A Cooperação Regional do Mercosul em prol do Aproveitamento Hídrico Transfronteiriço: aspectos da integração jurídico-econômica do maior potencial hídrico do planeta

Resumo: O presente artigo explorará as perspectivas de gestão sustentável compartilhada para os recursos hídricos entre os países membros do Mercosul, abordando o tema da Integração Regional para o Desenvolvimento Sustentável da região. Detentora do maior potencial hídrico do planeta, o aproveitamento de tais recursos no âmbito do Mercosul voltado aos fins socioeconômicos encontra barreiras institucionais que serão objeto de crítica e perspectiva no artigo, abordando questões de direito internacional da água e sua essencialidade para o desenvolvimento de cada país membro, tanto no panorama social, sobre acesso à água, quanto econômico, nas mais diversas vertentes de sua necessidade. Através de uma metodologia multidisciplinar, o artigo desenvolver-se-á em consonância com a legislação de integração do Mercosul e análise geopolítica, apresentando muito mais que resultados de pesquisa, mas alçando soluções de curto e grande prazos para uma questão emergente na sustentabilidade local.

Palavras-chave: Gestão comunitária; águas transfronteiriças; integração regional; Mercosul.

Abstract: This article will explore the prospects for shared sustainable management for water resources among member countries of Mercosur, addressing the topic of Regional Integration for Sustainable Development in the region. Holds the largest hydropower potential in the world, the use of such resources within Mercosur aimed at socio-economic purposes is institutional barriers that will be subject to criticism and perspective in the article, addressing international law issues of water and its essentiality to the development of each country member, both in the social scene on access to water, the economic, the most diverse areas of their need. Through a multidisciplinary approach, the article will be developed in line with the integration of Mercosur legislation and geopolitical analysis, with much more than search results, but by lifting short and wide term solutions to an emerging issue in local sustainability.

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Keywords: community management; transboundary waters; regional integration; Mercosur.

Sumário: Introdução; 1. Direito Internacional da Água e o acesso à água; 2. Mercosul e a Gestão da Água; 2. a. Zonas de Soberania Compartilhada e a Crise Hídrica; 3. Tratados e Precedentes; Conclusão; Referências Bibliográficas:

Introdução

Sudeste brasileiro, Mendonza/Argentina, norte uruguaio e Venezuela. Além das regiões citadas estarem dentro do campo de integração inter-regional do Mercosul, tais lugares têm em comum o fato de enfrentarem escassez de água nas últimas décadas. Apesar de regulada por inúmeros instrumentos legais no âmbito do grupo, a questão de gestão comunitária ainda não obteve o verdadeiro êxito em prol da sustentabilidade de recursos hídricos transfronteiriços.

A questão da crise hídrica não aparece somente na América do Sul, mas vem surgindo no âmbito de Estados e Organizações Internacionais como uma questão emergente. Pesquisas indicam que as mudanças climáticas tendem a atingir a distribuição de água doce pelo mundo, fazendo com que a cooperação entre os setores público-privado-sociedade civil seja a única via de solução integrada e equilibrada no sentido de mitigar vulnerabilidades sociais, econômicas e ambientais.

Nesse entendimento, a 57º Assembleia Geral das Nações Unidas encarregou a UNESCO como órgão competente para incentivo de debates entre os sujeitos internacionais e promoção de valores intrínsecos aos direitos humanos, os quais o acesso à água é pilar essencial na manutenção da qualidade de vida de populações. Nestes termos, por meio de análises críticas de alternativas e deficiências do sistema legal do Mercosul, órgão internacional ao qual os países com maior disponibilidade hídrica do mundo compõem-no, expondo pareceres do Subgrupo de Trabalho em Matéria Ambiental do grupo e explorando o potencial jurídico de tratados bilaterais entre países membros. A análise crítica das vias legais internacionalmente proporcionadas à gestão comunitária potencializará as perspectivas do grupo sobre o tema, demonstrando ainda da urgência para qual a questão das águas transfronteiriças deve ser encarada a fim de conduzir políticas compartilhadas em consonância com a necessária sustentabilidade de exploração hídrica.

