A democracia moderna na concepção de Norberto Bobbio

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Resumo: A partir da leitura do livro O Futuro da democracia, de Norberto Bobbio, foi possível verificar que o autor defende a democracia formada por um conjunto de regras. Na concepção de Bobbio, a regra da maioria é apenas um elemento utilizado para o cálculo dos votos em uma democracia real. Dada a impossibilidade de se instalar uma democracia direta nos Estados modernos por conta da complexidade da sociedade, a representatividade do poder torna-se necessária. Nesse passo, Bobbio sustenta que os representantes eleitos não podem exercer mandatos imperativos. Norberto Bobbio ainda ressalta que a publicidade do poder é imprescindível, pois a visibilidade dos atos governamentais é o instrumento que os cidadãos têm para o controle e fiscalização dos atos de governo e, para que o poder estatal esteja em consonância com as vontades dos governados, é necessário que exista educação para a cidadania.[1]


Palavras- Chave: Norberto Bobbio. Democracia. Representação.


Abstract: From reading the book The Future of Democracy, Norberto Bobbio, we observed that the author defends democracy formed by a set of rules. In the design of Bobbio, the majority rule is just one element used for the calculation of votes in a real democracy. Given the inability to install a direct democracy in modern states because of the complexity of society, the representation of power is necessary. In this step, Bobbio argues that elected representatives can not exercise imperative mandates. Norberto Bobbio also emphasized the power that advertising is essential, since the visibility of government actions is the instrument that citizens have for the control and supervision of government action and, for that state power is in line with the wishes of the governed, there must be education for citizenship.


Keywords: Norberto Bobbio. Democracy. Representatio.


Sumário: 1 Introdução; 2 A regra da maioria; 3 Representatividade do poder; 4 Publicidade do poder e educação para a cidadania; 5 Considerações finais; Referência das fontes citadas.


1 Introdução


O presente artigo científico surge como uma reflexão crítica a partir da leitura do livro O futuro da democracia[2], de Norberto Bobbio, que nasceu em Turim, na Itália, no ano de 1909, e faleceu também em Turim, em 2004. Filósofo, escritor e senador italiano, Bobbio ocupou-se de teoria política, filosofia do direito e história do pensamento político[3].


Em sua vasta bibliografia, o autor italiano publicou diversos livros tais como Teoria geral da política[4] e Estado, governo, sociedade[5], entre outros, que serão ainda abordados neste trabalho.


O presente artigo embasa sua importância e justificativa não apenas no que concerne à teoria bobbiana, mas também porque a obra de Norberto Bobbio apresenta-se como relevante contribuição para a compreensão da democracia dos Estados modernos, especialmente no Brasil do século XXI.


As assertivas conteudísticas do estudo ora apresentado não se restringem às ideias de Norberto Bobbio, tampouco têm o condão de exaurir o conceito de democracia aplicável à contemporaneidade, mas apenas pretendem demonstrar a teoria do mestre italiano sobre o que foi prometido pela democracia e o que de fato foi realizado.


Apresentar-se-á, nas linhas seguintes, o relatório da pesquisa encetada com a exposição de aspectos sobre a doutrina de Norberto Bobbio no tocante à regra da maioria, à democracia representativa, ao princípio da publicidade do poder e à educação para a cidadania.


2 A regra da maioria


A democracia, para Norberto Bobbio, caracteriza-se pela constituição pactuada de um conjunto de regras fundamentais que estabelecem quem está autorizado a tomar decisões coletivas e com quais procedimentos. Tais regras são denominadas por Bobbio como universais processuais:


“1) todos os cidadãos que tenham alcançado a maioridade etária sem distinção de raça, religião, condição econômica, sexo, devem gozar de direitos políticos […]; 2) o voto de todo o cidadão deve ter igual peso; 3) todos aqueles que gozam dos direitos políticos devem ser livres para votar […]; 4) devem ser livres também no sentido de que devem ser colocados em condições de escolher entre diferentes soluções […]; 5) seja para as eleições, seja para as decisões coletivas, deve valer a regra da maioria numérica […]; 6) nenhuma decisão tomada por maioria deve limitar os direitos da minoria […]”[6]


Norberto Bobbio considera que a liberdade política deve ser condição elementar para a tomada de decisões, assim como sustenta que a regra da maioria deve ser aplicada tanto para eleições de governantes quanto para tomada de decisões por colegiados.


