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A desigualdade e o neoliberalismo

Resumo: Neste texto, propõe-se uma análise do direito à igualdade, consagrado como fundamental individual no caput do art. 5º da Constituição Federal, tendo-se como norte o neoliberalismo.

Palavras-chave: Direito. Igualdade. Neoliberalismo.

Abstract: This text proposes an analysis of the right to equality, enshrined as fundamental individual in the caput of art. 5 of the Federal Constitution, with neoliberalism as the north.

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Keywords: Law. Equality. Neoliberalism.

Sumário: 1. Introdução. 2. As problemáticas do neoliberalismo. 3. As consequências do neoliberalismo. 4. Considerações finais. Referências. 

1. Introdução

O direito à igualdade, consagrado como fundamental individual no caput do art. 5º da Constituição Federal, é conceituado, tradicional e constitucionalmente, como tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida em que eles se desigualam.

Reivindica a definição, assim, o estabelecimento da distinção existente entre igualdade formal e a igualdade material/substancial.

Igualdade formal é a igualdade na lei, ou seja, a igualdade reconhecida normativa, abstrata e genericamente, na norma jurídica, logo, num estatuto de direito positivo. Por outro lado, a igualdade material reivindica igualação no mundo dos fatos.

Viemos, aqui, trabalhar a ideia de que a ética neoliberal vem afrontando, cabalmente, esse direito, sob arestas nunca vistas.

2. As problemáticas do neoliberalismo

O paradigma a ser seguido para se estabelecer as devidas críticas ao neoliberalismo face ao direito à igualdade, será o texto Neoliberalismo e gozo, de Agostinho Ramalho Marques Neto[1].

Na referida obra, Agostinho promove uma reflexão sobre os efeitos do neoliberalismo no contexto capitalista, sugerindo consequências de âmbitos político, jurídico, ético e psicológico.

Para adentrar nesse assunto, primeiramente, faz o mesmo, uma explanação da passagem do liberalismo para o neoliberalismo, de modo que se possa compreender quais seriam as principais mudanças ocorridas nos últimos séculos numa sociedade capitalista, voltada ao consumismo.

Em seus desenvolvimentos, Marques Neto cita autores como Thomas Hobbes, Hugo Grotius, Baruch de Espinosa, John Locke, Montesquieu, Jean Jacques Rousseau e Benjamin Constant, ícones do que ele chama liberalismo clássico, o qual teve como base o tripé, lema da Revolução Frances, igualdade, liberdade e fraternidade.

Por meio desses princípios, defendeu-se a conquista, segundo o autor, de uma igualdade jurídico-formal, consagrada na liberdade contratual, que se apresenta de extrema importância para o bom funcionamento do capitalismo e para a manutenção da ordem social. Em contrapartida e, paradoxalmente, um dos primeiros a formular as arestas da doutrina neoliberal foi Friedrich Hayek, o qual se baseou nos princípios competição, desigualdade e eficiência, sob a promessa de prosperidade de todos.

A abordagem do autor é de grande contribuição, por nos permitir refletir sobre a história e o comportamento de uma sociedade que caminha para a falência do senso crítico e da busca por mudanças positivas e sustentáveis, pois o neoliberalismo traz consigo a exclusão social, e não por acaso, mas por fazer parte do próprio sistema neoliberal.

Essas e outras discussões, digam-se de passagem, extremamente atuais, já que o texto Neoliberalismo e Gozo foi concebido em 2008, ano de grandes turbulências no setor econômico-financeiro a nível mundial, se arrastando até os dias atuais, não se podendo deixar de citar o momento vivido por nós brasileiros, que além da já citada, ainda passamos por uma grave crise política, que oportunizou, inclusive, um processo de impeachment da ex-Presidente Dilma Rousseff, rodeado de muita polêmica por sua inconstitucionalidade, bem como os últimos escândalos quanto à suposta percepções de propina, por parte de muitos políticos, abalando assim, tais constatações, ainda mais, a nossa economia.

Uma das maiores contribuições de Agostinho, do nosso ponto de vista, se dá no sentido escancarar que o neoliberalismo, em função de ter em sua base a competição, acaba por proporcionar uma busca pelo desenvolvimento econômico e o acúmulo de riquezas, espaço em que o ganhar a qualquer custo faz com que essa competição deixe de ser limitada pela lei e passe a ser a própria lei. Nesse horizonte, as relações interpessoais passam a ser baseadas, cada vez mais, interesses econômicos, criando-se o binômio incluídos e excluídos.

