A discricionariedade judicial e as hipóteses de impenhorabilidade formuladas pela lei 11382/06

INTRODUÇÃO


O presente trabalho busca contribuir para o debate sobre as inovações no processo de execução promovidas pela Lei 11382/06 fazendo um cotejo entre a nova redação do art. 649 do CPC e a teoria desenvolvida sobre a discricionariedade judicial no âmbito da teoria geral do direito.


Sabe-se que a previsão de impenhorabilidade de bens, que desce a minúcias nos incisos do art. 649 do CPC, tem por fim limitar o amplo campo de discricionariedade judicial, já que , ao invés de esmiuçar as hipóteses, o código poderia formular apenas uma cláusula aberta em que, por exemplo, afirmasse que “são absolutamente impenhoráveis todos os bens necessários a uma existência digna”.   Nesse caso, abrir-se-ia margem a extensa discussão sobre o conceito e amplitude de “existência digna” e poder-se-ia aguardar que a solução fosse dada em cada caso concreto, pela ponderação dos interesses e valores em jogo. Tal, porém, não foi o caso, conforme se vê na redação do artigo sob análise.


 Para atingir o objetivo proposto de discussão do tema, divide-se o trabalho em duas partes, sendo ao final expostas as conclusões.   Na primeira, estudam-se as cláusulas abertas, os conceitos jurídicos indeterminados e a existência ou não de discricionariedade judicial.  Em seguida, analisam-se as alterações promovidas no âmbito do art. 649 do CPC.  No final, são apresentados os resultados da análise empreendida.


DISCRICIONARIEDADE JUDICIAL, CLÁUSULAS ABERTAS E CONCEITOS JURÍDICOS INDETERMINADOS


Além de descrever uma situação em caráter abstrato e genérico, a lei é constituída por elementos prescritivos que precisam ter seu conteúdo esclarecido. Até mesmo a  mera dicção legal, em si,  é formada por um conjunto de símbolos (nomes e predicadores), os quais são, muitas vezes, vagos e ambíguos. É essa indeterminação semântica que constitui  os conceitos jurídicos indeterminados.


Karl Engisch (1979, p.173) define os conceitos jurídicos indeterminados como “ um conceito cujo conteúdo e extensão são em larga medida incertos”.    Faz, assim, a oposição entre os conceitos jurídicos determinados e indeterminados, apresentando, ainda, a noção de cláusula geral.  Esta consiste na cláusula que procura evitar a elaboração casuística das hipóteses legais. Trata-se de um expediente utilizado pelo legislador para abranger em uma formulação, em termos genéricos, um expressivo número de casos a um determinado tratamento jurídico.  O autor conceitua a cláusula geral como “ uma formulação da hipótese legal que, em termos de grande generalidade, abrange e submete tratamento jurídico a todo um domínio de casos” (ENGISCH, 1979, p. 189).


As cláusulas gerais, desta forma,  constituem em formulações legais de caráter genérico e abstrato, com natureza de diretriz, cujos valores serão preenchidos pelo juiz na análise do caso concreto. Têm a função de dotar o Código de maior mobilidade, mitigando regras mais rígidas. Ademais, têm função de integração dos diferentes princípios e direitos adotados em nossa sociedade pluralista, consistindo na possibilidade de o juiz aplicar a lei com ampla liberdade axiológica, ponderando os interesses em conflito no caso concreto. Têm, ainda, função de instrumentalizar as normas jurídicas aos fins teleologicamente considerados pelo legislador.


Segundo Judith Martins Costa (2000) , as cláusulas gerais[1], mais do que um “caso” da teoria do direito pois revolucionam a tradicional teoria das fontes – constituem as janelas, pontes e avenidas dos modernos códigos civis. Isto porque conformam o meio legislativamente hábil para permitir o ingresso, no ordenamento jurídico codificado, de princípios valorativos, ainda inexpressos legislativamente, de standards, máximas de conduta, arquétipos exemplares de comportamento, de deveres de conduta não previstos legislativamente, de diretivas econômicas, sociais e políticas, de normas, enfim, constantes de universos meta-jurídicos, viabilizando a sua sistematização e permanente ressistematização no ordenamento positivo. Prossegue a autora afirmando que  a cláusula geral constitui uma disposição normativa que utiliza, no seu enunciado, de forma proposital, uma linguagem de tessitura “aberta”, “fluida” ou “vaga”. Esta disposição é dirigida ao juiz que diante do caso concreto, crie, complemente ou desenvolva normas jurídicas, que poderá fazer uso de elementos que estejam fora do sistema, o que evidencia a importância da fundamentação das decisões.


