Resumo: No século XXI vivenciamos uma globalização perversa. Sobra comida e riqueza, mas, por falta de solidariedade, há falhas brutais na distribuição. A dimensão da dignidade da pessoa humana desde a questão social da pobreza como nova dimensão dos direitos humanos se traduz numa necessidade do Estado Democrático de Direito que por meio das políticas públicas garanta efetividade aos direitos sociais básicos do cidadão.
Palavras-chave: Direitos Humanos. Dignidade Humana. Pobreza.
Abstract: The 21st century experienced a perverse globalization. There is more than enough food and wealth, but, due to a lack of solidarity, there are brutal failings in its distribution. The extent of human dignity in the social issue of poverty as a new dimension of human rights can be seen as a necessity of a Democratic State, by way of public policies and working towards putting the basic social rights of the citizen in place.
Keywords: Human Rights. Human Dignity. Poverty.
Sumário: Introdução. 1 A Dignidade da pessoa humana desde a questão social da pobreza como dimensão dos direitos humanos no século XXI. 2 A Dignidade humana e o fortalecimento das instituições democráticas: das políticas públicas ao ativismo judicial. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
No mundo globalizado as novas tecnologias também têm sido usadas como instrumentos que potencializam o consumo, bem como criam cotidianamente novos valores e padrões de comportamento que banalizam a vida, como, por exemplo, a violência como valores passados pela mídia.
Na crença de que é possível um mundo globalizado, em que a informação impulsione não só o capital, mas também a distribuição da riqueza produzida, pelo acesso à justiça, a equidade. Defendemos a dignidade humana como dimensão de direitos humanos fundamentais como mecanismo de luta pela efetividade das políticas públicas de erradicação da fome, da indigência, e contra os preconceitos em suas diferentes formas, pela pluralidade social, étnica, cultural, religiosa. Na construção de um diálogo para um mundo mais equânime e isso inclui o fortalecimento das instituições democráticas, em especial por meio de políticas públicas que tragam a efetividade dos direitos existenciais mínimos, bem como pelo ativismo judicial como acesso à justiça.
1. A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA DESDE A QUESTÃO SOCIAL DA POBREZA COMO DIMENSÃO DOS DIREITOS HUMANOS NO SÉCULO XXI
Identificamos no século XXI a preocupação com a dignidade humana como questão relacionada à erradicação da pobreza em suas diversas formas. Essa preocupação é tida como dimensão dos direitos humanos fundamentais diante do dilema a ser superado entre a globalização real e a globalização possível, entendendo-se que esta última consistiria num mundo em que todos pudessem ter vida digna, mediante o acesso ao mínimo existencial: saúde, educação, segurança, alimentação, moradia, renda. E o respeito à pluralidade cultural, social e política. O direito à diversidade de culturas, religiões, modo de ser e agir, e, ao mesmo tempo, o acesso aos bens e serviços que nos faz singulares, no sentido daquilo que nos torna dignos – não, porém, enquanto consumidores, mas como cidadãos. Trata-se do campo da efetividade dos direitos fundamentais e sociais presentes na mais moderna de todas as constituições, a brasileira. Trata-se, pois, de unir a função econômica da globalização econômica com a função social do direito que traga a felicidade e longevidade para todos e não apenas para alguns.
A dignidade humana como princípio está expresso nos artigo 1º (inciso III), no artigo 170 (inciso III) e no artigo 226 (inciso VII) da Constituição Federal enquanto estrutura do Estado de Direito, como salienta Jacintho (2006), passando de uma necessidade metafísica e, portanto, transcendental, para uma imprescindibilidade da própria condição humana, enquanto elevado desenvolvimento da própria sociedade no presente. Mais do que a leis, é preciso, por meio dos princípios tendo como fundamento a dignidade humana, que ocorra a efetividade dos direitos, levando-se em conta as assimetrias sociais, a norma e a realidade social. É preciso efetividade para erradicar a pobreza pela concretização dos direitos fundamentais enquanto dialética social do direito.
BRANCO (2009), em análise do direito à vida como direito de defesa e dever de proteção, aponta duas acepções do direito à vida: (i) a de impedir que os poderes públicos e outros indivíduos cometam agressão à vida ou cometam atos de alguma forma contrários à existência humana (dimensão negativa) e (ii) a da pretensão jurídica à proteção do direito à vida pelo Estado por meio da criação de serviços de polícia, sistema prisional e organização judiciária (dimensão positiva).
O direito à vida, portanto, segundo BRANCO, (2009), não se confunde com a mera liberdade de optar por não viver, haja vista que os poderes públicos têm o dever de proteção à vida mesmo contra a vontade do titular, no caso de haver tentativa de suicídio. O dever de proteção inclui a proteção à vida pelo Estado dos indivíduos que se encontram sob sua tutela ou custódia, cabendo responsabilidade civil mesmo nos casos em que o homicídio não seja imputado ao agente público. Cabe à autoridade pública, sabendo da existência de risco à vida humana (por exemplo, em caso de ameaça), o dever de proteção e, se há omissão dos meios preventivos, há falha do Estado no dever de garantir o direito à vida. Inclui-se, no dever de proteção por parte do Estado, utilizar toda a diligência no sentido de investigar e apurar as suspeitas aos casos de violação ao direito à vida e nos casos de morte não natural. A investigação deve ser a mais ampla, imediata e imparcial possível. Paulo Gustavo Gonet Branco, acima referido, acentua ainda o dever de proteção no caso de extradição, expulsão ou deportação de indivíduos sujeitos à pena de morte, inclusive firmando compromisso formal de comutação da pena para que haja a entrega. (BRANCO, 2009, p. 398-399).
No contexto do Estado Moderno, a Lei, como instrumento dos dominantes, insere a ideologia dos direitos humanos e, nessa perspectiva, o que seria uma luta pela dignidade humana das gerações do presente e do futuro acaba por se transformar em instrumento político de cobrança dos países ricos sobre os pobres. Esse parece ser o novo pensamento da ordem mundial, onde os direitos ultrapassam as fronteiras dos países e onde os direitos são repetidamente desrespeitados pelos países centrais na prática de genocídios. Esses “direitos” têm por base a manutenção da dominação dos países ricos sobre os países pobres, em que aqueles decidem os destinos do novo milênio, onde muito se discute, mas os problemas são velhos e continuam sem solução. Nesse sentido, a globalização tem sido muito mais uma via de mão única, em especial no aspecto social, com os países ditos centrais procurando manter seu poder e controle sobre os demais da periferia:
“O processo de globalização altera e, sob alguns aspectos, reduz os atributos de soberania dos Estados nacionais. É preciso, porém, considerar as reações destes diante das questões propostas pela própria globalização. Os Estados nacionais posicionam-se diante do processo de globalização conforme interesses de classe que expressam, empregando os meios de pressão e persuasão de que dispõem.” (GORENDER, 1995, p. 98. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0 103-40141995000300007>. Acesso em: 9 nov. 2011).
A política belicista dos Estados Unidos da América utiliza do falso discurso democrático e das liberdades para desmantelar ditaduras pelo mundo, tendo capítulo à parte, no pós-11 de setembro, a chamada doutrina Bush de combate ao terrorismo por meio do Patriot Act[1]. Esse mesmo país, no entanto, não respeita os direitos humanos dos países que invade, cometendo genocídios em nome da democracia. Basta lembrar a Guerra do Iraque, em que milhões de vidas de iraquianos foi ceifada por interesses econômicos da indústria bélica e petrolífera dos norte-americanos e de seus aliados, em nome do combate ao “eixo do mal”. Não custa lembrar que, em passado recente, os mesmos norte-americanos financiaram e apoiaram o autoritarismo via regimes ditatoriais na América Latina, numa postura que atenta contra as liberdades públicas.
A mesma contradição se encontra no episódio recente em São Paulo em que a Justiça paulista, em nome do legalismo, autorizou a reintegração de posse e o governo do Estado autorizou a retirada à força de mais de oito mil moradores que viviam na comunidade de Pinheirinho, em São José dos Campos, 2004. Ações como essa revelam um modelo de globalização perversa e utilitarista no plano jurídico pela manutenção da visão tradicionalista da propriedade privada em detrimento da sua função social:
“Juristas denunciam caso Pinheirinho ao CNJ e à Justiça internacional
Um grupo de juristas apresentou nesta semana uma representação ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos) com denúncias de abusos no caso da reintegração de posse de Pinheirinho, em São José dos Campos (interior de SP).
A área, que pertence ao empresário Naji Nahas, foi desocupada violentamente pela Polícia Militar em janeiro.
