A dialética entre o magistrado instrutor e o princípio da identidade física do juiz no Direito Processual Penal brasileiro

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Resumo: O presente artigo aborda a internalização da figura do Magistrado instrutor em âmbito dos tribunais superiores, que ocorreu após a edição da lei 12.019/2009 que alterou a lei 8.038/1990, e que trouxe uma discussão importante acerca da acepção da violação ou não do princípio da identidade física do juiz descrito no art 399, §2º do Código de Processo Penal. Destacar-se-á a divergência exarada por parte da doutrina em face da violação do princípio da identidade física do juiz e a evolução na celeridade do processo penal nos tribunais superiores.

Palavras chave: Magistrado de instrução, identidade física do juiz, tribunais superiores, direito processual penal

Abstract: This article addresses the internalisation of the Magistrate's instructor in the higher courts, which occurred after the enactment of Law 12,019 / 2009, which amended Law 8,038 / 1990, and which brought an important discussion about the meaning of the violation or not of the principle Of the physical identity of the judge described in article 399, § 2 of the Code of Criminal Procedure. It will be noted the divergence expressed by the doctrine in the face of violation of the principle of the physical identity of the judge and the evolution in the speed of criminal proceedings in the higher courts.

Keywords: Magistrate of instruction, physical identity of the judge, superior courts, criminal procedural law

Sumário: Introdução. 1. Aspectos do Princípio da identidade física do juiz. 2. Aspectos do “magistrado instrutor” do art. 3º, inc. III da lei 8038/1990. 3. Discussão acerca de conflitos de princípios basilares do processo penal. Conclusão. Referências

Introdução

O referido artigo traz à baila a repercussão que a promulgada lei 12.019/2009 trouxe ao ordenamento jurídico, mais especificamente a lei 8.038/1990 onde concedeu aos ministros de tribunais superiores o poder de delegar funções instrutórias a juízes de primeiro e segundo graus, nos processos penais de competência originária do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), os convocando como “magistrados instrutores”, sendo que, anteriormente tais designações se traduziam por meio das chamadas cartas de ordem, nas quais os ministros relatores determinavam a juízes de todo o país que fizessem a coleta de provas nas comarcas onde residem testemunhas, vítimas, autores, dentre outros atores do processo penal, sendo que agora com base no art. 3º, inciso III da lei 8038/1990 autoriza juízes e desembargadores com competência criminal serem convocados para realizarem interrogatórios ou   outros atos da instrução , na sede do tribunal ou no local onde se deva produzir o ato.

A questão conceitual de todo o imbróglio é importante no desenvolvimento da narrativa desse artigo, conforme discorre o ilustre Renato Brasileiro de Lima:( 2016, p. 637)

“Essa figura do magistrado instrutor foi introduzida no art. 3º, III, da lei 8038/90, pela lei 12.019/09. Até a entrada em vigor da lei 12.019/09, a instrução dos processos de competência originária do STF e do STJ era feita por meio das chamadas cartas de ordem nas quais os Ministros Relatores determinavam a juízes de todo o país que fizessem a coleta de provas nas comarcas onde residem testemunhas e acusados. Com a mudança da lei 8038/90, esse trabalho passou a ser desempenhado pelo magistrado instrutor na sede do STF ou do STJ, ou no local onde se deva produzir o ato, imprimindo maior rapidez à fase processual em que são reunidas provas e depoimentos.”

A discussão do artigo cientifico se permeia, se tal alteração legislativa não ofenderia o princípio da identidade física do juiz no âmbito dos tribunais superiores, haja vista, existe a convocação de magistrados de instrução de 1º e 2º graus para julgarem atos instrutórios deixando a cargo dos ministros o conteúdo de decisões de caráter decisório.

1. Aspectos do Princípio da identidade física do juiz

O processo deve ser julgado por magistrado imparcial, capaz e independente, que trabalha com o direito justo, com razoabilidade, proporcionalidade e acima de tudo ponderabilidade, e, cuja competência é pré-determinada pela nossa Constituição Federal. O princípio do juiz natural é a essência máxima da nossa jurisdição, a que protege o cidadão, pois essa jurisdição é improtelável e improrrogável, assegurada a qualquer réu em sede de persecução penal.

O princípio da identidade física do juiz traz em seu bojo diversas diretrizes, dentre ela o juiz que presidir a instrução deverá proferir a sentença criminal. “(…) o juiz que presidir a instrução deverá proferir a sentença. A adoção desse princípio proporciona o indispensável contato entre o acusado e o juiz, assim como a colheita imediata da prova por aquele que, efetivamente, irá proferir a decisão. Louvável a introdução desse princípio no processo penal, já que, antes da reforma processual de 2008, era extremamente comum que um juiz interrogasse o acusado, outro ouvisse as testemunhas de acusação, outro as de defesa, com um quarto magistrado proferindo a sentença. Esse distanciamento entre a prova e o magistrado prejudicava a formação de um quadro probatório coeso e harmônico, prejudicando um dos escopos do processo penal, que é a busca da verdade.” (LIMA, 2016, p. 635)

Contudo, alguns doutrinadores refirmam que tal princípio não deve ser utilizado de forma inflexível, ora o magistrado dentre as atribuições judicante, possui direitos relacionados a função desenvolvida, tais como férias, licença, convocações, dentre outras. Assim como discorre o mestre Eugênio Pacelli, in verbis: (2012, p. 822)

“Mas o dispositivo em voga não pode ser aplicado a ponto de gerar uma total imobilidade do sistema jurídico processual penal. O reconhecimento expresso do princípio da identidade física do juiz não importa que, necessariamente, o mesmo magistrado que coletou a prova deverá- e só ele –proferir a sentença. Não pode ser assim. O novel instituto precisa ser interpretado sistematicamente. (…) Aplicado de forma isolada, o disposto no §2º do art. 399 do CPP poderia conduzir a absurdos, por exemplo, mesmo diante de réu preso, o processo ter de aguardar o retorno da fruição das (legais e constitucionais) férias do juiz que coletou a prova. Igualmente poderia gerar situações em que, concluída a instrução processual, restasse promovido ou aposentado o magistrado que coletou toda a prova, o que impossibilitaria seu substituto legal de analisar o processo. Invocando o dispositivo em voga, não faltarão vozes que sustentarão que a coleta deverá ser integralmente realizada novamente por novo juízo, reiniciando-se o processo.”

Tema debatido nos tribunais superiores, assim conforme julgado do Superior Tribunal de Justiça (STJ) in verbis:

“[…] Com a introdução do princípio da identidade física do juiz no processo penal pela lei 11.719/08 (art. 399,§2º do CPP), o Magistrado que presidir os atos instrutórios, agora condensados em audiência uma, deverá proferir a sentença, descabendo, em regra, que o interrogatório do acusado, visto expressamente como autêntico meio de defesa e deslocado para o final da colheita da prova, seja realizado por meio de carta precatória, mormente no caso de réu preso, que, em princípio, deverá ser conduzido pelo Poder Público(art. 399, §1º do CPP); todavia, não está eliminada essa forma de cooperação entre os Juízos, conforme recomendarem as dificuldades e as peculiaridades do caso concreto, devendo, em todo o caso, o Juiz justificar a opção por essa forma de realização do ato. A adoção do princípio da identidade física do juiz no processo penal não pode conduzir ao raciocínio simplista de dispensar totalmente e em todas as situações a colaboração de outro juízo na realização de atos judiciais, inclusive do interrogatório do acusado, sob pena de subverter a finalidade da reforma do processo penal, criando entraves à realização da Jurisdição Penal furtar […] “

Assim, autores esmiúçam suas versões sobre o princípio supra, mostrando a vinculação que o juiz que instruiu o processo deveria ter até o término. (CAPEZ, 2013, p. 81) “Na vinculação do juiz aos processos cuja instrução acompanhou. Não vigorava no processo penal, salvo no que dissesse respeito ao júri popular, no qual os mesmos jurados que presenciassem a produção da prova testemunhal e assistissem aos debates deveriam julgar os fatos. “

O ilustre Nestor Távora (2014, p.925-926) “trouxe também sua acepção sobre a reforma no códex  que trouxe referido princípio ínsito nele. A noção que norteia a reforma é a de traçar regras que autorizem julgamento mais célere e que possibilite cumprimento aos preceitos constitucionais. Permeiam a interpretação do rito os princípios da economia processual, da celeridade, da concentração dos atos processuais em audiência e da identidade física do juiz. Logicamente que diligências indisponíveis em casos de maior complexidade podem demandar mais tempo e dificultar o atendimento integral a esses ditames. Contudo, o mais relevante é existir uma disciplina capaz de se ajustar a uma realidade de um processo penal mais justo, rápido e efetivo.”

