Resumo: Este trabalho tem como proposta tratar da conversão substancial do negócio jurídico, prevista no Estatuto que se incorporou na Lei nº 10.406, de 10.01.2002, intitulado como o Novo Código Civil brasileiro, especificamente no art. 170. O aludido art. não tem equivalente no Código Civil de 1916, mas no Direito comparado – Código Civil Alemão, §140; Código Civil italiano, art. 1.424; Código Civil português, art. 293º. Diz o art. 170 do Código Civil brasileiro que: “Se, porém, o negócio jurídico nulo contiver os requisitos de outro, subsistirá este quando o fim a que visavam as partes permitir supor que o teriam querido, se houvessem previsto a nulidade”. Como estatui o artigo a lei prevê algumas condições para se dá a conversão, sendo, destarte, a necessária a ocorrência de alguns elementos: a) que haja um negócio nulo; b) que este negócio nulo contenha requisitos de outro negócio, apropriados a produzir efeitos jurídicos que satisfaçam ao interesse das partes; c) que se permita deduzir que as partes se pudessem supor a invalidade do negócio primitivo, preferisse a realização do negócio objeto da conversão. Ou seja, baseado relevância jurídica da declaração de vontade que deu origem ao negócio jurídico.
Palavras-chave: Negócio Jurídico nulo. Conversão. Aproveitamento.
Sumário: Introdução. 1-Conversão do negócio jurídico no ordenamento jurídico brasileiro. 2- Requisitos de admissibilidade da conversão do Negócio Jurídico. 3-Princípio da conservação do negócio jurídico. 4-Conceito da Conversão. 5-Natureza jurídica da conversão. 6-Fundamentos da conversão. 7-Espécies de conversão em relação ao resultado obtido. 8-Conversão em relação a quem a pratica. 9-Aplicabilidade da conversão. 10-Conclusão. Referencias.
O tema conversão do negócio jurídico é um assunto novo para o direito brasileiro, se considerarmos que ele somente passou a ter previsão legal a partir da Lei nº 10.406, de 10.01.2002. Destarte, ainda são poucos os julgados se compararmos com o direito italiano, português, alemão e outros.
Os diversos significados do termo “conversão parecem referir, de maneira bastante genérica, “mudança” ou “transformação”. “Conversão”, segundo De Plácido e Silva, derivado do latim conversio, de convertere (mudar, alterar, dar outra forma), em sentido geral, é aplicado para indicar toda mudança ou transformação de uma coisa em outra. Na terminologia jurídica, não é outro o sentido em que é tido: explica sempre a substituição que se possa fazer de uma coisa por outra. Ou a transformação ou mudança admitida entre um fato e outro.
“Conversio” e “convertere”, nos textos das fontes romanas, apresentam o mesmo significado amplo. Especificamente quanto ao Digesto, o Vocabularium iurisprudentiae romanae iussu Instituti Savigniani compositum consigna três grupos de significados: “evertere”; “mutare, transformare”; “confere redigere”.
Glosadores e comentadores conhecidos, não empregam o termo “conversão”, em sua possível conexão com a ineficácia do negócio jurídico. Se fizermos uma minuciosa pesquisa na jurisprudência medieval, por certo, encontraremos vários indícios de decisões que consideram a “conversio”, embora, algumas vezes, em sentido diverso, mas sempre indicando uma alteração.
Concluindo, é possível que o processo de consolidação histórica do emprego do termo “conversão”, de alguma maneira ligada a ineficácia de negócio jurídico, se tenha iniciado com algum outro autor medieval, menos conhecido, e terminado com os autores alemães dos séculos XVIII e XIX.
1-Conversão do negócio jurídico no ordenamento jurídico brasileiro
O instituto da conversão do negócio jurídico somente veio a ser positivado no Brasil por meio do Código Civil de 2002, apesar de, desde a época do Império, já ser possível verificar, na legislação, normas que previam, em casos específicos, regras que guardam com ele algum parentesco. Afirma DEL NERO, que já no Regulamento n. 737, de 25 de novembro de 1850, apesar de não haver nenhuma disposição expressa sobre a conversão, é possível encontrar disposições esparsas (no Capítulo referente à nulidade dos contratos comerciais) prevendo que o instrumento público nulo pode valer como instrumento particular, bem como que o instrumento nulo por falta de alguma solenidade valerá como título de dívida.