Para Bobbio, enquanto a liberdade é um valor para os indivíduos compreendidos isoladamente, a igualdade é um valor para os indivíduos compreendidos na relação social: “[…] o conceito e o valor da igualdade pressupõem, para sua aplicação, a presença de uma pluralidade de entes, cabendo estabelecer que tipo de relação existe entre eles […]”[7].


A lição de Bobbio afiança que a igualdade não é pressuposto para a aplicação do princípio da maioria e, por essa razão, a igualdade não pode justificar o princípio da maioria. O autor exemplifica que em muitos casos o princípio da maioria é considerado, mas os votos não são todos iguais:


“Mesmo uma hipotética votação política com voto múltiplo (mas vigora com freqüência a regra de que, em caso de empate de votos, o voto do presidente conta por dois) não contradiria o princípio da maioria, embora não respeitando o princípio democrático do valor igual dos indivíduos”[8].


O mestre italiano assevera que a regra da maioria permite que cada cidadão possua direito de voto proporcional à sua posição no jogo democrático, o que implica a desigualdade de votos quando aplicada a regra da maioria para decisões coletivas.


Entre as regras do jogo democrático, “[…] a maioria é o resultado de uma simples soma aritmética, onde o que se soma são os votos dos indivíduos, um por um”[9]. Por ser a regra da maioria apenas um artefato para a contagem dos votos, Bobbio então conclui que não há outra justificação para o princípio da maioria.


Norberto Bobbio aduz que o princípio da maioria somente pode ser considerado “[…] um princípio igualitário na medida em que pretende fazer com que prevaleça a força do número sobre a força da individualidade singular”[10].


Com o escopo de conservar a ordem social, a igualdade é um valor que tem por base o tratamento igual entre os iguais e desigual entre os desiguais, sendo que o propósito da doutrina igualitária não é somente estabelecer quando duas coisas devem ser consideradas equivalentes, mas sim promover a justiça entre os indivíduos[11].


Advirta-se, nesse passo, que existe apenas um reconhecimento de igualdade perante a lei e que “esse reconhecimento da igualdade essencial de todos não quer dizer que não existam diferenças individuais”[12]. Cada indivíduo ostenta a sua idiossincrasia que reflete em suas preferências, aptidões e julgamento próprio acerca dos fatos políticos ao seu redor.


Miguel Reale afirma que Bobbio desenvolveu sua teoria política sempre com o questionamento quanto à essência da democracia, que uns fundamentam na liberdade, ao passo que outros recorrem à igualdade. Reale conclui que, para Bobbio, “[…] e é um dos mais relevantes legados de seu fecundo magistério, liberdade e igualdade são valores necessariamente complementares”[13].


Os indivíduos com incumbência para decidir devem exercer seus direitos políticos livremente assegurados por limites constitucionais, tais como os direitos de liberdade de opinião e manifestação, de reunião, de associação, de religião e até mesmo de escolher qual é a orientação de sexualidade que pretende seguir[14].


Tais direitos de liberdade garantidos constitucionalmente, assim considerados como direitos invioláveis que o Estado não pode suprimir dos indivíduos, são “[…] os direitos à base dos quais nasceu o Estado liberal e foi construída a doutrina do Estado de direito em sentido forte […]”[15].


Norberto Bobbio defende que a garantia constitucional de tais direitos dos indivíduos é pressuposto para o exercício da democracia: “[…] basta a inobservância de uma dessas regras para que um governo não seja democrático, nem verdadeiramente, nem aparentemente”[16].


A ordem advinda do poder estatal é a expressão das vontades dos indivíduos, ou pelo menos da maioria deles. Se uma decisão que vincula a todos os membros de uma comunidade é válida, tendo sido tomada pela maioria dos votantes, então as decisões coletivas tomadas por unanimidade têm ainda mais razão para serem aplicadas[17].