“O referido princípio traz vantagens e inconvenientes, haja vista, o magistrado que presidiu a coleta de provas e teve contato direto com testemunhas, peritos vítimas e imputados terá uma visão ampla do processo, contudo pode trazer um inconveniente, ora o julgador poderá estar contaminado, seduzido pelos seus prejulgamentos e sem alheamento suficiente para ponderar a prova colhida e julgar com serenidade.” (LOPES JR, 2015, p. 338)

Não resta dúvidas acerca da efetivação explicitada do princípio da identidade física do juiz no processo penal brasileiro, contudo resta saber se tal aplicação não desnatura a alteração trazida pelo legislador na lei 8038/90 em seu artigo 3º, inciso III.

2. Aspectos do “magistrado instrutor” do art. 3º, inc. III da lei 8038/1990

Em face a discussão que se traz à baila nesse artigo jurídico, se torna fundamental trazer o citado dispositivo, in verbis:

“Art. 3º – Compete ao relator:  (…)     

III – convocar desembargadores de Turmas Criminais dos Tribunais de Justiça ou dos Tribunais Regionais Federais, bem como juízes de varas criminais da Justiça dos Estados e da Justiça Federal, pelo prazo de 6 (seis) meses, prorrogável por igual período, até o máximo de 2 (dois) anos, para a realização do interrogatório e de outros atos da instrução, na sede do tribunal ou no local onde se deva produzir o ato.” (Incluído pela Lei nº 12.019, de 2009, grifo nosso)

“Magistrados instrutores são desembargadores de Turmas Criminais dos Tribunais de Justiça ou dos Tribunais Regionais Federais, bem como juízes de varas criminais da Justiça dos Estados e da Justiça Federal, convocados pelos Ministros do STF e do STJ pelo prazo de 6 (seis) meses, prorrogável por igual período, até o máximo de 2(dois) anos, para a realização do interrogatório e de outros atos da instrução nos feitos de competência originária dos Tribunais Superiores” (LIMA, 2016, p. 637)

A inovação legislativa foi fruto da edição no âmbito do II Pacto Republicano introduzindo tal dispositivo no ordenamento processual brasileiro, permitindo ao Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça a convocação de “magistrados instrutores” para instruir processos na sede dos tribunais superiores e obedecendo o devido processo legal, reduzindo assim a utilização da carta de ordem que trazia morosidade ao andamento processual.

Corroborando com a tese do “magistrado instrutor” o Supremo Tribunal Federal editou a Emenda Regimental 36/2009 que regulamentou o art. 3º, III da Lei 8038/90 onde a figura criada realiza audiências de interrogatórios e inquirição de testemunhas, requisita testemunhas e determina condução coercitiva, notifica e intima, decide questões incidentais durante a realização dos atos sob sua responsabilidade, requisita documentos ou informações existentes em banco de dados, fixa ou prorroga prazos para a prática de atos durante a instrução e realiza inspeções judiciais, dentre outros atos sem caráter decisório.

3. Discussão acerca de conflitos de princípios basilares do processo penal

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Embora, a celeridade processual seja o argumento utilizado por aqueles que defendem a figura do “magistrado instrutor”, deve-se levar em consideração os princípios basilares do Processo Penal, tal qual o Princípio da identidade física do juiz, sob a perspectiva do retrocesso processual e o retorno da figura do “juiz de instrução”

“O que se deve afigurar entre os doutrinadores é o enfrentamento do tema da infringência ou não dos princípios basilares do processo penal quando da convocação do juiz para atuar perante os tribunais superiores. Destarte, por analogia, consideram que não há violação do princípio da identidade física quando o juiz se afasta do processo, no curso ou após a instrução, por ter sido convocado, licenciado, afastado, promovido ou aposentado, situação em que o processo passará ao seu sucessor para conclusão da instrução e prolação da sentença. Debate diferente que trazemos ao bojo do artigo, ora interessa saber se o magistrado ao ser convocado para exercer a função de juiz instrutor feriria de morte algum dos princípios elencados no processo penal. “(LOPES JR., 2015, p. 486)

