Sumário: Introdução. Instituto da desaposentação. Principais características. Entraves jurídicos. A proteção previdenciária. Conclusões. Referências.
INTRODUÇÃO
O tema em comento, não obstante sua destacada atualidade no contexto previdenciário, requer uma análise mais detida da aplicabilidade do instituto dentro da sistemática da Seguridade Social e seus constitucionais propósitos afirmadores.
De fato, para este valioso fim, valemo-nos da noção sistêmica para a compreensão axiológica e jurídica do instituto dentro do direito positivo, tal qual, em singular lição, o Professor Wagner Balera[1], leciona a respeito:
“Chave para a compreensão do estudo das normas jurídicas, a noção de sistema é apta a situar o direito positivo a partir dos elementares critérios de vigência, validade e eficácia”.
Sabido que a Carta Cidadã de 1988 veio a colacionar em seus dispositivos, vários e imprescindíveis direitos sociais magnamente tutelados, dentre eles, a Previdência Social, tal qual inserida na dimensão constitucional através do artigo 6º do Estatuto Supremo.
Neste ínterim, mister compreender qualquer instituto previdenciário dentro do conceito sistêmico e importante do direito social, tão evoluído dentro dos ordenamentos jurídicos contemporâneos quanto a sua formalidade e aposição no cenário jurídico constitucional, mas, que a todo o tempo, prescinde de adequação aos destinatários, de maneira a justificar a proteção social garantida pela Lex Fundamentallis.
A este prisma, de resguardo e tutela dos direitos sociais, como valores e pilastras fundamentais de qualquer sociedade organizada, o Professor Celso Barroso Leite[2], já apontava que:
“(…) a proteção social tem como objetivo básico garantir ao ser humano a capacidade de consumo, a satisfação de suas necessidades essenciais, que não se esgotam na simples subsistência”.
Ao intérprete e ao operador do direito então, no manuseio dos institutos do Direito Previdenciário, possuem não só um trato jurídico simples e individual entre o sujeito de direitos e, de outro lado, o responsável pelo cumprimento de tal obrigação jurídica oriundo deste relacionamento, mas, sob a ótica mandamental, detém em mãos, verdadeiros valores a serem precipuamente observados, defendidos e protegidos em situação de pré-existência ao que se depara o aplicador das normas, quando esse, deve piamente observar o que se está tutelando quando da aplicação dos métodos da hermenêutica previdenciária.
O INSTITUTO DA DESAPOSENTAÇÃO
Por certo, que a esta altura, fácil já aferir que o instituto da DESAPOSENTAÇÃO também vem a se justificar neste constitucional conceito de valor social, já que o intuito previdenciário encontra na dignidade humana um de seus principais aspectos diretivos.
Em que pese a atualidade da discussão em torno deste valioso instrumento jurídico e previdenciário de proteção social, a desaposentação já era tratada em 1996 pelo Professor Wladimir Novaes Martinez, em um artigo intitulado “Direito à Desaposentação”, no 09º Congresso Brasileiro de Previdência Social, pela editora LTr, em São Paulo, razão de que sua atual notoriedade no seio social, deve ser compreendida à luz da necessidade preemente da própria sociedade, destinatária da tutela jurídica, em buscar mecanismos que visam a evolução e o aprimoramento dos direitos sociais insculpidos na Lei das Leis, onde o desejo da desaposentação vem somente evidenciar que há necessidade de se tutelar efetivamente uma qualidade de vida, como fruto do valor humano.
Longe da finalidade desta pequena abordagem, é a exploração histórica do assunto, até pelo fato que a compreensão de seu significado traz à lume, o que já prevê a própria Carta Magna, sendo necessário alocar o objeto da discussão ao seu fato gerador e a sua correspondente adequação constitucional dentro da semântica dos valores sufragados pela coletividade.
A este ponto, merece imediata censura àqueles que de maneira veemente negam a possibilidade jurídica da aplicação do instituto por si só, que, sabe-se, somente ocorre via tutela judiciária, eis que, apesar de respeitosas, lúcidas e coerentes, não fazem a aplicação do instituto dentro da noção sistemática, como antes relatado pelo Percuciente Jurista Professor Wagner Balera.