Na terça-feira (19), o grupo — integrado, entre outros, por Fabio Konder Comparato, Cezar Britto, Celso Antonio Bandeira de Mello e Dalmo Dallari — se reuniu com a ministra corregedora do CNJ, Eliana Calmon, para pedir a apuração de irregularidades na ação do TJ (Tribunal de Justiça) e da PM.
[…] Para os juristas, houve quebra do pacto federativo já que houve um conflito de competências entre as justiças Estadual e Federal que só poderia ser solucionado pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça) e não pela presidência do TJ.
Na quinta-feira (21), o grupo enviou para Washington, sede da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, uma denúncia solicitando indenização e apuração de responsabilidades do Executivo e do Judiciário pela desocupação do Pinheirinho.
Caso a comissão acate a denúncia, a representação será julgada pela Corte Internacional de Justiça, como aconteceu no caso da Lei Maria da Penha e da Anistia.
‘Foi um crime de Estado e por isso o Brasil foi denunciado a um órgão internacional de defesa dos direitos humanos’, afirmou o procurador do Estado Marcio Sotelo Felippe, que assina a denúncia e acompanha o caso desde o início”. (Disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/ 1109326-juristas-denunciam-caso-pinheirinho-ao-cnj-e-a-justica-internacio nal.shtml>. Acesso em: 30 set. 2012).
Todos são cidadãos, mas a lei e a ordem se estabelecem a favor de um lado, dando proteção ao patrimônio individual em detrimento das famílias (que lutam pelo direito a moradia), assegurando, assim, a repressão policial como medida corretiva de dominação.
Para além da discussão da regra, é relevante ao exegeta interpretar e criar a norma a partir de bases principiológicas considerando as contradições entre si, e destas com a realidade social, e observar, no sopesamento das posições conflitantes, a melhor adequação levando em conta a dignidade humana, a realidade social, entre outros princípios basilares, numa construção dialética do direito.
A visão dialética vem alargar o foco do Direito para além da lei e indica princípios e normas libertadoras, independendo se o Estado é democrático ou autoritário. Eis, portanto, que o direito está num campo de legitimidade para além da pura legalidade. Superando-a para além do sistema fechado e único legitimado em si mesmo. Quanto à própria Constituição Federal de 1988, denominada "cidadã", passados 13 anos da sua promulgação, discute-se ainda a possível efetivação dos direitos sociais para a maioria pobre, como moradia popular, alimentação, saúde, educação de qualidade, renda mínima para a maioria, entre outros direitos fundamentais sociais mínimos. Aliás, falar em pobreza no Brasil é um tema que, para muitos juristas, não diz respeito ao jurídico, mas a outros campos, como sociologia, política. Agem esses juristas como se todas as ciências sociais não estivessem relacionadas e, mais, as políticas públicas passam ainda por leis que possam assegurar a todos o acesso aos bens e serviços públicos, enquanto justiça comutativa, distributiva e social:
“Neste século XXI, partimos da consciência de que a supremacia da Constituição e a aplicabilidade direta de suas normas se fundam no princípio da democracia, que a tutela da autonomia da vontade não é suficiente para proteger a dignidade, especialmente em sociedade desiguais como as nossas, e que métodos aparentemente neutros e mecânicos como a subsunção servem a encobrir escolhas valorativas, inevitáveis a qualquer processo de interpretação.” (BODIN DE MORAES, 2008, p. 39).
2. A DIGNIDADE HUMANA E O FORTALECIMENTO DAS INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS: DAS POLÍTICAS PÚBLICAS AO ATIVISMO JUDICIAL
Nessa perspectiva da dimensão dos direitos fundamentais, tendo como marco a dignidade da pessoa humana desde a questão social da pobreza, deparamo-nos com o ativismo judicial do Supremo Tribunal Federal enquanto realizador do acesso à justiça próximo da dimensão por nós defendida, em especial nas recentes decisões, que passam pelo sistema de pesos e de contrapesos da democracia a ser efetivada. São decisões que garantem, por outro lado, a segurança e o princípio da reserva legal, alargado para uma análise da ratio legis que leve em conta os demais princípios que norteiam o ordenamento jurídico numa perspectiva neopositivista:
“[…] a vagueza e ambigüidade intrínsecas às normas jurídicas não são ampliadas pela utilização dos princípios; ao contrário, é a identificação dos princípios que as justificam que fornecem a segurança jurídica. O papel que os princípios exercem como ratio (razão) em cada interpretação-aplicação jurídica é que garante a coerência entre elas. Necessário o estudo cuidadoso do significado de cada princípio, daí a enorme relevância do art. 93, IX, que determina a fundamentação argumentativa das decisões judiciais.” (BODIN DE MORAES, 2008, p. 40).