Entretanto, no tocante às decisões tomadas pela totalidade daqueles que podem votar, assegura Norberto Bobbio:


“[…] a unanimidade é possível apenas num grupo restrito ou homogêneo, e pode ser exigida em dois casos extremos e contrapostos: ou no caso de decisões muito graves em que cada um dos participantes tem direito de veto, ou no caso de decisões de escassa importância, em que se declara de acordo quem não se opõe expressamente (é o caso do consentimento tácito)”[18].


A obtenção da unanimidade em decisões tomadas por colegiados é um fator praticamente impossível diante da diversidade de interesses dos membros que compõem a complexa sociedade atual formada por milhões de indivíduos.


Ainda que a regra da maioria torne todos os indivíduos dependentes da decisão coletiva, há uma avença firmada entre partes relativamente independentes por meio de concessões recíprocas visando à formação de uma vontade comum, como uma negociação[19].


Bobbio entende que na vontade coletiva formada por maioria haverá quem ganha e quem perde, pois “[…] no que se refere ao que está em jogo, a maioria vence enquanto a minoria perde, e a minoria perde aquilo que a maioria vence”[20].


No mesmo compasso, Bobbio adverte que não se garante que uma decisão tomada pela maioria seja a mais inteligente e sábia, porém deve ser considerada no mínimo que “[…] é aquela que se pode presumir seja a mais vantajosa para a maioria, contanto que se entenda possa ser mudada com o mesmo procedimento”[21].


Se todos os cidadãos não podem estar concomitantemente disponíveis para se reunir com o escopo de decidir sobre os negócios públicos e governar diretamente, surge o modelo de representação consistente no mandato exercido por representantes eleitos pelos indivíduos que serão então representados[22].


3 Representatividade do poder


A doutrina tem o hábito de advertir que a democracia representativa revela-se imperiosa frente à complexidade da sociedade hodierna que é formada pelas variadas particularidades de seus membros. A despeito de apregoar a democracia direta, Jean-Jacques Rosseau admite ser impraticável o povo estar reunido a todo instante para decidir sobre determinado assunto, e consigna que


“[…] nunca existiu verdadeira democracia nem jamais existirá. Contraria a ordem natural o grande número governar e ser o pequeno governado. É impossível admitir esteja o povo incessantemente reunido para cuidar dos negócios públicos”[23].


O mestre genebrino assinala que o povo não pode estar constantemente reunido em assembleia para decidir sobre a condução dos negócios de interesse público e por isso torna-se necessária a representação do poder.


No tocante à democracia direta, ressalta Norberto Bobbio “que todos decidam sobre tudo em sociedades sempre mais complexas como são as modernas sociedades industriais é algo materialmente impossível”[24], pois não é possível que todos os cidadãos estejam reunidos a qualquer momento para administrar a coisa pública – a não ser que com o advento da internet tal reunião torne-se viável.


Em uma democracia representativa, via de regra, a Constituição contempla a proibição do mandato vinculado a interesses particulares, mas o que se vê é a constante violação de tal regra, pois os representantes eleitos por um determinado partido acabam por estar vinculados aos interesses particulares da agremiação partidária pela qual se elegeram ou a outros interesses ainda mais particulares[25].


Nesse passo, acerca do mandato imperativo, que é o mandato exercido pelos representantes eleitos vinculado a grupos representados, Norberto Bobbio questiona:


“Além do fato de que cada grupo tende a identificar o interesse nacional com o interesse do próprio grupo, será que existe algum critério geral capaz de permitir a distinção entre o interesse geral e o interesse particular deste ou daquele grupo, ou entre o interesse geral e a combinação de interesses particulares que acordam entre si em detrimento de outros?”[26].


Com essa indagação o autor sugere que aquele representante que no parlamento faz articulações com vistas a atender interesses particulares é porque tem um mandato imperativo, vinculado ao grupo representado.


No Brasil há inúmeros escândalos que são constantemente veiculados pelos periódicos envolvendo o uso da máquina pública a serviço das greis partidárias e interesses particulares. Convém observar que


“A banalização desse comportamento de afronta às instituições de estado é um risco crescente para a democracia. Para o Ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, o Brasil vive um “período singular”, considerando os desrespeitos sucessivos patrocinados pelo próprio governo – que reproduziria, assim, práticas típicas de regimes totalitários”[27].