Em relação aos conceitos jurídicos indeterminados,  Tércio Sampaio Ferraz Júnior distingue os conceitos indeterminados (derivados da vagueza)  dos conceitos valorativos (decorrentes da ambigüidade).  Para o autor, nos conceitos jurídicos indeterminados, não é possível, de antemão, determinar-lhes a extensão denotativa, enquanto nos conceitos valorativos não é possível a determinação da extensão conotativa (FERRAZ JÚNIOR, 1994, p.316). A doutrina em geral, contudo, engloba os dois conceitos na mesma hipótese, cuidando tanto dos casos de vagueza quanto dos de ambigüidade.  Assim, por exemplo, a expressão vaga “perigo iminente” e a ambígua “mulher honesta” são igualmente consideradas, devendo o juiz precisar o seu conceito com o auxílio das máximas de experiência.


Tal discussão prévia sobre a distinção[2] entre os conceitos jurídicos indeterminados e cláusulas abertas é essencial para o entendimento do que seria a discricionariedade judicial. A discricionariedade se caracteriza por uma faculdade (facultas) − portanto concedida por lei − do aplicador do direito para escolher, dentre uma pluralidade de meios – também possibilitados pela lei – o alcance do fim que direciona o interesse da Administração.


Para Celso Antônio Bandeira de Mello (2001) , o fundamento da discricionariedade reside no intento de se cometer à autoridade o dever jurídico de buscar identificar e adotar a solução apta a, no caso concreto, satisfazer de maneira perfeita a finalidade da lei, bem como reside na contingência prática de servir-se de conceitos pertinentes ao mundo do valor e da sensibilidade, os quais são conceitos chamados vagos, fluidos ou imprecisos.


Grande é a controvérsia na doutrina sobre a existência de discricionariedade judicial. Neste aspecto, convém ressaltar a controvérsia Hart X Dworkin que  remonta ao tema. Para Hart o direito normativado deve responder a todas as questões juridicamente suscitadas. Se não puder resolver, o magistrado usa seu poder discricionário e cria o direito aplicável ao caso[3]. Essa liberdade de criação é muito criticada na teoria de Hart e justamente neste ponto a teoria do Ronald Dworkin surge como forma de resgate do direito no sentido de trazer de volta seu conteúdo de alcance às normas não positivadas, através da compreensão que existem princípios e dentre a análise destes é que deve surgir o direito a ser aplicado, estando a solução interna ao direito.  Surge, então, a figura do juiz Hércules e da única resposta correta[4]


A existência de uma discricionariedade judicial é repudiada vivamente por Eros Roberto Grau, para quem o juiz, sempre que interpreta um texto legal, pratica atividade vinculada: Para ele, o que se tem denominado de discricionariedade judicial é poder de criação de norma jurídica que o intérprete autêntico exercita formulando juízos de legalidade (não de oportunidade). A distinção entre ambos esses juízos, ainda segundo o autor,  encontra-se em que o juízo de oportunidade comporta uma opção entre indiferentes jurídicos, procedida subjetivamente pelo agente; o juízo de legalidade é atuação, embora desenvolvida no campo da prudência, que o intérprete autêntico desenvolve atado, retido, pelo texto normativo e, naturalmente, pelos fatos. (GRAU, 2002, p. 189)


Sobre a discricionariedade judicial, destaca Barbosa Moreira (1988) que  o preenchimento dos conceitos vagos existentes na lei para a sua aplicação não se confunde com discricionariedade: o ponto convergente está em que somente a particularidade de que ao papel confiado à prudência do aplicador da norma não se impõem padrões rígidos de atuação.  A diferença é que os conceitos indeterminados integram a discrição do ‘fato’, ao passo que a discricionariedade se situa toda no campo dos efeitos.”


AS ALTERAÇÕES NO ART. 649 DO CPC EMPREENDIDAS PELA LEI 11382/06


As discussões empreendidas no item anterior são importantes porque a discriminação das hipóteses de impenhorabilidade no CPC tem por objetivo a diminuição da possibilidade de discricionariedade judicial – para quem entende-a existente – ou mesmo a limitação da interpretação judicial.  Contudo, essa limitação é menos rígida do que parece, pois continua deixando espaço aos conceitos indeterminados, conforme se verá a seguir.


Inicialmente, cumpre frisar que a Lei 11382 não alterou o inciso I do art. 649 CPC, remanescendo como impenhoráveis os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução.  Neste inciso inserem-se, por exemplo, os bens públicos de uso comum, que são inalienáveis, bem como aqueles assim declarados por ato voluntário, como exemplo a doação.


