A conversão de tempo especial em comum para efeito de aposentadoria do servidor público

Resumo:Analisa-se a possibilidade jurídica de conversão de tempo especial em comum para efeito de aposentadoria do servidor público mediante nova leitura de aspectos doutrinários e jurisprudenciais sobre o tema.

Introdução

Embora haja decisões do Supremo Tribunal Federal em que não se admitiram a conversão de tempos especiais em comuns, não se pode afirmar a existência de uma jurisprudência da Corte Suprema a respeito do tema. Ao contrário.

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De fato, ao intensificar a pesquisa sobre a matéria, é possível verificar que nos debates que antecederam a edição da Súmula Vinculante nº 33[1], os ministros do STF, tendo em conta seus próprios precedentes sobre o assunto, não desaprovaram a tese da plausibilidade jurídica da conversão do tempo especial em comum para o servidor público. Esclarecedora, nesse sentido, a transcrição a seguir efetuada[2]:

Ministro Teori Zavascki: “Não se fez um juízo sobre o direito. O que se disse é que isso não se comporta no mandado de injunção.”

Ministro Teori Zavascki: “(…) sem negar o direito. Porque aquilo que o Tribunal disse que não cabe no mandado de injunção, ele não fez um juízo de mérito.”

Ministro Roberto Barroso: “Contrariamente à interpretação que se tem dado, o Supremo então não disse que não é possível averbar.”

Ministro Joaquim Barbosa: “Nós não nos debruçamos sobre essa questão.”

Ministro Roberto Barroso: “(…) trazer esta questão outra vez ao Plenário, talvez fora do contexto de mandado de injunção, para nós podermos voltar a discuti-la, porque a situação de fato atualmente vigente, ela é injusta em relação a esses servidores.”

Ministro Teori Zavascki: “Não é que não haja direito, é que não há direito de discutir isso aí em mandado de injunção.”

Ministra Rosa Weber: “O que se afirmou, com todas as letras, é que o mandado de injunção não era a via hábil.”

Ministra Rosa Weber: “(…) sem que isso implique a emissão, Ministro Luís Roberto, de um juízo de valor com relação ao tema específico, até porque, com todo o respeito, mandado de injunção, para esse efeito, dizer se o tempo deve ou não, esse critério…”

Ministra Rosa Weber: “Não entendo que o mandado de injunção a tanto se preste.”

Ministro Roberto Barroso: “O Supremo nunca disse que não podia averbar, pelo que eu entendi. O Supremo disse apenas que não cabia apreciar isso em mandado de injunção.”

Ministra Cármen Lúcia: “Quando foi dito que não se trataria da questão da averbação, com o voto do Ministro Marco Aurélio em sentido oposto, foi exclusivamente porque o mandado de injunção tem a redação (…)”

Ministra Cármen Lúcia: “Em mandado de injunção, o pedido de averbação não é inviabilizador do direito que é o objeto da discussão, mas que essa discussão seria em outra via processual.

Veja-se, claramente, que o Supremo, em realidade, afastou apenas a possibilidade de analisar tal matéria em sede de mandado de injunção. Não foi determinado, não foi cogitado, não foi sequer inferido o entendimento de que a Corte Suprema manteria, daí por diante, o posicionamento de que seria inviável a conversão de tempo especial em comum para o servidor público.

Pode-se conceber, sem medo de equívoco, que tal constatação decorre da interpretação autêntica efetivada pelo órgão constitucionalmente apto para tanto.

Da possibilidade jurídica da conversão

Cumpre notar, a propósito da discussão travada no STF, que os ministros Marco Aurélio e Luís Barroso, inclusive, adiantaramo posicionamento favorável à possibilidade de conversão, ao passo que, em outro eixo, nenhum ministro se pôs contra tal possibilidade.

Assim não se mostra razoável que um entrave processual abordado pelo STF signifique a alteração do direito material do servidor público à conversão do tempo especial em comum.