Nesse marco, o Ministro Gilmar Mendes perfilha a tese de que há um sério risco de o País marchar rumo ao totalitarismo, sistema em que o governante não reconhece limites à autoridade do poder, e mostra-se preocupado com a perda da credibilidade das instituições brasileiras.


Todo o ideal de democracia tem seu alicerce no princípio da liberdade entendido como autodeterminação: “o princípio inspirador do pensamento democrático sempre foi a liberdade entendida como autonomia, isto é, como capacidade de dar leis a si própria […]”[28].


Para Bobbio, se os indivíduos são autônomos, somente deveriam obedecer às leis que eles próprios produzissem. Se a prerrogativa de decidir é do representante, Bobbio entende que a democracia representativa “[…] é já por si mesma uma renúncia ao princípio da liberdade como autonomia”[29].


Bobbio diz que o problema da democracia identifica-se cada vez mais “[…] com o tema do autogoverno, e o progresso da democracia com a ampliação dos campos em que o método do autogoverno é posto à prova”[30]. Quanto maior o número de indivíduos que participam das decisões do Estado, ainda que indiretamente quando indicam representantes, maiores são os desafios de um regime democrático que pretende dar voz a todos os cidadãos.


O povo não pode estar reunido a todo o tempo para votar sobre as questões atinentes à administração pública. Por isso é que são eleitos os representantes do povo para a missão bem conduzir os negócios públicos[31].


Se o povo é o mandante do poder conferido aos governantes eleitos, mister se faz compreender que a publicidade dos atos do governo é parte das regras da democracia representativa[32].


4 Publicidade do poder e educação para a cidadania


Norberto Bobbio observa que a democracia ideal é fundada sobre o princípio da mais ampla publicidade dos atos do governo:


“Como é bem conhecido, a democracia nasceu com a perspectiva de eliminar para sempre das sociedades humanas o poder invisível e de dar vida a um governo cujas ações deveriam ser desenvolvidas publicamente […]”[33].


Para o mestre italiano, nada pode ficar confinado ao campo do mistério e a publicidade dos atos de gestão do governo serve para que o cidadão tome ciência dos atos governamentais e assim possa fiscalizar seus representantes.


Uma das causas relacionadas ao insucesso da democracia está ligada ao “poder invisível”. Assim é denominado o poder que se escamoteia em deliberações “secretas”, longe dos olhos dos governados, de modo que se torna impossível a fiscalização desse poder[34].


Ao tratar da publicidade do poder, Norberto Bobbio identifica a presença do poder invisível na Itália. Esta passagem poderia ter sido escrita por um cidadão brasileiro qualquer, pois bastaria que estivesse atento aos alaridos políticos do seu País e então permutar Itália por Brasil:


“Talvez eu esteja particularmente influenciado por aquilo que acontece na Itália, onde a presença do poder invisível (máfia, camorra, lojas maçônicas anômalas, serviços secretos incontroláveis e acobertados dos subversivos que deveriam combater) é, permitam-me o jogo de palavras, visibilíssima”[35].


O poder invisível se instala por trás da democracia e atua de várias formas. Somente em algumas circunstâncias específicas ao tornar-se público acaba por ser combatido. A falta de transparência mostra que a visibilidade do poder ainda é um ideal democrático.


Para justificar a necessidade de visibilidade do poder, o autor afirma que “[…] foi Kant, que pode com justiça ser considerado o ponto de partida de todo discurso sobre a necessidade da visibilidade do poder, uma necessidade que é para Kant não apenas política mas moral”[36].


A publicidade dos atos de governo deve tornar públicos não apenas as decisões forjadas aos seus destinatários como também o processo de escolha do ato vinculativo com seus respectivos fundamentos, o que daria legitimidade aos atos de governo com total transparência[37].


Em um regime democrático é imprescindível que haja mecanismos de ampla divulgação das normas que regem o processo governamental de modo que o poder possa, em decorrência da proximidade espacial entre governante e governado, ser controlado e fiscalizado pelo povo[38].


