Resumo: Inicialmente, buscamos fazer uma análise sintética sobre a defesa intraprocessual abordando a terminologia do instituto, o conceito, a natureza jurídica e o momento adequado para a sua interposição. Por conseguinte, passamos a discorrer sobre as matérias passíveis de alegação em sede de defesa intraprocessual para, finalmente, analisar a possibilidade de sua interposição nas execuções fundadas em título judicial e extrajudicial após o advento das Leis 11.232/2005 e 11.382/2006.
Palavras-chave: Ampla Defesa. Contraditório. Defesa intraprocessual. Exceção de Pré-Executividade. Objeção de Pré-Executividade.
Abstract: At first, we decided to make a synthetic analysis about the intraprocessual defense, approaching the terminology of the institute, it’s concept, it’s legal nature and the right ocasion for it’s interposition legal. Therefore, we start to discourse about the possible arguments in the defense, and then, finally, to analyze the possibility of it’s interposition in the executions established in judicial and extrajudicial heading after the advent of Laws 11.232/2005 and 11.382/2006.
Keywords: Contradictory.Exception of ‘pré-executividade’. Legal defense. ‘Intraprocessual’ defense. Objetcion of ‘pré-executividade’.
Sumário: I. Introdução; II. Análise sintética sobre o instituto; III. A defesa intraprocessual na fase de cumprimento de sentença, por execução, e nas execuções por título extrajudicial após o advento das Leis 11.232/05 e 11.382/06; IV. Conclusões.
I. Introdução
Como é sabido, a defesa intraprocessual, mais conhecida por exceção/objeção de pré-executividade, não está prevista em nosso ordenamento processual civil, constituindo-se, portanto, numa criação doutrinária[1] [2] com vasta aceitação pelos nossos Tribunais, visando substituir – anteriormente à edição da Lei 11.232/05, bem como a Lei 11. 382/06 -, os embargos do executado nas hipóteses em que se fazia imanente o interesse público, no que tange às matérias cognoscíveis ex officio pelo magistrado (incisos IV, V, e VI do art. 267 do Código de Processo Civil), quais sejam: a prescrição, excesso de execução, pagamento, compensação e novação[3], desde que, logicamente, não necessitassem de dilação probatória para o seu reconhecimento, embora o posicionamento da doutrina e da jurisprudência quanto ao cabimento deste instrumento nestas quatro últimas matérias ainda não seja pacífico.
Assim, temos que, ao nosso entender, uma das vantagens da criação deste instituto, além da ausência de prazo legal para a sua apresentação e a economia processual – pois evita diligências e atos processuais desnecessários –, diz respeito ao fato de que o executado não necessitaria oferecer bens à penhora para a segurança do juízo, diferentemente da hipótese de interposição dos embargos à execução, tanto nos fundados em título judicial, quanto nos fundados em título extrajudicial, como exigia o art. 737 do Código de Processo Civil, revogado pela Lei 11.382/2006.
Ocorre que, com o advento da Lei 11.232/2005 que alterou profundamente a execução de título judicial tornando esta apenas uma fase do processo de conhecimento, tendo em vista a técnica do sincretismo processual adotada por nosso legislador e, principalmente, com as modificações introduzidas pela Lei 11.382/06 na execução de título extrajudicial possibilitando, destarte, a interposição dos embargos do executado independentemente de ser ofertado bens à penhora para a garantia do juízo, nos moldes do que reza o caput do art. 736 do Código de Processo Civil[4], começaram a surgir dúvidas a respeito do cabimento, interesse, e da necessidade deste mecanismo de defesa em face da nova sistemática processual adotada.
Assim, face ao exposto, passaremos a analisar – ainda que de forma sucinta, diante do propósito a que se destina este trabalho –, a possibilidade ou não do cabimento da exceção/objeção de pré-executividade na execução civil por quantia certa, à luz das novas reformas impingidas pelo legislador infraconstitucional em nosso ordenamento processual civil.
II. Análise sintética sobre o instituto
Sempre acreditamos que, na Ciência do Direito, não se deve dar tanta a importância para a terminologia adotada pelos doutrinadores aos institutos, mas sim, à sua natureza jurídica, ou seja, à sua essência e à finalidade a que os mesmos se prestam. No entanto, em face da disparidade de denominações utilizadas pela doutrina e pela jurisprudência para tratar do instituto em apreço, convêm enveredarmos sobre a questão para que possamos justificar o modo como iremos nos referir ao mesmo durante este trabalho.