O projeto do Código Civil brasileiro elaborado por JOAQUIM FELICIO DOS SANTOS (1881) não refere a conversão do negócio jurídico. Porém, em diversos artigos, vale a pena ressaltar havia disposições que de longe sugeriam a possibilidade de conversão.
TEIXEIRA DE FREITAS, citado por DEL NERO, no esboço de Código Civil, editado entre 1860 e 1865, não faz uma única referência à conversão, apesar de também ser possível localizar, no corpo da legislação, alguns artigos prevendo a possibilidade de um ato nulo (por denominação errônea ou por defeito de forma) valer como outro.
Sob inspiração de MIGUEL REALE, verifica-se, assim, que a nova codificação civil teve por princípio informador seguir a tendência do Direito Civil moderno, influenciado pelo chamado fenômeno de "Socialização" do Direito Civil.
O novo Código Civil, de um modo geral, segue a tradição jurídica do Código Civil alemão, ao contemplar uma Parte Especial e uma Parte Geral. Propugna pela unificação do direito obrigacional privado, disciplinando, em um mesmo código, o direito das obrigações civis e comerciais.
2- Requisitos de admissibilidade da conversão do Negócio Jurídico
Com base na legislação portuguesa, a conversão do negocio jurídico pressupõe um negócio totalmente nulo. Sendo o negócio totalmente nulo, deverá não produzir efeitos nenhum, dele não ficando, por assim dizer, pedra sobre pedra? Ou poderá ser convertido num outro tipo de negócio, à custa de alguns elementos do negócio nulo? Quer dizer: com os materiais do negócio nulo poderá recompor-se outro negócio que haja de valer? Nisto reside justamente o chamado problema da conversão dos negócios jurídicos.
Para melhor ilustrar o autor propõe a seguinte situação:
Suponhamos que “A” vende a “B” um prédio sem escritura pública, mas com documento particular. A venda é nula. Mas não ficará daqui nada? Não poderá converter-se essa venda nula num outro negócio, cujo resultado final econômico-jurídico se aproxime, embora, embora sendo mais precário, do tido em vista pelas partes com a celebração daquele contrato? Mais precisamente: não poderá converter-se a compra e venda do prédio em simples promessa de compra e venda? Para este último contrato já bastaria documento particular. De modo que por este lado não haveria obstáculo à conversão.
Outro exemplo:
“A” e “B” são coproprietários de um prédio. A certa altura dividem o prédio, ficando uma parte para “A” e outra para “B”, mas não fazem a competente escritura. A divisão no aspecto legal é nula por não ter sido registrado o desmembramento. Depois “A” vende a sua parte para “C”, mas o contrato é nulo: “A” vendeu o que não tinha por ser “B” coproprietário do prédio todo, em consequência da nulidade da divisão que fizeram. Ora pergunta-se: a venda feita por “A“ a “C” valerá, ao menos, como venda da parte ideal?
Solução favorável da doutrina. Requisitos da conversão.
A melhor doutrina é favorável à conversão; mas torna-a dependente de certos requisitos ou condições de admissibilidade, conforme:
1. É preciso que o negócio nulo (negócio principal) contenha os requisitos substanciais e formais para a validade do negócio substitutivo ou sucedâneo. Assim uma venda verbal de imóveis não pode ser convertida em promessa de compra e venda, porque a lei exige para este 2º contrato documento particular.
2. É preciso que o negócio sucedâneo diga respeito ao mesmo objeto material a que respeitava o negócio principal. Não se pode converter a venda do prédio “A” na venda ou promessa de compra e venda do prédio “B”. Em relação a este 2º prédio não chegou a formar-se qualquer expectativa das partes que deva de algum modo, obter proteção jurídica.
3. Para que a conversão se realize é necessário que ela esteja de acordo com a vontade das partes. È que as partes não previram a nulidade do negócio principal.
A conversão só se realiza, portanto, quando seja de admitir que as partes teriam querido o negócio sucedâneo caso se tivessem percebido a deficiência do negócio principal e não pudessem ter realizado com a observância do requisito infringido. Esta vontade hipotética será a alma do negócio sucedâneo, mas construída sobre base do negócio principal (não podendo existir ou ser relevante se este é nulo por falta ou vício da vontade, se não ainda por incapacidade estabelecida no interesse do próprio incapaz), tendo em vista a sua natureza típica e particularidades concretas.
