A conversão em propriedade, por usucapião extrajudicial, da posse de imóveis públicos, à luz da Constituição Federal

Resumo: Este artigo tem por objetivo fazer uma sucinta abordagem sobre a possibilidade de conversão da legitimação de posse em propriedade por usucapião, prevista no artigo 60 da lei n. 11.977/2009, quando a posse for de imóvel público, como parece ser possível pela leitura dos artigos que antecedem o referido dispositivo legal, e se, em caso positivo, esta inovação é ou não constitucional, face à proibição de usucapião de bens públicos instituída nos artigos 183, § 3º, e 191, parágrafo único, da Constituição Federal da República Brasileira.

Palavras-chave: Legitimação; Posse; Conversão; Usucapião; Bem público.

Abstract: This article aims to make a succinct approach to the possibility of converting the landholding legitimation in property by adverse possession, expressed in the article 60 of the law n. 11.977/2009, when the landholding is of public goods, as it seems to be possible by reading the articles prior to said article, and, if so, this innovation is constitutional or not, given the prohibition on adverse possession of public goods introduced by the articles 183, § 3, and 191, sole paragraph, of the Constitution of the Brazilian Republic.

Keywords: Landholding legitimation; Conversion; Adverse possession; Public goods.

Sumário: 1. Introdução. 2. Desenvolvimento. 2.1. Da regularização fundiária de assentamentos urbanos. 2.2. Da Regularização Fundiária de Interesse Social. 2.2.1. Da demarcação urbanística. 2.2.2. Da legitimação de posse. 2.2.3. Da Usucapião extrajudicial (ou administrativa). 2.2.4. Síntese do procedimento. 2.3. Da função social da propriedade. 2.3.1. Da regularização fundiária e do princípio da dignidade da pessoa humana. 2.4. Da interpretação constitucional do artigo 60 da Lei n. 11.977/2009. 2.4.1. Hermenêutica e interpretação jurídica. 2.4.2. Métodos de interpretação constitucional. 2.4.2.1. Método jurídico ou hermenêutico-clássico. 2.4.2.2. Método científico-espiritual. 2.4.3. Princípios de interpretação constitucional. 2.4.3.1. Princípio da unidade da Constituição. 2.4.3.2. Princípio da proporcionalidade. 2.4.4. Análise constitucional do artigo 60 da Lei n. 11.977/2009. 3. Conclusão. 4. Referências.

1. INTRODUÇÃO

A Lei n. 11.977/2009, que instituiu o programa Minha Casa, Minha Vida, criou institutos jurídicos, como a demarcação urbanística, e forçou uma nova análise de institutos já existentes no ordenamento jurídico brasileiro, como a legitimação da posse e a usucapião.

O nobre propósito de regularizar assentamentos habitados, em regra, pela população de baixa renda, dando maior efetividade à função social da propriedade, todavia, provocou uma situação aparentemente conflituosa, que ainda não foi dirimida pela doutrina e pela jurisprudência, entre a referida Lei e Constituição Federal. Trata-se do que tem sido chamado de “usucapião administrativa ou extrajudicial” de terras públicas, previsto no artigo 60 do mencionado diploma legal.

A reflexão sobre o alcance e a constitucionalidade ou não da referida norma demonstra ser de extrema relevância uma vez que, como não é mister do registrador de imóveis discutir se a lei vigente deve ou não ser aplicada, ou se ela é ou não constitucional, e tendo em vista que, em regra, o procedimento criado pelo artigo 60 da Lei n. 11.977/2009 não é submetido ao crivo do judiciário, a aplicação desse novo instituto aos bens públicos pode gerar efeitos contrários ao ordenamento jurídico difíceis de serem reparados, que podem se prolongar no tempo e afetar relações em cadeia, haja vista o caráter perpétuo e disponível da propriedade.

2. DESENVOLVIMENTO

2.1. Da regularização fundiária de assentamentos urbanos:

A Lei n. 11.977/2009, também conhecida como Lei do Programa Minha Casa Minha Vida, a partir de seu Capítulo III, passou a disciplinar, de forma bem completa, a regularização fundiária de assentamentos urbanos.

Nos dizeres de Eduardo Augusto,

“A Lei n. 11.977/2009 é o documento legal mais completo sobre regularização fundiária, pois além de englobar conceitos específicos, diretrizes e princípios perfeitamente coordenados com o Estatuto da Cidade, trata, com detalhes, das regras procedimentais da regularização fundiária e criou novos instrumentos jurídicos que realmente solucionam o problema.”

A propósito, o artigo 46 da referida norma dispõe que,

“A regularização fundiária consiste no conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais que visam à regularização de assentamentos irregulares e à titulação de seus ocupantes, de modo a garantir o direito social à moradia, o pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.”

Nos dizeres de João Pedro Lamana Paiva,

“O conceito de Regularização Fundiária deve ser entendido como o processo social-jurídico-econômico de transformação, mediante a intervenção do Poder Público na propriedade privada ou pública em decorrência de evidente interesse social, a fim de legalizar a permanência de possuidores em áreas urbanas ocupadas em desconformidade com a lei, de forma a promover o direito social à moradia, a função social da propriedade e da cidade.”

A intenção primordial do legislador foi, claramente, a de prevenir e resolver os problemas sociais advindos do que se convencionou chamar de “propriedade informal”. Informalidade esta que consiste em situações imobiliárias clandestinas e irregulares que deram azo à proliferação de favelas e cortiços, principalmente após a década de 60, quando os investimentos no setor industrial e a abertura da economia brasileira deflagraram o processo de êxodo rural, culminando na expansão desordenada das cidades.

Por outro lado, a mencionada norma também tem como efeito o fortalecimento do direito constitucional de propriedade, bem como da função social que este direito deve exercer, ao viabilizar a obtenção do domínio de direito por quem já o detém de fato. Isso porque, além da formalização registral do parcelamento do solo, a lei possibilita a concessão de títulos registráveis às pessoas de baixa renda que ocupam imóveis urbanos de forma irregular.

A propósito, ao tratar da regularização fundiária de assentamentos urbanos, a lei criou duas modalidades diversas de regularização, a de interesse social e a de interesse específico.

A regularização fundiária de interesse social, nos termos do artigo 47, VII, da Lei n. 11.977/2009, é:

“[…] a regularização fundiária de assentamentos irregulares ocupados, predominantemente, por população de baixa renda, nos casos:

a) em que a área esteja ocupada, de forma mansa e pacífica, há, pelo menos, 5 (cinco) anos; (Redação dada pela Lei nº 12.424, de 2011).

b) de imóveis situados em ZEIS; ou

c) de áreas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios declaradas de interesse para implantação de projetos de regularização fundiária de interesse social;”

De outro lado, a regularização fundiária de interesse específico é a “regularização fundiária quando não caracterizado o interesse social nos termos do inciso VII” (art. 47, inciso VIII).