Bobbio leciona que na democracia é necessário que os governados possam fiscalizar os atos de governo. Em contrapartida, por conta das novas tecnologias, tornou-se possível para os governantes monitorar tudo o que os cidadãos fazem. Essa forma de controle total sempre foi o desejo de todo governo despótico e, de preferência, sem ser visto ou ouvido:


“Nenhum déspota da antiguidade, nenhum monarca absoluto da idade moderna, apesar de cercados por mil espiões, jamais conseguiu ter sobre seus súditos todas as informações que o mais democrático dos governos atuais pode obter com o uso dos cérebros eletrônicos”[39].


A evolução tecnológica deveria permitir aos cidadãos maior controle sobre os governantes, mas o que se revela é o contrário: a tecnologia possibilita o máximo controle dos cidadãos por parte de quem detém o poder.


O discurso sobre a cidadania pretende, por meio do próprio exercício da prática democrática, conceder aos indivíduos certos direitos que possibilitem a expressão livre da opinião política e a efetiva participação no processo eleitoral[40].


Nessa esteira, ser cidadão é a condição da pessoa natural que, como membro de um Estado, encontra-se no gozo dos direitos que lhe permitem participar da vida política. Sob o plano do direito, Vera Maria Nunes Michels ensina:


“A cidadania possui duas dimensões: a ativa, que se traduz na capacidade pessoal de compartilhar do exercício do sufrágio, e a passiva, que se traduz em ter legítimo acesso a cargos públicos, não significando apenas os cargos de provimento eletivo, expresso no direito de disputar o sufrágio para obtenção de mandatos representativos”[41].


 Participar, direta ou indiretamente, das decisões do governo por meio do voto constitui caminho direto à democracia, consignando a responsabilidade cívica de todos os cidadãos interessados naquilo que o Estado fará para bem conduzir a população.


A garantia constitucional de certos direitos invioláveis dos indivíduos tem o condão de propiciar a participação política do cidadão, mas sem a efetiva materialização de tais direitos não se tem democracia, como observa Alexandre Botelho ao afirmar que “a concretização dos direitos fundamentais pode ser entendida como um pressuposto para a efetivação da cidadania, mas em realidade estes conceitos se pressupôem, além de haver uma interdependência destes com a idéia de democratização”[42].


Vera Regina Pereira de Andrade assinala que, no âmbito de um modelo de democracia ideal, a cidadania é concebida como o direito à participação política de modo que “[…] o conteúdo da democracia (e de suas instituições) deve encontrar sua legitimidade, entre outros elementos, no conteúdo da cidadania”[43].


Se na democracia a liberdade política proporciona certa autonomia aos indivíduos para produzirem suas próprias regras, na contramão dessa possibilidade de participação política conferida aos cidadãos de modo geral também cresce o desinteresse pela atividade política, como afirma Norberto Bobbio:


“[…] o interesse pela política está circunscrito a um círculo bem limitado de pessoas e, não obstante o relevo dado pela comunicação de massa aos acontecimentos políticos, o grau de informação a tal respeito é ainda baixo: os acontecimentos esportivos, o mundo do espetáculo e outros aspectos da crônica diária são muito mais conhecidos do grande público”[44].


O crescente desinteresse pela participação política revela que as questões políticas não são prioridade para relevante parcela do eleitorado, pois outros atrativos veiculados pela mídia de comunicação ocupam lugar destaque.


Essa renúncia à participação política demonstra que “a própria representatividade dos eleitos fica fragilizada quando se sabe que um percentual elevado de brasileiros mostra total desinteresse pelo direito de participar diretamente da escolha dos governantes”[45].


Norberto Bobbio assevera, entretanto, que a educação para a cidadania é também mais uma promessa não cumprida pela democracia. Para o mestre italiano, cidadãos ativos não são aqueles que estão preocupados apenas com seus interesses particulares ou com as vantagens pessoais que do sistema político podem extrair, mas sim aqueles “[…] potencialmente empenhados na articulação das demandas e na formação das decisões”[46].