Segundo EMILIO BETTI, “não basta, porém, a possibilidade da conversão: é preciso, também, que lhe seja reconhecida a oportunidade, a correspondência com o critério da boa-fé, e, de um modo geral, com as exigências da justiça”.
3-Princípio da conservação do negócio jurídico
Para ANTONIO JUNQUEIRA DE AZEVEDO, o princípio da conservação dos valores jurídicos não tem seu campo de atuação reservado à sanação das invalidades dos negócios jurídicos, devendo ser igualmente aplicado no campo da existência e no campo da eficácia. Segundo afirma, "o princípio da conservação consiste, pois, em se procurar salvar tudo que é possível num negócio jurídico concreto, tanto no plano da existência, quanto da validade, quanto da eficácia”.
Nas lições de ANTONIO JUNQUEIRA DE AZEVEDO, “conversão do negócio jurídico (conversão substancial) é o ato pelo qual a lei ou o juiz consideram um negócio, que é nulo – anulável ou ineficaz -, como sendo do tipo diferente do efetivamente realizado, a fim de que, através desse artifício, ele seja considerado válido e possam produzir-se, pelo menos alguns dos efeitos manifestados pelas partes como queridos, […]”. Continua afirmando que “a conversão, em sentido próprio, é, pois, esse fenômeno pelo qual um negócio que, dentro do tipo em que é concebido, é nulo ou anulável ou ineficaz, vale, por um artifício da lei ou do interprete, como negócio de tipo adverso”.
Fundamentos objetivos da conversão
As chamadas “teorias objetivas” da conversão do negócio jurídico afirmam a desnecessidade de indagar-se se teria havido vontade das partes, dirigida ao segundo negócio jurídico, caso tivessem eles tido ciência da invalidade do primeiro.
De modo objetivo, atribui-se ao negócio jurídico a índole normativa de preceito da autonomia privada, tendente a estabelecer, para o futuro, certa regulação intersubjetiva de interesses, a que a ordem jurídica liga determinados efeitos, adequados à função econômico-social que caracteriza o tipo de negócio jurídico.
A declaração (ou o comportamento), em que consiste o ato negocial, não tem o valor de mero índice revelador de certo momento psicológico, mas, sim, o de disposição vinculativa, ou seja, de regra preceptiva concernente a interesses concretos e idôneos a justificar, de modo imediato, perante terceiros, os efeitos ordenadores que lhe correspondem.
A vontade das pessoas – cujo iter se exaure com a declaração – desempenha função secundária, de fonte geradora, e não essência do negócio jurídico; nega-se que da vontade das pessoas decorram os efeitos e que a própria correspondência entre tais efeitos e a função econômico-social do negócio jurídico possa ter-se por querida; e se põe, em primeiro plano, apenas a regulação de interesses, projetada para o futuro.
Portanto, de um lado, a vontade, como fato psíquico interno, exaure-se com a declaração que a absorve; e, de outro, o negócio jurídico, em sua consistência preceptiva, surge com a declaração, mas, dissociado das pessoas ou de seus autores, opera no futuro, independentemente da vontade deles.
Se o resultado da conversão reside na excepcional atribuição de efeitos a um negócio jurídico “nulo” – não, certamente, os efeitos próprios desse mesmo negócio, efetivamente querido pelas partes, mas sim os de um negócio por assim dizer “substituto”, que mantenha certa afinidade com aquele, então parece claro que o fundamento da conversão reside no princípio da conservação do negócio jurídico.
Esse princípio, como se sabe, consiste em se procurar salvar tudo que é possível num negócio jurídico concreto, tanto no plano da existência, quanto da validade, quanto da eficácia, e está na base de uma série de dispositivos legais, cuja enumeração seria aqui ociosa.
A lei, em função desse princípio, dá prevalência à conclusão dos negócios, e não à sua frustração; prefere a circulação das riquezas à sua imobilidade. Por isso, entre admitir a produção dos efeitos jurídicos decorrentes do negócio “substituto” ou declarar a nulidade do negócio efetivamente desejado pelas partes, a lei faz prevalecer a primeira solução, em reconhecimento à utilidade do negócio concretamente realizado.