Neste trabalho analisaremos apenas os aspectos do procedimento de regularização fundiária de interesse social, uma vez que é no capítulo referente a ela que se encontra o artigo 60, cerne da aparente antinomia objeto deste trabalho. Além disso, o procedimento mencionado é mais completo e serve de paradigma para o procedimento da regularização fundiária para fins específicos.

2.2. Da Regularização Fundiária de Interesse Social:

A regularização fundiária de interesse social está prevista nos artigos 46 a 60-A da Lei n. 11.977/2009. Como já mencionado, ela consiste no conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais que visam à regularização de assentamentos irregulares, possibilitando a titulação dos domínios aos ocupantes. Esse instituto visa garantir o direito social à moradia, o pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 46).

Sobre o procedimento da regularização fundiária de interesse social, Eduardo Augusto explica:

“Pela sistemática apresentada pela Lei nº 11.977/2009, o procedimento de regularização fundiária de interesse social possui três fases distintas:

Fase preliminar: elaboração do projeto de regularização fundiária, a cargo do interessado e do poder público;

Fase procedimental: regularização do parcelamento do solo, mediante um procedimento completo e ordenado, presidido pelo registrador imobiliário; e

Fase complementar: registro em prol dos beneficiários, efetuado na matrícula específica da unidade habitacional, apenas se comprovado o direito (posse, uso especial ou domínio) e quando provocado pelo interessado”. (grifei).

2.2.1. Da demarcação urbanística:

O artigo 53 da mencionada lei indica que o procedimento deve iniciar pela confecção, por parte de algum dos legitimados previstos no artigo 50, de projeto de regularização fundiária, que deverá ser submetido à análise e aprovação do Poder Público municipal.

Neste ponto é necessário fazer uma ressalva. Na opinião de Eduardo Augusto,

“O artigo 58 diz que o projeto deverá ser elaborado a partir da averbação do auto de demarcação urbanística, mas isso somente pode ser falha redacional, uma vez que o auto de demarcação urbanística dependerá desse projeto para ser emitido. Há, portanto, necessidade de uma releitura desse dispositivo legal, para torná-lo coerente com o sistema.”

Já o Desembargador Paulista Venício Salles tem outra visão sobre o tema:

“Averbado o auto de demarcação (art. 58), com ou sem desfalque, o Poder Público deverá providenciar novo projeto ou ratificar as plantas e memoriais já elaborados.

O novo projeto determinará o descerramento de nova matricula considerando o fracionamento do solo, indicando a área total, cada um dos lotes e a áreas públicas (art. 66, I), providência que confere mais certeza à regularização, gerando segurança jurídica ao permitir melhor exame registral, afastando as incertezas determinadas pela imperfeição descritiva das antigas glebas. Como proprietários serão anotados todos os notificados.”

Seja qual for o entendimento adotado, após a aprovação municipal do projeto de regularização fundiária (acompanhada do licenciamento ambiental emitido pelo órgão estadual, se for o caso), o Município deverá lavrar auto de demarcação urbanística (ADU).

A demarcação urbanística é um dos institutos criados pela Lei n. 11.977/2009 que, em seu artigo 47, inciso III, a define como o

“[…] procedimento administrativo pelo qual o poder público, no âmbito da regularização fundiária de interesse social, demarca imóvel de domínio público ou privado, definindo seus limites, área, localização e confrontantes, com a finalidade de identificar seus ocupantes e qualificar a natureza e o tempo das respectivas posses”; (sem grifo no original). 

Como se vê, não há dúvida sobre a possibilidade de incidência dos institutos em comento – regularização fundiária de interesse social e demarcação urbanística – sobre bens imóveis públicos.

É o que de depreende, a propósito, do contido no § 5º, inciso III, do artigo 56 da referida Lei, in verbis:

“§ 5º O auto de demarcação urbanística poderá abranger parte ou a totalidade de um ou mais imóveis inseridos em uma ou mais das seguintes situações: […].

III – domínio público.”

Bens públicos ou de domínio público são aqueles de propriedade de uma pessoa jurídica de direito público ou privado prestadora de serviços públicos, desde que o bem esteja afetado à prestação do serviço.

Eles se dividem em três categorias, quais sejam:

a) Bens de uso comum: são bens que podem ser utilizados por qualquer um do povo, a título gratuito ou oneroso (art. 103 CC). São exemplos de bens de uso comum, as praças, praias, ruas, estradas, zoológicos etc;

b) Bens de uso especial: são bens utilizados pelo Estado para suas instalações. Exemplos: prédios de hospitais, escolas, prefeitura, etc;

c) Bens dominicais: são os que o poder público detém como qualquer particular, não estando destinados nem ao uso comum, nem ao uso especial. São bens disponíveis, podendo ser alienados sob determinadas condições.

Elder Luís dos Santos Coutinho lembra também de outra classificação:

“Muitos autores ainda dividem os bens públicos em materiais e formais. Os materiais seriam aqueles bens públicos por excelência, já que destinados à função público-social. Já os bens públicos formais, contrariamente, seriam aqueles desafetados de qualquer destinação pública, ou seja, públicos pela simples designação legal, os quais, no entendimento de alguns doutrinadores, seriam prescritíveis e consequentemente passíveis de aquisição por usucapião, em respeito ao princípio da função social da propriedade.”

Voltando ao procedimento de regularização fundiária, ponto muito importante é a notificação dos demais entes da administração direta prevista no artigo 56, § 2º.

Dispõe o referido dispositivo que, após lavrar o auto de demarcação urbanística, o Poder Público

“[…] deverá notificar os órgãos responsáveis pela administração patrimonial dos demais entes federados, previamente ao encaminhamento do auto de demarcação urbanística ao registro de imóveis, para que se manifestem no prazo de 30 (trinta) dias quanto:

I – à anuência ou oposição ao procedimento, na hipótese de a área a ser demarcada abranger imóvel público;

II – aos limites definidos no auto de demarcação urbanística, na hipótese de a área a ser demarcada confrontar com imóvel público; e

III – à eventual titularidade pública da área, na hipótese de inexistência de registro anterior ou de impossibilidade de identificação dos proprietários em razão de imprecisão dos registros existentes.”

Acerca dessa sistemática, João Pedro de Lamana Paiva explica:

“Pelo que se verifica do disposto no § 2º do art. 56 da Lei n. 11.977/2009, somente se houver manifestação no sentido de que o imóvel seja de interesse para a Administração Pública dos entes federados é que se justificará uma oposição à realização do procedimento de regularização fundiária, de tal forma que esse outro interesse administrativo alegado suplante o manifesto interesse social presente na regularização fundiária em marcha (p. 85).”

Se os notificados permanecerem inertes, entender-se-á que eles anuíram ao procedimento, o que permitirá o prosseguimento da demarcação urbanística (art. 56, § 3º).

Encerrado o auto de demarcação urbanística, ele será encaminhado ao registro de imóveis competente, que promoverá nova notificação, pessoal ou por correio (admitida a via editalícia apenas quando não localizados pessoalmente), de interessados e de eventuais proprietários da área atingida (art. 57, § 2º).