5 Considerações finais


Frente à impossibilidade de se implantar uma democracia direta dos Estados modernos, Norberto Bobbio defende a regra da maioria, a representação, a publicidade do poder e a educação para a cidadania. Bobbio sustenta ainda que a regra da maioria é apenas um artefato utilizado para o cálculo dos votos e que, para o bom funcionamento da democracia, os representantes eleitos não podem exercer mandatos vinculados a interesses particulares. O autor ressalta que é imprescindível que haja ampla divulgação dos atos de governo e adverte: para que o poder estatal esteja em consonância com as vontades dos governados, é preciso que ocorra uma educação para a cidadania. Não basta apenas existir em um Estado o regime democrático, é necessário o desenvolvimento de uma consciência política que precisa atingir determinado grau de amadurecimento, despertando um maior interesse político nos indivíduos aos quais é conferida a liberdade política no jogo democrático.


 


Referência das fontes citadas

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Notas:

[1] Artigo orientado pelo Prof. MSc. Alexandre Botelho.

[2] BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia.

[3] Informação constante da capa de BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia.

[4] BOBBIO, Norberto. Teoria Geral da Política: a filosofia política e as lições dos clássicos.

[5] BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade: para uma teoria geral da política.

[6] BOBBIO, Norberto. Teoria Geral da Política: a filosofia política e as lições dos clássicos, p. 427.

[7] BOBBIO, Norberto. Igualdade e liberdade, p. 13.

[8] BOBBIO, Norberto. Teoria Geral da Política: a filosofia política e as lições dos clássicos, p. 434.

[9] BOBBIO, Norberto. A era dos direitos, p. 115.

[10] BOBBIO, Norberto. Liberalismo e democracia, p. 58.

[11] BOBBIO, Norberto. Igualdade e liberdade, p. 20.

[12] DALLARI, Dalmo de Abreu. O que é participação política, p. 14.

[13] REALE, Miguel. Os legados de Norberto Bobbio. Prisma Jurídico, p. 167-172.

[14] BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia, p. 32.

[15] BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia, p. 32.

[16] BOBBIO, Norberto. Teoria Geral da Política: a filosofia política e as lições dos clássicos, p. 427.

[17] BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia, p. 31.

[18] BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia, p. 28.

[19] BOBBIO, Norberto. Teoria Geral da Política: a filosofia política e as lições dos clássicos, p. 438.

[20] BOBBIO, Norberto. Teoria Geral da Política: a filosofia política e as lições dos clássicos, p. 440.

[21] BOBBIO, Norberto. Teoria Geral da Política: a filosofia política e as lições dos clássicos, p. 426.

[22] BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia, p. 56.

[23] ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social e outros escritos, p. 71.

[24] BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia, p. 54.

[25] BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia, p. 37.

[26] BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia, p. 37.

[27] PEREIRA, Daniel; CABRAL, Otávio. O estado a serviço do partido. Veja, São Paulo, ed. 2181, ano 43, n. 36, p. 72-80, 8 set. 2010.

[28] BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia, p. 38.

[29] BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia, p. 38.

[30] BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade: para uma teoria geral da política, p. 145.

[31] BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia, p. 54.

[32] BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia, p. 28.

[33] BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia, p. 41.

[34] BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia, p. 98.

[35] BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia, p. 41.

[36] BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia, p. 103.

[37] BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia, p. 102.

[38] BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia, p. 100.

[39] BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia, p. 43.

[40] BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia, p. 43.

[41] MICHELS, Vera Maria Nunes. Direito Eleitoral: de acordo com a Constituição Federal, LC 64/90, Leis 9.096/95, 9.504/97, 11.300/2006, EC 52/06 e Resoluções do TSE, p. 13.

[42] BOTELHO, Alexandre. Curso de Ciência Política. Florianópolis: Letras Contemporâneas, 2005, p. 352.

[43] ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Cidadania, Direitos Humanos e Democracia: Reconstruindo o Conceito Liberal de Cidadania. In: SILVA, Reinaldo Pereira e (Org.). Direitos Humanos como educação para a justiça, p. 134.

[44] BOBBIO, Norberto et al. Dicionário de política, p. 889.

[45] PERCENTUAL de desencanto. [Editorial]. Diário Catarinense, Florianópolis, 8 out. 2010, p. 12.

[46] BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia, p. 45.


Informações Sobre o Autor

Vanderlei Antônio Corrêa

Bacharel em Direito, Especialização em Direito Constitucional e Administrativo, Servidor Público do Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina