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A desigualdade como fundamento da visão jurídica da Igreja Católica em sua relação com o Estado Brasileiro – análise de textos da Revista Eclesiástica Brasileira

Resumo: O presente trabalho se configura na perspectiva crítica aos meandros canônicos da postura da Igreja Romana no modo de pleitear tratamento desigual para a instituição onde não caberia tratamento diferenciado – visto a conjuntura moderna na qual se encontrava o Estado Brasileiro. O Estudo analisa textos publicados pela Revista Eclesiástica Brasileira no início da segunda metade do século XX em justaposição a encíclica Immortale Dei contrastando-os, segundo o método funcional-comparativo, com elementos da Teoria Geral do Estado e da História jurídico-política brasileira. Os textos apontam de maneira conclusiva que as publicações brasileiras seguiam à risca as orientações da Santa Sé anuviando os contrastes da vida política e social do Brasil. Pintando, desta feita, um cenário para a implantação de um Estado marcado por uma legislação católica que fugia ao contexto histórico da época.

Palavras-chave: Princípio da desigualdade. Direito católico. Relação Igreja X Estado. Isonomia.

Abstract: This work is set in a critical perspective to the intricacies of the canonical position of the church of Rome in order to claim unfair treatment for the institution where it should not have happeed – given the modern situation of the Brazilian state. The study analyses text published by Revista Eclesiástica Brasileira at the beginning of second half of the twentieth century in juxtaposition with the encyclical Imortale Dei by contrasting them, according to the comparative-functional method with elements of the General Theory of the State and legal-political history of Brazil. The texts show conclusively that Brazilian publications strictly followed the guidelines of the Holy See clouding the contrasts of political and social life of Brazil, painting, this time, a scenario for the implementation of a state marked by a Catholic law that deviated from the historical context of the time.

Keywords: Principle of inequality. Law Catholic. Relationship Church X State. Isonomia.

Sumário: Introdução. 1 Metodologia e análise. 2 A desigualdade se avulta no Direito Público Católico: fontes e presença. Conclusão. Referências

Introdução

A modernidade calçou a sua estrutura na conjuntura dos princípios forjados nos ideais do Iluminismo e da burguesia. Estes contrariam à dinâmica diretiva da Igreja Católica e esta, por sua vez, empreendeu intentos contra as referidas posições teóricas que viriam a modificar a política e as legislações dos reinos e Estados.

O binômio igualdade/desigualdade não é simples de ser manuseado tendo em vista que envolvem muitos problemas conceituais e porque são conceitos sempre em construção que se alteram constantemente.   

A igualdade, por exemplo,

“(…) no campo do reconhecimento da individualidade de cada ser humano, está ligada à afirmação do princípio da não-discriminação, ou seja, reconhece-se que todos são iguais perante a Lei, e, portanto, não pode haver discriminações que excluem determinadas pessoas ou grupos do exercício de determinado direito por terem realizado determinadas escolhas de modo de vida, como a opção religiosa, ou possuírem determinadas características intrínsecas, como as de gênero (FRISCHEISEN, 2012)”.

Esta é uma concepção de igualdade que, de modo geral, carrega sementes dos conceitos acerca da igualdade que foram cunhados ao longo da modernidade. No entanto, a concepção moderna sobre a igualdade desagradava os líderes religiosos do Catolicismo visto que os mesmos estavam imbuídos de uma concepção de mundo marcado pela autoridade central, por privilégios, pelo reconhecimento estatal da superioridade e unanimidade pública da fé romana. Na verdade a Igreja postulava em sua relação com os Estados, onde a maioria de seus habitantes se declaravam católicos, o princípio da desigualdade no tratamento público, legislativo e jurídico em relação a outras religiões e teorias que por ventura vigoravam ou viessem a aparecer. Em suma: a alta cúpula católica não queria a presença do princípio da isonomia[1] dentro desta conjuntura.

O princípio da desigualdade se manifesta no discurso católico em variados campos. Em meio a variedade o presente trabalho abordará somente dois, a saber: a posição da hierarquia no concernente a defesa da existência de um Estado católico em detrimento a um Estado Laico (alheio aos interesses da mesma) e o controle de consciência que a citada hierarquia planejava manter sobre a população em oposição a base moderna da liberdade de consciência.

A hierarquia católica brasileira no afã de conseguir os seus intentos não mediu esforços para implantar uma sociedade legalmente católica. De seus púlpitos, em suas visitas pastorais, nas práticas populares das santas Missões, no confessionário, na fundação das Universidades Católicas e difusão de seus colégios, da aproximação e conchavos dos bispos com os políticos, a Igreja procurou instaurar uma ampla rede de relações com fins a fazer vingar o sonho de implantação da Cristandade[2] na Terra de Santa Cruz[3]. Dentre essas várias iniciativas desponta o uso da imprensa católica e, neste âmbito, se destaca a ação dos frades franciscanos mediante a Editora Vozes que publicava (assim como ainda continuam a publicar) a Revista Eclesiástica Brasileira (REB). Este órgão fomentava a discussão acerca de vários assuntos de interesse maior do clero, bem como era fonte doutrinária. Elegi, por esta feita, artigos publicados pela REB que abordam a questão da desigualdade segundo o olhar do jurídico Católico. De modo que se pode falar mesmo de uma concepção e Direito Público Católico. O Direito Público segundo denomina Fernandes (1948, p. 831), é: “(…) “um conjunto sistemático de leis que determinam a constituição e os direitos da Igreja como sociedade perfeita ordenada a um fim sobrenatural” (…) O Direito público da Igreja pode ser equiparado às constituições das nações”.

Na ideia de equiparação manifesta entre a Igreja e o Estado se vê que o clérigo chama para àquela prerrogativa de superioridade. Todavia, resta recordar que a prerrogativa estava mais no plano do desidério do que para a realidade – visto o novo modelo teórico de Estado pautado em ideais laicos.

No entanto, dentro da confluência do raciocínio eclesiástico a REB passou ao longo dos tempos por amplas mudanças em sua linha editorial sempre acompanhando as diretrizes do episcopado brasileiro. No início da metade do século XX, objeto de recorte dessa pesquisa, a influência vaticana era amplamente presente. Resta recordar, no entanto, que o teor manifesto neste estudo se restringe de modo majoritário no referido recorte de tempo (início do século XX) – visto que o Concílio Vaticano II alterou consideravelmente a visão então plasmada optando por maior diálogo com as categorias moderna de se pensar a relação Estado e Igreja.

1 Metodologia e análise

Da REB selecionei os seguintes artigos – segundo o referido âmbito de preocupação:

–    De autoria do Cardeal Alfredo Ottaviani (1953), então prefeito da Sagrada Congregação do Santo Ofício, o artigo intitulado Deveres Religiosos do Estado Católico. Esta produção se baseia nas diretrizes de duas encíclicas pontifícias[4] (a Immortale Dei, de Leão XIII, e a Mystici Corporis, de Pio XII) só que de modo ampliado, mais livre e provocativo. Tanto a encíclica Immortale Dei (ID) (que abordarei futuramente) quanto o artigo de Ottaviani influenciaram indelevelmente os escritos dos clérigos brasileiros sobre o assunto.