Com relação à nomenclatura utilizada para denominar o aludido incidente na execução – apesar de, repita-se, não primarmos pelo mero capricho na utilização de nomes para designar ações ou incidentes –, apenas em atenção à boa técnica processual e para fins meramente didáticos, ousamos tentar diferenciar a terminologia adotada pelos doutrinadores e Tribunais para, ao final, escolhermos àquela que melhor se identificará com o instituto.
A expressão “objeção” é uma terminologia mais acadêmica e doutrinária, e quer significar que o juiz deve conhecer de ofício matérias de ordem pública ao despachar a inicial. Já a expressão “exceção” sugere que as matérias sejam argüidas pela própria parte – no caso, o executado –, desde que não dependa de dilação de provas[5].
O Professor Sérgio Seiji Shimura elenca as matérias que podem ser elencadas em sede de objeção, exceção de pré-executividade e nos embargos do devedor, realizando a seguinte classificação:
“a) matérias que podem e devem ser conhecidas de ofício pelo juiz, isto é, matérias de ordem pública (pressupostos processuais e condições da ação); tais defesas são argüíveis por meio de ‘objeção de pré-executividade’;
b) materiais que devem ser objeto de alegação da parte, sendo, porém, desnecessária qualquer dilação probatória para sua demonstração; podem ser veiculadas pela chamada ‘exceção de pré-executividade’;
c) matérias que devem ser alegadas pela parte, cuja comprovação exige dilação probatória, nesse caso, mister se faz oposição dos respectivos embargos do devedor”. [6]
Sobre a matéria, obtemperam os Professores Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, sustentando que: “o instituto também é conhecido como exceção de pré-executividade, mais no sentido de que exceção significa defesa de que pela precisão terminológica, porque tecnicamente defesas de ordem pública são designadas objeções”. [7]
Ainda, sobre a questão terminológica, Paulo Henrique dos Santos Lucon entende que “as objeções versam sobre matéria de defesa e são cognoscíveis de ofício pelo julgador por se referirem as ‘questões de ordem pública’ passíveis de apreciação independentemente de qualquer iniciativa do demandado (CPC, arts. 267, § 3º, e 301, § 4º)”, enquanto a exceção de pré-executividade possui maior amplitude de matérias, incluindo, a argüição de matérias relacionadas com o mérito da ação e que podem ser levantas pelas partes, senão vejamos:
“exceção, em sentido amplo, diz respeito à defesa, incluindo aqui também aquelas matérias relacionadas com o mérito, que dependem da iniciativa da própria parte interessada e não podem ser conhecidas ‘ex oficio’ pelo órgão julgador. Dentro da boa técnica processual, essas matérias devem ficar reservadas ao campo exclusivo dos embargos, já que o processo executivo não tem por escopo um julgamento de mérito, que discipline a real situação existente entre as partes litigantes”. [8][9]
O ilustre doutrinador Paulo Henrique dos Santos Lucon ainda tece fundadas e pertinentes críticas a respeito da terminologia “pré-executividade”, sustentando que essa nomenclatura nos dá a idéia de que esta petição viria antes da própria execução, o que, como sabemos, é falsa, eis que, a objeção/exceção do executado, logicamente, somente é interposta após a propositura da execução, senão vejamos o seu magistério:
“A expressão ‘objeção de pré-executividade’ merece ser criticada, pois por pré-executividade’ tem-se, numa primeira análise, a falsa impressão de algo que vem ‘antes’ da execução propriamente dita. Na verdade, quando se alega a assim denominada ‘objeção de pré-executividade’, a petição inicial da execução já foi devidamente distribuída e, em alguns casos, atos constritivos já ocorreram”.[10]
E, ainda, completa o doutrinador paulista: “Além disso, a matéria relativa à objeção pode não se referir à ‘executividade’, tal como ocorre, por exemplo, no caso de falta ou nulidade de citação no processo cognitivo anterior”.[11]
José Miguel Garcia Medina ao realizar a distinção entre exceções e objeções nos explica que:
“As matérias que devem ser conhecidas de ofício pelo órgão jurisdicional, independentemente de provocação do interessado, são chamadas de ‘objeções’, ao lado daquelas matérias que somente merecem ser analisadas se houver provocação pela parte, que são chamadas exceções. (…)
As exceções ficam submetidas, em regra, aos efeitos da preclusão, visto que, não sendo oportunamente alegadas, não mais poderão sê-lo no futuro pela parte interessada, ou apreciadas pelo juiz; diversamente, as objeções não se submetem a tal efeito preclusivo, podendo ser deduzidas a qualquer tempo, e devendo ser conhecidas de ofício pelo juiz.” [12]