Em recente apreciação do Mandado de Injunção nº 4.204/DF, o relator, ministro Luís Roberto Barroso, a par de relatar algumas decisões da Suprema Corte em que interpunham óbices à possibilidade de conversão do tempo especial para o servidor público, adverte:

“[…] por não se ter chegado a uma decisão definitiva sobre o tema nos debates que precederam a aprovação da Súmula Vinculante 33, volto a trazer alguns argumentos à consideração do Plenário, a fim de propor, data venia, uma mudança na jurisprudência”.

A pretensão do douto ministro é ampla. Não só quer que o STF pacifique o entendimento acerca da possibilidade de conversão do tempo especial, bem como que tal possibilidade seja concretizada, inclusive, por meio do mandado de injunção. Em função da análise ora levada a efeito, fique-se com o primeiro aspecto, qual seja a pacificação do entendimento de que é possível ao servidor público a conversão do tempo especial em comum.

A esse propósito, salienta Luís Roberto Barroso[3]:

11. É certo que nem todo servidor que exerce atividades em condições prejudiciais à saúde ou à integridade física terá direito à aposentadoria especial propriamente dita. Isto porque a aquisição do referido direito exige prova do trabalho com “exposição aos agentes nocivos químicos, físicos, biológicos ou associação de agentes prejudiciais”, durante 25 anos (como regra), em caráter “permanente, não ocasional nem intermitente”, tudo demonstrado a partir de “laudo técnico de condições ambientais do trabalho expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho” (arts. 57, §§ 3º e 4º, e 58, § 1º, da Lei nº 8.213/1991). Porém, é fora de dúvida que o tempo exercido nessas condições deve ser computado de forma diferenciada: é o art. 40, § 4º, III, da Constituição que o impõe. Veja-se que o dispositivo nem se refere especificamente à “aposentadoria especial”, e sim a “requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria”.[…]

13. Imagine-se, a propósito, a situação de uma servidora pública que tenha prestado 20 anos de atividade especial. A conversão de tal período pelo fator 1,2 resultaria em 24 anos de serviço, faltando 6 para a aposentadoria. Do contrário, não sendo adotado o fator multiplicador, a servidora ainda precisaria trabalhar mais 10 anos para completar os 30 anos de contribuição (CF, art. 40, § 1º, III, a), isto é, 4 anos a mais do que o necessário com a conversão.

14. A meu ver, tal interpretação é contrária ao sentido do art. 40, § 4º, da Constituição, que exige justamente a “adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria (…) [a]os servidores cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física”. Assim, entendo aplicável o art. 57, § 5º, da Lei nº 8.213/1991, até porque não há motivo razoável para diferenciar, neste particular, os trabalhadores da iniciativa privada dos servidores públicos, restringindo-se aos primeiros a contagem diferenciada de tempo especial.[…]

17. A não se entender assim, os servidores que exercem atividades em condições prejudiciais à saúde ou à integridade física não poderão proceder à contagem diferenciada do tempo especial, a não ser que completem 25 anos de atividade especial, diferentemente do que ocorre com todos os trabalhadores do regime geral de previdência. A um só tempo, seriam violados os §§ 4º, 10 e 12 do art. 40 da CF.[…]

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22. Por fim, não se pode vedar a contagem diferenciada de tempo especial a pretexto da possibilidade de superveniência de lei que altere os requisitos antes da aquisição do direito à aposentadoria. Isso porque a jurisprudência é pacífica no sentido de que “o cômputo do tempo de serviço e os seus efeitos jurídicos regem-se pela lei vigente quando da sua prestação” (RE 402.576-AgR, RE 440.749-AgR, RE 463.299- AgR, RE 464.694-AgR e RE 482.187-AgR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence). Assim, eventual lei superveniente não prejudica a contagem diferenciada do tempo de serviço considerado especial à época da sua prestação.[…]

26. Meu entendimento, como assentado, é pelo cabimento do mandado de injunção. Porém, produzirá resultado análogo a afirmação inequívoca de que, embora incabível o mandado de injunção, existe a possibilidade jurídica de averbação e contagem diferenciada de tempo especial por parte de servidores públicos, com base no art. 57, § 5º, da Lei nº 8.213/1991. De fato, a existência de eventual óbice formal relativo ao mandado de injunção não pode ser invocada para inviabilizar o exercício de um direito pelas vias ordinárias.[…]

