Resumo: Este artigo aborda sobre a eficácia da Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas em nosso ordenamento jurídico, comparando com a eficácia que possui em outros países latino-americanos e apresentando pontos em que o Estado brasileiro foi alvo de criticas e o que o Brasil tem feio para atender o compromisso assumido por causa do tratado, bem como a criminalização do Desaparecimento Forçado de Pessoas, seguindo o modelo dos demais países latino-americanos em que tal conduta já é criminalizada por força desta referida convenção. Este artigo também aborda sobre a pressão internacional que o Estado brasileiro tem sofrido em razão de sua condenação no caso “Guerrilha do Araguaia” na Corte Interamericana de Direitos Humanos, que intensificou a pressão sobre o Brasil para a solução de centenas de desaparecimentos realizados por agentes do regime militar brasileiro, durante sua vigência no país.
Palavras-Chave: Direito Interamericano. Direito dos Tratados. Desaparecimentos Forçados. Perseguição. Direitos Humanos.
Sumário: 1. Introdução. 2. Convenção interamericana sobre o desaparecimento forçado de pessoas. 2.1. Eficácia no ordenamento jurídico brasileiro. 2.2. Projetos para a criminalização do desaparecimento forçado de pessoas. 3. Conclusão. Bibliografia
1. INTRODUÇÃO
O Sistema Interamericano de Direitos Humanos, assim como o sistema europeu, teve uma causa comum, ligada ao passado recente da região, que engajou os países americanos para a sua criação. No caso americano, uma das causas de engajamento foi o desejo dos Estados americanos para que não se repetissem as barbáries ocorridas durante a Guerra Fria, quando grande parte dos Estados americanos, ficaram sob o controle de regimes militares de extrema-direita, que utilizaram a tortura, como método punitivo contra aqueles que eram contra o regime.
Este desejo de evitar que se repetissem no futuro, os males do passado recente, estava em todas as políticas de direitos humanos dos principais estados latino-americanos, buscando todas as constituições latino-americanas recentes, constitucionalizar o combate a estas práticas, conforme pode ser visto a seguir, com a transcrição de alguns trechos das principais constituições latino-americanas elaboradas entre as décadas de 1980 a 2000:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:(…)
III – ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante(…)
XLIII – a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem; (Constituição da República Federativa do Brasil, 1988).
Art. 46 – Toda pessoa tem o direito de que respeitem sua integridade física, psíquica e moral, em consequência:
1 – Nenhuma pessoa poderá ser submetida a penas, torturas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda vitima de tortura ou tratamento cruel, desumano ou degradante praticado ou tolerado por agentes do Estado, tem direito a reabilitação. (Trecho traduzido da Constituição da República Bolivariana da Venezuela, 1999).
Art. 66 – Reconhece-se e garante as pessoas:(…)
3. O direito a integridade pessoal, que inclui:(…)
c) A proibição da tortura, da desaparição forçada e os tratos e penas cruéis, desumanas e degradantes”. (Trecho traduzido da Constituição da República do Equador, 1998).
Note que nas constituições acima citadas, ainda que não tenham tido um histórico recente com regimes militares, tiveram em seu passado recente, o uso de práticas de tortura para sufocar o avanço da esquerda no país, ou seja, apesar de terem mantido, aparentemente, um regime democrático, estes países, por força do Tratado de Interamericano de Assistência Recíproca, acabaram entrando na luta no combate ao comunismo, encabeçada pelo governo dos estados unidos. Desta forma, foi frequente em toda a América Latina, a prática de torturas e o desaparecimento forçado de pessoas.
Todavia, as organizações de direitos humanos da América Latina, bem como os países desta região geopolítica, perceberam que apenas a Convenção Interamericana de Proteção aos Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica, 1969) não era suficiente, culminando esta luta, na edição da Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas.
2. CONVENÇÃO INTERAMERICANA SOBRE O DESAPARECIMENTO FORÇADO DE PESSOAS
Elaborada pela Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos, em Belém do Pará, no ano de 1994, esta convenção interamericana tem como foco norteador de sua elaboração, a solução para os milhares de desaparecimentos forçados de indivíduos durante os regimes direitistas na América Latina, bem como, buscar a cooperação entre os países signatários da convenção, para o combate desta prática nas gerações futuras a edição da convenção.
O Estado brasileiro assinou esta convenção em 1994, todavia, somente ratificou a convenção dezesseis anos mais tarde, em Abril de 2011, quando outros países latino-americanos, tais como a Argentina, a Venezuela e o Equador, se tornaram signatários desta convenção antes do Brasil, em razão de um momento histórico favorável a estes países: a elaboração de suas constituições.