Utilizando-se de terminologia distinta, o Professor Olavo de Oliveira Neto entende que a denominação correta não seria “exceção” nem “objeção” de pré-executividade, mas sim, “incidente de pré-executividade”, argumentando que:
“não é a matéria veiculada ao conhecimento do juiz que determinará se estamos diante de uma exceção ou de uma objeção de pré-executividade” sendo certo de que “o que importa, em verdade, é que o juiz possa fazer cognição exauriente sobre a matéria objeto do incidente de plano, sem a necessidade de procedimento dilatado para aferir se o executado tem ou não razão a respeito da matéria que alega”. [13]
E conclui o ilustre magistrado e processualista paulista:
“Ora, se não é a matéria veiculada no remédio jurídico utilizado, mas sim a forma de cognição, que permite ao juiz decidir independentemente dos embargos e da segurança do juízo, então não podemos adotar a classificação proposta quanto à defesa do executado e aceitar suas três espécies (exceção, objeção e embargos), porque a exceção e a objeção constituem apenas um incidente processual que surge e deve ser resolvido no próprio bojo do processo de execução. É por isso que não há necessidade de se discutir acerca da denominação do instituto (exceção X objeção) e é por isso que sua denominação correta deve ser incidente de pré-executividade, como temos utilizado desde o início deste trabalho”.
Em que pese o brilhantismo da definição acima realizada, temos que a mesma crítica tecida alhures pode ser aplicada no que tange à utilização da expressão “pré-executividade” pelo aludido doutrinador, eis que, o incidente somente é interposto após a propositura da ação executiva ou requerimento pleiteando o cumprimento da sentença, por execução.
Desta forma, a melhor definição sobre instituto, ao nosso entender, seria “defesa intraprocessual”, expressão utilizada por Edson Ribas Malachini[14], de espectro mais abrangente servindo para alcançar toda e qualquer defesa realizada dentro do processo de execução ou na fase de cumprimento de sentença.
No que se refere ao conceito da defesa intraprocessual nos ensina Olavo de Oliveira Neto que a mesma se trata: “de criação doutrinária e pretoriana, cuja possibilidade de aplicação deve ser considerada em face de seus diversos aspectos em frente do sistema jurídico existente”. [15]
Com relação à natureza jurídica da defesa intraprocessual, temos que grande parte da doutrina entende que se trata de um incidente defensivo[16]. Já outros autores, como Feu Rosa[17], entendem que não se tratam de defesa, mas sim de “provocação do órgão jurisdicional”, com a natureza jurídica de objeção.
Entendendo possuir a defesa intraprocessual natureza de incidente defensivo, Alberto Camiña Moreira obtempera:
“Exceção de pré-executividade, criação doutrinária, admitida pela jurisprudência, é incidente defensivo. Não goza de contemplação normativa, nem precisa, pois é latente no sistema processual. (…)
O incidente recai sobre algo; a exceção de pré-executividade recai sobre o processo de execução. Não está prevista em lei processual e sua argüição pelo devedor constitui momento novo no processo, fora do caminho então previsto, que caracteriza, assim, o incidente, subentendido no arcabouço processual brasileiro”.[18]
Dentre os autores que entendem tratar-se a defesa intraprocessual de um incidente processual está Olavo de Oliveira Neto, o qual assevera que “o instituto ora estudado tem a natureza jurídica de incidente processual, já que se trata da inserção, no bojo do procedimento executivo, da produção de atos que nele não são previstos”. [19]
Nessa esteira, posicionou-se o ilustre Professor Paulo Henrique dos Santos Lucon, a saber: “A ‘objeção de pré-executividade’ tem a natureza jurídica de ‘incidente processual’, não havendo a seu respeito uma disciplina específica na lei processual”. [20] [21]
Embora a defesa intraprocessual não se trate de contestação propriamente dita, cuja ausência acarretaria revelia, uma vez que no processo de execução inexiste este instituto[22], temos que é inegável que a mesma possui natureza jurídica defensiva, constituindo-se numa manifestação clara da existência do Princípio Constitucional do Contraditório que também deve ser respeitado na execução[23] – em que pese o mesmo não possuir a mesma incidência quando em comparação ao processo de conhecimento que possui um espectro muito maior, haja vista a possibilidade de atacar o mérito da demanda –, uma vez que neste processo se estabelece atos expropriatórios visando a satisfação de um crédito estampado num título executivo judicial ou extrajudicial.