1. Direito Internacional da Água e o acesso à Água

Diante dos primeiros sinais de destruição ambiental em massa, os movimentos ambientalistas eclodem de maneira essencial na segunda metade do século XX, século este que coincidiu com o início de um rol de tratados internacionais sobre temáticas e a problemática ambiental, tendo como marco inicial a Convenção das Nações Unidas para Meio Ambiente Humano, também conhecida como Conferência de Estocolmo (1972), amplamente reconhecida como um marco nas tentativas de melhorar as relações entre homem e meio ambiente, além ter inaugurado a busca em prol do equilíbrio entre desenvolvimento econômico e diminuição da degradação ambiental em sentido amplo, que mais tarde tornar-se-ia a vigente noção de desenvolvimento sustentável.

O entendimento principiológico foi refletido, posteriormente, em debates dos mais diversos segmentos da sociedade, atingindo também, por analogia, a importância do reconhecimento do acesso a água como direito humano. Sendo a água precondição indispensável para alcançar os demais direitos humanos, a carência de seu acesso equitativo atinge todos os demais direitos estabelecidos e correlacionados à boa qualidade de vida de um indivíduo, ora, o direito à saúde e ao bem-estar, assim como os direitos civis e políticos.

A Conferência de Mar Del Plata foi o evento internacional pioneiro a abordar a questão hídrica, uma vez que o contexto da época apontava para o aparecimento de uma crise advinda de ações antrópicas desequilibradas e carência de programas de gerenciamento integrado dos recursos hídricos. Deu-se dando ênfase também ao abastecimento em água potável e saneamento nos países em desenvolvimento, afirmando que “todos os povos, quaisquer que sejam seu estágio de desenvolvimento e suas condições sociais e econômicas, tem direito ao acesso à água potável em quantidade e qualidade à altura de suas necessidades básicas” (VARGAS, 2000).

Sucedida pela Conferência Internacional sobre a Água e Meio Ambiente na (1992), entraram em debate as pesquisas científicas sobre deterioração das águas doces, apontando as primeiras soluções de forma conjunta entre as instituições dos governos, sociedade civil e organizações internacionais, premissas estas que continuem, em inúmeros casos, carentes desta integração. Ainda assim, a Conferência propôs aos países participantes o Programa “A Água e o Desenvolvimento Sustentável”, inscrevendo, concomitantemente, um princípio que se mostrou essencial na quebra do paradigma sobre questões hídricas, o da vulnerabilidade de caráter finito da água doce, assim como seu caráter essencial para garantir a vida, o desenvolvimento e o meio ambiente.

No seguimento dos documentos positivados que construíram o direito internacional da água, têm-se a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992), que culminou na produção de diversas propostas postas em consenso internacionalmente, propondo assim uma melhor integração entre ser humano e natureza. Tal documento foi ratificado e, posteriormente adotado por 178 países. Põe-se para leitura do item 18.5, que propõe as seguintes áreas de programas para o setor de água doce: “A)Desenvolvimento e manejo integrado dos recursos hídricos; B) Avaliação dos recursos hídricos; C) Proteção dos recursos hídricos, da qualidade da água e dos ecossistemas aquáticos; D) Abastecimento de água potável e saneamento; E) Água e desenvolvimento urbano sustentável; F) Água para produção sustentável de alimentos e desenvolvimento rural sustentável; G) Impactos da mudança do clima sobre os recursos hídricos.” (AGENDA 21, 1992).

Portanto, percebe-se a ascensão de um debate sobre uma iminente crise hídrica que atinge cada vez mais nações, que buscam, através do soft law proporcionado pela codificação internacional, princípios e ferramentas que regularizem os conflitos advindos da noção de soberania, e proporcionem vias de cooperação política e ações integradas para um melhor aproveitamento de tais recursos.