Agostinho Neto trabalha a ideia de que o pensamento marxista baseado no binômio opressores/oprimidos, já não contextualiza a atual divisão social, preferindo focalizar a tensão incluídos/excluídos, em que opressores e oprimidos fariam parte dos incluídos, enquanto os excluídos seriam aqueles que não fazem parte de nenhum âmbito da vida social, já que, enquanto indivíduos sem nada a oferecer, passam a ser menosprezados pelo sistema. Em outras palavras, por serem indivíduos de tão pouco valor, ou melhor, de valor nenhum, do ponto de vista do jogo de interesses da sociedade atual, passam a ostentar o papel de excluídos da cidadania.

3. As consequências do neoliberalismo

As consequências neoliberais, geradas, pelos denominados excluídos, trazem um reflexo para a sociedade, e tem passado sem questionamentos por uma maioria menos atenta e crítica, gerando um grupo de pessoas desacreditadas de seus valores familiares e pessoais.

O neoliberalismo voraz denota direitos garantidos em extinção, quando se pensa em sua efetivação, e, um direito penal e um poder judiciário em curvas crescentes, devido ao caos e às mazelas de um grupo desamparado.

Ademais, o que se vê, na contramão da busca pelo que seria uma sociedade ideal, é um Estado pouco preocupado com a real situação desses indivíduos e com medidas que visam apenas uma melhoria momentânea, a partir de bolsas assistenciais, que não irão a longo prazo mudar a condição de vida do sistema de exclusão ora instalado.

Citando José Nazar e Renato Mezan, o autor frisa, nesse contexto, que o Estado busca, de fato, com esse assistencialismo, a manipulação e a anulação dos “beneficiados” das noções de cidadania e de sujeitos políticos.

Com efeito, o autor propõe uma reflexão sobre quais seriam os incluídos em nossa sociedade e a sua contribuição para o processo neoliberal, apontado tratar-se de um grupo formado por pessoas extremamente capacitadas para serem eficientes e cada vez mais competitivas. Nesse contexto, o que poderia se apresentar como um ponto positivo para a sociedade, quando colocado em questão, demonstra a vulnerabilidade desse grupo, que faz a economia “girar”, aprimorando, a cada dia, o “como” fazer melhor, anulando o senso crítico e questionador dos seus componentes sobre as práticas exercidas.

O perfil neoliberal é tão avassalador que é comparado a um Deus, levando-se em conta os modos de cultua-lo, como enfatiza Giorgio Agamben:

“o capitalismo é, realmente, uma religião, e a mais feroz, implacável e irracional religião que jamais existiu, porque não conhece nem redenção nem trégua. Ela celebra um culto ininterrupto cuja liturgia é o trabalho e cujo objeto é o dinheiro.  Deus não morreu, ele se tornou Dinheiro.  O Banco – com os seus cinzentos funcionários e especialistas – assumiu o lugar da Igreja e dos seus padres e, governando o crédito (até mesmo o crédito dos Estados, que docilmente abdicaram de sua soberania), manipula e gera a fé – a escassa, incerta confiança – que o nosso tempo ainda traz consigo” (AGAMBEN, 2012, p. [S.N.]).

É válido frisar, quem melhor internalizou a lógica desse mercado, vendendo-o livremente, são os veículos de comunicação, apresentando uma sociedade de mercado, de consumo, um mundo de conto de fadas, onde o Estado, às custas do sofrimento do povo, concede ao mercado financeiro, muitas vezes, dotado de uma legalidade concedida por esse mesmo Estado, a expansão do mercado consumidor.

O que se gera com essa posição do Estado frente ao neoliberalismo, é a figura do cidadão transformada em consumidor, onde o seu exercício de cidadão se resume ao consumo exacerbado, ao consumo a qualquer custo, os quais levam ao gozo imediato.

É bem verdade, o mundo dos fatos demonstra, realmente, que o capitalismo prega a busca pela mansão, pelo carrão caro e potente, pelo telefone celular que faz de tudo, pela maior e mais fina televisão na versão 3D, pelos melhores ultrabooks, notebooks, ipod’s, iphone’s, iped’s, tablet’s, pelas roupas de grife com preços astronômicos e inacreditáveis etc.