Esta mora do Brasil em aprovar a convenção, foi criticada pelo então senador, hoje falecido, Itamar Franco, que considerou absurda uma demora de dezesseis anos para a aprovação deste tratado de Direitos Humanos. Todavia, diferentemente do caso brasileiro, países como Argentina, Venezuela e Equador, puderam aproveitar suas constituintes, que ocorreram após a consolidação do sistema interamericano de direitos humanos, para elaborar suas constituições em consonância com as exigências deste sistema, ou seja, nestes países, não houve a discussão sobre a prisão do depositário infiel, como houve no Brasil, nem muito menos a criticada demora que o Brasil teve para votar a Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas, uma vez que estes países aproveitaram a constituinte para realizar o debate em torno destas normas, incorporando-as já no texto constitucional, assegurando a estas uma proteção maior dentro do ordenamento jurídico local.
2.1. EFICÁCIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
No ordenamento jurídico brasileiro, diferentemente do que ocorreu nos países em que as constituições foram elaboradas após o ano de 1994, a Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas não ingressou no ordenamento jurídico brasileiro como norma constitucional, mas sim como norma supralegal, conforme o entendimento do Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, sobre a eficácia dos tratados internacionais sobre Direitos Humanos, em que o Brasil foi parte, antes da Emenda Constitucional nº. 45/2004, ou que tenham em nosso ordenamento jurídico depois, porém não obteve o quórum necessário requerido pelo Art. 5º, § 3º, da Constituição Federal, como o caso da Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas, por ter sido votada em turno único.
Como norma supralegal, a Convenção Interamericana sobre o Desparecimento Forçado de Pessoas ingressa no nosso ordenamento jurídico como norma infraconstitucional, isto é, quaisquer alterações no texto constitucional vigente que vier contradizer o teor da convenção, poderá revogá-la por não estar em consonância com o texto constitucional vigente, todavia, é importante lembrar que há um controle diplomático sobre a eficácia dos tratados, que visa coibir esta possível “má-fé do Estado”.
Graças a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, todo Estado que se tornar signatário de um tratado ou convenção sobre direitos humanos, que vier assegurar aos indivíduos algum direito, fica obrigado a cumpri-lo, legitimando a intenção da comunidade internacional no país, que por ventura vier a descumprir o teor do tratado em que for signatário. Desta forma, o Brasil poderia até modificar o texto constitucional para não cumprir o teor da Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas, revogando sua eficácia no ordenamento jurídico brasileiro, todavia, esta atitude legitimaria que os demais países da comunidade internacional tomassem medidas contra o Estado brasileiro.
2.2. PROJETOS PARA A CRIMINALIZAÇÃO DO DESAPARECIMENTO FORÇADO DE PESSOAS
Apesar de o Brasil poder revogar, com uma emenda constitucional, a eficácia desta convenção no ordenamento jurídico brasileiro, esta não é a opção buscada pelo país, ou seja, o Brasil tem cooperado com a aplicabilidade do tratado, principalmente após sua condenação no caso da Guerrilha do Araguaia (Carlos Lund x Brasil), pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Após a condenação do Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos, a pressão para que o Brasil resolvesse o paradeiro de centenas de desaparecidos durante o regime militar brasileiro, se intensificou, bem como a pressão para que o Brasil puna os agentes que causaram o desaparecimento forçado destas vítimas.
Recentemente, o Ministério Público Federal denunciou o coronel reformado do exército, Carlos Alberto Brilhante Ustra e o delegado de polícia civil, Dirceu Gravina, pelo sequestro do sindicalista Aluízio Palhano, no ano de 1971, não localizado seu paradeiro até hoje.
Por ser uma norma supralegal em nosso ordenamento jurídico, a Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas acaba por coagir o legislador a cumprir seus termos e a regulamentá-la em nosso ordenamento jurídico, atendendo suas exigências para ter eficácia total em nosso ordenamento jurídico, ainda que esteja em uma condição de vulnerabilidade em relação ao texto constitucional, situação em que se encontram a maior parte dos tratados sobre direitos humanos em que o Brasil é parte, inclusive a Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, de 1948.
Alguns trabalhos já têm sido feitos pelo Poder Legislativo brasileiro, no sentido de criminalizar o Desparecimento Forçado de Pessoas. Primeiro, no anteprojeto do novo código penal, a comissão encarregada pela elaboração do novo código optou por criminalizar a conduta. No Senado Federal, por sua vez, tramita Projeto de Lei Complementar nº. 245/2011, de iniciativa do Senador Vital do Rêgo (PMDB/PB), que visa acrescentar o Art. 149-A no Código Penal Brasileiro, tipificando a conduta de desaparecimento forçado de pessoas, como crime em nosso ordenamento jurídico brasileiro. Desta forma, caso seja aprovada a lei complementar, esta conduta, assim como nos demais países latino-americanos, passará a ser tipificada como crime, da seguinte forma, conforme consta no texto da propositura no Senado:
“Desaparecimento forçado de pessoa
Art. 149-A. Apreender, deter ou de qualquer outro modo privar alguém de sua liberdade, ainda que legalmente, em nome do Estado ou de grupo armado ou paramilitar, ou com a autorização, apoio ou aquiescência destes, ocultando o fato ou negando informação sobre o paradeiro da pessoa privada de liberdade ou de seu cadáver, ou deixando a referida pessoa sem amparo legal por período superior a 48 (quarenta e oito) horas:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, sem prejuízo das penas correspondentes a outras infrações penais.