2. Mercosul e a Gestão da Água

2.a. Zonas de Soberania Compartilhada e a Crise Hídrica

Doutrinariamente as águas internacionais superficiais e subterrâneas dividem-se em rios, lagos e aquíferos internacionais. Historicamente conhecido por separar ou atravessar dois Estados, os rios contíguos sucessivos, respectivamente, tiveram sua noção voltada a ideia de bacia hidrográfica internacional. As chamadas “Regras de Helsinque” sobre à utilização das águas dos rios internacionais, adotadas em 1966, tiveram um papel essencial na utilização equitativa e razoável das águas transfronteiriças, em consonância à evolução das regras de proteção das águas continentais, uma vez recursos naturais compartilhados.

Países como Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, que integram o Mercado Comum do Sul (Mercosul), partilham um imenso reservatório hídrico interior e não devem enfrentar dificuldades para abastecimento populacional ou para outros usos da água. Entretanto, devem regulamentar o acesso a ela para que não ocorra sua contaminação nem o esgotamento dos recursos hídricos.

Somente no Brasil há 12% de toda água doce superficial do planeta, perfazendo cerca de 5,4 trilhões de m³. Em termos matemáticos a disponibilidade média alcança os 18,5 m3/dia/hab. (MACHADO, 2010). Apesar da discrepante abundância, 71,1% concentra-se na região amazônica, favorecida por um clima equatorial de intensa pluviosidade, guardando estreita relação com a vegetação natural e emissões biogênicas da floresta, em um ciclo que garante altos níveis de água por toda a Bacia Amazônica, cujo Rio Amazonas alcança a vazão de 209.000 m³/s, mais do que o dobro do segundo lugar mundialmente, o Rio Congo.

Além dessas imensas reservas de água superficial, no Brasil, situam-se importantes aquíferos subterrâneos, encontrando-se esse Estado, mesmo, em uma situação privilegiada quanto ao tempo de “recarga”. O Aquífero Guarani, o mais importante deles, tem volume suficiente para abastecer, durante 200 anos, a população mundial.[1]

Em contradição à supracitada abundância hídrica no Brasil, há um quadro contraditório que aponta que 20% da população brasileira (isto é, cerca de 34 milhões de pessoas) não tem acesso à água potável, 40% da água das torneiras não tem confiabilidade, 50% das casas não têm coleta de esgotos e 80% do esgoto coletado é lançado diretamente nos rios, sem qualquer tipo de tratamento (MACHADO, 2010). Tais dados são o símbolo da ineficaz e talvez inexistente gestão dos recursos hídricos nacionais. O gerenciamento ineficaz leva, por exemplo, região como o Nordeste, que teria capacidade hídrica suficiente à população, a enfrentar racionamentos que são marca da região desde os primórdios da história brasileira. No âmbito de alta concentração urbana, tem-se no desperdício a principal forma de ingerência.

Devido à dicotomia abundância de água/escassez no acesso, criou-se o Índice de Pobreza de Água (WPI), responsável por fazer medições baseados nos critérios disponibilidade, possibilidade de acesso, capacidade de manejamento e impacto ambiental, sendo então vias de avaliação das relações água-sociedade. Tal dicotomia atinge todos os países da América Latina, em uma crítica situação que vem agravando-se nas últimas três décadas. O processo de urbanização acirrou as pressões sobre melhorias no meio ambiente, num processo de construção da quarta geração de direitos humanos, marcada pelo aumento de codificações no tema, conforme observado no item anterior, e lutas sociais para maior alcance na sociedade civil.[2]

3. Tratados e Precedentes

Em meados dos anos 2000 foi criado o Subgrupo de Trabalho de Meio Ambiente (SGT 6), responsável pelas inquietações documentadas sobre a temática. Neste que foi elaborado o Acordo Quadro sobre Meio Ambiente do Mercosul (2001), que reafirma os compromissos acordados na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente (1992), além da Reunião de Ministros de Meio Ambiente do Mercosul (2003), sendo estas instâncias deliberativas sobre a ordem ambiental do Grupo. Gize-se que a segunda foi criada no intuito de constituir um foro de influência política, apresentando-se na instituição como ferramenta de consulta das decisões ligadas ao meio ambiente.