A tese dos que defendem a aplicação do instituto do “magistrado instrutor” se deve a economia processual e utilização racional dos recursos processuais, ora, assim com a edição da lei 12.019/09 ao alterar o trâmite dos processos penais de competência originária dos tribunais superiores, estes deixaram de chamar uma pluralidade de juízes para atuar no processo, e a partir dessa inovação legislativa a instrução ficou a cargo de apenas um juiz, o que trouxe benefícios a quem se socorre dos Tribunais Superiores, haja vista, o STF passou a ter pauta de julgamento própria, considerando que cada gabinete de ministro receba de 30 a 50 processos, refinando a pauta de julgamento e a celeridade da instrução, pois a análise por apenas um juiz instrutor permite uma celeridade e verticalização do conjuntos dos fatos efetivos.

O que a edição da lei 12.019/09 fez foi devolver ao STF e STJ a instrução dos feitos que eram de sua competência, onde anteriormente se achava dissolvida ao longo do caminho processual por meio das cartas de ordem. O que se tem agora é que o tribunal desenha sua própria pauta e agenda de julgamento, não se submetendo a outras varas do país, que funcionavam mediante “ordem”, trazendo benefícios em relação a celeridade na resolução da contenda judicial, e podendo deixando no passado um histórico de prescrições e não condenações.

Em contrapartida, aqueles que traduzem o aspecto legalista da norma, refletem a indisposta utilização da lei 12.019/09 para se tentar burlar o princípio da identidade física do juiz, haja vista, o magistrado natural que deveria compor os tribunais superiores para analisar a demanda penal originária, não deveria ser um juiz de tribunal inferior e sim o próprio ministro, desta feita, a regra seria a aplicação do referido princípio à aplicação da lei 12.019/09 que seria uma exceção ao mandamento principiológico.

Conclusão

Com base em todas as informações colhidas, percebe-se que a figura do magistrado instrutor trazido pela lei 12.019/09 que alterou a lei 8038/90 trouxe maiores benefícios que prejuízos a instrução criminal quando relacionados aos processos de competência originária de tribunais superiores, onde demonstra plenamente compatível com o princípio da identidade física do juiz. (art. 399, §2º, CPP).

Em consonância ao diapasão legal, ante a importância do princípio da identidade física do juiz, não se pode perder de vista que esse princípio entrou no ordenamento processual penal por meio de lei ordinária (lei 11.719/08) e como tal, pode ser excepcionada por outra lei ordinária, assim citada a lei 12.019/09 que criou a figura do magistrado instrutor, exceção ao mandamento da identidade física do juiz. Assim, o presente artigo demonstra a total consonância do diploma legal com o referido princípio, sem perder de vista que a atuação desses magistrados instrutores junto ao STF e STJ vem ao encontro da razoável duração do processo, além do advento de evitar a prescrição.

 

Referências
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BRASIL. Lei nº12.019, de 21 de agosto de 2009. Insere inciso III no art. 3o da Lei no 8.038, de 28 de maio de 1990, para prever a possibilidade de o relator de ações penais de competência originária do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal convocar desembargador ou juiz para a realização de interrogatório e outros atos de instrução.  Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 22 agost. 1999.Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L12019.htm>. Acesso em: 12 dez. 2016.
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 20ªed.São Paulo: Ed. Saraiva, 2013
Consultor Jurídico. “Juízes agilizam tramitação de processos penais no STF”. Boletim Conjur. Disponível em:
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal: volume único. 4ª ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2016.
LOPES, Jr. Aury. Direito Processual Penal. 12ªed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2015
NOGUEIRA, Sandro D´Amato. O juiz natural e o processo penal: comentários à luz da Constituição do Brasil. Disponível para consulta em: www.ambito-jurídico.com.br, pesquisa realizada em 05.09.2016
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 12ªed. rev. Atual. e ampl. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2015
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TAVARES, André Ramos. O magistrado instrutor e o STF. Jornal Carta Forense. 2011.Disponível em:
TÁVORA, Nestor e ALENCAR, Rosimar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. 9ª ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2014
Lei 8038/1990. Institui normas procedimentais para os processos que especifica, perante o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal. 2011 Disponível em:

Informações Sobre o Autor

Fabiano da Silveira Pignata

Delegado de Polícia Civil do Estado do Amazonas Especialista em Direito Público e Ciências Penais Mestrando em Ciências e Meio ambiente pela UFPA


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