§ 1º Na mesma pena incorre quem ordena ou atua de qualquer forma para encobrir os atos definidos neste artigo ou mantém a pessoa desaparecida sob sua guarda, custódia ou vigilância.
§ 2º O crime perdura enquanto não for esclarecido o paradeiro da pessoa desaparecida ou de seu cadáver.
§ 3º A pena é aumentada de metade, se:
I – o desaparecimento durar mais de 30 (trinta) dias;
II – se a vítima for criança ou adolescente, portadora de necessidade especial, gestante ou tiver diminuída, por qualquer causa, sua capacidade de resistência.”
Desta forma, o legislador preocupou-se em caracterizar a conduta como crime permanente, à semelhança do crime de sequestro, para que este novo tipo penal pudesse alcançar os desaparecimentos forçados ocorridos durante o regime militar brasileiro, podendo este tipo penal então, punir os agentes do Estado que realizaram estes desaparecimentos e viabilizar a busca pelo paradeiro dos desaparecidos. Na verdade, esta é uma tendência dos países latino-americanos que têm pressionado o Brasil para que rompa com a impunidade dos membros do antigo regime militar brasileiro, conforme vem ocorrendo nos demais países latino-americanos, tais como, a Argentina, o Uruguai e o Chile.
3. CONCLUSÃO
Em pouco mais de uma década, a eficácia dos tratados internacionais de direitos humanos no ordenamento jurídico brasileiro ainda era questionável e acreditava-se na plena supremacia constitucional, uma vez que não havia como, em nosso ordenamento jurídico, nenhum caso prático de coação internacional ao Estado brasileiro em razão de condenação por uma entidade internacional, todavia, a omissão do Estado brasileiro fez com que este fosse alvo de várias condenações na Corte Interamericana de Direitos Humanos, fazendo com que o Brasil mudasse seu olhar sobre o Direito Internacional Público, em especial, o Direito Interamericano, pois passou o Estado brasileiro a temer consequências mais graves, que pudessem atrapalhar outros interesses nacionais, tais como a economia, em razão de uma possível sanção que fosse imposta ao Estado brasileiro em decorrência de uma condenação na esfera internacional.
Desta forma, temendo o pior, o Brasil resolveu ceder a pressão internacional e dar eficácia a tratados internacionais sobre direitos humanos que já havia sido signatário, modificando, em uma década, o papel do Direito Internacional Público no ordenamento jurídico brasileiro, fazendo-o migrar de uma posição secundária, para outra mais favorável, em nosso ordenamento jurídico, tornando esta mudança de posição evidente, após a edição da Emenda Constitucional nº. 45/2004, que assegurou a possibilidade de novos tratados internacionais sobre direitos humanos ingressarem em nosso ordenamento jurídico como norma constitucional, atendendo os requisitos exigidos pela emenda.
É certo que, por detrás de todo este avanço no ordenamento jurídico brasileiro são decorrentes de interesses diplomáticos do Estado brasileiro com os demais países de sua região geopolítica, cedendo o Brasil a pressão geopolítica local, buscando criminalizar o Desaparecimento Forçado de Pessoas, que possivelmente resultará ao modelo de seus vizinhos, na condenação de muitos agentes do regime militar brasileiro, que realizaram tais condutas, ainda que haja um certo receio entre as atuais instituições estatais, inclusive do próprio Supremo Tribunal Federal (STF) em debater sobre esta hipótese em um futuro próximo, como ocorreu nos debates sobre a constitucionalidade da Lei de Anistia, em que o supremo manteve a posição sobre a constitucionalidade desta norma.
Bacharel em Direito pela Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP).
Professor Titular de Direito Processual Civil da Faculdade de Direito de Presidente Prudente (Toledo). Professor convidado nos Cursos de Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Direito Damásio de Jesus, Faculdade de Direito de Dracena, dentre outras instituições. Mestrando em Direito. Pós-Graduado em Direito Civil e Processo Civil pela Faculdade de Direito de Presidente Prudente. Advogado. Membro do Grupo de Estudos “Processo Civil Moderno e Acesso à Justiça”, coordenado pelo prof. Dr. Gelson Amaro de Souza. Colaborador da American University College of Law (Washington, EUA).
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