No entanto, devemos ressaltar que o Princípio do Contraditório não se caracteriza apenas pela possibilidade da parte apresentar contestação, mas sim, pelo direito do executado reagir a todo e qualquer ato praticado no processo que lhe seja desfavorável[24], caracterizando por conter as funções de ação, reação, informação e participação.
E, quanto aos requisitos da defesa intraprocessual, tanto no cumprimento de sentença por execução, quanto na execução de título extrajudicial, a doutrina e a jurisprudência têm entendido que para o seu cabimento deve a matéria versada ser exclusivamente de direito – sendo as mesmas facilmente vislumbradas até mesmo ex officio pelo magistrado –, como por exemplo, a ausência de uma das condições da ação ou pressupostos processuais, a prescrição, ou ainda, versar sobre matéria que se comprove exclusivamente através de prova documental já constituída (prova pré-constituída), como o pagamento, a novação e a compensação, embora essas últimas hipóteses tenham encontrado alguns posicionamentos desfavoráveis tanto da doutrina quanto da jurisprudência.
Divergências à parte, o que se faz pacífico, porém, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, é que para o cabimento da defesa intraprocessual na execução não se admite dilação probatória, devendo o executado trazer prova pré-constituída para demonstrar o seu direito, ou alegar matérias cognoscíveis de ofício, as quais não necessitam da produção de provas para serem visualizadas.
III. A defesa intraprocessual na fase de cumprimento de sentença, por execução, e nas execuções por título extrajudicial após o advento das Leis 11.232/05 e 11.382/06
Antes de analisarmos as hipóteses de cabimento, ou não, da defesa intraprocessual na fase de cumprimento de sentença por execução, e na execução por título extrajudicial, entendemos ser necessário realizar uma breve análise a respeito da impugnação e dos embargos do executado após o advento das Leis 11.232/05 e 11.382/06.
Pois bem. Anteriormente às aludidas reformas, o nosso legislador, inspirado no Princípio da Autonomia, tinha criado um processo de execução “puro”, independente dos demais processos, visualizando, portanto, a prática de atos executivos somente dentro do processo de execução, e atos de cognição apenas no processo de conhecimento, em razão da diversidade das atividades praticadas nos processos de conhecimento, execução e cautelar.[25]
Partia-se da idéia de que no processo de execução apenas se praticavam atos expropriatórios, visando, exclusivamente, a satisfação do crédito do exeqüente, podendo o executado, destarte, se insurgir contra este processo executivo através de processo distinto, ou seja, de uma ação incidental de natureza desconstitutiva chamada embargos.
Assim, o nosso Código de Processo Civil de 1973, seguindo os passos do de 1939, estabeleceu, tanto para as execuções fundadas em título executivo judicial quanto nas fundadas em título extrajudicial, o mesmo procedimento para a interposição dos embargos, diferenciando apenas nas matérias que poderiam ser suscitadas pelo embargante/executado. Enquanto nos embargos à execução fundada em título judicial as matérias eram limitadas às previstas no art. 741[26], nos embargos à execução fundada em título extrajudicial poderiam ser alegadas, além das previstas no aludido dispositivo, ainda, toda e qualquer outra matéria de defesa possível para o processo de conhecimento, nos moldes do que rezava o art. 745[27] do CPC.
No entanto, importante salientarmos que para a interposição dos embargos era exigido, tanto nas execuções fundadas em título judicial quanto nas fundadas em título extrajudicial, a garantia do juízo através da penhora em se tratando de execução por quantia certa, e do depósito da coisa em se tratando de execução para a entrega de coisa, como preconizava o art. 737[28] do Código de Processo Civil, revogado pela Lei 11.382/2006.