Moraes (2003), em análise dos artigos 1º ao 5º da Constituição Federal, aponta o direito à vida como o mais fundamental de todos os direitos enquanto dupla acepção: a primeira relacionada ao direito de continuar vivo e a segunda de termos uma vida digna com o mínimo de subsistência.
Cabe ao Estado a garantia de um nível de vida adequado com a condição humana e valores sociais do trabalho com respeito aos princípios fundamentais da cidadania e da dignidade humana e que permita uma sociedade livre, justa e solidária, garantindo-se o desenvolvimento de todos pelo combate às desigualdades sociais e regionais e, principalmente, visando à erradicação da pobreza extrema e da marginalidade:
“[…] Ao Estado cria-se uma dupla obrigação:
– obrigação de cuidado a toda pessoa humana que não disponha de recursos suficientes e que seja incapaz de obtê-los por seus próprios meios;
– de efetivação de órgãos competentes públicos ou privados, através de permissões, concessões ou convênios, para a prestação de serviços públicos adequados que pretendam prevenir, diminuir ou extinguir as deficiências existentes para um nível mínimo de vida digna da pessoa humana”. (MORAES, 2003, p. 87-88).
A dignidade humana como libertação deve ser entendida como a “igual dignidade social”, nas palavras de Perlingieri (1999):
“Os princípios da solidariedade e da igualdade são instrumentos e resultados da atuação da dignidade social do cidadão.
Uma das interpretações mais avançadas é aquela que define a noção de igual dignidade social como o instrumento que “confere a cada um o direito ao ‘respeito’ inerente à qualidade de homem, assim como a pretensão de ser colocado em condições idôneas a exercer as próprias aptidões pessoais, assumindo a posição a estas correspondentes” […]”. (PERLIGHIERI, 1999, p. 37).
E, nesse sentido, quando se toma a iniciativa de combater a corrupção e de realizar a própria democracia, como no caso do julgamento da Lei de Ficha Limpa, então nos aproximamos do legítimo Estado Democrático de Direito por meio do acesso à justiça mediante a base principiológica de igualdade material, portanto que aponta na dimensão da dimensão da dignidade e de uso de mecanismos indiretos do combate à pobreza.
O debate ocorre a partir do ativismo judicial do Supremo Tribunal Federal, que passa a atuar de maneira brilhante em questões polêmicas, questões a que o Legislativo não tem dado a devida atenção, como no caso do julgamento da Lei da Ficha Limpa para impedir a candidatura em eleições a cidadãos em débito com a Justiça. Trata-se de um avanço na política brasileira:
“[…] Lei da Ficha Limpa não deve ser aplicada às Eleições 2010
Por maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a Lei Complementar (LC) 135/2010, a chamada Lei da Ficha Limpa, não deve ser aplicada às eleições realizadas em 2010, por desrespeito ao artigo 16 da Constituição Federal, dispositivo que trata da anterioridade da lei eleitoral. Com essa decisão, os ministros estão autorizados a decidir individualmente casos sob sua relatoria, aplicando o artigo 16 da Constituição Federal.
A decisão aconteceu no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 633703, que discutiu a constitucionalidade da Lei Complementar 135/2010 e sua aplicação nas eleições de 2010. Por seis votos a cinco, os ministros deram provimento ao recurso de Leonídio Correa Bouças, candidato a deputado estadual em Minas Gerais, que teve seu registro negado com base nessa lei.” (Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe. asp?idConteudo=175082>. Acesso em: 20 maio 2012).
O ativismo judicial do Supremo Tribunal Federal tem sido objeto de júbilos num processo exuberante que permite o acesso à justiça por meio de instrumento de combate à corrupção como a Lei de Ficha Limpa nas eleições 2012, a Declaração de Constitucionalidade do Sistema de Cotas nas Universidades Públicas, para alunos da escola pública, entre os quais afrodescendentes. como relevantes instrumentos para o combate a pobreza e dignidade de milhões de brasileiros excluídos dos seus direitos sociais básicos.
Portanto, esse processo envolve a realização da justiça comutativa, distributiva e social pela efetivação de políticas inclusivas. Outro avanço histórico foi o reconhecimento da união homoafetiva e, enquanto política legislativa que, pela primeira vez na história, aproxima o Judiciário, em especial a instância máxima do Poder Judiciário, no caso a Suprema Corte, enquanto órgão legítimo e em sintonia com a Constituição Cidadã.
“[…] Supremo reconhece união homoafetiva
Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgarem a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132, reconheceram a união estável para casais do mesmo sexo. As ações foram ajuizadas na Corte, respectivamente, pela Procuradoria-Geral da República e pelo governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral. (Disponível em: <http://www.stf.jus.br/ portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=178931>. Acesso em: 20 maio 2012).
[…] STF confirma validade de sistema de cotas em universidade pública
Por maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou nesta quarta-feira (9) a constitucionalidade do sistema de cotas adotado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). A decisão foi tomada no julgamento do Recurso Extraordinário (RE 597285), com repercussão geral, em que um estudante questionava os critérios adotados pela UFRGS para reserva de vagas. A universidade destina 30% das 160 vagas a candidatos egressos de escola pública e a negros que também tenham estudado em escolas públicas (sendo 15% para cada), além de 10 vagas para candidatos indígenas […].” (Disponível em: <http ://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=207003>. Acesso em: 20 maio 2012).
Nesse sentido, há de ser destacada a atuação legislativa na interpretação e criação da norma enquanto, mutatis mutandis, reveladora de uma justiça mais próxima da realidade social enquanto justiça social, ou seja, por meio do debate acerca do feto anencéfalo, que tinha como vítima justamente uma mãe pobre, conforme Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 54):
“[…] Decisão: O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, julgou procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual a interrupção da gravidez de feto anencéfalo é conduta tipificada nos artigos 124, 126, 128, incisos I e II, todos do Código Penal, contra os votos dos Senhores Ministros Gilmar Mendes e Celso de Mello que, julgando-a procedente, acrescentavam condições de diagnóstico de anencefalia especificadas pelo Ministro Celso de Mello; e contra os votos dos Senhores Ministros Ricardo Lewandowski e Cezar Peluso (Presidente), que a julgavam improcedente. Ausentes, justificadamente, os Senhores Ministros Joaquim Barbosa e Dias Toffoli. Plenário, 12.04.2012.” (Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcesso Andamento.asp?inci dente=2226954>. Acesso em: 20 maio 2012).
Avanço importante no campo dos direitos humanos na atualidade no Brasil, foi a criação da Comissão Nacional da Verdade como mecanismo de acesso à Justiça. Atende, em especial, à necessidade de preservação da memória de todos aqueles que morreram lutando pela liberdade e pela democracia. Representa, portanto, simbolicamente, a lei 12.528/20011, referente ao direito à memória, ao pluralismo político e de ideias e, em especial, ao resgate à dignidade humana. Configura-se, portanto, em importante instrumento para o conhecimento da verdade para que familiares possam contar e resgatar a história de seus parentes desaparecidos, bem como indenizá-los. E para que possam enterrar seus entes queridos vítimas de torturadores e de assassinos que agiram em nome do Estado.
“LEI Nº 12.528, DE 18 DE NOVEMBRO DE 2011.
Art. 1o É criada, no âmbito da Casa Civil da Presidência da República, a Comissão Nacional da Verdade, com a finalidade de examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos praticadas no período fixado no art. 8o do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, a fim de efetivar o direito à memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional.
Art. 2o A Comissão Nacional da Verdade, composta de forma pluralista, será integrada por 7 (sete) membros, designados pelo Presidente da República, dentre brasileiros, de reconhecida idoneidade e conduta ética, identificados com a defesa da democracia e da institucionalidade constitucional, bem como com o respeito aos direitos humanos”. (Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12528. htm>. Acesso em: 30 set. 2012).
Essa questão da Comissão da Verdade diz respeito à luta pela dignidade não só do passado, mas para gerações do presente e do futuro. A responsabilização do Estado permite o combate à impunidade em especial a violência policial presente como cultura autoritária nos dias de hoje. Não custa lembrar que, historicamente, a violação de direitos humanos está associada às periferias das cidades, portanto é a maior vítima de desmandos de maus policiais, por exemplo, é a população pobre, contra a qual, em nome do Estado, agentes públicos cometem crimes contra a humanidade.
Questão relevante por parte do governo federal no combate à impunidade e aos desmandos de governos autoritários, diz respeito à legislação contra os agentes que usam das funções públicas para esconder o acesso à informação necessária à defesa contra abuso de autoridade de governos. Trata-se do Decreto nº 7724, de 16/5/2012, que regulamenta a Lei Federal nº 12.527/2011, que dispõe sobre o acesso à informação pelo cidadão. Trata-se do acesso a informações previsto no inciso XXXIII do caput do artigo 5o, também no inciso II do § 3o do artigo 37 e, enfim, no § 2o do artigo 216 da Constituição:
“Art. 1o Este Decreto regulamenta, no âmbito do Poder Executivo federal, os procedimentos para a garantia do acesso à informação e para a classificação de informações sob restrição de acesso, observados grau e prazo de sigilo, conforme o disposto na Lei no 12.527, de 18 de novembro de 2011, que dispõe sobre o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do caput do art. 5o, no inciso II do § 3o do art. 37 e no § 2o do art. 216 da Constituição.
Art. 2o Os órgãos e as entidades do Poder Executivo federal assegurarão, às pessoas naturais e jurídicas, o direito de acesso à informação, que será proporcionado mediante procedimentos objetivos e ágeis, de forma transparente, clara e em linguagem de fácil compreensão, observados os princípios da administração pública e as diretrizes previstas na Lei no 12.527, de 2011.
Art. 4o A busca e o fornecimento da informação são gratuitos, ressalvada a cobrança do valor referente ao custo dos serviços e dos materiais utilizados, tais como reprodução de documentos, mídias digitais e postagem.” (Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/Decreto/D77 24.htm>. Acesso em 30 set. 2012).
CONCLUSÃO
No mundo globalizado em que as corporações mundiais, alimentadas pelo sistema financeiro em crise, ditam as regras do modelo desenvolvimentismo, prevalece o caos e a decadência do modelo industrial fordista-taylorista, bélico, financista e consumista ao extremo.
As novas tecnologias alcançam progressos inimagináveis como a impressora 3D entre outras técnicas apuradas da terceira revolução industrial. Por outro lado identificamos massas famélicas, com aumento consideravelmente do desemprego e novas formas de “escravidão” do homem pelas multinacionais das grandes potências mundiais. Reflexos dessa realidade são detectados nos próprios países centrais a partir da lógica da descentralização do trabalho como forma de aumentar o lucro e de explorar as populações e as nações empobrecidas.
Há, portanto, no modelo neoliberal em vigor no mundo atual uma má distribuição de bens e serviços entre nações desenvolvidas e em desenvolvimento ou que vivem abaixo da linha da pobreza, numa globalização econômica autoritária e excludente.
Essa apropriação imoral se dá, em especial, pelo aumento da exploração e privatização da riqueza entre proprietários dos meios de produção e despossuídos, cidadãos tratados como mero consumidores. O que resulta num aumento do contingente populacional pobre como reflexo da desigualdade social produzida pela lógica cumulativa e consumista, lógica que leva a condições desumanas ou degradantes, como o trabalho análogo à escravidão e a negação do respeito às diferenças sociais e étnicas.
Vida digna, na concepção do mínimo existencial, é entendida como direito a alimentação digna, a saúde, a educação de qualidade, a trabalho, a moradia, a liberdade, inclusive de ocupação dos espaços públicos pelo povo, inclusive à população pobre em situação de rua, ou seja, de ser tratado com respeito e dignidade por meio de políticas públicas que garantam o mínimo existencial ao cidadão.
O Direito, enquanto ética do humano, envolve a dignidade humana como núcleo estruturante, visando à realização da justiça, por isso o entendimento dessa dimensão no século XXI como direito humano fundamental. A igualdade fundamenta a moderna concepção do direito tendo em vista o campo da legitimidade numa perspectiva neopositivista, observada a axiologia (valores sociais) que rompe com o mero individualismo (ideologia neoliberal) e orienta o comportamento humano à luz da solidariedade.
Portanto, a dignidade humana enquanto dimensão dos direitos fundamentais, no século XXI se fará pelo acesso à justiça relacionada com a justa medida (equilíbrio e a proporção), em que todos sejam tratados como cidadãos de fato e de direito e em especial por políticas públicas que visem superar a pobreza, um mundo de oportunidade para todos ricos e pobres. Essa questão passa pelo reconhecimento do outro e fortalecimento das instituições democráticas para o exercício da cidadania plena.
Informações Sobre o Autor
Afonso Soares de Oliveira Sobrinho
Doutor em Direito – FADISP. Mestre em Políticas Sociais – UNICSUL. Advogado