Em matéria de conversão, alude-se, muito expressivamente, a uma “fungibilidade negocial”. Segundo o dito popular, “quem quer os fins quer os meios”, mas quem quer os fins – acrescente-se – quer, sobretudo, esses fins. Daí, sendo possível alcançar o resultado prático visado pelas partes, ainda que por meio de negócio distinto daquele concretamente celebrado, nada mais natural que “conservá-lo”, reconhecendo-lhe alguma eficácia e proporcionando (ainda que de maneira incompleta) a realização daqueles fins.
5-Natureza jurídica da conversão
A conversão como Interpretação
A doutrina que defende que o procedimento de conversão do negócio jurídico é ato de interpretação é minoritária e ultrapassada, já que grande parte dos autores que se dedicaram ao estudo do instituto da conversão nos últimos anos, afirma que a conversão não se confunde com a interpretação, apesar de aquela pressupor a realização desta. Apesar de minoritária, no decorrer da evolução histórica da moderna teoria da conversão, tal tese teve sempre seguidores na doutrina alemã anterior ao código Civil alemão.
Com efeito, afirma-se que, para que se possa realizar a conversão do negócio jurídico, é necessário, primeiramente, interpretar-se a declaração negocial, a fim de que se possa, em um primeiro momento, qualificá-la juridicamente, e, no mesmo ato, verificar a sua validade e eficácia perante o ordenamento jurídico.
Assim, o ato de conversão do negócio jurídico pressupõe a prévia realização da atividade de interpretação (a fim de interpretar a declaração negocial, qualificá-la juridicamente e verificar a sua eventual ineficácia), mas não se limita a ela
A conversão como integração
A concepção que entende a conversão como um caso especial ou particular de interpretação, aparece muitas vezes sob uma nova faceta, ligada à idéia de interpretação integrativa ou integradora do negócio jurídico.
EMILIO BETTI entende que na conversão, parte-se de uma interpretação típica do negócio. Mas, em relação aos resultados, revela-se partidário da interpretação integrativa, enquanto essa tende a desenvolver o sentido da declaração, de acordo com os autores do negócio. Para isso preenchem-se as lacunas existentes, pondo em evidencia um conteúdo antes implícito.
Referenciando em DEL NERO, é que a atividade de conversão do negócio jurídico não se identifica com uma atividade integradora. É provável que, uma vez realizada a conversão do negócio jurídico, venha a ser necessária a realização de uma atividade integradora para suprir eventuais lacunas do "novo" negócio, decorrente da conversão, mas tal fato não faz com que conversão e integração sejam institutos semelhantes.
Integração e interpretação como tarefas prévias da conversão
Faz-se uma crítica acerca da concepção da conversão, como um caso especial da interpretação. A doutrina entende que essa figura não tem uma abrangência demasiada como se pressupõe. Tal consideração é feita, sobretudo pelos adeptos da teoria voluntarista e pelos tratadistas do assunto na vigência do código civil alemão.
Afirmam tais críticos, em verdade, que a interpretação se refere a vontade real das partes, que através dela deve ser estabelecida, ao passo que a conversão opera com base numa vontade hipotética, e que essa vontade, não declarada formalmente, é que vai permitir a produção de efeitos jurídicos, produção a que não se dirigiu qualquer vontade ou declaração.
Conversão como ato de qualificação jurídica
Para DEL NERO a conversão do negócio jurídico é precisamente um procedimento de escolha, devidamente fundamentada entre duas qualificações jurídicas, diferentes, do mesmo negócio jurídico, cujo resultado consiste na atribuição ou no reconhecimento de eficácia jurídica ao negócio jurídico, que poderia assim definir-se, pelo menos em princípio, e denominar-se “conversão substancial do negócio jurídico”.
A qualificação jurídica de um fato será o resultado de uma atividade, lógica e axiológica, que mediante a comparação entre elementos do fato e traços característicos de diversos modelos jurídicos, termina por afirmar que o fato corresponde a um determinado módulo jurídico.
Do ponto de vista objetivo, pode-se certificar que, na qualificação jurídica de um fato, deve-se considerar de um lado, todos os elementos do fato ou, pelo menos, a maior parte deles, e de outro lado, todos os traços característicos do modelo jurídico.
A tese da conversão como qualificação jurídica do negócio, é importante observar que, para seus defensores, deve ocorrer uma atividade de interpretação anteriormente à realização da conversão, o que equivale a dizer que, para a ocorrência da conversão, é necessária a realização de uma prévia atividade interpretativa.
Tal atividade interpretativa terá como objetivo, em um primeiro momento, verificar a ineficácia de um dado negócio jurídico; e, em um segundo momento, verificar a órbita de interesses das partes do negócio, a fim de se apurar as possíveis qualificações jurídicas em que se enquadram tais interesses.
Afirma DEL NERO, apenas após a interpretação da declaração negocial é que "se poderá subsumi-la a algum modelo jurídico-negócial vigente, isto é, proceder à sua qualificação jurídica e, a partir daí, verificar a presença, ou a ausência, dos requisitos e fatores necessários e suficientes à sua eficácia jurídica lato sensu". Questão importante, no âmbito da teoria analisada, é verificar qual seria a natureza da sentença judicial que procede à conversão de um dado negócio jurídico inválido.
Para PONTES DE MIRANDA, a sentença que procede à conversão do negócio jurídico tem natureza meramente declaratória. No mesmo sentido posiciona DEL NERO, afirmando com precisão que a índole do ato de conversão depende da própria concepção que se tiver do procedimento.
Conversão como efeito de uma re-valoração do comportamento negocial
Luiz A. Carvalho Fernandes em sua obra “A conversão dos negócios jurídicos civis”, coloca-se como defensor da conversão como sendo efeito de uma re-valoração do comportamento negocial.
Para o autor, assim, não é correta a classificação do procedimento de conversão do negócio jurídico como ato de qualificação jurídica (ou dupla qualificação jurídica, como menciona), por uma série de razões. Uma delas diz respeito ao fato de que a teoria da qualificação ignora por completo a relevância do negócio jurídico inicialmente inválido, bem como os efeitos, ainda que impróprios ou secundários, dele decorrentes.
A conversão do negócio jurídico ao longo desse trabalho tem sido tratada como mecanismo de se atribuir validade e eficácia jurídica a um negócio inicialmente inválido. Torna-se importante, assim, na análise do instituto, verificar qual o fundamento que autoriza que sejam imputados, ao negócio inicialmente firmado, efeitos que não lhe são próprios. Assim, o fundamento da conversão tem sido objeto de controvérsias doutrinarias. As diversas opiniões afunilam em duas teorias:
A subjetiva, a qual sustenta que tal atribuição de efeitos torna-se possível diante da vontade das partes;
A objetiva, a qual entende que o fundamento do instituto não se baseia na vontade interna das partes, mas sim na análise objetiva da finalidade prática por elas visada.
Fundamentos objetivos da conversão
A teoria objetivista da conversão do negócio jurídico tem como pressuposto não ser necessário indagar se havido vontade das partes dirigida ao segundo negócio, caso tivessem elas tido ciência da invalidade do outro.
De maneira objetiva, atribui-se ao negócio jurídico o caráter normativo de preceito da autonomia privada que visa a estabelecer certa regulação de interesse entre sujeitos, à qual a ordem jurídica liga determinados efeitos, adequados à função econômico-social que caracteriza o tipo de negócio jurídico.
A vontade dos sujeitos privados se exaure com a declaração, tem função secundária de fonte geradora e não essência do negócio jurídico. Não tem a vontade poder na determinação dos efeitos jurídicos
Segundo aponta JUNQUEIRA DE AZEVEDO, o negócio jurídico não pode ser visto como aquilo que as partes querem, mas sim como aquilo que a sociedade vê como sendo o ato de vontade de alguém. O negócio jurídico não deve, assim, ser encarado em uma perspectiva individual, mas sim, social.
Nesse sentido, sustenta o autor que, na conversão do negócio jurídico, o intérprete não deverá se preocupar com o foro íntimo do agente, mas deverá, isso sim, verificar as circunstâncias que compõem o negócio e que, socialmente, lhe fixam os contornos. Deverá preocupar-se com aquilo que aos outros parece ser o que o agente queria.