Por outro lado, a comuna do consumo em sua dimensão de culto ao corpo e busca pela aparência “perfeita” apregoa que o homem ideal deve ser alto, forte e bem vestido. O estereótipo feminino reivindica que a mulher tenha cabelos lisos, seja bem vestida, magérrima ou “sarada” e cheia de curvas voluptuosas, na melhor versão panicat. Dessa forma, “o discurso “narcísico-consumista” da sociedade atual produz “ídolos fortemente sexualizados em imagens do dever ser homem e dever ser mulher”” (VAZ, 2004, p. 127). 

O ideal atribui, sobretudo, ao perfil e à posse dos bens, acima delineados, o caminho para reconhecimento e sucesso; o pré-requisito por melhores empregos, muito dinheiro, glamour, grandes amigos, tratamento cordial e convites para os mais importantes, famosos e badalados eventos; a conquista de viagens inacreditáveis e momentos inesquecíveis, além de uma vida amorosa e sexual digna dos filmes de Hollywood. Enfim, que com esses atributos tudo se torna mais fácil, alcançando-se a felicidade plena por meio do possuir, o qual proporcionará tudo o que há de melhor. 

Essa busca incessante pelo gozo, provocado pelo consumo desenfreado, faz com que a pessoa passe da condição de um ser insubstituível para um ser descartável. Essa situação é que permite ao processo capitalista se tornar e se manter forte e dinâmico, e, nessa vertente de que tudo é mercadoria, as pessoas também passam a ser vistas como mercadoria, donde banalizam-se as relações pessoais, já que o outro só “serve” (é reconhecido) enquanto portador de alguma satisfação ou benefício, podendo ser, portanto, descartado quando não mais atender às expectativas.

O contexto faz com que a política também seja infectada por esse comportamento, sendo o governante visto como um gestor de negócios. Ao mesmo tempo, a economia vai ocupando o lugar da política, até porque, cada vez mais, tem-se um Estado refém do mercado econômico.

Agostinho Neto chama a atenção ao enfraquecimento da função garantidora do Direito. Logo, ocorre, com esse fenômeno, um retrocesso, pois se o Direito não pode garantir o fiel cumprimento da lei, não tem nada a garantir.

Saliente-se, garantias jurídicas são substituídas por garantias de mercado, e empresários vendem uma falsa imagem de zelo para com seus consumidores, não para garantir seus direitos como se pensa, mais sim, para vender e manter uma boa imagem no mercado, com o objetivo único de manter o consumo e suas sensações de prazer.

Famílias inteiras, em busca desse gozo infinito, se veem em situação de superendividamento, encontrando-se impossibilitadas de pagar suas dívidas atuais e futuras. Fazendo-se um paralelo, a busca pelo gozo a todo tempo, em nada difere à busca de um viciado por drogas que o satisfaçam.

A inversão de valores fica demonstrada de forma nítida em diversas passagens do texto, não sendo diferente quando se trata de um Estado que, para garantir a segurança, passa a restringir os direitos, não conseguindo manter uma ordem, se especializando, na realidade, em governar a desordem.

A promoção política e o domínio exercido por ela se dá graças à manipulação da falta de senso crítico de uma nação composta, em sua esmagadora maioria, por pessoas despreparadas, e da falsa proteção oferecida aos que se sentem inseguros e precisam sentir que suas vidas e bens estejam resguardadas.

Esse modo de vida faz com que a ética vá desaparecendo e o gozo toma o seu lugar, inexistindo limites e leis. Passa-se a ideia de que tudo é possível, de modo que se alcance o gozo, tanto que não é difícil de se encontrar slogans como: “vendemos sonhos” e “o céu é o limite”.

4. Considerações finais 

A título de considerações finais, proporemos reflexões sobre alguns pontos.

a) Desde a antiguidade se estuda o sentido existencial do homem, com ênfase nas relações, geralmente conflituosas, entre os temas desejo e racionalidade.

b) A psicanálise lacaniana (Roudinesco, 2003) indica que o termo desejo expressa uma cobiça ou apetite referente a um objeto que falta ao indivíduo e, será, por meio da linguagem, sob qualquer de suas formas, que o desejo se manifestará. Isso significa que, a todo o momento nosso real se depara com a existência de objetos faltantes. Esses poderão vir a se constituir em faltas ou desejos, que por meio do discurso (linguagem) e da ação (pulsão), procurará suprir, satisfazer. No entanto, desde os estudos de Freud, aprendemos que, nos indivíduos, entre o inconsciente e o consciente, se estabelecem negociações permanentes na direção da satisfação ou não dos seus desejos.