Ademais, os embargos deveriam ser interpostos no prazo de 10 (dez) dias contados da juntada aos autos da prova da intimação da penhora na execução por quantia certa; do termo de depósito, da juntada aos autos do mandado de imissão na posse, ou de busca e apreensão, na execução para a entrega de coisa; da juntada aos autos do mandado de citação, na execução de fazer ou não fazer, nos moldes do modificado art. 738[29] do Código de Processo Civil.
Registre-se, ainda, que os embargos, independentemente de se tratar de execução fundada em título judicial ou extrajudicial, tinham, como uma de suas características principais, o condão de suspender a execução, de acordo com o que rezava o revogado § 1º[30], do art. 739 do Código de Processo Civil.
Diante das reformas introduzidas pelas Leis 11.232/05 e 11.382/06, as quais modificaram, respectivamente, o procedimento de execução de título judicial com a implantação da técnica do sincretismo processual (reunião dos processos de conhecimento e execução em uma mesma relação processual), bem com as significativas alterações sofridas no procedimento da execução por título extrajudicial, o qual, ainda, manteve a autonomia do procedimento em homenagem ao Princípio da Autonomia – que constitui, atualmente, exceção à nova sistemática que prega a existência do modelo processual sincrético -, temos que ocasionaram procedimentos diversos para ambas as espécies de execuções, dependendo do título executivo que a embasar.
No que tange ao meio defensivo previsto para a nova fase de cumprimento de sentença, o executado poderá, agora, impugnar, no prazo de 15 dias contados após a intimação do auto de penhora e de avaliação, a teor do que prescreve o § 1º[31], do art. 475-J do CPC, diferentemente da sistemática adotada pela Lei 11.382/06 que modificou os arts. 736[32] e 738 do aludido codex, permitindo, destarte, que o executado ofereça embargos, no mesmo prazo, após a citação e independentemente de penhora.
Em que pese a diferente sistemática adotada para a execução de título judicial e extrajudicial no que tange a necessidade ou não da realização da penhora para apresentação da impugnação e dos embargos, acreditamos não haver infração aos Princípios Constitucionais do Contraditório e da Ampla Defesa, uma vez que estamos diante de uma mera opção do legislador que, ao adotar a referida técnica, tentou impingir maior celeridade e efetividade ao procedimento da execução por quantia certa, exigindo a penhora para a realização da impugnação na execução fundada em título judicial, exigência essa perfeitamente razoável e compreensível, haja vista que nesta modalidade de execução o título embasador deve, ao menos em tese, conter maior “certeza” sobre a existência do crédito em favor do exeqüente, uma vez que já passou sob o crivo do Poder Judiciário, o que justifica, também, a limitação do rol de matérias que podem ser argüidas por parte do executado, como veremos abaixo.
De acordo com o que reza o art. 475-L[33], de forma semelhante ao revogado art. 741 do Código de Processo Civil, a impugnação somente poderá versar sobre a falta ou nulidade de citação se o processo correu à revelia do executado (inciso I); inexigibilidade do título (inciso II); penhora incorreta ou avaliação errônea (inciso III); ilegitimidade de partes (inciso IV); excesso de execução (inciso V); e sobre qualquer causa impeditiva, modificativa ou extintiva da obrigação, como pagamento, novação, compensação, transação ou prescrição, desde que superveniente à sentença (inciso VI).
Assim, entendemos que, da mesma forma que na antiga execução fundada em título judicial, a defesa intraprocessual poderá ser interposta na nova sistemática adotada pelo Código de Processo Civil – obviamente, independentemente de penhora e da observância do prazo de 15 dias estabelecido para o oferecimento da impugnação –, nos casos de clarividente ausência das condições da ação, como na hipótese de manifesta ilegitimidade de parte; ausência de pressuposto processual de existência como, por exemplo, a falta de citação válida do réu no processo de conhecimento o que torna a sentença, por conseqüência, inexistente juridicamente; no caso da prescrição do título executivo; ou, até mesmo, na hipótese de compensação, novação e pagamento do executado com a juntada de recibo, desde que, para tanto, não necessite de dilação probatória (insta novamente ressaltarmos que tanto a doutrina quanto a jurisprudência não são unânimes em aceitarem a interposição do instituto nessas últimas hipóteses).