Fundamentos Subjetivos da conversão
Diferentemente daquilo que se observa no tratamento da conversão numa base objetiva, encontra-se as teorias fundamentadas na vontade das partes. As chamadas “teorias subjetivas” afirmam a necessidade de se indagar e, obviamente ter uma resposta afirmativa, se teria havido vontade das partes, dirigida ao segundo negócio jurídico, caso tivessem elas tido ciência da invalidade do primeiro.
Conforme DEL NERO, para a conversão do negócio jurídico, além da identificação, no segundo negócio jurídico, dos seus elementos objetivos (isto é, dos seus requisitos substanciais e formais), é preciso, também, levar em conta o propósito prático das partes, a fim de remontar a uma sua hipotética vontade, dirigida ao segundo negócio jurídico.
BARBERO, citado por DEL NERO “argumenta-se como efetivo fundamento nas circunstancias do caso e na boa-fé, que, se (as partes) tivessem tido conhecimento da nulidade do negócio especificamente considerado, teriam querido o outro negócio diverso”
Nessas circunstancias, afirma DEL NERO, proceder-se-ia à conversão do negócio jurídico mediante interpretação integrativa, cujo objeto seria a vontade hipotética das partes – construída ex novo, para os fins da conversão, e não reconstruída, como se afirma, de maneira genérica, nas teorias que apontam como fundamento da conversão do negócio jurídico a “vontade hipotética” das partes.
A conversão como manutenção de algo.
HARPPRECHT, citado por DEL NERO afirma em sua obra ocorrer a conversio “quando o fim de um negócio pode atingir-se por diferentes modos, frustrado, por causa de uma deficiência, o modo mais exigente e em principio desejado, pode o negócio subsistir, simultaneamente, num modo parcial, formalmente menos exigente”, ainda que, com isso, o negócio se altere levemente e não seja mais o que em principio deveria ter sido, desde que se atinja genericamente o fim.
A conversão como modificação de algo
As concepções que aparecem predominar em larga medida, da conversão do negócio jurídico como modificação de algo, apesar de longe estar entre elas, a concordância quanto ao “algo” que se modifica. Já no século passado, BRINZ referenciado por DEL NERO cria justificável a expressão “conversão” e leciona; “chama-se conversão a transformação, mediante a qual se entende como outro um negócio jurídico que se não realiza, talvez por ser seu perfazimento, ou, então, sua perfeição, insubsistente. Transformação do caráter do negócio, mas apenas na contraposição entre seu teor e sua existência eficaz: eis a conversão”.
7-Espécies de conversão em relação ao resultado obtido
Conversão substancial
A conversão substancial é aquela em que ocorre a alteração do tipo negocial, de forma que o negócio jurídico inicialmente inválido passe a valer, sob uma roupagem distinta. Assim, para que haja conversão substancial é necessário que ocorra modificação qualitativa em relação à categoria do ato jurídico inválido. Se o ato jurídico permanece com a mesma categoria jurídica, não há que se falar em conversão.
Conversão formal
HUMBERTO THEODORO em Comentários ao Novo Código Civil leciona que a conversão de que se cogita o art. 170 é a que interfere na natureza do negócio jurídico e, por isso, se diz conversão substancial ou material. Rela que o texto legal cogita expressamente da substituição por “outro”, se no bojo do negócio nulo, se contiverem os requisitos suficientes para configurar o substituto.
Exemplificando menciona que uma locação ou compra e venda de bem móvel, tanto vale se contratada por escritura pública como por escrito particular. Inválido o contrato, subsistirá pela forma escrita simples.
Conclui afirmando que não há conversão, em sentido próprio, porque não ocorreu qualificação nova ou diversa do tipo negocial querido pelas partes. Ao contrário, é mantido na mesma categoria arquitetada pelas partes.
8-Conversão em relação a quem a pratica
A par da distinção entre a conversão formal e a substancial, a doutrina aponta algumas outras espécies de conversão, a saber, a conversão legal e a voluntária, classificadas de acordo com quem pratica o ato de conversão (a lei ou as partes). Além das citadas incluiremos ainda, a conversão judicial.
Conversão legal
A conversão legal é aquela que ocorre, em alguns casos especificados na lei, por determinação legal, independentemente de se aferir qual seria a órbita de interesses das partes circunscrita na declaração negocial. A própria lei prevê que, certos negócios, sendo inválidos, "valerão" como outros.