28. Caso se entenda que o mandado de injunção é incabível para tais fins, proponho que a Corte afirme inequivocamente a possibilidade jurídica de averbação e contagem diferenciada de tempo especial por parte de servidores públicos, com base no art. 57, § 5º, da Lei nº 8.213/1991, a ser buscada pelas vias ordinárias.(grifos não são do original)

Inequívoca a lição do ínclito ministro. Afinal, não faz sentido a Corte Suprema garantir o direito do servidor público que exerça atividades especiais apenas em parte, não considerando as vicissitudes da vida laboral moderna, em que o cidadão está sempre à procura de uma melhor posição no mercado.

Importa destacar que essa nova visão do STF já começa, inclusive, a operar efeitos em julgados de outras cortes de justiça, proferidos após o voto do ilustre ministro. Vejam-se os seguintes exemplos:

“FAZENDA PÚBLICA. SERVIDOR PÚBLICO. CONVERSÃO DE TEMPO DE EXERCÍCIO EM ATIVIDADE INSALUBRE EM TEMPO DE ATIVIDADE COMUM. POSSIBILIDADE. […] 5 – Servidor público. Aposentadoria especial. A aposentadoria é especial quando o benefício é concedido ao segurado que trabalhou em condições prejudiciais à saúde ou à integridade física. Segundo entendimento firmado no Supremo Tribunal Federal, por meio da Súmula Vinculante nº 33, "Aplicam-se ao servidor público, no que couber, as regras do regime geral da previdência social sobre aposentadoria especial de que trata o artigo 40, § 4º, inciso III da Constituição Federal, até a edição de lei complementar específica." 6 – Aposentadoria. Conversão de tempo de exercício de atividade sob condições especiais. Reunindo, o servidor, o tempo mínimo de 15 anos de exercício contínuo em atividade insalubre, a qual é comprovada por meio de laudo técnico sobre os riscos ocupacionais no ambiente de trabalho (fls. 36/39), cabível a incidência do quanto previsto no art. 70, do Decreto 3.048/99, com redação dada pelo Decreto 4.827/2003 (Regulamento da Previdência Social) relativo à conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade comum, dispositivo normativo aplicável ao trabalho prestado em qualquer período (art. 70, § 2º). 7 – Recurso conhecido e não provido.”[4] (grifos não são do original).

“Apelação Cível – Apelação Cível – Servidor público estadual (auxiliar de serviços gerais – Secretaria de Administração Penitenciária) – Ação Ordinária visando o reconhecimento do direito à conversão de tempo comum em especial bem como recálculo dos adicionais de tempo quinquênio e sexta-parte com base no tempo fictício – Sentença de procedência parcial que determina a conversão de tempo em especial, improcedente no tocante ao pedido pecuniário de recálculo – Recursos de apelação pelo autor e pela FESP – Desprovimento de rigor. 1. De um lado, plenamente possível a conversão do tempo comum em especial ao servidor público estadual mesmo ausente norma específica – Utilização de regra aplicável ao regime geral de previdência – Precedentes do STF e do Órgão Especial desta Corte – Inteligência dos arts. 40, § 4º, da CF e 57 da LF nº 8.213/91 – No caso, robusta a prova colacionada com a exordial acerca do desempenho de atividade insalubre – Possibilidade da conversão do tempo comum em especial – Precedentes da Corte. […]”[5] (grifos não são do original)

Da inexistência de tempo ficto

Normalmente, tem-se utilizado a vedação constitucional genérica de proibição de contagem de tempo fictício[6], para sustentar-se a impossibilidade de o servidor público converter tempo especial em comum.

Há que considerar, contudo, que a condição especial de trabalho é protegida constitucionalmente. Assim, não há que falar em tempo fictício instituído pela Lei nº 8.213/91, ou qualquer outra norma, aplicada por simetria ao servidor público, nos termos da Súmula Vinculante nº 33. Ora, o que a citada Súmula possibilitou outra coisa não foi a não ser dar vazão à disposição de estatura constitucional.