Antes, porém, de consignar os pontos nevrálgicos da aplicação do instituto em exame, mister trazer à baila, a análise conceitual do assunto. A este aspecto, o Professor André Studart Leitão[3], define que “A desaposentação, como a própria nomenclatura sugere, consiste no desfazimento do ato concessório da aposentadoria, por vontade do beneficiário”. Também o Professor Fábio Zambitte Ibrahim[4] conceitua o tema como: “A desaposentação, portanto, como conhecida no meio previdenciário, traduz-se na possibilidade do segurado renunciar à aposentadoria com o propósito de obter benefício mais vantajoso, no Regime Geral de Previdência Social ou em Regime Próprio de Previdência Social, mediante a utilização de seu tempo de contribuição. Ela é utilizada colimando a melhoria do status financeiro do aposentado”. Também, os conhecidos e conceituados Professores Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari[5] de igual forma, assim ministram sob o tema em estudo, “(…) é ato de desfazimento da aposentadoria por vontade do titular, para fins de aproveitamento do tempo de filiação em contagem para nova aposentadoria, no mesmo ou em outro regime previdenciário”.
Ao que se vê, destacada doutrina coloca o assunto em exame em singular análise, já que das previsões conceituais emergem-se os fatos geradores de sua justificação jurídica. Portanto, desaposentar-se é refazer algo, ou seja, alterar uma situação jurídica existente e positivada para uma outra, de igual natureza, mas com outros desdobramentos e efeitos jurídicos futuros.
PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS
Fácil, pois, aferir que o instituto somente se justifica com a existência válida da aposentadoria como fruto do ato jurídico da aposentação. Para tanto, não é crível dissociar de tal fato jurídico a deliberação voluntária do sujeito de direito, abrangido pela proteção previdenciária, o destinatário do pacote previdenciário.
Com efeito, almeja-se a alteração temporal de um ato jurídico do presente, constituído no passado, mas com fim colimado de mudança para o futuro, isto é, com efeitos jurídicos a serem sentidos a partir da alteração perpetrada.
A este aspecto, indubitavelmente, o ato positivo da aposentação ganha contornos jurídicos da disponibilidade, inserindo-se no patrimônio jurídico do tutelado como de direito disponível, já que sua vontade, justificada pelo seu fim, ganha relevo dentro da essência da tutela previdenciária.
Qualificando o ato positivo da aposentação, que resulta na aposentadoria, como um direito disponível, o horizonte norteador da desaposentação ganha novos ares, já que o titular de direitos, delibera, a seu exclusivo crivo exercer ou não tal prerrogativa, que, repita-se, trata-se de direito disponível.
Em plena percepção acerca desta notória disponibilidade da aposentadoria previdenciária, o Colendo Superior Tribunal de Justiça já há alguns anos, através de suas ínclitas duas Turmas Julgadoras da matéria, já assentou acerca deste prisma, ou seja, o Guardião da Legislação Federal, englobando a análise de todos os diplomas jurídicos previdenciários correlatos, através de vários e reiterados julgados asseverou sobre a disponibilidade jurídica da prestação previdenciária. Neste diapasão, vale conferir: REsp 692.628-DF de Relatoria do Eminente Ministro Nilson Naves.
ENTRAVES JURIDICOS
Como já adiantado, a existência e viabilidade da desaposentação no cenário jurídico do momento, já mostra tormentosa discussão jurídica no seio judicial, em especial de que sua aceitação encontra forte resistência nos meandros da própria ciência jurídica, acompanhada por oscilações dos Tribunais, bem como de franco e sólido debate doutrinário a respeito.
Propositadamente, o vertente estudo não almeja o esgotamento criterioso do assunto, mas trazer a reflexão que a essência do direito social perseguido não deve tão somente ser pano de fundo de uma realidade social hipoteticamente sonhada, mas, em sentido contrário, tem de ser o alvo principal a dar segurança jurídica a coexistência da sociedade, já que a dignidade humana se insere nas pilastras da República, em que os instrumentos jurídicos existentes, em especial, os específicos pela natureza social, como o caso, ganham uma singular roupagem quando da aplicação pelos operadores do direito.