–    Dentro da perspectiva brasileira no tratamento específico das questões de ordem legal se destaca o texto de Padre Geraldo Fernandes intitulado A Religião nas Constituições Brasileiras.

–    De frei Boaventura Kloppenburg coletei alguns artigos que abordam a questão da presença e atuação da fé espírita no Brasil. Os artigos são de suma importância por exemplificar a aplicação e o uso da desigualdade no tratamento a um grupo religioso acatólico e que, dentro das pretensões das lideranças católicas, deveriam ser mantidos em segregação social por vias de instrumentos legais.

No curso desse exercício hermenêutico procurarei analisar o teor da desigualdade jurídica impetrado nos referidos discursos, dentro da abordagem comparativa, segundo o entendimento sobre os Estados modernos ofertados pelas exposições da Teoria Geral do Estado. O referido exercício será alicerçado na perspectiva histórica. Uso como princípio analítico o ofertado pelo espírito do método funcional-comparativo e tópica jurídica. Por tópica jurídica entende-se:

“(…) o ramo da retórica que busca em suas estruturas discursivas, especialmente argumentativas, examinar e descobrir premissas possíveis de serem creditas (…) buscando, no desenvolvimento e seleção de seus argumentos, a identificação de lugares que indiquem a adequação e a direção do raciocínio – os tópicos -, tendo em vista a solução efetiva de situações problemáticas que se apresentem (DALLA-ROSA apud SGARBOSSA, 2008, p. 201)”.

Em linhas gerais o estudo dos topoi (tópicos) são pontos de vista aceitáveis que em um determinado contexto se portam como capazes de conduzir os argumentos para a verdade. A análise dos pontos de vista, dos lugares comuns discursivos, é que serão analisados em sentido comparativo.

A análise comparativa dos textos seguirá a seguinte ordem:

A) Inicialmente tomarei a fonte do olhar jurídico católico, a encíclica ID, e mostrarei que a mesma norteia as produções da REB. No diálogo procurarei mostrar as lacunas do contexto histórico das mesmas (dialogando com o Direito brasileiro de então) observando em que medida os referidos discursos estão alheios ou não ao referido contexto.

B) Exemplificarei a dimensão do uso da desigualdade com o caso da oposição e perseguição aos espíritas, dados pela hierarquia católica.

Lembrando que a ênfase do estudo é levantar os dados que anunciam a desigualdade como um fundamento do Direito Católico nas publicações da REB.

2 A desigualdade se avulta na visão das relações jurídicas entre Igreja e Estado: fontes e presença

A desigualdade é um termo que nasce na perspectiva comparativa com a igualdade. O lugar daquela no cenário ocidental se deu com o estabelecimento, sobretudo, das democracias. Estas, por sua vez, dirigem suas ações com base em três princípios:

“A supremacia da vontade popular, que colocou o problema da participação popular no governo, suscitando acesas controvérsias e dando margem às mais variadas experiências, tanto no tocante à representatividade, quanto à execução do direto de sufrágio e aos sistemas eleitorais e partidários. A preservação da liberdade, entendida sobretudo como o poder de fazer tudo o que não incomodasse o próximo e como poder de dispor de sua pessoa e de seus bens, sem querer interferência do Estado.A igualdade de direitos, entendida como a proibição de distinções no gozo dos direitos, sobretudo por motivos econômicos ou de discriminação entre classes (DALLARI, 1995, p 150)”.

E foi no referente ao espírito destes princípios que a Igreja Católica se posicionou visto que estes prejudicavam os seus privilégios. Consideravelmente a questão da igualdade e desigualdade é algo que chama a atenção de quem se depara com os escritos de então elaborados por clérigos.

A desigualdade, principio este que nos deteremos, carrega em seu bojo a presença da discriminação, da marginalização, etc.E os dignitários da Igreja Católica de outrora, muito distintos dos de hoje, desejaram e planejaram estabelecer a desigualdade como um princípio de seu direito público em sua relação com o Estado Brasileiro.

Assim, a primeira metade do século XX foi marcada pela busca constante de aproximação por parte da hierarquia católica para com o poder estatal.  Esta busca se deu por vias do planejamento católico marcada por uma série de iniciativas como, por exemplo, a fundação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, do assentamento de colégios e universidades católicas, de agrupamentos para operários, camponeses, universitários, etc. Esta busca por aproximação se deu visto que, outrora, quando da separação Estado/Igreja, esta se viu diminuída em seu status político (Cf. AZZI, 2008, p. 219). Neste sentido a hierarquia católica em constante debate e articulação com os setores governamentais da nação promoveram a retomada de seus antigos privilégios. E para que isto acontecesse necessário se fazia pontuar qual era o lugar da Igreja no cenário político e social do Brasil. O problema dessa retomada é que ela encontrava sua resistência na própria conjuntura política e social do país – marcado pelo despertar de antigas e novas modalidades de fé (Protestantes, Candomblé, Umbanda, etc.), da presença do laicismo e da secularização (advindos no país pela base positivista comteana), dos alheios às diretrizes pontifícias (como a maçonaria), dentre outros impactos.

E esta resistência fez com que a Igreja se pautasse na defesa da desigualdade como fundamento para o que ela entendia por direito. A desigualdade comporta uma dupla face onde, a primeira, levanta as prerrogativas do lugar da Igreja como detentora de direitos dentro de um Estado pensado por ela como sendo católico e, a segunda face, aponta a anulação da isonomia para as religiões e posições filosóficas que destoem da fé católica. É o que argumenta Fernandes (1948, p. 834): “O enunciado cristão da liberdade é: liberdade para tudo e para todos, menos para o erro e para o mal. Num país católico, não pode ser consagrado o princípio da liberdade para qualquer manifestação de culto não-católico. Do mesmo modo que há crimes contra a pátria, há crimes contra a religião. Do mesmo modo que não é lícito atacar a nossa única Pátria, não é também lícito atacar a nossa única religião”.

Ora, o sacerdote, além do mais,  procura, desdenhando da presença das outras crenças, afirmar que a única religião do Brasil é a católica. E mais, nivela a velha noção de Estado, que se confundia com a Pátria, com a religião. Usando da retórica pretendia por ambas as instituições em pé de igualdade – “realidade” esta que não era fato. O fato é que havia por parte da alta cúpula católica um projeto de congregar todos sob seu cajado a começar, sobretudo, pelo âmbito legal.

Vale lembrar, como exemplo, que a Arquidiocese do Rio de Janeiro publicou uma lista, em 16 de fevereiro de 1934, de postulados para serem inseridos na Constituição. Os mesmos ressaltam os interesses na esfera jurídica pleiteados pela Igreja. Dos postulados, no que concerne ao ponto que por ora abordo, vale citar os seguintes:

“Promulgação da Constituição em nome de Deus; (…) Regulamentação da assistência religiosa facultativa às classes armadas, prisões, hospitais, etc. Liberdade de sindicalização, de modo que os sindicatos católicos, legalmente organizados, tenham as mesmas garantias dos sindicatos neutros. Reconhecimento do serviço eclesiástico espiritual ás forças armadas e as populações civis, como equivalentes ao serviço militar. Decretação de legislação do trabalho inspirada nos preceitos da justiça social e nos primórdios da ordem cristã. (…) 10. Combate a toda e qualquer legislação que contrarie, expressa ou implicitamente, os princípios fundamentais da doutrina cristã (AZZI, 2008, p. 230)”.