Inegável que o Subgrupo é via essencial na afirmação da imprescindível cooperação dos países membros como instrumento central para a sustentabilidade entre as ações dos membros do bloco regional. Põe-se em destaque os princípios elencados pelo artigo 3º do Acordo Quadro, vejamos: a) promoção da proteção do meio ambiente e aproveitamento mais eficaz dos recursos disponíveis mediante a coordenação de políticas setoriais, com base nos princípios de gradualidade, flexibilidade e equilíbrio. ”

Nota-se o caráter progressista na incorporação positivada de tais princípios, uma vez que emanam dos moldes advindos da Declaração do Rio de Janeiro (1992), na busca pela conservação ambiental em consonância com o desenvolvimento econômico.

Tal número também é expressivo tratando-se de aquíferos, cujos dois maiores do planeta encontram-se na mesma região. A região onde encontra-se o Rio da Prata, que geologicamente coincide em alguns territórios como aquífero guarani, abriga quatro países em uma região transfronteiriça historicamente conhecida por conflitos e litígios jurisdicionais, ora Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, protagonistas da guerra que assolou o continente no século XIX, Guerra do Paraguai (1864-1870).

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Apesar do histórico de conflitos, houve uma eficaz estabilidade política na região com a demarcação de fronteiras e posterior configuração do Mercosul, que destacou a posição geopolítica e econômica que a bacia detém. Porém, foi com o advento do Comitê Internacional Coordenador dos Países da Bacia do Prata (1969) que o direito internacional das águas emergiu o princípio da unicidade de bacia, culminando com a assinatura do Tratado da Bacia do Prata (1969) e a Declaração de Assunção (1971), marco jurídico mercosulense. Nesse sentido, uma base principiológica veio a definir as diretrizes políticas da região, através do mútuo reconhecimento estatal da cooperação, proibição de dano sensível, uso equitativo e razoável, além do desenvolvimento sustentável. O posterior ingresso venezuelano no grupo favoreceu a expansão de perspectivas de integração intergovernamental, sendo essencial o Tratado Constitutivo da União das Nações Sul-americanas, incorporando também para o rol de políticas conjuntas sobre recursos hídricos as bacias Amazônica e Orinoco.

A fim de evitar conflitos de interesses soberanos, na 13º sessão das Nações Unidas, surge na codificação internacional a Declaração sobre a Soberania Permanente em Relação aos Recursos Naturais (1962), apresentando um posicionamento de conciliação, adotando uma visão de direito ao desenvolvimento em relação à soberania sobre os recursos naturais. Reconhece-se assim a soberania permanente tais recursos, fundamentando-se na autodeterminação e relações horizontais dos Estados. Entretanto, errônea é a interpretação que tal soberania é absoluta e ilimitada, pois, voltando-se ao uso de recursos hídricos transfronteiriços, há uma responsabilidade compartilhada de consumo equilibrado e não degradação por atos nocivos, ao mesmo tempo que cabe ao poder governamental o estabelecimento de políticas e gerenciamento de tais.

Nesse ínterim, válido por em destaque a Resolução 3129/73 da Assembleia Geral das Nações Unidas, que fomenta a implementação de medidas de cooperação ambiental por meio de padrões compartilhados de exploração do recurso que dividem. Logo, no viés normativo injustificável se tornou a alegação da soberania como barreira logística-formal à cooperação bilateral/multilateral ambiental. Uma vez que os “recursos hídricos não respeitam fronteiras, a água é uma substância fluida e em constante movimento, o que obriga o seu reconhecimento como recurso natural compartilhado entre diversos Estados”. Diante de uma mazela de ação coletiva, cabe ao poder estatal pactuar e proteger de forma integrada o recurso hídrico compartilhado.

Justamente diante de contradições sobre sua soberania e diante de uma iminente crise hídrica é que as nações buscam forma de reinterpretar a perspectiva de interpretação, a fins garantir meios político-legais de compartilhar recursos essenciais na manutenção da qualidade de vida de populações locais. Por um viés jurídico contemporâneo, diante de uma situação de águas transfronteiriças, a ideia de soberania absoluta, é corretamente substituída pela noção de divisão igualitária de direitos e deveres, a fim de determinar políticas cooperativas para um uso sustentável. Na América do Sul, tal visão cooperativa deu-se como uma das mais essenciais vias de empreendimento do desenvolvimento socioeconômico regional, tendo revelando-se uma ferramenta primordial para os avanços do direito de integração, iniciado na região pelo Tratado de Assunção (1971).