Em suma, sendo valioso o embate e a discussão especialmente para a edificação dos institutos da ciência jurídica, as opiniões contrárias a plena aplicação da desaposentação, com ferrenhos defensores, ventilam sobre os seguintes pontos: a) falta de autorização legal e expressa; b) a aposentadoria é um ato jurídico perfeito e convalidado; c) o artigo 181-B do Regulamento da Previdência Social aduz acerca da irrenunciabilidade e irreversibilidade da aposentadoria; d) aplicação da prescrição do artigo 103, da Lei 8.213/1991; e) o ato de concessão é ato administrativo, portanto sujeito a normas administrativas; f) existência de uma relação jurídica bilateral que prescinde da anuência de ambas as partes; g) ofensa a segurança jurídica; h) inviabilização no mesmo regime de previdência; i) ofensa ao equilíbrio atuarial; j) enriquecimento ilícito, etc.
Percebe-se, que a discussão acerca da aceitação do instituto encontra lúcidos e combativos argumentos, em especial a serem enfrentados pelos adeptos e defensores do tema em discussão, que, por sua vez, trilham a análise de aceitação aos seguintes aspectos: a) no ato jurídico perfeito da aposentação prevalece a vontade do titular ante a relação de proteção previdenciária contraída com a Administração Pública; b) ausência de vedação constitucional ou legal, onde a sua autorização é presumida. O princípio da legalidade determina que a Administração Pública somente poderá impor restrições previstas em lei; c) ausência de vícios insanáveis no deferimento; d) manifestação da intenção do trabalhador; e) trata-se de direito renunciável; f) aplicação do princípio da norma mais benéfica; g) ausência de dano do patrimônio da União ou do INSS a prejudicar a massa colegiada protegida; h) ausência de pretensão de prejudicar terceiros; i) a irrenunciabilidade está prevista em norma infra-legal de legalidade duvidosa; j) ausência de enriquecimento ilícito pela natureza alimentar do benefício entendendo-se que este já foi “consumido”; l) ausência de ofensa do equilíbrio financeiro-atuarial, pois o segurado irá receber aquele benefício até o fim da vida, etc.
Fácil então aferir que a possibilidade jurídica da desaposentação ainda é tímida, se encontrando em situação de calorosas discussões, seja da coesa doutrina a respeito, seja pelos entendimentos judiciais totalmente respeitáveis.
Não bastasse a análise fria da possibilidade ou não de aplicação do instituto em estudo no ordenamento jurídico pátrio, outro norte tem tormentado sobremaneira os estudiosos do Direito. Ora, se o ato da desaposentação é cancelar uma aposentadoria, com a conseqüente cessação da atual prestação, com vistas a uma nova, em melhores condições econômicas, se valendo do período computado no benefício a ser cessado, como ficam os valores até então disponibilizados e absorvidos pelo pretendente quando da fruição do benefício a ser cancelado???
Ao que se vê, a complexidade da aplicação deste instituto ganha sensível destaque em todos os momentos, seja pela análise de sua viabilidade, ou ainda, pelo impacto atuarial que deve ser observado na política de seguridade social.
Por certo, que desde os primórdios do Direito Romano, a realização dos tratos jurídicos sempre foi norteada pelo equilíbrio.
Neste ponto, o equilíbrio do tipo financeiro e atuário das contas públicas, de maneiramente veemente tem sido usado aos adeptos da corrente que propaga a devolução e restituição do que foi auferido, como, aliás, defendeu o Professor Wladimir Novaes Martinez, no Congresso Previdenciário realizado em setembro de 2009 na cidade Campinas, Estado de São Paulo.
De outro lado, também os Tribunais Federais de maneira majoritária, quando aceitam a viabilidade do instituto da desaposentação, determinam a devolução do monetariamente auferido, arrazoando as decisões, dentre vários argumentos, a necessidade de observância do já aludido equilíbrio também disposto no texto Constitucional, calcado pela segurança jurídica.
Por sua vez, de maneira já reiterada e pacífica, o Tribunal da Cidadania[6], em recente julgado, mais uma vez assentou acerca da viabilidade da desaposentação no ordenamento jurídico pátrio, bem como, na desnecessidade de devolução aos cofres públicos de qualquer quantia acerca do benefício previdenciário pretérito, valendo conferir valioso precedente a respeito: “RENUNCIA. APOSENTADORIA. UTILIZAÇÃO. TEMPO. A Turma, por maioria, reiterou o entendimento de que o segurado pode renunciar à sua aposentadoria e reaproveitar o tempo de contribuição para fins de concessão de benefício no mesmo regime ou em outro regime previdenciário, não necessitando devolver os proventos já percebidos; pois, enquanto perdurou a aposentadoria, os pagamentos de natureza alimentar eram indiscutivelmente devidos”.
