados.”

Cumpre-nos olhar para a Constituição, topo do ordenamento jurídico do Estado, como norma fundamental e suprema para a garantia dos direitos do indivíduo. Seus princípios e valores devem permear toda a Administração Pública, a fim de evitar que aqueles que detêm o poder de aplicá-los, os desvirtuem para propósitos quaisquer que não os que assegurem a dignidade da pessoa humana, devendo prestar seus melhores serviços, traduzidos na tomada das melhores decisões para que sejam consolidados os anseios do povo, este, verdadeiro senhorio da república.

 

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Informações Sobre o Autor

André José Trassato

Advogado pós-graduando em Direito Administrativo e Constitucional; exerce o cargo de Consultor Técnico Legislativo junto à Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo


Equipe Âmbito Jurídico

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