Diferencia-se da conversão substancial, tendo em vista que, na conversão legal, esta ocorre em virtude de uma lei imperativa, ao passo que, naquela, a norma que incide é de natureza dispositiva, podendo ser afastada pela vontade das partes contrária à conversão.
Para PONTES de MIRANDA, a conversão legal dar-se-ia quando houvesse regra jurídica que, a favor de algum dos declarantes ou manifestantes de vontade, ou de interesse público ou do Estado, estatuísse ter-se de considerar concluído o negócio jurídico B, se se quis ou deficientemente se quis o negócio jurídico A.
Conversão voluntaria
Considera conversão voluntária quando as partes, tendo já celebrado um negócio nulo, ou já prevendo a possível nulidade de tal negócio, prevêem que este poderá valer como outro. Alguns autores negam que a conversão voluntária seja espécie de conversão substancial, afirmando que a conversão voluntária mais se assemelha a negócios jurídicos com vontade alternativa.
Ademais, considerando que, é requisito da conversão que as partes do negócio não saibam, ou não tenham previsto a nulidade, verifica-se que, a chamada conversão voluntária difere-se, em mais esse aspecto, da conversão substancial. Entretanto, diante de casos em que as partes não tinham conhecimento, no momento da formação do negócio, do vício que o maculava, passou a doutrina a discutir se a conversão (substancial, no caso), poderia ser feita pelas partes, de forma extrajudicial.
Conversão judicial
A conversão substancial do negócio jurídico, tema do presente estudo, deve ser realizada, sempre, pela via judicial. Entendemos que a sentença que realiza o ato de conversão de negócio nulo e ineficaz tem natureza declaratória, não estando sujeita a prazo de prescrição ou decadência.
Já na conversão dos negócios anuláveis, a sentença tem natureza declaratória e desconstitutiva, sendo que o prazo para o exercício da ação está relacionado ao prazo decadencial, fixado em lei, para o próprio exercício da ação de anulação. Da mesma forma, considera-se ainda, que a conversão é matéria de ordem pública, e pode ser conhecida de ofício pelo juiz, em qualquer tempo e grau de jurisdição, atendidos, obviamente, os requisitos da conversão.
9-Aplicabilidade da conversão
No ponto a seguir apresentamos alguns exemplos de conversões mais frequentes que ilustram os compêndios que tratam do assunto:
a) A letra de câmbio ou nota promissória, que, nulas por vício de forma, podem valer como recibo ou confissão de débito;
b) A cessão de crédito, quando insuscetível de transferência, que pode valer como procuração;
c) A compra e venda que, referindo-se a prédio futuro pode, na inviabilidade de uma condição suspensiva, ser convertida em contrato de opção;
d) Se a compra for nula como tal, pode converter-se em promessa de compra e venda;
e) Se entre proprietários de dois apartamentos se vende o direito de usar certa serventia inseparável da unidade, pode haver conversão para servidão;
f) a falsa declaração de paternidade que se converte em adoção;
g) se o penhor não vale formalmente como tal, pode valer como direito de retenção;
h) a compra e venda de imóvel por nulidade do instrumento pode transformar-se em compromisso de compra e venda, que não depende daquela solenidade para valer.
O tema conversão do negócio jurídico, além de extenso constitui aspectos que ao longo deste trabalho se mostraram evidentes caracterizando-se como figura de conservação do negócio jurídico, de acordo com o qual, na afirmação de TERESA LUSO SOARES, citada por DEL NERO, “a atividade negocial deve ser o mais possível mantida para a consecução do fim prático perseguido”. Foi em EMILIO BETTI que ficou claro a necessidade da existência do critério da boa-fé. Por outro lado, para que se opere a conversão é importante a manifestação de vontade qualificada, ou uma declaração de vontade. Conforme afirma ANTÔNIO JUNQUEIRA, “quando se fala em declaração de vontade, estamos utilizando essa expressão como uma espécie de manifestação de vontade que socialmente é vista como destinada a produzir efeitos jurídicos”. De tudo aprendemos que a conversão não pode ser determinada de ofício pelo juiz, que só poderá ordená-la a pedido dos interessados, ou de uma das partes, opondo-se à ação de nulidade interposta pela outra.
Informações Sobre o Autor
Mario Evaristo Borges
Engenheiro Eletricista, Advogado