No entanto, ainda primordialmente ao Tratado de Assunção, tratados bilaterais versaram de forma eficaz sobre a questão de cooperação de tais recursos, destacando-se o Tratado da Bacia do Prata (1969), junto aos tratados que deste ramificaram-se sobre a bacia de importância culminante em termos de geopolítica. Por meio destes, os países mercosulense tem encontrados maneiras alternativamente sustentáveis de dividir os encargos de descontaminação sobre águas e atração de financiamento externo.

Gize-se o papel que as Organizações Internacionais têm tido ao proporcionar uma “plataforma” de dados técnicos sobre os recursos compartilhados, incentivando e dando condições favoráveis à governança coletiva. Tem-se o Projeto Proteção Ambiental e Gerenciamento Sustentável Integrado do Sistema Aquífero Guarani, que, mediante participação conjunta dos países que administram toda esta região hidrográfica, e financiados pelo Fundo Mundial para o Meio Ambiente, criou uma plataforma de dados técnicos e conjuntamente adquiridos, para assim resultar na assinatura a ratificação de um acordo internacional voltado à gestão do Aquífero Guarani. Foi mediante esforços de coordenação da Organização dos Estados Americanos que tal avanço político-jurídico foi alcançado para a região. Porém, apesar da inicial institucionalização cooperativa, obstáculos como a carência de arranjo institucional e simetria de informações adquiridas aumenta a desconfiança mútua e obstam os esforços entre as nações.

Os avanços sobre a governança coletiva do Aquífero Guarani alcançaram outro ponto forte através da Decisão CMC nº 25 de 07 de agosto de 2004, que estabeleceu um Grupo Ad Hoc para o Aquífero Guarani no cerne de decisões do Mercosul, a fim de elaborar outro acordo entre os Estado partes para gestão coletiva. Novamente, tais esforços encontraram barreiras nas disputas politicoeconômicas entre Argentina e Uruguai a respeito das papeleiras instaladas no Rio Uruguai, culminando então, no fim das atividades do grupo em 2005.

No intuito de ultrapassar as disputas econômicas entre os países, a política de integração do Mercosul, através do Parlamento, buscou a criação do Instituto regional de pesquisa e desenvolvimento da água subterrânea e da proteção ambiental dos aquíferos do Mercosul/INRA Mercosul. Tais negociações tiveram de pôr fim a assinatura de um acordo sobre o Aquífero Guarani, institucionalizando um sistema de gestão transfronteiriça que buscaria remediar litígios regionais. Entretanto, tal acordo ainda carece de instrumentos legais para habilitá-lo a resolver efetivamente os conflitos de governança coletiva e litígios ambientais internacionais, não recebendo recepção material pelo Tratado de Assunção.

Conclusões

A cooperação inter partes vem em consonância com os princípios basilares do Mercosul, devendo ainda proporcionar melhor articulação entre as instituições e Organizações Internacionais que garantem uma base técnica de estudo ambiental, e os órgãos nacionais responsáveis pela gestão de tais recursos. Pode-se, através das já consolidadas instituições resolução de conflitos do Grupo, encontrar uma solução de litígios entre nações que ainda disputam por questões hídricas, para assim efetivar termos de acordos e reformas necessárias para um melhor compartilhamento. Valorizar os meios já existentes, que foram resultado de incontáveis negociações diplomáticas, garantirá um ponto de partida para melhorar o entendimento comum e consagração de novas instituições.

Diante de tamanhos desafios institucionais imprescindíveis ao desenvolvimento social dos países que formam o Mercosul, é que o gerenciamento sobre aproveitamento e continuidade dos recursos hídricos adquire um caráter de relevância geopolítica para o processo de integração. Ainda que inicialmente dirigido às trocas comerciais e derrubada de protecionismos internos, os avanços político-institucionais graduais que o grupo tem apresentado são essenciais para alcançar formas adequadas e eficazes de governança transfronteiriça hídrica.