Ora, as citadas exigências vão de encontro aos direitos solicitados por outros cidadãos não católicos. A questão é que o discurso e o empenho da hierarquia romana estavam em prover a Constituição brasileira com teores católicos. As citadas exigências faziam parte do cardápio eclesiástico da época no qual, ressoando diretrizes vaticanas, postulavam a inserção do Direito Público Católico no Direito Brasileiro. Vale recordar o texto do Cardeal Ottaviani, publicado pela REB, que sobre a questão escreve:

“Ora, se entre os princípios gerais do Direito Público eclesiástico uma verdade certa e indiscutível existe, é aquela segundo a qual, um Estado composto em sua quase totalidade de católicos e, por conseguinte e coerentemente, regido por católicos, os seus governantes tem a obrigação de informar a legislação em um sentido católico. Do que defluem três imediatas consequências: “I. Profissão social, e não apenas privada, da religião do povo; II. Inspiração cristã da legislação; III. Defesa do patrimônio religioso do povo contra todos os assaltos de quem quer que tente despojá-lo do tesouro da sua fé e da paz religiosa (OTTAVIANI, 1953, p. 542)”.

Por essa, via o cardeal define o entendimento do que vem a ser um Estado Católico que é, em si, assinalado pelo critério da maioria que, por sua vez, condicionaria o edifício legislativo do Estado Civil. Estabelecendo, desta forma, a crença de que a concepção de uma “maioria” seria capaz de mover as estruturas governamentais para a submissão aos ideais cristãos. Partindo da mesma premissa afirma Fernandes (1948, p. 832): “Num Estado Católico não pode haver separação entre Igreja e Estado. Igreja e Estado são independentes, mas não devem estar separados. Devem, pelo contrário, colaborar para a realizarem o bem comum total dos súditos”

Todavia, a conjuntura histórica do Brasil de então, majoritariamente composto por uma população católica, não respaldava os intentos teóricos dos clérigos. Havia um hiato entre o discurso promovido pela Santa Sé e a realidade brasileira que os eclesiásticos, ao que parece, não se davam conta ou que talvez não quisesse deixar transparecer que sabiam. E esta lacuna não era uma realidade somente do tempo que por ora analiso, mas algo que antecedeu o início do século XX. Exemplo claro disto foi a questão religiosa ocorrida no fim do segundo reinado quando o imperador foi de encontro as diretrizes da Santa Sé. Esta exigia a expulsão dos maçons dos templos e da vida sacramental.

Na perspectiva dos estudos comparativos me deterei em analisar agora os textos publicados pela REB concomitante ao texto pontifício (donde emanou a diretriz para o discurso católico no Brasil) e a conjuntura político-jurídica do país na primeira metade do século XX – já manifesta pelos descontentamentos expressos nas linhas da REB.

As publicações da REB, já apontadas na introdução, se baseiam na encíclica ID que é de suma importância para o entendimento da desigualdade que deve marcar o Estado em sua condição de catolicidade.  Analisarei a encíclica fazendo paralelo com as publicações da REB no que comungam. E, por fim, confrontarei as publicações da REB com a questão política brasileira de então.

Leão XIII, escritor da ID, ficou conhecido pelo orbe católico como o papa que se abriu para o mundo, isto devido a famosa encíclica Rerum Novarum (sobre as coisas novas) que aborda a questão dos operários e dá uma orientação para o clero acerca de como agir com esta realidade e os seus anseios (outrora negligenciado pelos posicionamentos da Igreja). Ora, nada do que o citado escreveu na dita carta era novidade para os ouvidos de seus contemporâneos. Os comunistas há muito reclamavam por direitos. No entanto, foi uma novidade para a sensibilidade da maioria da hierarquia católica (acostumada a longos períodos de adormecimento) que mediante a fala e a consciência dos papas despertava e conduzia a sua consciência de ovelha-pastor para outro paradigma no tratamento das coisas.

O referido pontífice caminhou por dias nada fáceis ao longo de seu reinado. O certo é que o seu antecessor, Pio IX, enfrentou turbulências piores do que este. Ora, os papas do século XIX bem como aqueles que reinaram no início do XX viram esfacelar diante de seus dias o velho sonho da Cristandade de congregar todos os reinos católicos sob a égide da orientação papal. O que foi emoldurado por todo o medievo se esfacelava. A angustia e o desespero passaram a habitar o palácio apostólico bem como as preocupações da cúria romana, sobretudo devido o processo de secularização que se anunciaria com as mudanças ocasionadas pelo liberalismo[5]. Pio IX, por exemplo, elaborou uma série de condenações para os chamados erros da modernidade sumulada no chamado Silabo que

“São 80 proposições com que Pio IX condenou os princípios filosóficos do liberalismo, especialmente nas aplicações concretas entre Igreja e Estado. Os erros são agrupados em dez parágrafos que é possível subdividir em quatro grupos: (…) [e que merece destaque para este trabalho de pesquisa citar especialmente a letra C que diz:] nas relações entre Igreja e Estado evidencia-se a natureza a Igreja, sociedade perfeita com plenos poderes legislativos judiciários e coercitivos, e rejeita-se a concepção hegelina do Estado como fonte de todos os direitos [como também merece destaque o seguinte ponto, o D, que observa:] reafirma-se o poder temporal e condenam-se a liberdade de culto, o caráter aconfessional do Estado e a plena liberdade de imprensa e propaganda, até a afirmação de que o papa não pode e não deve conciliar-se com o progresso e com aquela expressão inteiramente moderna que era o liberalismo (BOVE, 1993, p. 698)”.

Os romanos pontífices se recusavam aceitar as mudanças que estavam ocorrendo no qual o velho sonho da cristandade estava ruindo. Em exposições sentidas como vãs pela nova mentalidade pregavam a manutenção do que o passado conferiu – a tradição. Mas as pessoas mudavam e aqueles homens de hábito branco, bem como o seu séquito, continuavam presos no passado. Era difícil para eles perceberem, sobretudo levando em conta a formação claustral que os sacerdotes recebem desde o século XII, as mudanças temporais. Homens acostumados à obediência e ao pensamento de que a realidade se explica com base no que os seus antecessores disseram não são, de fato, capazes de perceber que a vida flui em todos os sentidos, que em cada Estado as mais variadas vontades convivem e que, na modernidade, o Estado corresponde a predominante vontade da maioria imersa em conchavos. E que uma ordem estática custaria, mais adiante, o esfacelamento do próprio Estado. Uma vez que os modernos chegaram a uma conclusão histórica da inviabilidade do Estado ser movido pela força e violência direta. Por esta via, o moderno Estado busca a via do diálogo, do consenso como uma forma acertada de solucionar problemas (Cf. DALLARI, 2011, p. 141).

Os clérigos queriam, afinal de contas, a manutenção do pensamento e da ação política medieval segundo a qual se desejava manter a unidade política seguindo uma ordem toda peculiar na qual a Igreja distribui tarefas para cada agente da vida. Assim, os padres rezam pelo povo, os príncipes governam e os soldados os defendem (RUBY, 1999, p. 50). De sorte que a doutrina corrente dos pontífices orientava a esfera política para pensar esta divisão essencialmente pelas funções da Auctoritas e da Potestas.

 “O vocabulário da política romana distinguia auctoritas e potestas: a primeira é o poder no sentido pleno, isto é, a autoridade para promulgar leis e fazer a justiça, a segunda é o poder para administrar coisas e pessoas. A primeira é fundadora da autoridade política; a segunda, atividade executiva. A política cristã, durante toda a Idade Média, viu-se envolvida no conflito entre esses dois poderes, pois é evidente que um deles está subordinado ao outro e que a potestas é inferior a auctoritas (CHAUI, 1997, p. 391)”.

Por este viés, a autoridade do pontífice consistiria em conduzir as consciências por ser, a respectiva autoridade, fruto advindo do querer divino. E ao príncipe caberia o governo das multidões (manifesto no exercício da ordem púbica, segundo as diretrizes eclesiásticas). A questão é que os postulados gerados na cultura política romana e estendido em seu uso pelo magistério eclesiástico encontrava pouco eco no tangente as discussões modernas sobre a medida da soberania do Estado e, portanto, pouco interesse tinha para as mentes que estavam gerando novas concepções sobre o lugar do governo no mundo (Cf. DALLARI, 2011, p. 82).

A ID não possui novidades, visto que não dialoga com a autonomia manifesta dos governos civis modernos. Mantêm-se inabalável no que sempre a Igreja pleiteou, a autorictas. É o que revela a análise do texto que segue.

No primeiro parágrafo a Igreja é chamada de imortal obra de Deus numa nítida referência comparativa com a obra humana (o governo civil) não pensada pelo espaço clerical como possuidora de tal atributo. Há difundido nas publicações da REB de então a difusão deste pensamento de modo muito acentuado.  Fernandes (1948, p. 843), por exemplo, em consonância com o papa se posiciona afirmando a origem divina da Igreja e superioridade desta diante do Estado. E, por meio deste argumento, levantam-se as exigências para a existência de uma sociedade perfeita (baseada nos cuidados humanos e nas leis promulgadas pelo Estado que em nada poderiam contrarias as ações eclesiásticas.

Leão XIII demonstra ciência do mal estar hodierno acerca das diretrizes eclesiásticas quando diz no § 2 da ID “É, todavia, acusação já bem antiga é que a Igreja, dizem, é contrária aos interesses da sociedade civil e incapaz de assegurar as condições de bem-estar e de glória que, com inteira razão e por uma aspiração  natural, toda sociedade bem constituída reclama”. Esta acusação rebatida pelo papa, segundo o que ele entendia como sendo bem-estar e glória da sociedade, ecoava também nas letras das publicações da REB. Fernandes (1948, p. 832), por esta feita, afirma que a união entre Estado e Igreja concorre para a realização do bem comum dos súditos.

O papa recorda também a existência do que chama de “novo direito” que começa a prevalecer e dominar, segundo o pontífice, por toda a parte, conforme escreve no § 3 (ID):

“Todavia, o pendor funesto para essas queixas e para esses agravos não cessou e muitos se comprouveram de buscar a regra de vida social fora das doutrinas da Igreja Católica. E, mesmo de então por diante o “direito novo” como lhe chamam e que pretende ser o fruto de uma idade adulta e produto de uma liberdade progressista começa prevalecer e a dominar por toda a parte”.

Aqui certamente o papa está debatendo o lugar das teorias em voga (Positivismo, niilismo e possivelmente também os impactos do já pretérito Iluminismo). O Positivismo, que nasceu no contexto da Revolução Industrial, defendia a ideia que “as ciências positivas e, sobretudo a sociologia, deverão, pois suscitar uma nova ordem moral, baseadas não em Deus, mas na própria sociedade (LEMOS FILHO, 2008, p. 47)”. Era um percurso que o próprio August Comte denominara como a maturidade da humanidade, ou melhor, conforme sua teoria mesmo firmava, se tratava do terceiro estado da vida da humanidade – o positivo ou científico – que suplantaria o teológico e o filosófico.

No § 31 (ID) é esmiuçado o parâmetro desse “novo direito” do qual trata o papa no § 3. Diz Leão XIII, no § 31(ID), que se avulta um novo direito tido como direito do povo, alheio ao divino, como mostram as letras:

“Mas esse pernicioso e deplorável gosto de novidades que o século XVI viu nascer depois de primeiro haver transtornado a religião cristã, em breve, por um declive natural, passou a filosofia, e da filosofia a todos os graus da sociedade civil. É a essa fonte que cumpre fazer remontar esses princípios modernos de liberdade desenfreada sonhados e promulgados de um direito novo, até então desconhecidos e sobre mais de um ponto em desacordo não somente com o direito cristão, até então, mas com o direito natural. Eis aqui o primeiro de todos esses princípios: todos os homens já que são da mesma raça e da mesma natureza, são semelhantes, e, ipso facto, iguais entre si na prática da mesma da mesma vida: cada um depende tão bem só de si que de modo algum está sujeito a autoridade de outrem pode com toda liberdade pensar sobre o que quiser, fazer o que lhe aprouver, ninguém tem o direito de mandar os outros. Numa sociedade fundada sobre estes princípios, a autoridade pública é apenas a vontade do povo o qual só de si mesmo dependendo e também o único a mandar a si. Escolhe os seus mandatários, mas de tal sorte que lhe delega menos o direito que a função do poder, para exercer em seu nome.”

São usados adjetivos, como deplorável e pernicioso, para minimizar o lugar do “novo direito”. Nítido esforço para marginalizar o que estava em voga.  Demonstrando assim que as querelas jurídicas do século XIX aparecem aqui no discurso do papa. Já no século XX, o cardeal Ottaviani (1953, p. 537) alerta que o Direito público da Igreja de então era pouco conhecido. Atentando, destarte, para as dissonâncias entre o Estado e Igreja. Solicita o purpurado que os cristãos tenham a coragem de defender o dito direito frente às novas configurações do Estado.

Fernandes destaca, ao tratar do texto constitucional de 1891, as disparidades do novo direito em relação aos prejuízos que a Igreja teria com esse.  Escreveu o padre:

 “A religião católica é equiparada em tudo a qualquer seita religiosa. Isso teoricamente, porque na realidade é posta num plano de grande inferioridade, pois sendo a religião de quase totalidade dos brasileiros, é igualada para todos os efeitos a uma pequena minoria de outras seitas que não contribuíram em nada para a formação de nossa nacionalidade. É ridículo e injusto falar de igualdade neste caso. A justiça não manda dar a cada um igualmente, mas a cada um segundo o que lhe corresponde. O vício é fundamental: conceder os mesmos direitos ao erro e à verdade, ao bem e ao mal…. (FERNANDES, 1948, p. 833)”.

Há também no referido parágrafo uma nítida manifestação de defesa a desigualdade, uma vez que o direito, pensa o pontífice, deve ser emanado de Deus e dos seus emissários – o sacerdote e na sequência, sob a orientação deste, o príncipe –  e não de um contrato expresso entre os cidadãos e o Estado (conforme é apregoado na modernidade). Ora, o pensamento de Leão XIII era fruto da estrutura medieval que herdara. Pesquisadores do século XX continuaram a identificar as mesmas expressões de ser Igreja medieval em um contexto de avançada modernidade dada no pós-segunda grande guerra. Afirma um desses pesquisadores: “A Igreja apresenta um aspecto feudal porque a maior parte de suas instituições desenvolveu-se numa sociedade feudal (TODD, 1964, p. 60)”.  E na sociedade feudal o signo indelével nas relações sociais entre governo e governado é:  subjugar e o estar subjugado (daí a palavra súdito).

A Constituição de 1891 estabeleceu o princípio da igualdade entre todos os cidadãos, igualando os não-católicos aos católicos, o clérigo ao leigo – realidades estas que não existiam no período colonial e imperial marcados pela desigualdade. Fernandes (1948, p. 843) recorda tal realidade ao citar o artigo 72 nos §§28 e 29 da supracitada Constituição. Por outro lado, o mesmo autor recorda o aspecto de marginalização com que a lei de então confinou a vida dos eclesiásticos. Na referida carta maior, os religiosos e clérigos estava impedidos de votar porque, segundo a lei, eles não tinham liberdade de consciência uma vez que professavam votos de obediência (conforme disposto no (§2 do artigo 70) (FERNANDES, 1948, p. 836).

Os §§ 37 e 38 (ID) caminham na mesma senda do § 31 (ID), acentuando a dimensão da desigualdade no trato do governo das coisas e das pessoas. Diz o § 37 (ID): “Efetivamente quem quer que creia em Deus, se for consequentemente e não quer cair no absurdo, deve necessariamente admitir diferença, disparidade e oposição, mesmo sobre os pontos mais importantes não podem ser todos igualmente agradáveis a Deus”. E o § 38 (ID), por sua vez, vai contra a liberdade pessoal do indivíduo, restringindo-a ao que o papa afirma ser bom. E o que seria bom? o que está em conformidade com o ensinado pela Igreja. No mesmo parágrafo procura endossar a necessidade de que o Estado resguarde o súdito de questões que possam pô-lo em situação de reflexão ao dizer: “(…) não é, pois, permitido dar lume e expor aos olhos dos homens o que é contrário a virtude e a verdade, e muito menos anda colocar essa licença sob tutela e a proteção das leis. (…) O Estado afasta-se, pois, das regras e prescrições da natureza e favorece a licença das opiniões e das ações culposas ao ponto de se poderem impunemente desviar os espíritos da verdade e as almas da virtude”. Ottaviani (1953, p. 543) mesmo distingui o chamado direito de Deus e direito dos homens, àquele é superior a este.

Ora, o que se percebe é que a Igreja, em seu intento de desigualdade, nivela a consciência do que para ela seria súdito e para o Estado seria cidadão como incapaz de autonomia a ponto desta mesma consciência se desviar. A percepção sobre o conteúdo final do § 38 (ID) é a de que a Igreja orienta o Estado no sentido de manter a censura de certos assuntos para os homens. Advindo em destaque a concepção de como o povo é pensado pela hierarquia eclesiástica. É pensado em estado de condição de rebanho. Diz o § 15 (ID): “A essa imensa multidão de homens o próprio deus deu chefes com o poder de governá-los. A testa deles propôs um só de quem quis fazer o maior e o maior seguro mestre da verdade, e quem confiou as chaves do reino dos céus. “Dar-te-ei as chaves do reino dos céus” (Mt 16, 19). “Apascenta meus cordeiros… apascenta minhas ovelhas” (Jo 21, 16-17). Roguei por ti a fim de que tua fé não desfaleça (Lc 22, 22) “.

No entanto, a analogia do rebanho não perfaz o sentido de ser de muitos da modernidade. A leitura que se faz desta analogia também pode ser levada para outro lado, a do prejuízo do rebanho. O rebanho pacífico, ordeiro e subserviente é o desejo do pastor que não quer ter trabalho demasiado. A intenção de se ter de um rebanho, para o pastor, é de consumir, usar, usufruir da vida das ovelhas com vista a manutenção única e exclusivamente a sobrevivência e os interesses do pastor. As analogias e metáforas que a Igreja faz entre si e o povo, usando a imagem do rebanho, é vista de modo repulsivo pela mentalidade moderna ávida de vida que seja respeitada em sua individualidade burguesa.

Kloppenburg quando aborda o avanço espírita no Brasil, por exemplo, levanta a tese de que o mesmo se dá por ignorância da população que desconhece a verdade e esta precisa ser ensinada. As linhas do frade não provocam a hipótese de que as pessoas tinham interesses e opções que precisavam serem respeitadas. Simplesmente olhava para as pessoas como desprovidas da verdadeira consciência que seria attingida quando o clero se esforçasse para evangelizar melhor. De fato o argumento de Kloppenburg nivela por baixo a capacidade de escolher do cidadão (KLOPPENBURG,1952, p. 848). E este nivelamento foge a perceptiva moderna da constituição do direito que parte da concepção de cidadãos livres e conscientes para a vida democrática visto que: “em cada Estado convivem muitas vontades sociais, pois cada indivíduo e cada grupo social tem suas ideias a respeito da melhor forma de convivência. E o Estado que decorre da realidade e que reflete a síntese das aspirações da maioria do povo corresponde à vontade social predominante (DALLARI, 2011, p. 141)”. 

Todavia, o discurso do papa não corre na oposição do reconhecimento do Estado. Ele reconhece a autoridade do governo civil, isto se contempla no § 12 (ID):

“Como, pois, a sociedade civil foi estabelecida para a utilidade de todos, deve, favorecendo a prosperidade pública, prover ao bem dos cidadãos de modo não somente a não opor qualquer obstáculo, mas assegurar todas as facilidades possíveis à procura e à aquisição desse bem supremo e imutável a qual eles próprios aspiram. A primeira de todas consiste em fazer respeitar a santa e inviolável observância da religião, cujos deveres unem o homem a Deus”.

 Mas é um reconhecimento que se dá dentro de uma moldura religiosa. Aponta, como se fosse conhecedor pleno de todo o gênero humano e que este, por sua vez, deseja o Deus cristão. No entanto, a realidade não era bem esta e o pontífice, apesar de sua fala impoluta, era sabedor de que os ventos não eram favoráveis para a nau de Pedro.