Nesse sentido, vejamos o posicionamento de Paulo Henrique dos Santos Lucon, para quem:
“Após a apresentação do requerimento por parte do exeqüente e antes da penhora, poderá o executado apresentar matérias de ordem pública, que podem e devem ser conhecidas de ofício pelo julgador, bem como matérias relativas ao mérito da execução, desde que demonstradas por meio de provas pré-constituídas. O seu objetivo é claro: evitar uma constrição ilegal, que causa grandes transtornos a que legitimidade não deve”.[34]
Vejamos, também, o posicionamento de Araken de Assis, o qual fora peremptório ao afirmar:
“A esperança de que, ensejada a defesa do executado através de impugnação incidental, se eliminaria automaticamente o campo propício à exceção de pré-executividade, desvanece-se à primeira vista. Em primeiro lugar, ao executado interessa impedir a penhora; ora, a impugnação pressupõe semelhante constrição, notando-se que o prazo para impugnar (art. 475-J, § 1º) fluirá da intimação que porventura se faça desse ato executivo. Ademais, vencido o prazo para impugnar, por qualquer motivo, subsistem as objeções (por exemplo, a ilegitimidade) e as exceções (por exemplo, a prescrição, a teor do art. 193 do CC de 2002) imunes ao fenômeno da preclusão. Assim, a impugnação incidente não basta à defesa do executado. É preciso acatar suas alegações formuladas antes e após a fluência do prazo para impugnar. À iniciativa do executado ilegal ou injustamente se dê o nome que se quiser, e o crítico mais impertinente achar correto e atraente: nada se alterará, substancialmente, no que toca à necessidade e ao cabimento da defesa interna à execução”.[35]
Alguns doutrinadores, como Luiz Rodrigues Wambier, Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina, ao analisarem a questão, entendem que, no que se refere às matérias dispostas no inciso I, II, e IV do art. 475-L do Código de Processo Civil, estas poderão ser argüidas através da “exceção de pré-executividade” independentemente da realização da penhora, em razão de os temas poderem ser reconhecidos de ofício pelo magistrado, ou, bastando uma simples petição por se tratarem de pressupostos da própria atuação executiva. Contudo os ilustres doutrinadores parecem não entender ser possível a utilização do instituto para a argüição de adimplemento do crédito através da juntada de recibo de pagamento, senão vejamos:
“As matérias que podem ser veiculadas na impugnação podem ser assim agrupadas: (a) inexistência dos pressupostos da própria tutela executiva, com a inexigibilidade do título executiva, como a inexigibilidade do título executivo (inc. II), a ilegitimidade das partes (inc. IV) etc; (b) validade e adequação dos atos executivos, como no caso de nulidade da penhora (inc. III); (c) inexistência da obrigação contida no título executivo judicial, em razão da ocorrência de fato superveniente (‘defesa indireta’), a que se refere o inc. VI do art. 475-L.
Os temas referidos nos itens (a) e (b) podem ser examinados ‘ex officio’ pelo órgão jurisdicional, nada impedindo que o executado os argua através de simples petição, ‘antes da realização da penhora’, ou seja, antes da oportunidade processual adequada para a apresentação da impugnação (art. 475-J, § 1º). Rigorosamente, não faz sentido exigir que o executado mova ação de conhecimento contra o exeqüente para alegar, por exemplo, inexigibilidade do título, ou ilegitimidade das partes, `já que estes são pressupostos da própria atuação executiva do juiz’.”[36]
Portanto, a nova sistemática adotada pela Lei 11.232/2005 à execução de título judicial, apesar de ter realizado profundas alterações, não trouxe grandes novidades no que se refere à possibilidade da apresentação da defesa intraprocessual, restando, praticamente, as mesmas hipóteses de cabimento admitidas no antigo procedimento.[37]
No entanto, já no que tange ao ingresso da defesa intraprocessual no processo de execução fundado em título extrajudicial, temos que, em razão da Lei 11.382/2006 ter trazido algumas alterações substanciais em nosso sistema processual permitindo ao executado a possibilidade de interposição dos embargos independentemente de penhora, este “meio de defesa”, apesar de ainda continuar sendo passível de aplicação, destarte, concordamos que restou limitado o seu raio de atuação, perdendo, de certa forma, a sua utilidade.
Como já aduzimos acima, a grande vantagem da criação da defesa intraprocessual em nosso sistema processual fora a de que o executado poderia, independentemente de ofertar bens à penhora, através de simples petição, se insurgir contra a realização dos atos executivos, demonstrando ao juiz matérias que o mesmo deveria analisar de ofício, como, por exemplo, a ausência de condições da ação e pressuposto processual de existência e validade.
Assim, com a alteração do art. 736 do Código de Processo Civil realizada pela Lei 11.382/2006, que tornou desnecessária a garantia do juízo para que o executado ofereça seus embargos, parece-nos que a defesa intraprocessual nas execuções fundadas em título extrajudicial somente será cabível na hipótese de o executado, devidamente citado, não apresentar os embargos no prazo legal.
Comungando desse entendimento, vejamos o magistério de Luiz Rodrigues Wambier, Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina, in verbis:
“Segundo pensamos, tal alteração elimina, praticamente, a utilidade do manejo da exceção de pré-executividade, no início do desenvolvimento do processo de execução. Com efeito, dentre as principais razões apresentadas pela doutrina e pela jurisprudência para justificar a admissibilidade da exceção (ou objeção) de pré-executividade, encontrava-se, como se viu, a idéia de que seria injusto submeter os bens do executado à penhora para, só depois, possibilitar-lhe a alegação de pagamento, de nulidade do título etc”.[38]
Importante ressaltarmos que, caso a defesa intraprocessual seja interposta fora do prazo dos embargos, acreditamos que não poderá ser alegada, em seu bojo, matéria de mérito sujeita à preclusão, que deverá ser realizada no prazo de 15 (quinze) dias a contar da juntada do mandado de citação, a teor do que prescreve o art. 736 do Código de Processo Civil.
Convêm registrarmos, ainda, que tanto na hipótese do executado manejar defesa intraprocessual em face de execução fundada em título judicial quanto na fundada em título extrajudicial fora do prazo previsto, respectivamente, para a impugnação e para os embargos, o executado deverá apresentar as matérias cognoscíveis de ofício na primeira oportunidade que lhe fora dada para falar nos autos, sob pena do mesmo vir incidir nas sanções previstas nos arts. 22 e 267, § 3º do Código de Processo Civil[39].
IV. CONCLUSÕES
Diante do exposto, resta mais do que clarividente a possibilidade do executado, mesmo após o advento das Leis 11.232/2005 e 11.382/2006, interpor a defesa intraprocessual – mais conhecida pela doutrina e jurisprudência como “exceção” ou “objeção” de pré-executividade -, alegando, fora do prazo para a impugnação e para os embargos e, independentemente de ofertar bens à penhora para a garantia do juízo, matéria cognoscível ex officio pelo magistrado (§ 3º, art. 267, do Código de Processo Civil).
No entanto, convêm registrarmos que, com a nova sistemática adotada pela Lei 11.382/2006 ao processo de execução por quantia certa embasada em título extrajudicial, o qual passou a não mais exigir a garantia do juízo com o oferecimento da penhora de bens para o oferecimento dos embargos, pensamos que a defesa intraprocessual perderá consideravelmente, nesta modalidade de execução, a sua utilidade, uma vez que o referido instituto fora criado justamente visando driblar a aludida exigência legal, nos casos onde era manifesta a existência de vícios do título executivo ou nulidade do processo de execução. No entanto, o executado ainda poderá utilizar o referido instituto no caso do mesmo, deparando-se com as situações de cabimento demonstradas alhures (com exceção, obviamente, das matérias de mérito que estarão sujeitas à preclusão), não ter interposto, no prazo legal, os embargos.
A defesa intraprocessual, como o próprio nome que adotamos neste trabalho já diz, é a mais clara existência dos Princípios Constitucionais do Contraditório e da Ampla Defesa no processo de execução[40], correspondendo este incidente, nas palavras de Carlos Alberto Carmona, em nada mais do que “a reação do devedor ao processo malformado ou à ausência de uma das condições da ação executiva”[41], razão pela qual devemos continuar enaltecendo o instituto, mesmo após a nova sistemática da execução civil por quantia implantada pelas Leis 11.232/05 e 11.382/06, ressaltando a sua importância e utilidade para o Direito Processual Civil.
Informações Sobre o Autor
Rodrigo Lanzi de Moraes Borges
Mestre em Direito Constitucional pela ITE/SP. Especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Advogado