c) A dinâmica social redimensiona a subjetividade, o psiquismo. Isso significa que nossas experiências com um simbólico e um imaginário, cada vez mais marcados pela velocidade e volume de situações sociais, de invenções tecnológicas e formas e estilos de vida, criação de padrões de comportamento social e ideal de riqueza e status social, inscreverão em nosso real os objetos que poderão vir a se constituírem em faltas. Tais faltas, consequentemente, poderão vir a se classificarem desejos, que por sua vez acionarão o processo de necessidade, demanda e pulsão (Laplanche e Pontalis, 1992), pondo em movimento nossos mecanismos internos, conscientes e inconscientes, de negociação.

d) O período pelo qual passamos caracteriza-se (Giddens, 1991) menos por ser uma “nova era”, a pós-modernidade, e mais a radicalização da modernidade, pois as estruturas sobre as quais esta se fundou, ou seja, o capitalismo, o industrialismo, a vigilância e o poder militar estão cada vez mais radicalizadas.

e) Nos parece possível apontar que o processo de radicalização das estruturas modernas, sobretudo, das estruturas do capitalismo e do industrialismo, terá efeitos no psiquismo dos indivíduos, principalmente, no que tange à dinâmica psíquica do desejo.

f) É sabido, desde Marx, que o capitalismo se reproduz como sistema econômico, a partir de si mesmo, criando e divulgando necessidades materiais, que vão muito além das nossas necessidades mais elementares de produção e reprodução da vida. Com efeito, as transformações processadas no campo da materialidade da vida, afetam nossa dinâmica psíquica dos desejos, causando-nos, como dito anteriormente, as faltas (desejos) que clamarão por serem supridas.

g) Precisamos considerar que assim como internamente temos nossos mecanismos de negociações subjetivas dos desejos, necessitamos ter, socialmente, instâncias, espaços de negociações intersubjetivas dos desejos.

h) Consideramos que uma mudança se torna extremamente necessária em nossa sociedade e que isso só será possível por meio da educação, do senso crítico aguçado, do exercício de reinvindicação e de participação.

i) A base dessa mudança está nas famílias, donde a educação de qualidade deve ser iniciada, no desenvolvimento do pensamento e do questionamento. Para nós, educação é vida, é, sobremaneira, o instrumento de transposição para o melhoramento de uma nação inteira.

j) A igualdade material, nesse tempo, só será alcançada, se o Estado, por meio do Direito, inclusive, vir a se constituir numa instância de negociação intersubjetiva da realização ou não dos desejos dos indivíduos, sem que isso represente a exclusão de valores coletivos e individuais.

 

Referências
AGAMBEN, Giorgio. Deus não morreu. Ele tornou-se Dinheiro. [16 agosto 2012]. Entrevistadora: Peppe Salvà. Entrevista concedida a Ragusa News. Trad. de Selvino  J. Assmann. Disponível em: < http://www.ihu.unisinos.br/noticias/512966-giorgio-agamben>. Acesso em: 05 dez. 2012.
GIDDENS, Anthony. Consequências da modernidade. Trad. de Raul Fiker. São Paulo: Editora Unesp, 1991.
LAPLANCHE, J. e PONTALIS, J. B. Vocabulário da Psicanálise. São Paulo: Martins Fontes, 1992.  
NETO, Agostinho Ramalho Marques. Neoliberalismo e Gozo. IN: A Lei em Tempos Sombrios. Renata Conde (organizadora). Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2009.
ROUDINESCO, Elizabeth. A família em desordem. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.
VAZ, Alexandre Fernandez. Corpo e indústria cultural: notas para pensar a educação na sociedade contemporânea. In: ZUN, Antônio A. S., PUCCI, Bruno e RAMOS-DEOLIVEIRA, Newton (org.). Ensaios frankfurtianos. São Paulo: Cortez, 2004, p. 117 a135.
Nota
[1] Sobre o autor e suas ideias ver: NETO, Agostinho Ramalho Marques. Neoliberalismo e Gozo. IN: A Lei em Tempos Sombrios. Renata Conde (organizadora). Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2009, pp. 51-68.

Informações Sobre o Autor

Hugo Garcez Duarte

Mestre em Direito pela UNIPAC. Especialista em direito público pela Cndido Mendes. Coordenador de Iniciação Científica e professor do Curso de Direito da FADILESTE


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Equipe Âmbito Jurídico

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