Fernandes que se posiciona contra os parâmetros da Constituição de 1891 jamais fala no sentido de se querer a derrubada do Estado constituído, antes sim traça motivos para apresentar a hostilidade, segundo ele, da Carta Magna para os interesses da Igreja. Já no referente a Constituição de 16 de julho de 1934 o autor se mostra mais satisfeito visto que esta está mais em sintonia com as exigências da Igreja. Ora, olhando minuciosamente o escrito do autor em seu comentário sobre a mesma não dá para dizer que a Constituição é pró católica e contra todo e qualquer cidadão que esteja fora do redil romano. A referida Constituição simplesmente evita olhar de modo preconceituoso para a Igreja e concede possibilidades para que a Igreja viva e siga livremente o seu percurso. Neste sentido, mantêm a noção de liberdade ampla de culto, desde que não seja incompatível com a moral e os bons costumes – conforme aponta o artigo 113  concede a permissão para as crenças manterem cemitérios próprios; o artigo 145 permite que o casamento religioso possa ter efeito civil (desde que os trâmites sejam devidamente seguidos). Por esta via em pronunciamento   ao emissário do papa, Getúlio Varga afirmou que o entendimento entre a Igreja e o Estado fazia parte da história republicana Brasileira (Cf AZZI, 2008, p. 2310. Por sua vez, a mesma constituição conferiu alguns privilégios para a Igreja, isto é inegável, como o artigo 163, §3, que concede que o serviço militar seja prestado pelos eclesiásticos na forma de assistência espiritual ou hospitalar as forças armadas. Mas o privilégio dado pela instância política no Brasil de então muito diferia da noção perpassada pelo reconhecimento de dignidade  que a “obra imortal de Deus” poderia ter (segundo as diretrizes eclesiásticas), por exemplo, no governo de Getúlio a presença dos privilégios estava assentado na contrapartida da Igreja de manter-se em silêncio frente aos atos governamentais – era um privilégio comprado (Cf. AZZI, 2008, p. 232) .Neste sentido, Fernandes aponta que a referida Carta concede o privilégio do respeito 'do dia do Senhor”, o domingo. No entanto, a Carta Magna diz em seu artigo 121 “o repouso hebdomadário de preferência aos domingos”. A carta não faz referência ao “dia do Senhor”, esta é uma leitura apologética católica. Por sinal, o próprio autor reconhece que o seu postulado é fraco, mas mesmo assim dele se aproveita. É o que se vê quando escreve “Ainda que não haja um reconhecimento oficial do dia do Senhor, contudo, esse dia é prestigiado na Constituição (FERNANDES, 1948, p. 852)”.

E a mesma linha de ação por parte da legislação continua a operar na constituição de 1937 que, no entanto, a Igreja em se tratando destas duas Cartas as olha como se fosse concessões de privilégios, mas o que houve, de fato, foi um ponderamento para as práticas sociais de todo e qualquer culto com base na cultura e costumes vigentes no Brasil. Vale a pena recordar que o próprio Getúlio Vargas que concedeu apoio nas ações sociais promovidas pela Igreja (nas áreas do ensino escolar e abertura de espaços de assistência social) sempre tomou cuidado para não se manter refém da Igreja, mas que ela  estivesse à serviço dos interesses do governo.

Na mesma linha de condução está o § 16 (ID) que, assim como no medieval, pontua o lugar e a relação da Igreja para com o Estado. Declara o referido:

“À Igreja, pois, e não ao Estado, é que pertence guiar os homens para as coisas celestes, e a ela é que Deus deu o mandato de conhecer e de decidir de tudo que concerne a religião, de ensinar todas as nações, de estender a tão longe quanto possível as fronteiras do nome cristão; em suma, de administrar livremente e a seu inteiro talante os interesses cristãos”.

O interessante desta declaração é que a mesma é esbouçada como se as preocupações dos Estados do século XIX se constituíssem na mesma dinâmica com que foi lapidada as suas relações com a Igreja no período das grandes navegações, por exemplo, onde este posicionamento seria muito pertinente. No entanto, no período em que a encíclica foi escrita a declaração soa de modo despropositado. Haja vista, por exemplo, que desde o século XVIII, na França, Igreja e Estado eram inimigos. O nascente reino italiano, por sua vez, não respeitou muito a autoridade do papa a ponto de lhe retirar o governo e destituir o chamado Estado Pontifício. Então, como este Estado Italiano se comprometeria numa empreitada eclesiástica se o próprio ele próprio limitou o seu campo de atuação e o da Igreja? De fato, o papa falava, mas falava para quem? Quem o ouvia, uma vez que o anticlericalismo assentava consideravelmente nos bancos do poder?

A Encíclica ID, no propósito de evocar a supremacia do direito eclesiástico sobre o civil, recorda os (então pensados) benefícios da fé cristã no processo de cristianização da Europa. É o que aponta os § 29 (ID) quando alega ser obra eclesiástica a vitória sobre os bárbaros onde, segundo o romano pontífice aparecia como característica a ferocidade e a superstição. Ora, a questão que intriga olhar moderno é que o discurso papal é linear. Isto é, descreve a realidade medieval como se fosse alheia a ferocidade e a superstição. Sobre o primeiro item vale a pena recordar que, no medieval,

 “O fascínio cruel e a compaixão grosseira diante do patíbulo eram um elemento de peso na dieta espiritual do povo. Era um espetáculo de moral. Para crimes hediondos, a justiça inventara punições horríveis; em Bruxelas, um jovem incendiário e assassino foi acorrentado a uma estaca giratória no meio de um círculo de feixe de madeira em brasa. Com palavras comoventes, ele se apresentou como exemplo ao povo e tanto “enterneceu os corações, que todos se desfizeram em lágrimas de compaixão, e seu fim foi considerado o mais belo que já se vira” (HUIZINGA, 2010, p. 14)”.

 E em relação a superstição vale a pena recordar que enquanto o medieval cristão pensava os atos religiosos animistas, fetichistas, pagãos como supersticiosos. No século XIX e início do XX todo o ato religioso era pensado, devido a movimentação cientificista, como superstição – inclusive a crença cristã.

No entanto, Leão XIII afirma no § 30 (ID) que as ações contra a ferocidade e a superstição durariam se as ações dos governantes tivessem sido mais dóceis aos conselhos da Igreja. Em nenhum momento o pontífice levanta a ideia de que a Igreja também foi produtora de ferocidade e superstição. Cabendo, destarte para o Estado, a condição de elemento faltoso em suas responsabilidades.

No referente as publicações da REB muitos autores, em seu propósito de ver respeitado o Direito Público da Igreja em face do direito ao culto das outras religiões ergue-se a ideia de que estas são marcadas por superstição. Frei Boaventura, por exemplo, traça uma série de argumentos nos quais afirma ser o espiritismo Kardecista e a Umbanda religiões de fundo supersticioso e prejudicial à fé do brasileiro uma vez que, segundo o frade, as mesmas conduzem as pessoas ao “erro” (Cf. KLOPPENBURG, 1952, p. 85). Kloppenburg foi, por sinal, o grande incentivador de uma cruzada contra a referida crença. A cruzada,, além da oposição doutrinária, levantava a voz contra ações dos governantes quando estes se posicionavam a favor da liberdade de culto dos espíritas.

O papa postula em seu escrito a desigualdade entre a Igreja e o Estado civil em suas atribuições, como se observa no§ 21 (ID):

“Tal é consoante o esboço sumário que havemos traçado, a organização cristã da sociedade civil, e essa teoria não é nem temerária, nem arbitrária, mas se deduz dos princípios mais elevados e mais certos, confirmados pela própria razão natural. Essa constituição da sociedade política não tem nada que possa parecer pouco digno ou inconveniente para a dignidade dos príncipes. Longe de tirar o que quer que seja aos direitos da majestade, pelo contrário, torna-os mais estáveis e mais augustos. Muito mais: se olharmos isso mais de perto, reconheceremos nessa constituição uma grande perfeição que falta nos outros sistemas políticos; e ela produziria certamente frutos excelentes e variados se ao menos cada poder ficasse nas suas atribuições e pusesse todos os seus desvelos em cumprir o ofício e a tarefa que lhes foram determinados”.

Há uma desigualdade não somente em relação ao poder, que ainda pensava ser possível manter no moderno assim como no medieval – quanto a auctoritas e potestas -, mas também uma desigualdade que chega a ser uma disparidade para os ouvidos dos governantes de então, quando o papa ousa dizer “o esboço sumário que havemos traçado” (expondo como se este fosse superior a dinâmica do poder dos Estados). Mostrando, desta feita, um grande distanciamento dos novos tempos. A concepção de que a Igreja é que traça as diretrizes políticas (auctoritas) é contemplada também no § 45 (ID) no qual volta a afirmar os limites entre o pretérito-pretenso poder eclesiástico e o do Estado:

“Tais são as regras traçadas pela Igreja Católica relativamente à constituição e ao governo dos Estados. Esses princípios e esses decretos, se se quiser julgar somente deles, não reprovam em si nenhuma das diferentes formas de governo, visto que estas nada têm que repugne a doutrina católica e, se forem aplicadas com sabedoria e justiça todos podem garantir a prosperidade pública. Bem mais, não se reprova em si o que o povo tenha sua parte maior ou menor no governo; isto até em certos tempos e sob certas leis pode tornar-se não somente uma vantagem mas um dever para os cidadãos. Demais não há para ninguém justo motivo de acusar a igreja de ser inimiga quer de uma justa tolerância, quer de uma são e legítima liberdade”.

 Ao mesmo tempo, ao que parece neste parágrafo, o pontífice abre espaço para a justificação dos diferentes tipos de governo da modernidade. Suavizando, desta maneira, o pesado discurso da monarquia como a única forma de poder. É um parágrafo que acena para uma possível conciliação acanhada da Igreja para com os novos governos.

Fernandes, por sua vez, mostra em suas linhas uma grande empáfia ao tratar acerca da superioridade da Igreja sobre o Estado ao dizer “A Igreja Católica, num país católico, não se ajoelha para pedir privilégios, ela tem direito de exigir liberdade de ação e todos os meios necessários para conseguir o seu fim (FERNANDES, 1948, p. 831)”.

Avançando na Encíclica, ao tratar dos atos administrativos dos governos, o romano pontífice alerta sobre os parâmetros de desigualdade que deve ser tratada a fé católica em relação as outras crenças. Àquela receberá, assim exige, os benefícios da lei, e estas a possível permissão de liberdade desde que não ofenda as diretrizes da doutrina e moral católica. É o que reza o § 46 (ID): “Efetivamente, se a Igreja julga não ser lícito pôr os diversos cultos no mesmo pé legal que a verdadeira religião, nem por isso condena os chefes de Estado que, em vista de um bem a alcançar ou de um mal a impedir, toleram na prática que esses diversos cultos tenham cada um seu lugar no Estado”.

Ora, durante todo o medieval a Igreja coibiu a presença visível dos outros cultos na esfera pública. Nos reinos onde havia a presença de outras religiões, como a de Maomé e a de Abraão, as mesmas tinham suas atividades restringidas, quando não suprimidas e perseguidas. O romano pontífice, nas sendas do passado, pleiteia o que antes era de direito: a manutenção do culto católico pelo Estado e o não provimento por parte deste para os demais cultos.

Fernandes faz as mesmas considerações sobre o privilégio que a Igreja deve ter frente aos outros cultos. Por sinal o seu artigo é merecedor de minuciosa análise visto que defende sem parcimônia a desigualdade como princípio para reger as relações da Igreja para com o Estado frente as outras crenças. Diz o sacerdote que Não pode o legislador civil, mais ainda num país católico, contrariar as leis da Igreja. Os constituintes de 1891, proclamando o princípio da igualdade de todos os cidadãos perante a lei, não respeitam títulos nobiliárquicos e a hierarquia católica (FERNANDES, 1948, p. 843).” E na mesma linha recorda que a primeira constituição do Brasil nivelou as religiões para alegria, segundo ele, das “seitas acatólicas”. No entanto, a mesma alegria não podia ser sentida pela Igreja visto que perdia privilégios. Por sinal, são os privilégios que contavam para a Igreja. Tanto é assim que o sacerdote acusa que “Garantir os mesmos direitos à Igreja Católica e a quaisquer das seitas estrangeiras que começavam a fazer prosélitos, é uma injustiça (FERNANDES, 1948, p. 837)”.

O plano dos ganhos financeiros das ditas “seitas acatólicas” são lembradas por Fernandes que se mostra incomodadas com a movimentação permitida no âmbito legal:

 “A constituição de 1891 garantia liberdade individual e liberdade de associação para fins religiosos a todas as confissões, adquirindo bens, observadas as disposições do direito comum (…)  As outras confissões religiosas, quase desconhecidas no tempo do Império e, na época da proclamação da República, constituindo minorias insignificantes, começavam não só a gozar da mais ampla liberdade, mas a desfrutar de uma situação jurídica mais vantajosa que a Igreja Católica, podendo adquirir, administrar e alienar livremente os seus bens (FERNANDES,1948, p. 834/835)”.

Havia da parte católica uma insatisfação por parte das ações legislativas promovidas pelo cenário político. Esse descompasso se deve ao fato que, já na primeira República, os governantes de cunho marcadamente positivista, alienaram a ação da Igreja de seu ciclo de interesse. Os republicanos de então achavam que a Igreja sem o apoio do Estado logo sucumbiria.  Por outro lado é bom recordar que desde a época da regência do padre Feijó a presença protestante, por exemplo, foi amplamente permitida. Por sinal, o próprio regente, que era sacerdote, propunha a separação da Igreja do Brasil em relação a Igreja Romana – realidade esta que não vingou devido à falta de interesse do futuro imperador quanto a questão. Por estes exemplos se faz notar que havia já difundido no Brasil, em meio de seus governantes, um olhar não tão favorável a manutenção do status quo da Igreja.

Fernandes, em sua fala, carrega consigo, na senda de Ottaviani, a noção de que é o argumento da maioria que faz um Estado ser declarado como católico. Por conseguinte, a promulgação de direitos de modo a evitar a isonomia deve ser marca desse estado, conforme salienta ao dizer “(…) a liberdade e os direitos da minoria não devem ser respeitados a tal ponto que sejam conculcados os direitos da maioria (FERNANDES, 1948, p. 841)”.

Todavia, esses motivos não eram tidos como satisfatórios a ponto de fazer prevalecer o privilégio católico – haja vista que o mesmo foi combatido pelo laicismo que vem a ser, conforme expõe Boaventura (1993, p. 431) “(…) atitude de protesto, consciência conflituosa ou, muitas vezes, vontade raivosa de se diferenciar do contexto que devem ser interpretadas as dissensões entre ciência e fé, natureza e razão, Estado e Igreja”.