Aludido posicionamento, ainda traz o revestimento alimentar da prestação previdenciária, como outro argumento, quiçá coeso, a não justificar a tentativa autárquica de se almejar a devolução do que foi auferido.
Deveras, esta análise do Sodalício Especial premia sobremaneira os defensores do instituto em todos os âmbitos, afastando de vez, a análise criteriosa e também robusta, àqueles que não reconhecem a desaposentação no cenário jurídico pátrio.
A PROTEÇÃO PREVIDENCIÁRIA
Como antes mencionado, a reflexão almejada ao vertente e modesto estudo, é a compreensão da aplicação do instituto da desaposentação com base na conceituação constitucional do direito social.
Ora, o operador do direito em todos os meandros da aplicação das técnicas jurídicas, especificamente ao tema em voga, há de se nortear pela proteção constitucional que advém do uso e fruição dos benefícios previdenciários.
Evidente, que a desaposentação somente se justifica no plano factual, quando a alteração da relação jurídica previdenciária existente, se alternar para melhor, onde o sujeito protegido pela tutela previdenciária há de auferir uma melhor qualidade de vida, como fruto do exercício da nova aposentadoria em ganhos reais, quando então a adequação das finalidades constitucionais da Previdência Social como um direito social estará se concretizando.
Assim, imperioso destacar que a análise fria, restrita e alocada tão somente a obstáculos procedimentais a justificar a não convalidação do instituto da desaposentação no cenário jurídico hodierno, há de dar guarida e lugar a uma análise mais ampla, macro e contumaz dos primados constitucionais, onde a Previdência Social é encontrada em lugar de destaque.
Enfrentar o tema arrimando tão somente no tecnicismo jurídico, serve para prolongar o assunto e os entraves científicos de afirmação, complexando ainda mais os nevrálgicos pontos da abordagem. Entretanto, aferindo a desaposentação como um método de essência da proteção previdenciária, constitucionalmente resguardado, é dar firmamento a valores eleitos pela Sociedade como primordiais a sua existência, mesmo antes de condensá-los em diplomas legais.
CONCLUSÕES
Portanto, a desaposentação deve ser vista como um exercício deliberativo do trabalhador, que na condição jurídica de inativo, mas, fáticamente ativo, contribuindo novamente ao Sistema Securitário Social, almeja uma melhor prestação previdenciária, se valendo do mecanismo constitucional de base da Previdência Social como um direito social, que por sua vez, garante uma vida digna condizente com as necessidades do tutelado.
Sendo, pois, o exercício de um direito social não negado, mas que se busca aprimoramento, edificação e evolução, sobretudo a propiciar e revelar a condição constitucional de dignidade da pessoa humana, tal qual inserido como um dos fundamentos da República, nos dizeres do artigo 1º, inciso III da Lei Suprema, a desaposentação reflete a concretização plena da proteção previdenciária, onde uma melhor condição de vida se torna o alvo do beneficiário do sistema de protetivo, cujo ente Estatal a que está vinculado tem a obrigação e o dever de instrumentalizar com eficácia a pretensão apresentada.
Norberto Bobbio[7] assevera que os direitos sociais considerados humanos, não bastam serem previstos, mas sim, efetivos, sendo valiosa sua lição:
“…uma coisa é falar dos direitos humanos, direitos sempre novos e cada vez mais extensos, e justificá-los com argumentos cada vez mais convincentes; outra coisa é garantir-lhes uma proteção efetiva…”.
Portanto, a aparente complexidade da matéria em discussão, ganha contornos jurídicos claros e esclarecedores quando a aplicação do instituto da desaposentação é aferida mediante a inserção imprescindível de valores constitucionais, já que são alvo e razão de existência da proteção previdenciária, merecendo sempre, análise acurada pelo operador do direito face aos postulados inseridos na Lei das Leis, eleitos pelos beneficiários da tutela estatal como primordiais a consecução dos princípios basilares para a constituição de uma Sociedade Livre, Justa e Solidária.
Informações Sobre o Autor
Sérgio Henrique Salvador
Professor de TGP, Processo Civil, Direito Previdenciário e Advogado do Núcleo de Prática Jurídica do Curso de Direito do Centro Universitário de Itajubá – FEPI. Advogado em MG. Escritor. Professor do IBEP/SP. Especialista pela EPD/SP e PUC/SP