Outra novidade trazida pela legislação sob comento é a função conciliadora do Registrador de Imóveis. Dispõe a lei que, se houver impugnação, o Oficial do Registro de Imóveis deverá promover a tentativa de acordo entre o impugnante (que pode ser um particular ou um órgão da administração direta ou indireta) e o poder público municipal (art. 57, § 9º).

Somente se não houver impugnação ou se, havendo, for obtida a conciliação intermediada pelo Oficial de Registro de Imóveis, é que a demarcação urbanística será averbada nas matrículas respectivas. Não havendo acordo, a demarcação urbanística será encerrada no que tange à área impugnada (art. 57, § 10º).

Importante ressaltar que, incidindo a demarcação urbanística sobre imóvel de outro ente federativo, devem ser respeitadas as legislações desses entes, conforme estabelece o artigo 56, § 4º.

Nada impede, entretanto, que ao invés de assumirem a titularidade do procedimento de regularização fundiária no que tange aos seus imóveis, os referidos entes doem suas áreas para o Município que já está executando tal procedimento.

2.2.2. Da legitimação de posse:

Após a averbação da demarcação urbanística nas matrículas dos imóveis por ela abrangidos, o Poder Público concederá o título de legitimação de posse aos ocupantes dos imóveis objeto da regularização fundiária.

Conforme conceituado pela própria Lei n. 11.977/2009, a legitimação de posse é o “ato do poder público destinado a conferir título de reconhecimento de posse de imóvel objeto de demarcação urbanística, com a identificação do ocupante e do tempo e natureza da posse;” (art. 47, IV).

Já o artigo 59 da mesma lei estabelece que “a legitimação de posse devidamente registrada constitui direito em favor do detentor da posse direta para fins de moradia”, exigindo, em seu parágrafo 1º, que os beneficiários: I) não sejam concessionários, foreiros ou proprietários de outro imóvel urbano ou rural; e II) não sejam beneficiários de legitimação de posse concedida anteriormente.

Esse título de legitimação de posse de imóvel urbano é mais uma das novidades da Lei n. 11.977/2009 que, inclusive, acrescentou ao artigo 167, inciso I, da Lei n. 6.015/73 o item “41”, determinando o registro da legitimação de posse nas matrículas dos imóveis.

Acerca do assunto, valiosa é a observação feita pelo doutrinador Melhim Namem Chalhub, para quem

“A posse legitimada qualifica-se “per se” como um direito funcional autônomo de posse-moradia, que vincula o possuidor ao imóvel e, embora não enumerada entre os direitos de natureza real, constitui direito com eficácia real, na medida em que dará origem à propriedade uma vez cumpridos os requisitos definidos no artigo 60 (obr. cit., p. 231).”

Também merece destaque o escólio de João Pedro Lamana Paiva:

“O título de legitimação de posse é um título precário que só materializa o fato da posse, em relação ao titular do domínio útil, marcando o momento a partir do qual começa a contagem do prazo constitucional de posse ad usucapionem a ser integralizado pelo possuidor (conforme exige o art. 183 da Constituição da República) para que se dê sua posterior conversão em título de propriedade.

A outorga do título pode marcar, também, o momento a partir do qual é possível contar retroativamente a posse ad usucapionen exercida anteriormente pelo possuidor, já que o caput do art. 60 da Lei n. 11.977/2009 assegura não ficarem prejudicados os direitos decorrentes da posse exercida anteriormente à concessão do título de legitimação de posse.”

2.2.3. Da Usucapião extrajudicial (ou administrativa):

Na sequência, chegamos à conversão da legitimação de posse em propriedade pela usucapião.

A conversão da legitimação de posse é um procedimento por meio do qual o interessado, após o prazo de 5 anos da data do registro de seu direito – ou de maior prazo, nas hipóteses de imóvel com área superior a 250 m² (§ 3º) –, apresentando os documentos elencados no § 1º do artigo 60, requer ao Oficial do Registro de Imóveis a conversão de seu título em propriedade, tendo em vista sua aquisição por usucapião, nos termos do artigo 183 da Constituição Federal.

Filio-me a Eduardo Augusto quando ele defende que não se trata de uma nova forma de usucapião, uma vez que os requisitos são os mesmos da usucapião especial do artigo 183 da Constituição Federal, espécie também prevista no artigo 9º do Estatuto da Cidade e no artigo 1.240 do Código Civil.

A única diferença não está relacionada à aquisição da propriedade, mas sim à viabilidade do uso da via administrativa para a sua declaração, para a qual são exigidos os seguintes requisitos:

a) que o imóvel seja integrante de um procedimento de regularização fundiária de interesse social;

b) que tenha sido registrado o título de legitimação de posse expedido pelo poder público; e

c) a contagem do prazo de 5 anos se inicia com a data do registro do título de legitimação de posse.

Encontrando-se em termos o requerimento e realizadas todas as providências legais, compete ao registador imobiliário registrar a conversão do “direito de posse direta para fins de moradia” em “direito de propriedade”, nos termos do artigo 167, I, item “42”, da Lei n. 6.015/73.

2.2.4. Síntese do procedimento:

Do que foi até aqui exposto sobre os artigos da Lei n. 11.977/2009 que disciplinam a regularização fundiária de interesse social, pode-se concluir o seguinte:

a) Só pode usucapir o imóvel administrativamente quem tem título de legitimação de posse (art. 60).

b) Só é concedido título de legitimação de posse de imóvel que foi objeto de demarcação urbanística (art. 47, IV).

c) Só é objeto de demarcação urbanística imóvel – público ou privado – que faça parte de área em que seja realizada regularização fundiária de interesse social (art. 47, III).

d) Só é realizada a regularização fundiária de interesse social em imóveis públicos que tenham sido declarados de interesse para a implantação de projetos de regularização fundiária de interesse social (art. 47, VII, c), ou seja, de imóveis que a própria Administração tenha destinado a tal fim.

O projeto de regularização fundiária, que pode ser iniciado por particular (art. 50), necessita de aprovação do Poder Público municipal. É o que estabelece o artigo 53 da mencionada Lei n. 11.977/2009, in verbis:

“Art. 53.  A regularização fundiária de interesse social depende da análise e da aprovação pelo Município do projeto de que trata o art. 51”.

De tudo isso se extrai que, mesmo que tenha sido iniciado por particulares, o projeto de regularização fundiária só será levado a cabo se houver expressa aprovação da municipalidade, aprovação esta que, evidentemente, só poderá ser concedida se o projeto convergir com as exigências fundamentais de ordenação da cidade delineadas no Plano Diretor do Município.

Nesse sentido é a lição de João Pedro Lamana Paiva:

“O pressuposto para a realização do processo de regularização fundiária de interesse social é a existência de assentamentos irregulares (sem título de propriedade) ocupados por população de baixa renda e que o Poder Público tenha interesse em regularizar, ainda que sejam outros os legitimados a darem início ao processo (ver art. 50) (p. 39).”

Em outras palavras, pode ser dito que só haverá regularização fundiária de interesse social quando a municipalidade entender que esta é a medida adequada para fazer com que o imóvel em questão – seja ele público ou não – cumpra da melhor forma possível sua função social.

A função social da propriedade, a propósito, merece ser analisada em tópico específico.

2.3. Da função social da propriedade:

O direito à propriedade vem sendo protegido desde os primórdios da civilização. Tido, anteriormente, como direito absoluto, ele sofreu e vem sofrendo mitigações e limitações que, ao contrário do que possa parecer, não têm o condão ou o escopo de enfraquecê-lo ou de esmorecê-lo, mas sim de, aproximando-o da realidade social hodierna, torná-lo mais legítimo, mais efetivo.

Conforme bem salientou Robério Nunes dos Anjos Filho,

“[…] Enquanto no reino animal os indivíduos da maioria das espécies preocupam-se com a detenção apenas do indispensável à sua sobrevivência, possui o ser humano uma estranha vocação para a apreensão individual de bens supérfluos. Por outro lado, mais importante ainda, na sociedade humana, por razões econômicas, financeiras e políticas, tem sido a propriedade dos meios de produção.

Historicamente, no entanto, a utilização desses bens nem sempre obedece a regras que dizem respeito ao proveito que possam ter para os demais membros da coletividade, servindo em toda a sua extensão apenas ao proprietário. Essa situação, porém, sofreu alterações significativas no último século. A propriedade deixou de ser vista sob a ótica romanística, como um direito absoluto, exclusivo e perpétuo, relativizando-se. Nesse novo quadro, a discussão acerca da função social dos bens, objeto do presente estudo, possui relevante papel, pois visa coibir as deformações de ordem jurídica ocasionadas pelo uso egoístico e degenerado da propriedade.”

O direito de propriedade no Brasil é reconhecido como direito fundamental, cláusula pétrea.

Como direito fundamental previsto na Constituição Federal, não pode ele servir a outro propósito senão o de auxiliar na concretização dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil previstos no artigo 3º da carta magna: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Para esse desiderato, a própria Constituição Federal estabeleceu que a propriedade deve sempre atender a sua função social (CF, art. 5º, XXII).

Sobre o assunto, Juliano Junqueira de Faria, em seu artigo, esclarece:

 

“[…] A propriedade é assegurada como direito fundamental, desde que atendida a sua função social. Uma nova hermenêutica impõe-se, posto que não se pode vislumbrar a proteção ao direito de propriedade se os demais princípios e garantias fundamentais previstos na Constituição não estão sendo assegurados. […].

A função social da propriedade tem um conteúdo preestabelecido no Título I da Constituição. Jamais devem ser relegados a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a garantia do desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza e da marginalização, a redução das desigualdades sociais e regionais, a promoção do bem de todos sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, como fundamentos e objetivos da República Federativa do Brasil (TEPEDINO, 2001, p. 273).

Nesse sentido, conclui-se que “o conteúdo da função social da propriedade é informado pela própria Constituição, que tem na dignidade da pessoa humana regra basilar” (GONDINHO, 2000, p. 413).

Além disso, a função social da propriedade foi ungida como um dos princípios basilares da ordem econômica (CF, art. 170, III).

Esses dispositivos levaram a uma mitigação da natureza antes absoluta do direito de propriedade. Nesse sentido, discorre José Afonso da Silva:

“Os conservadores da constituinte, contudo, insistiram para que a propriedade privada figurasse como um dos princípios da ordem econômica, sem perceber que, com isso, estavam relativizando o conceito de propriedade, porque submetendo-a aos ditames da justiça social, de sorte que se pode dizer que ela, só ela é legítima enquanto cumpra uma função dirigida à justiça social”. (obr. cit. p. 690).

Dada a importância atribuída à função social da propriedade pela Constituição Federal, ela não pode ser vista como simples limitação ao direito de propriedade. Ela passou a ser parte do próprio conceito de propriedade.

Para Luiz Antônio Zanini Fornerolli,

“[…] da forma que fora construído o texto constitucional, ex vi do art. 5º, inc. XXII e XXIII, e art. 170, inc. II e III, a função social passou a fazer parte do conceito de propriedade.

Esta visão repulsa a simples leitura de ser a função social uma restrição ao direito de propriedade. A restrição não é um limitador, mas um adjetivo que dilarga a compreensão, permitindo-se crer que o proprietário só estará resguardado pela Constituição se der a sua propriedade uma função social. A função social condiciona o direito de propriedade, não sendo mera complicadora deste.”

José Afonso da Silva, da mesma forma, defende a ideia de que a função social está a fazer parte da estrutura do direito, não sendo por isso uma limitação ao direito de propriedade (1995, p. 254). Seguem a mesma linha Fábio Konder Comparato (1986, p. 60), Eros Roberto Grau (1997, p. 249) e Domingos Sávio Dresch Da Silveira (1988, p. 14).

Orlando Gomes sustentou ainda que o princípio da função social da propriedade atinge a substância do direito de propriedade, dando origem a uma nova concepção do instituto (1986, p. 63).

Disso tudo se extrai que a propriedade que não desempenha sua função social não pode ser considerada plena. Tanto é que um dos poderes do proprietário, o “direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha” (CC, art. 1.228), não será absoluto quando o imóvel não estiver cumprindo sua função social e, consequentemente, se enquadrar nas hipóteses do artigo 182, § 4º, da Constituição Federal, que permite até mesmo a desapropriação de imóvel urbano “não edificado, subutilizado ou não utilizado” (CF, art. 182, caput).

A propósito, o constituinte esclareceu que “a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor” (CF, art. 182, § 2º). 

Para que seja possível o cumprimento dessas exigências fundamentais pela população de baixa renda que viva em alguma das situações imobiliárias de “propriedade informal” mencionadas no item “2.1” deste artigo, a criação de mecanismos que reduzam as desigualdades sociais e econômicas da população e proporcionem o acesso de todos à regularização da propriedade imobiliária se mostra essencial.

A regularização fundiária, a usucapião administrativa e as isenções de emolumentos são exemplos de mecanismos facilitadores para a obtenção desse fim.

2.3.1. Da regularização fundiária e do princípio da dignidade da pessoa humana:

Nos dizeres de Ellen Prata Gonçalves, a dignidade da pessoa humana é um princípio que consagra um valor que visa proteger o ser humano contra tudo que lhe possa levar ao menoscabo.

Ele constitui o critério unificador de todos os direitos fundamentais, critério este ao qual todos os direitos do homem se reportam, em maior ou menor grau.

Segundo Juliano Junqueira de Faria, a regularização fundiária tratada na Lei n. 11.977/2009 “busca vincular o homem ao solo urbano já ocupado, garantindo o direito social à moradia. Ao mesmo tempo, busca a regularização fundiária assegurar e implementar a função social da propriedade”.

O douto professor esclarece ainda:

“[…] O princípio da dignidade humana impõe a realização de um estado de coisas. E esse estado de coisas nada mais é do que a realização do homem enquanto homem, enquanto ser humano, posto ser ele o fim almejado. Daí porque a impossibilidade de se pretender que seja o homem um instrumento a serviço do Estado. Ao homem devem ser asseguradas condições de uma vida digna. Faz-se necessária a preservação dos direitos inerentes à dignidade humana, seja por particulares, seja pelo próprio Estado. Todos os comportamentos necessários à efetivação do princípio da dignidade da pessoa humana devem ser levados a feito, mesmo que expressamente não previstos em outra norma. A busca da realização desse estado de coisas, ou seja, da realização da dignidade, deve ser alçada à prioridade, seja do próprio Estado, seja de particulares.

A Lei Ordinária Federal nº 11.977/09, ao prever os procedimentos de Regularização Fundiária, contemplou mecanismo de legitimar a situação jurídica do cidadão que ocupa o solo urbano.

E ao assim fazer, a Lei Federal nº 11.977/09 acaba por contemplar um mecanismo capaz de realizar a dignidade da pessoa humana pois, garante a regularização de ocupações urbanas irregulares, titularizando os ocupantes.

Sem sombra de dúvidas, ao assim permitir, a Lei Federal 11.977/09 favorece a dignidade da pessoa humana, pois permite uma legítima vinculação do ocupante ao solo urbano, que poderá dar a ele uma legítima finalidade, inclusive para fins de moradia, o que também acaba por significar o respeito à função social da propriedade.

Em última e não técnica palavra, trata-se de instrumento capaz de possibilitar uma efetiva melhora de condições de vida da população, embora tenhamos o entendimento de que a imediata realização do procedimento de regularização fundiária exija melhores considerações, que fogem ao âmbito do presente trabalho, dada à impossibilidade da Administração Pública de atender, em tese, a todas as demandas e exigências que lhe são impostas.”

Logo, a regularização fundiária de interesse social de imóveis urbanos, ao possibilitar que esses imóveis cumpram a função social que lhes é exigida pela Constituição Federal, promovendo a regularização registral e a legítima titulação das populações que sobre eles habitam, protege e dá efetividade ao princípio maior da dignidade da pessoa humana.

2.4. Da interpretação constitucional do artigo 60 da Lei n. 11.977/2009:

Para realizar a interpretação constitucional do artigo 60 da Lei n. 11.977/2009 – objetivo central deste debate – com base no que foi até aqui exposto, convém, inicialmente, transcrever o referido dispositivo, que estabelece o seguinte:

“Art. 60.  Sem prejuízo dos direitos decorrentes da posse exercida anteriormente, o detentor do título de legitimação de posse, após 5 (cinco) anos de seu registro, poderá requerer ao oficial de registro de imóveis a conversão desse título em registro de propriedade, tendo em vista sua aquisição por usucapião, nos termos do art. 183 da Constituição Federal (sem grifo no original).

Por outro lado, o Código Civil, em seu artigo 102, estabelece que “os bens públicos não estão sujeitos a usucapião”.

Já o artigo 183 da Constituição Federal, por sua vez, prevê que:

“Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

§ 1º – O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.

§ 2º – Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.

§ 3º – Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião (sem grifo no original).

Mais adiante, consta ainda da carta magna:

“Art. 191. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinquenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.

Parágrafo único. Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião”.

E, na Súmula n. 340 do Supremo Tribunal Federal, restou assentado que “Desde a vigência do Código Civil, os bens dominicais, como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião”.

À primeira vista, há flagrante contradição entre a parte final do artigo 60 da Lei n. 11.977/2009 e o § 3º do artigo 183 e o parágrafo único do artigo 191, estes dois da Constituição Federal. A referida súmula corrobora esse raciocínio.

Entretanto, a conclusão pode não ser tão óbvia quanto parece.

De fato, alguns juristas, como Marcelo Di Battista Mureb, em seu artigo “A Lei nº 11.977/09 e a legitimação da posse: usucapião de bem público?”, defendem a inconstitucionalidade do artigo 60 da Lei n. 11.977/2009.

Outros, como Eduardo Augusto, em seu artigo “Usucapião Extrajudicial; o Instrumento Eficaz da Regularização Fundiária”, defendem que o artigo 60 não é inconstitucional, mas que ele deve ser aplicado apenas quando a regularização fundiária abranger imóveis de domínio privado.

Conjugando ambos os dispositivos – artigo 60 da referida lei e artigo 183, § 3º, da CF –, o referido jurista concluiu que o segundo não invalida o primeiro, mas tão somente o limita às áreas particulares, excluindo os bens públicos de sua abrangência (vale ressaltar que referido jurista mudou seu entendimento quanto ao problema em enfoque, não esclarecendo, todavia, até esta data, qual sua nova percepção sobre o assunto).

Por fim há ainda os doutrinadores que tratam do tema da regularização fundiária de interesse social criada pela Lei n. 11.977/2009 sem enfrentar a aparente antinomia do artigo 60 com os artigos 183, § 3º, e 191, parágrafo único, ambos da Constituição Federal, como é o caso de Luiz Guilherme Loureiro, Venício Salles, Lamana Paiva, entre outros.

O deslinde dessa aparente contradição, entretanto, não pode ser alcançado antes de tecerem-se breves considerações sobre a hermenêutica, a interpretação das leis e os princípios que as informam, de modo que o desenlace da questão em foco será explicitado apenas ao final deste trabalho.

2.4.1. Hermenêutica e interpretação jurídica:

Embora estejam afetas ao mesmo objetivo, qual seja, o de trazer a lume a melhor compreensão do direito, a hermenêutica e a interpretação jurídica são fenômenos que não se confundem.

Nos dizeres de Carlos Maximiliano, citado por Dirley da Cunha Júnior, a hermenêutica é a “teoria científica da arte de interpretar”, enquanto que a interpretação jurídica é a aplicação da hermenêutica (obr. cit., p. 199).

Ainda segundo Dirley da Cunha Júnior, a interpretação jurídica é a atividade prática de revelar/atribuir o sentido e o alcance das normas, para aplicá-las aos casos concretos, uma vez que interpretar nada mais é do que determinar o conteúdo e o significado dos textos visando solucionar o caso concreto.

O referido doutrinador ilustra ainda:

“A interpretação, portanto, envolve duas atividades – uma voltada a desvendar/construir o sentido do enunciado normativo e outra destinada a concretizar o enunciado – e, nesse sentido, apresenta-se também como uma técnica de redução da natural distância que existe entre a generalidade dos textos normativos e a singularidade do caso concreto. Assim, interpretar é também concretizar; e concretizar é aplicar o enunciado normativo, abstrato e geral, a situações da vida, particulares e concretas” (obr. cit., p. 200 – destaques do original).

Dessa concretização, isto é, dessa aplicação do enunciado ao fato concreto é que surge a norma. Interpretar não é apenas compreender o significado do texto, mas sim conjugar esse texto com a realidade, adaptando-o à situação social do momento.

Para arrematar, extrai-se da obra de Dirley da Cunha Júnior valiosa lição:

“A interpretação jurídica, por outro lado, não envolve apenas uma atividade declaratória do intérprete, pois limitá-la a isso corresponde à mesma coisa de negar a sua primordial função de atualizar o Direito operando a sua adaptação às transformações sociais. Assim, “a interpretação do direito é constitutiva, e não simplesmente declaratória. Vale dizer: não se limita a uma mera compreensão dos textos e dos fatos; vai bem além disso” (Grau, Eros Roberto, Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do Direito. 2ª ed., São Paulo: Malheiros, 2003, p. 22). Por isso mesmo, conforme Müller (Müller, Friedrich. Métodos de trabalho do Direito Constitucional. 2ª ed., São Paulo: Max Limonad, 2000, pp-53-67), o texto normativo não contém imediatamente a norma, pois não se confundem texto e norma. Daí o autor haver afirmado, em sua metódica jurídica estruturante, que o texto é apenas a parte descoberta do iceberg normativo, de modo que a norma não compreende apenas o texto, pois abrange também um pedaço da realidade social que o texto só em parte contempla.

Cumpre à interpretação construir a norma, pois não há norma senão norma interpretada. Vale dizer, a norma não é o pressuposto, mas o resultado da interpretação. Não se interpreta a norma, mas sim o texto normativo, pois é dele, através da interpretação, que se extrai a norma. Contudo, não se interpreta apenas o texto normativo senão confrontando-o com sua realidade histórico-social do momento em que ocorre a interpretação. Da interpretação do texto e da realidade obtém-se a norma. A norma, portanto, é o significado da conjugação que o intérprete faz entre o texto normativo e a realidade. Ainda com base em Müller, podemos sustentar que na interpretação a norma é produzida não a partir exclusivamente dos elementos colhidos do texto (mundo do dever ser), mas também dos dados do caso ao qual ela (a norma) deve ser aplicada, quer dizer, a partir dos elementos da realidade (mundo do ser)” (destaques do original).

2.4.2. Métodos de interpretação constitucional:

Para a concretização do enunciado normativo e a consequente construção da norma, faz-se necessária a utilização de métodos de interpretação.

E, quando a interpretação diz respeito a preceitos constitucionais, tais métodos precisam ser aqueles desenvolvidos especialmente para análise deste objeto peculiar – a Constituição.

Cabe ressaltar, como assentado na obra de Canotilho, que não há apenas um método de interpretação constitucional, mas sim um conjunto de métodos, desenvolvidos pela doutrina e pela jurisprudência que, embora tenham sido desenvolvidos com base em premissas distintas, se completam reciprocamente (1997, p. 1136).

Dentre os cinco métodos de interpretação constitucional – jurídico ou hermenêutico clássico; tópico-problemático; hermenêutico-concretizador; científico-espiritual; e o normativo estruturante –, pela brevidade que este trabalho exige, serão aqui analisados apenas o método jurídico ou hermenêutico clássico e o método científico-espiritual.

2.4.2.1. Método jurídico ou hermenêutico-clássico:

Por esse método, a Constituição deve ser examinada da mesma forma que as demais leis. O intérprete deve se valer dos elementos de interpretação clássicos, quais sejam:

a) elemento gramatical ou literal – método usado para aclarar as palavras do legislador;

b) elemento histórico – método que busca a vontade do legislador originário no contexto em que a lei foi editada;

c) elemento sistemático ou lógico – método que analisa a norma jurídica em seu contexto, e em conjunto com outras normas;

d) elemento teleológico ou racional – método que busca a finalidade das normas jurídicas, tentando adequá-la aos critérios atuais; e

e) elemento genético – busca investigar as origens dos conceitos utilizados pelo legislador.

A doutrina e a jurisprudência, inclusive o Supremo Tribunal Federal, entendem ser perfeitamente possível a interpretação de dispositivos da Constituição apenas por este método.

O que ocorre é que, em alguns casos mais complexos, a interpretação constitucional – que, como já mencionado, é a construção da norma a partir do texto – não pode ser realizada de maneira eficiente apenas por esse método, necessitando de uma interpretação especificamente constitucional, voltada à concretização dos valores substanciais da Constituição.

2.4.2.2. Método científico-espiritual:

Dentre os métodos especificamente constitucionais de interpretação de normas, o científico-espiritual é o de maior relevância para o deslinde do objeto deste trabalho.

Para este método, a interpretação constitucional deve considerar a Constituição como uma ordem de valores e como elemento do processo de integração.

Nos dizeres de Dirley da Cunha Júnior,

“[…] a interpretação da Constituição não deve se limitar à análise fria de seu texto, mas também aprofundar-se na pesquisa do conteúdo axiológico subjacente ao texto, pois só o recurso à ordem de valores obriga a uma captação espiritual desse conteúdo axiológico último da Constituição” (2012, p. 225).

Logo, por este método o intérprete deve levar em conta os valores que estão por trás do texto constitucional e a realidade do caso concreto, esta última que é sempre mutável, devendo o aplicador captar essa mudança de sentido.

2.4.3. Princípios de interpretação constitucional:

Segundo Canotilho (1997, p. 1148), os princípios de interpretação constitucional se tornaram referência obrigatória da teoria da interpretação constitucional. Tais princípios, para a doutrina, são os seguintes: da unidade da Constituição; do efeito integrador; da máxima efetividade; da justeza ou da conformidade funcional; da concordância prática ou da harmonização; e da força normativa da Constituição.

Além desses princípios especificamente constitucionais, também são utilizados os princípios da presunção de constitucionalidade das leis, da proporcionalidade e o da interpretação conforme a constituição, embora estes não sejam aplicados exclusivamente na interpretação constitucional.

Pela brevidade que este trabalho exige, trataremos aqui apenas dos princípios da unidade da Constituição e da proporcionalidade, por serem suficientes, na visão deste autor, ao deslinde da controvérsia aqui discutida.

2.4.3.1. Princípio da unidade da Constituição:

O princípio da unidade da Constituição assemelha-se ao elemento sistemático de interpretação do método jurídico ou hermenêutico-clássico.

Segundo esse princípio, as normas constitucionais devem ser interpretadas como partes integrantes de um mesmo sistema, nunca como preceitos isolados e dispersos.

Dirley da Cunha Júnior explica que,

“Em razão deste princípio, a Constituição deve ser interpretada de maneira a evitar contradições entre as suas normas, cabendo ao intérprete considerar a Constituição na sua globalidade, no seu conjunto, no sentido de buscar sempre harmonizar os espaços de tensão existentes entre as normas constitucionais a concretizar. Assim, jamais deve o intérprete isolar uma norma do conjunto em que ela está inserida, pois o sentido da parte e o sentido do todo são interdependentes” (2012, p. 228).

2.4.3.2. Princípio da proporcionalidade:

A proporcionalidade é um importante princípio que orienta não só a interpretação jurídica, mas também toda a atividade da Administração Pública.

Este princípio tem três elementos ou subprincípios:

a) adequação: o ato administrativo deve ser efetivamente capaz de atingir os objetivos pretendidos;

b) necessidade: o ato administrativo utilizado deve ser, de todos os meios existentes, o menos restritivo aos direitos individuais;

c) proporcionalidade em sentido estrito: deve haver uma proporção adequada entre os meios utilizados e os fins desejados. Proíbe não só o excesso (exagerada utilização de meios em relação ao objetivo almejado), mas também a insuficiência de proteção (os meios utilizados estão aquém do necessário para alcançar a finalidade do ato).

Alguns doutrinadores tratam a proporcionalidade como sinônimo de razoabilidade, como Dirley da Cunha Júnior, Luís Roberto Barroso, Pedro Lenza, entre outros.

Outros, como Luís Virgílio Afonso da Silva, defendem que “razoabilidade corresponde apenas à primeira das três sub-regras da proporcionalidade, isto é, apenas à exigência de adequação.[…]” (2002, p. 33).

Seja como for, a proporcionalidade ou razoabilidade consiste em um parâmetro valorativo que permite aferir a idoneidade de uma dada medida legislativa, administrativa ou judicial. Pelo critério da proporcionalidade, é possível avaliar a adequação e a necessidade de certa medida, bem como, se outras menos gravosas aos interesses sociais não poderiam ser praticadas em substituição àquela empreendida pelo Poder Público.

Nos dizeres de Karl Larenz, parafraseado por Dirley da Cunha Jr,

“Utilizado habitualmente para aferir a legitimidade das restrições de direitos, o princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade, consubstancia, em essência, uma pauta de natureza axiológica que emana diretamente das ideias de justiça, equidade, bom senso, prudência, moderação, justa medida, proibição de excesso, direito justo e valores afins; precede e condiciona a positivação jurídica, inclusive a nível constitucional; e, ainda, enquanto princípio geral do direito, serve de regra de interpretação para todo o ordenamento jurídico” (destaques do original).

A respeito da aplicação deste importante princípio geral de direito, orientador de toda interpretação jurídica, na solução de antinomias constitucionais, valiosas são as considerações de Emmanuel Teófilo Furtado e Juliana Cristine Diniz Campos:

“Com base nos mais abalizados critérios propostos pela mais consagrada doutrina constitucionalista, havendo um conflito entre dois direitos, liberdades e garantias, para os quais qualquer restrição não tem a chancela da constituição, deverá o intérprete ater-se a múnus de concordância prática, onde exista um mínimo de sacrifício para os dois direitos conflitantes, evitando assim beneficiar um direito em prejuízo do outro. […].

O certo, pois, é que, ante a existência de um ou mais direitos fundamentais em jogo para a solução de um caso concreto, deverão tais direitos sofrer uma ponderação em face do valor ou do bem que se tem por propósito tutelar. E mencionada postura de relativização para a aplicação de uma norma de direito fundamental traz consigo um leque de várias formas de efetivação dos mencionados direitos fundantes. A solução de conflitos entre princípios se rege pela proporcionalidade em sentido estrito, do que se deduz que a natureza da norma de direito fundamental é a de princípio. De igual sorte, se deduz serem a adequação e a necessidade ou exigibilidade critérios de solução de conflitos por terem as normas de direito fundamental o caráter de princípio.”

2.4.4. Análise constitucional do artigo 60 da Lei n. 11.977/2009:

Fixadas essas premissas, podemos nos voltar à análise do novel instituto da usucapião administrativa.

Como visto, em se tratando de regularização fundiária de interesse social que abranja áreas públicas, há um aparente conflito entre o disposto no artigo 60 da Lei n. 11.977/2009 e nos artigos 183, § 3º, e 191, parágrafo único, da Constituição Federal.

Enquanto que o primeiro estabelece que o detentor do título de legitimação de posse dessas áreas, após 5 (cinco) anos de seu registro, poderá requerer a conversão desse título em registro de propriedade, tendo em vista sua aquisição por usucapião, os últimos vedam a aquisição de bens públicos por usucapião.

Entretanto, o conflito é apenas aparente. Em que pese não haver dúvida de que os bens públicos, em regra, não podem ser usucapidos, essa proibição não deve ser encarada de forma absoluta.

A propósito, já restou decidido no egrégio Supremo Tribunal Federal que,

“[…]. Inexistem garantias e direitos absolutos. As razões de relevante interesse público ou as exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades permitem, ainda que excepcionalmente, a restrição de prerrogativas individuais ou coletivas. Não há, portanto, violação do princípio da supremacia do interesse público” (RE-AgR n. 455283, rel. Min. Eros Grau, j. em 28.3.2006, publ. no DJ de 5.5.2006).

Como já destacado neste trabalho, a função social da propriedade é direito fundamental, instituído no artigo 5º, XXII, da Constituição Federal. Ela também é um dos princípios basilares da ordem econômica (CF, art. 170, III).

Conforme também já esclarecido, a hipótese de usucapião extrajudicial de imóveis urbanos criada pelo artigo 60 da Lei n. 11.977/2009 somente ocorre sobre área que tenha sido objeto de regularização fundiária de interesse social.

Essa regularização fundiária, por sua vez, só existirá quando a municipalidade entender que esse procedimento é a medida adequada para fazer com que o imóvel em questão – seja ele público ou não – cumpra da forma mais eficiente possível sua função social.

É inegável que o Poder Público municipal, ao aprovar o projeto de regularização fundiária, lavrar o auto de demarcação urbanística e conceder aos ocupantes da área os respectivos títulos de legitimação de posse, está reconhecendo que essas medidas são as mais adequadas para que aqueles imóveis cumpram sua função social.

Nesse caso, mostra-se perfeitamente aplicável a tese defendida por Eder Luís dos Santos Coutinho ao analisar hipótese que sequer dizia respeito à regularização fundiária de interesse social:

“O Código Civil e a Carta Maior em princípio, não trazem exceções à regra da imprescritibilidade dos bens públicos. Contudo, em uma interpretação sistemática e teleológica da Constituição, é possível perceber que não seria lícito e legítimo isentar o poder público da observância do princípio da função social da propriedade no que tange a administração de seus próprios bens, notadamente em um Estado Democrático de Direito”.

Também fora do contexto da regularização fundiária, mas em hipótese perfeitamente aproveitável ao debate ora proposto, já se decidiu:

“A norma constitucional que estabelece que os bens públicos são insuscetíveis de usucapião deve ser interpretada de acordo com a destinação do bem. E o bem já desafetado não tem mais destinação pública” (TJSP – Embargos Infringentes n. 9172311-97.2007.8.26.0000/50000, de Campinas, rela. Desa. Lucila Toledo, j. em 22.5.2012).

Se essa conclusão é possível mesmo fora dos casos de regularização fundiária, muito mais possível quando houver interesse social reconhecido pelo Poder Público e não impugnado por quem quer que seja.

Ao tratar da aplicação do princípio da função social da propriedade aos bens públicos, o mesmo Eder Luís dos Santos Coutinho ressalta que

“[…] ao Estado Democrático de Direito não é permitido se furtar do respeito às suas próprias normas. Ademais, pela própria denominação do “bem público”, já se percebe que o “verdadeiro”, ou seja, aquele afetado à destinação pública, está necessariamente em consonância ao princípio da função social da propriedade. A problemática reside na prática, em que vários bens ditos públicos, não possuem afetação. É justamente aí que jaze o descumprimento da função social da propriedade por parte do poder público, o que, para alguns, geraria a possibilidade de aquisição do bem por usucapião.”

Logo, utilizando-se do elemento sistemático de interpretação, vê-se que o artigo 60 da Lei n. 11.977/2009 está em plena consonância com os artigos 5º, XXII, 170, III e 182, § 2º da carta magna.

Por sua vez, não há conflito entre estes artigos 5º, XXII, 170, III e 182, § 2º e os artigos 183, § 3º, e 191, parágrafo único, todos da Constituição Federal. Essa aparente antinomia constitucional é facilmente desanuviada quando olhada sob o prisma dos princípios da unidade de Constituição e da proporcionalidade.

Parece não ser difícil concordar com a ideia de que a função social da propriedade, por ser ao mesmo tempo direito fundamental, princípio da ordem econômica e garantia para o alcance da dignidade da pessoa humana, está colocado em patamar valorativo superior à proteção do patrimônio público, principalmente quando se trata de bem dominical, cuja posse foi legitimada ao seu ocupante pelo próprio Poder Público.

A propósito, discorre Eder Luís dos Santos Coutinho que

“[…] é possível visualizar que a norma-princípio da função social da propriedade poderia se sobrepor à norma-regra da imprescritibilidade dos bens públicos, dependendo do caso concreto.

[…] Não é razoável que o Estado possa deixar de observar o princípio da função social da propriedade, pelo argumento de que o bem público já impende o princípio, simplesmente por ter natureza pública. É necessária a comprovação da destinação pública ou afetação na prática, para que o bem público possa “merecer” a regra da imprescritibilidade.”

Não se trata, evidentemente, de hierarquizar as normas constitucionais, mas sim de que, havendo aparente conflito entre elas, o julgador deve ponderar pela norma mais adequada à concretude dos fatos e à lógica do ordenamento jurídico, decidindo da forma que dê maior efetividade aos direitos constitucionais vistos como um todo.

Outro ponto que merece destaque é a hipótese de haver na área regularizada por um ente federativo – em geral, o Município – um imóvel de outra pessoa jurídica de direito público. Nesse caso, não há razão para se adotar conclusão diferente, uma vez que essa pessoa é notificada para manifestar eventual contrariedade ao procedimento por duas vezes antes da concessão do título de legitimação de posse: uma pelo poder público responsável pela regularização (Lei n. 11.977/2009, art. 56, § 2º) e outra pelo Oficial do Registro de Imóveis (Lei n. 11.977/2009, art. 57, § 1º).

A propósito, Venício Salles salienta que,

“[…] não se divisa inconstitucionalidade no texto da Lei 11.977/2009, pois esta não estabelece qualquer forma coercitiva de transferência patrimonial, na medida em que preserva o percurso judicial sempre que houver disputa entre possuidores e proprietários.”

Portanto, com todo respeito aos ilustres juristas que entendem de forma oposta, não há se falar em inconstitucionalidade do artigo 60 da Lei n. 11.977/2009, uma vez que ele está em plena consonância com a função social que todo imóvel deve exercer, cujo valor deve ser ponderado de forma mais acentuada que o da simples proteção genérica aos bens públicos.

Também não há se falar em afronta à Súmula 340 do Supremo Tribunal Federal. Referido enunciado foi editado com base em precedentes que tinham como referência legislativa apenas dispositivos de leis ordinárias, já revogadas.

Editada ainda no ano de 1963, antes do processo de êxodo rural que colaborou significativamente para a expansão desordenada das cidades brasileiras – conforme mencionado no item “2.1” deste trabalho –, a Súmula 340 não coaduna mais com a realidade em que nos encontramos, merecendo ser revista, para que seja ressalvada a possibilidade de usucapião nos termos do artigo 60 da Lei n. 11.977/2009.

Por fim, vale frisar que também não merece guarida a possível alegação de ofensa ao artigo 102 do Código Civil. Primeiro porque ele não se refere expressamente à impossibilidade de usucapião de bens públicos dominicais. Segundo porque referido dispositivo sucumbe diante do artigo 60 da Lei n. 11.977/2009 tanto quando interpretado com base no critério cronológico quanto no critério da especialidade, previstos nos parágrafos do artigo 2º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei n. 4.657/42).

3. CONCLUSÃO

A antinomia entre a usucapião extrajudicial (ou administrativa) de imóveis urbanos públicos, prevista no artigo 60 da Lei n. 11.977/2009, e a proibição de usucapião de bens públicos, prevista nos artigos 183, § 3º, e 191, parágrafo único, ambos da Constituição Federal, é apenas aparente, uma vez que, de fato, não há conflito.

Isso porque, embora o artigo 60 desvie-se da regra constitucional de proibição de usucapião de bens públicos, a interpretação sistemática demonstra que ele encontra perfeita guarida no seio do direito fundamental da função social da propriedade, facilitando e agilizando o procedimento de regularização fundiária de interesse social e, consequentemente, contribuindo para o fim maior de resguardar e concretizar a dignidade da pessoa humana, fundamento constitucional da República Federativa do Brasil (CF, art. 2º, III).

Também não há se falar em conflito entre as disposições constitucionais proibitivas da usucapião e aquelas que exigem das propriedades imóveis o desempenho de sua função social.

Analisando referidos dispositivos sob o ângulo dos princípios da unidade da Constituição e da proporcionalidade, é fora de dúvida que a regra proibitiva de usucapião de bens públicos sucumbe diante da obrigação imposta pela Constituição Federal, em forma de direito fundamental, de que toda propriedade imóvel urbana, seja pública ou não, exerça sua função social da forma mais ampla possível.

A Súmula 340 do Supremo Tribunal Federal também não deve ser óbice à usucapião extrajudicial. Editada ainda no ano de 1963, a referida Súmula não encontra mais legitimidade na atual realidade social, jurídica, demográfica e política do país.

Por fim, deve se ter em vista que a regra específica do artigo 60 da Lei n. 11.977/2009 excepcionou a regra geral do artigo 102 do Código Civil.

Logo, os Oficiais de Registro de Imóveis não tem nada a temer a respeito da aplicabilidade da usucapião extrajudicial (ou administrativa) prevista no artigo 60 da Lei n. 11.977/2009, mesmo quando a área a ser regularizada abranger imóveis pertencentes a pessoas jurídicas de direito público.

 

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Informações Sobre o Autor

Maicon César Dallabona

Pós-graduado em Direito Notarial e Registral pela Universidade Anhanguera-Uniderp. Servidor público do Poder Judiciário de Santa Catarina desde 2006


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