Em realidade, o próprio constituinte originário destinou a política de proteção social àquele que labora em condições que afetam a própria saúde. Nesse sentido, observe-se lapidar lição da ministra Cármen Lúcia[7]:

[…] as normas dos sistemas de proteção social devem ser fundadas na ideia de garantia aos menos favorecidos, quando colocado em situação de desamparo pela ocorrência de risco social.

A preocupação com os indivíduos quanto a eventos que lhes possam causar dificuldade ou até mesmo impossibilidade de prover sua subsistência está na gênese da proteção social buscada pelo Estado contemporâneo, objetivando garantir a todos a dignidade da vida. […]

Cumpre salientar que a proteção previdenciária prevista pela Constituição pode ser enxergada, por exemplo, nas condições previstas para a aposentadoria por invalidez decorrente de moléstia grave. Tenha o tempo de contribuição que tiver, o servidor público que for acometido por enfermidade prevista em lei será aposentado com proventos integrais, por determinação constitucional[8]. Há de se questionar: haveria, então, nesse caso, a utilização de tempo fictício? A resposta é um ecoante não.

Com razão o ministro Luís Barroso ao afirmar que:

“[…] a vedação à contagem de tempo ficto (CF, art. 40, § 10) não proíbe o cômputo diferenciado de tempo de serviço especial, pois de tempo ficto não se trata. O art. 40, § 10, da Constituição, a meu ver, destina-se a proscrever a contagem, como tempo de contribuição, de férias não gozadas, licenças etc., em suma, de tempo não trabalhado. A necessidade de “requisitos e critérios diferenciados” no que diz respeito ao tempo de serviço prestado em condições prejudiciais à saúde e à integridade física decorre da letra do art. 40, § 4º, III, da Constituição. (o grifo é do original).”[9]

Das condições especiais de trabalho previstas na constituição

Já se teve a oportunidade de destacar, neste breve comentário, que a própria Constituição Federal é que garante condições especiais de trabalho para determinadas ocasiões. Assim é que aos servidores que sejam portadores de deficiência, que exerçam atividades de risco, ou, ainda, efetuem atividades sob condições que prejudiquem a saúde ou a integridade física, são estabelecidas condições especiais para aposentadoria.

A respeito do tema, aponta Inácio Magalhães Filho[10]:

“A finalidade precípua desse tipo de aposentadoria, portanto, é compensar o servidor por ter laborado em condições que atentem contra a sua saúde. Em geral, tal compensação advém em forma de redução do temo de contribuição exigido para a inativação ordinária.”

Observe-se, portanto, que não pode o servidor que trabalha em tais condições ter seu direito objetado, sob pena de desfigurar um desejo do próprio constituinte. Daí a procura incessante pelas vias do mandado de injunção, porquanto a ausência de leis regulamentadoras, no âmbito do serviço público, não poderia ser obstáculo instransponível ao exercício do direito constitucionalmente garantido.

Pois bem. Disso se trata. De um direito à compensação por trabalho que prejudica a saúde ou a integridade física de forma muito mais grave que o labor convencional. Eis, portanto,o fundamento lógico da conversão do tempo especial em comum, qual seja, garantir que os diastrabalhados em condições especiais não sejam esquecidos, no caso de um servidor público que passe a trabalhar em condições ordinárias, normais.

Imagine-se o seguinte exemplo hipotético. Determinada servidora, médica, trabalha durante 24 anos e 11 meses em condições especiais. Faltava-lhe, portanto, pelas regras em vigor, um mês para ter direito à aposentadoria especial, quando, por episódios normais do cotidiano, passa a trabalhar em outra função, em condições normais. Pergunta-se: quando de sua aposentadoria, agora pelos ritos ordinários, seu tempo anterior trabalhado em condições especiais será esquecido? Terá ela que completar o tempo normal para aposentar-se?