Apesar de a Igreja combater o Laicismo nas suas relações com o Estado, se pode afirmar que havia um laicismo no modo do brasileiro de viver a sua fé e a relação desta vai de encontro com os ditames religiosos dos clérigos. Esse “laicismo” era (é), na verdade, o respeito que o homem brasileiro sempre teve pelas formas de culto que habitava o seu cotidiano e que ele muitas vezes recorria. Nisto vale lembrar e refazer a tese de Buarque de Holanda encima do que escreve em Raízes do Brasil:

“A uma religiosidade de superfície, menos atenta ao sentido das cerimônias do que o colorido e à pompa exterior, quase carnal em seu apego ao concreto e em sua rancorosa incompreensão de toda verdadeira espiritualidade; transigente, por isso mesmo que pronta a acordos, ninguém pediria, certamente, que se elevasse a produzir qualquer moral social poderosa. Religiosidade que se perdia e se confundia num mundo sem forma e que, por isso mesmo, não tinha forças para lhe impor sua ordem. Assim, nenhuma elaboração política seria possível senão fora dela, fora de um culto que só apelava para os sentimentos e os sentidos e quase nunca para a razão e a vontade (HOLANDA, 1995, p. 150)”.

Buarque de Holanda, apesar do preconceito em tratar a espiritualidade do Brasileiro como superficial – sem se dar conta do caráter criativo e livre da mesma (marca de sua profundidade) – mostra um ponto relevante no tangente ao tipo de “laicismo” que por ora trato onde, o brasileiro, é assinalado por uma dinâmica que foge a pretensa ordem estatuída. Isto é, a sua vida não se compromete a se limitar no que as instituições, como a Igreja e os governos, apontam como correto. O fato é que algo só é acolhido quando o mesmo perfaz a vida e os interesses da alma brasileira. Sendo assim, os posicionamentos expostos na REB quando evoca a unicidade e coesão dos católicos não se faz verdade na história do Brasil. O uso da pretensa coesão dos católicos é usado de modo retórico, assim se pode afirmar, e não propriamente como um dado marcado pela força política.  Esta questão sobre o não enquadramento do brasileiro é tão pertinente que Holanda, tratando sobre a fundação da República, afirma: “Não admira, pois, que nossa República tenha sido feita pelos positivistas, ou agnósticos, e nossa Independência fosse obra dos maçons (HOLANDA, 1995, p. 150)”.

Conclusão

A desigualdade defendida pela Igreja e que aqui no Brasil marcou presença teve a sua estrutura edificada no contexto medieval. A defesa da desigualdade como um princípio move consideravelmente as diretrizes da vida, do fluir social. E o contexto político não foge a isto. Por sinal, é sob o signo político que a Igreja empregou o uso desse princípio.

No entanto, pensar pelos parâmetros da igualdade ou desigualdade a conjuntura das relações humanas pelo viés político nunca é uma atividade fácil. Por sinal, a política medieval não passou incólume a contestações em seu hodierno. O papa, assim como os autores da REB em questão, ao defender a ideia de que o que expressam é segundo a ordem estabelecida por Deus e que todo o orbe dos católicos está de acordo com o parâmetro da desigualdade transformando-o, assim, em princípio, é uma ideia que recebeu contestações. As teorias levantadas no medieval – advinda ou não dos teólogos, imperadores ou mesmo do papa- sempre passavam pelo crivo da crítica. Um texto expressa bem esta querela:

“É claro que poderíamos deter-nos aqui nas diferenças importantes que levantam as estruturas das teorias teológico-políticas medievais umas contra as outras. Há aqueles que pretendem que a ordem terrestre se torna totalmente refratária à ordem divina, e assim a fatalidade da natureza deve ser violentamente reduzida pelos soldados de Cristo (padre, soldado ou padre-soldado?). Há as que submetem toda ordem política à Igreja. Mas encontram-se também outras que, coincidindo com uma era de brandura relativa (abertura dos mercados e das cidades), pregam uma independência do poder, que escapa assim ao controle essencialmente rigoroso da Igreja (RUBY, 1998, p. 50)”.

O que se observa nos textos estudados é que, tanto a casa pontifícia quanto os autores da REB, empregavam um discursos sobre a autonomia do estado civil como se fosse algo que foge ao que sempre foi – obediente a Igreja. No entanto, o que sempre houve foram posicionamentos divergentes quanto ao múnus dos poderes na história. Dando a entender que o posicionamento da Igreja está mais para o agente que não quer ser contestado em um contexto onde a vida se faz por interação. E a interação é algo que a Igreja demonstra, enquanto agente, não querer. Não a interação horizontal, mas somente e desde que seja tão somente uma interação vertical (desde que a Igreja esteja no cume das diretrizes). E este tipo de relacionamento “interativo” foi abominado pelos modernos de modo inconteste a ponto que se possa afirmar que a tomada de posicionamento da Igreja nas questões acerca do poder político se tornou, no geral, amplamente questionável. 

Desta feita, tratando especificamente em sentido comparativo os textos da REB com a ID se pode concluir que, entre ambos, não existem diferenças. O clero católico seguiu à risca as diretrizes e o pensamento da Santa Sé acerca da compreensão e busca de aplicação do princípio da desigualdade na conjuntura brasileira. Não foram feitas considerações fora do plano discursivo já empregado no outrora medieval dando a ideia de que os clérigos, de fato, estavam crentes de que as velhas ideias eram imorredouras.

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Notas:
[1]“Isonomia: Estado de igualdade civil e política dos cidadãos: diz-se, assim, da igualdade de todos perante a lei (NETTO, 2010, p. 350)”.
[2]“Forma histórica que o cristianismo toma quando Igreja e sociedade tendem para a unidade recíproca, embora com  finalidade distintas e meios distintos. O pressuposto básico é o de uma homogeneidade substancial entre fé cristã e cultura (DOTOLO, 1993, p. 153)”.
[3]O antigo nome do Brasil, Terra de Santa Cruz, ecoa nas vozes católicas no intuito de apontar as origens e a vontade destas de manter o Brasil sendo o que outrora fora, uma terra orientada pela doutrina da Salvação que se daria somente com a implantação do reino de Deus – figurado na Igreja.
[4]“Do grego enkýlios, ao pé da letra significa “circular”. Desde o século VII serve para indicar os documentos  “circulares” do papa e/ou de um concílio, destinados a toda a cristandade,e a partir do século XVIII  passou a ser um termo técnico. Toma o nome específico das duas primeiras palavras do escrito (por exemplo Redemptoris Missio) (COFFELE, 1993, p.233)”.
[5]Por secularização entende-se o seguinte: “ De saeculum em contraposição a religio, cujo significado indica a diferença entre o mundo de Deus e o mundo sem Deus e uma progressiva perda do papel político-cultural da Igreja (DOTOLO, 1993, p. 685)”.

Informações Sobre o Autor

Carlos Cariacás

Professor Adjunto na Universidade Federal do Amapá. Doutor em Ciências da Religião Pontifícia Universidade Católica de São Paulo com pós-doutorado pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra


Equipe Âmbito Jurídico

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