A própria Declaração de Johanesburgo (2002), dispõe em seu art. 26: “Reconhecemos que o desenvolvimento sustentável requer uma perspectiva a longo prazo e uma ampla base de participação na formulação de políticas, tomadas de decisões e a implementação em todos os níveis […].

A criação de um ambiente favorável a tais mudanças tem sido observada pelo incentivo ao debate de questões ambientais que os subgrupos de estudo têm apresentado, além do forte incentivo e participação das OIs neste processo, formalizando uma base técnica que atua de forma a garantir políticas conjuntas eficientes de uso e manutenção dos recursos compartilhados. Entretanto, os ainda evidentes conflitos políticos e a falta de racionalização do processo afastam as nações do poder de efetivar acordos, devido ao ainda incerto custo-benefício de tais ações coletivas.

A abstenção do Mercosul no sentido de regulamentar a governança compartilhada, apesar de obstáculo à diplomacia da cooperação, pode ser superada por diálogo entre as partes e solução pacífica de litígios internacionais. Nesse sentido, o grupo alcança melhores vias através da instrumentalização de trocas comerciais do que na solução e regulamentação de questões ambientais, o que foi claramente demonstrado através da falta de institucionalização dos acordos relativos à gestão hídrica transfronteiriça. É preciso, portanto, que os governos e as demais entidades da sociedade civil se conscientizem da conjuntura mundial de interdependência e da necessidade de coordenação de esforços para tomada de soluções efetivas no combate aos graves problemas, na medida em que os especialistas afirmam que estratégias isoladas tenderão ao fracasso.

Nesse sentido, destaca-se que a diplomacia assume caráter central na superação dos obstáculos e deficiências citados alongo do artigo, em que, pelo incentivo de métodos de reciprocidade e estabelecimento de benefícios comuns, pela divisão razoável de encargos, trará às práticas de governança mais eficientes. Portanto, a prática de negociações e troca constante de informações pode influenciar no arranjo de instituições para gestão hídrica, cabendo logo então, ao Mercosul como OI, a facilitação acolhimento das regras advindas no cerne das soluções de controvérsias.
 

Referências:
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Notas
[1]O aquífero Guarani tem uma exploração incipiente nos quatro países. No Brasil, porém, o aquífero já abastece de água potável aproximadamente 500 cidades paulistas, com populações entre 3.000 e 500.000 habitantes. Na Argentina, existem cinco perfurações termais no setor oriental da Província de Entre Rios. No Paraguai, há 200 poços para consumo humano na região oriental do país e, no Uruguai, 135, em sua maioria, em centros termais (ibid.). Os estudos sobre os aquíferos estão muito adiantados, informa Rebouças (1999). Desde 1997, a pesquisa sobre o Sistema Aquífero Guarani (SAG), a cargo da universidade argentina de Santa Fé e Buenos Aires, da Universidade do Uruguai e de várias universidades públicas brasileiras, é financiada pelo Banco Mundial. ” (MACHADO, 2010)

[2] Cabe também destacar que “(…) nossa “crise da água” está longe de ser uma mera fração de nossa “crise urbana”. A produção de dejetos aquáticos, aumentada em 20 vezes ao longo do século XX, assim como a poluição difusa, relacionada à agricultura, ameaçam, continuamente, nossas reservas de água. Milhares de ribeirinhos perdem sua fonte de alimentação com a destruição de inúmeros ecossistemas aquáticos, enquanto cresce o número dos afetados por doenças relacionadas à água. Apesar de constituir o maior sistema de água doce do mundo, de possuir uma baixa densidade populacional, já é possível observar, mesmo na Amazônia, danos, decorrentes do desflorestamento, da erosão do solo e da degradação/contaminação de corpos de água, e impactos negativos sobre habitats aquáticos, a biodiversidade e o próprio ciclo hidrológico” (GUIMARÃES; CUDO; CALLEDE, 1997).


Informações Sobre o Autor

Felipe de Macedo Teixeira

Acadêmico de Direito da Universidade Federal do Rio Grande-FURG


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