Ora, há que considerar a razoabilidade. Não se pode simplesmente jogar ao léu todo o tempo em que a hipotética servidora laborou em condições que prejudicaram sua saúde. Sim, porque há que se compreender que o prejuízo físico, intelectual, psicológico que atinge a servidora, no exemplo citado, produz-se dia após dia. Não é crível que somente se ultrapassar vinte e cinco anos sua atividade insalubre seria compensada.

Eis, pois, o fundamento lógico da conversão do tempo especial em comum, qual seja compensar devidamente aqueles servidores que trabalharam em condições especiais e depois passaram a laborar em condições ordinárias, comuns.

Da igualdade de tratamento entre ex-celetista e estatutário

Como prova desse direito lógico que vem de se expor, o Supremo Tribunal Federal já assentiu, em sede de repercussão geral, que o servidor que exercia atividades insalubres, sob o regime da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, possui direito adquirido à contagem do tempo especial. Veja-se a decisão de que se fala:

“1. Trata-se de recurso extraordinário interposto contra acórdão que decidiu pelo direito adquirido do servidor público à contagem recíproca de tempo de serviço prestado em condições insalubres como celetista.2. Este Tribunal, no julgamento do RE 612.358, de minha relatoria, reconheceu a existência da repercussão geral da matéria para que os efeitos do art. 543-B do CPC possam ser aplicados. Esta Corte firmou o entendimento no sentido de que o servidor possui direito adquirido à contagem especial do tempo de serviço prestado sob condições insalubres, referente ao período celetista. […]” (grifou-se)[11]

Com base nesse julgado, esta egrégia Corte também já proferiu diversos julgados, reconhecendo tal direito[12].

Não se desconhece o fato de que o ex-celetista sempre teve em seu favor a norma consubstanciada no art. 57, § 5º, da Lei nº 8.213/91[13], ao contrário do que era estatutário, que não tinha a complementação normativa infraconstitucional a seu lado.

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Entrementes, à luz do princípio constitucional da proporcionalidade, pergunta-se: o prejuízo que o ex-celetista sofreu com trabalho em condições especiais é diferente, maior, do que o experimentado por quem sempre fora estatutário?

Outra resposta que não seja a negativa pareceria totalmente desconectada com a razoabilidade, porquanto se aquele que mudou de regime tem direito, com razão, à manutenção da conversão do tempo especial trabalhado, quando mais aquele que permaneceu no mesmo regime previdenciário. 

Com razão o ministro Luís Roberto Barroso, quando afirma que:

“[…] Se o tempo prestado em condições especiais no regime geral deve ser considerado como tal no regime próprio, permitindo-se a contagem diferenciada, com maior razão o mesmo serviço, prestado pelo mesmo servidor na vigência do regime próprio, deve ter igual tratamento”[14].

Garantir o mesmo direito de conversão do tempo especial em comum, portanto, é um claro apontamento para a prevalência do princípio da proporcionalidade ou razoabilidade, segundo o qual, nas palavras de Gilmar Mendes et al[15]:

“[…] Consubstancia uma pauta de natureza axiológica que emana diretamente das idéias de justiça, eqüidade, bom senso, prudência, moderação, justa medida, proibição de excesso, direito justo e valores afins; precede e condiciona a positivação jurídica, inclusive a de nível constitucional; e, ainda, enquanto princípio geral do direito, serve de regra de interpretação para todo o ordenamento jurídico.”

Da aproximação entre os regimes previdenciários

Importa esclarecer que não só a aplicação do princípio da proporcionalidade, todavia, é supedâneo para o direito do servidor público à contagem especial de tempo de serviço trabalhado em condições especiais. Em realidade, a própria Constituição traz em seu bojo norma expressa que garante a aproximação dos dois regimes previdenciários, a teor do insculpido no artigo 40, § 12:

“Além do disposto neste artigo, o regime de previdência dos servidores públicos titulares de cargo efetivo observará, no que couber, os requisitos e critérios fixados para o regime geral de previdência social.”

Aqui, comporta um breve e fundamental comentário. A intenção do constituinte é clara em, cada vez mais, aproximar os dois regimes previdenciários. Tanto assim que, ao longo de anos, várias regalias do setor público foram suprimidas das regras gerais de aposentadoria, tal como a paridade com o servidor ativo. Ainda nessa seara, a renda mensal do servidor aposentado, como ocorre no sistema do RGPS, passou a ser calculada pela média aritmética de suas contribuições[16]

Ora, a aproximação tem que ser via de mão dupla. Aqueles direitos que os segurados do RGPS possuem também precisam ser admitidos para os segurados dos RPPS, quando, evidentemente, não incidam em qualquer ilegalidade.

Assim, se a própria Constituição garante condições especiais de trabalho ao servidor público médico, por exemplo, por que não garantir a ele também a possibilidade de conversão do tempo especial em comum, diante do que determina o artigo 40, § 12, da Carta Magna, acima citado?

Recorra-se, uma vez mais, ao ministro Luís Barroso e ao seu lapidar voto no MI 4.204/DF:

[…] entendo aplicável o art. 57, § 5º, da Lei nº MI 4204 / DF 8.213/1991, até porque não há motivo razoável para diferenciar, neste particular, os trabalhadores da iniciativa privada dos servidores públicos, restringindo-se aos primeiros a contagem diferenciada de tempo especial.

15. A própria Constituição tem disposição específica nesse sentido, que reforça tudo o que se vem de expor. Trata-se do art. 40, § 12 […] (grifos não são do original)

Da conclusão

O direito do servidor público à conversão do tempo especial em comum para fins de aposentadoria, portanto, decorre de uma leitura mais atenta às disposições constitucionais e jurisprudenciais sobre o tema. O enigmático voto tão comentado alhures, do ministro Luís Barroso, certamente refletirá ao menos em uma nova discussão mais profícua e profunda da Excelsa Corte sobre o tema. 

Um dos pilares do Estado Democrático de Direito, o Princípio da Isonomia guarda em si a essência do exercício da Justiça. Prestigiado no texto constitucional e na Declaração Universal dos Direitos Humanos[17], é ele que permite ao poder público a aplicação equânime da norma legal, tratando de forma igual tanto o rico como o pobre, o poderoso como o desvalido, sem distinção de cor, credo ou posição social.

Não é sem motivo que, ao se deparar com soluções diferentes para situações idênticas, seja em nós despertado o sentimento de injustiça.

Assim, não se mostra razoável que trabalhadores da iniciativa privada possuam o direito à contagem diferenciada de tempo especial, em detrimento dos servidores públicos, quando é o próprio texto constitucionalquetraz em seu bojo norma expressa que garante a aproximação dos dois regimes previdenciários. De fato, se por intermédio da Súmula Vinculante nº 33 do STF garante-se aos servidores públicos o direito à inativação especial, não há motivo para negar-lhes o direito à conversão.

Não seja, enfim, o Princípio da Isonomia um ideal inalcançável, presente apenas nos textos fundamentais.

Referências
BRASIL. Constituição Federal.
CAMPOS, Marcelo Barroso Lima Brito. Regime Próprio de Previdência Social Dos Servidores Públicos. Curitiba: Juruá Editora, 2013.
MAGALHÃES FILHO, Inácio. Lições de Direito Previdenciário e Administrativo no Serviço Público. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2010.
MARTINEZ, Wladmir Novaes. Aposentadoria especial do servidor público. São Paulo: LTr, 2011.
MARTINS, Bruno Sá Freire. Direito Constitucional Previdenciário do Servidor Público, 2ª ed. São Paulo: LTr Editora LTDA, 2014.
MENDES, Gilmar Ferreira, COELHO, Inocêncio Mártires, BRANCO, Paulo Gustavo Gonet, 2ª ed. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Editora Saraiva,2008.
 
Notas:
[1] “Aplicam-se ao servidor público, no que couber, as regras do regime geral da previdência social sobre aposentadoria especial de que trata o artigo 40, § 4º, inciso III da Constituição Federal, até a edição de lei complementar específica”.

[2] Trechos retirados do áudio da sessão em que foi aprovada a Súmula Vinculante nº 33.

[3] Excerto de voto proferido nos autos do MI 4.204/DF. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/MI4204.pdf. Acesso em 19/10/2015.

[4] TJDFT – ACJ: 20130111891185  , Relator: AISTON HENRIQUE DE SOUSA, Data de Julgamento: 19/05/2015, 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, Data de Publicação: Publicado no DJE : 22/05/2015 . Pág.: 278.

[5] TJSP – APL: 00078428920138260482 SP 0007842-89.2013.8.26.0482, Relator: Sidney Romano dos Reis, Data de Julgamento: 03/08/2015, 6ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 05/08/2015).

[6] Constituição Federal. Art. 40, § 10: “A lei não poderá estabelecer qualquer forma de contagem de tempo de contribuição fictício.”

[7]STF – AgR MS 31803/DF. Relator: Min. CÁRMEN LÚCIA, Data de Julgamento: 17/03/2015, Segunda Turma.

[8] Constituição Federal. Art. 40, § 1º, inc. I: Os servidores abrangidos pelo regime de previdência de que trata este artigo serão aposentados, calculados os seus proventos a partir dos valores fixados na forma dos §§ 3º e 17:
I – por invalidez permanente, sendo os proventos proporcionais ao tempo de contribuição, exceto se decorrente de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, na forma da lei.

[9] Excerto de voto proferido nos autos do MI 4.204/DF. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/MI4204.pdf. Acesso em 19/10/2015.

[10] MAGALHÃES FILHO, Inácio. Lições de Direito Previdenciário e Administrativo no Serviço Público, 2ª ed. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2014, p. 169.

[11] STF – RE: 612358 ES , Relator: Min. ELLEN GRACIE, Data de Julgamento: 02/09/2010, Data de Publicação: DJe-171 DIVULG 14/09/2010 PUBLIC 15/09/2010.

[12] Vejam-se, como exemplo, os seguintes processos: AMS 3788/PI, AC 4581/MG, AC 13914/DF.

[13] Lei nº 8.213/91: Art. 57, § 5º: O tempo de trabalho exercido sob condições especiais que sejam ou venham a ser consideradas prejudiciais à saúde ou à integridade física será somado, após a respectiva conversão ao tempo de trabalho exercido em atividade comum, segundo critérios estabelecidos pelo Ministério da Previdência e Assistência Social, para efeito de concessão de qualquer benefício.

[14] Excerto de voto proferido nos autos do MI 4.204/DF. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/MI4204.pdf. Acesso em 19/10/2015.

[15] MENDES, Gilmar Ferreira, COELHO, Inocêncio Mártires, BRANCO, Paulo Gustavo Gonet, 2ª ed. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Editora Saraiva,2008, p. 120-121.

[16] Lei nº 10.887/04: Art. 1o No cálculo dos proventos de aposentadoria dos servidores titulares de cargo efetivo de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, previsto no § 3o do art. 40 da Constituição Federal e no art. 2o da Emenda Constitucional no 41, de 19 de dezembro de 2003, será considerada a média aritmética simples das maiores remunerações, utilizadas como base para as contribuições do servidor aos regimes de previdência a que esteve vinculado, correspondentes a 80% (oitenta por cento) de todo o período contributivo desde a competência julho de 1994 ou desde a do início da contribuição, se posterior àquela competência.

[17]Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. (Constituição Federal)
Todos são iguais perante a lei e, sem distinção, têm direito a igual proteção da lei. Todos têm direito a proteção igual contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação. (Declaração Universal dos Direitos Humanos)


Informações Sobre o Autor

Carlos Henrique Vieira Barbosa

Auditor de Controle Externo do Tribunal de Contas do DF. Bacharel em Comunicação pela Universidade de Brasília. Especialista em Direito Público e Finanças Públicas pelo Centro Universitário de Brasília. Especialista em Direito Previdenciário pela Universidade Anhanguera-Uniderp. Advogado


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