A lei, contudo aprimorou a redação dos demais incisos, quer retirando hipóteses, quer alterando seu conteúdo, quer acrescentando novas.  O texto, assim, não mais prevê a impenhorabilidade das  provisões de alimento e de combustível, necessárias à manutenção do devedor e de sua família, durante um mês, do anel nupcial e dos retratos de família, bem como os  equipamentos dos militares. As modificações, contudo, não levam à penhorabilidade dos itens, mas devem-se à incorporação em outros incisos, bem como a melhoria e adaptação da redação aos tempos atuais[5].


O inciso II do art. 649, com a redação dada pela lei 11382/06 prevê a impenhorabilidade dos móveis, pertences e utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado, salvo os de elevado valor ou que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um médio padrão de vida.  


Com tal redação, o inciso resolve antigas celeumas doutrinárias e jurisprudenciais pertinentes à impenhorabilidade de certos móveis e utilidades domésticas de elevado valor. É claro, porém, que há grande espaço de discricionariedade a ser preechido pelo juiz, o que é ínsito a todas as hipóteses em que se está diante de conceitos jurídicos indeterminados.


O inciso III, também com redação alterada, prevê a impenhorabilidade dos vestuários, bem como os pertences de uso pessoal do executado, salvo se de elevado valor, não fixando parâmetros para o que seja tal “elevado valor”.


O  novo inciso IV, reuniu o conteúdo dos antigos inciso IV e VII do art. 649 do CPC e melhorou sua redação ao prever a impenhorabilidade dos vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal.


Neste ponto, porém, a Lei 11382 perdeu uma ótima oportunidade para resolver um antigo problema sempre lembrado pela doutrina[6], no sentido da possibilidade de penhora dos altos salários.  O projeto originário previa a exceção em seu §3º: O parágrafo citado[7], contudo, foi vetado pelo Presidente da República, sob o fundamento de que a questão deveria ser mais aprofundada pelo debate público.  Tal veto, porém, não impede que o Juiz, adotando a técnica de ponderação de valores[8], estabeleça limite à impenhorabilidade.


Por outro lado, a lei, ao estabelecer no inciso X  a impenhorabilidade, até o limite de 40 (quarenta) salários mínimos, da quantia depositada em caderneta de poupança, resolveu outra situação sempre enfrentável na prática, relativa aos investimentos feitos pelo devedor após o recebimento de sua remuneração em conta corrente. Porém,  o § 2o  do mesmo dispositivo legal prevê que a exceção prevista no inciso IV  não se aplica no caso de penhora para pagamento de prestação alimentícia.


O inciso V do mesmo artigo, ao tratar da da impenhorabilidade dos  livros,  máquinas,  ferramentas,  utensílios,  instrumentos ou outros bens móveis necessários ou úteis ao exercício de qualquer profissão manteve o conteúdo  anterior, aprimorando-o.


Sobre o tema, Rodrigues Pinto (2006), ainda comentando a redação anterior, chamava a atenção para o fato de que o discernimento sobre o que seja a exato alcance desse dispositivo é bastante delicado.  Sendo o dispositivo genérico, fica a cargo da sensibilidade jurídica do observador definir a distinção entre os muitos instrumentos que podem facilitar  ou serem necessário a determinado tipo de trabalho.  Mais uma vez, portanto, está-se diante da amplitude da interpretação judicial.


No inciso VI, a Lei  11382/06, manteve a mesma redação do anterior inciso IX do art. 649 do CPC, ao tratar da impenhorabilidade do seguro de vida. Neste ponto, há que se destacar, como faz Manoel Antônio Teixeira Filho (2005) que a impenhorabilidade não é do dinheiro recebido pelos beneficiários indicados pelo devedor falecido e sim da expectativa ao recebimento oportuno da soma pela qual se obrigou a companhia seguradora. Assim, caso o segurado tenha falecido e o dinheiro sido entregue ao devedor-beneficiário, tal soma, tendo sido incorporada ao patrimônio econômico do devedor, poderá ser penhorada. Outrossim, não só a quantia recebida pelo devedor, como beneficiário, escapa da previsão de impenhorabildiade,  como também  a soma que a seguradora já deve, porquanto o direito a receber está no patrimônio do beneficiário


A previsão do inciso VII, sobre a impenhorabilidade dos materiais necessários para obras em andamento, salvo se essas forem penhoradas já era constante do art. 649 do CPC.  É importante destacar, com faz Teixeira Filho (2005)  que os materiais somente são impenhoráveis em virtude de sua destinação. Assim, se eles não se destinarem à obra, ou dela se encontrarem separados, por não mais serem necessários, poderão ser penhorados.


No inciso VIII a lei prevê a impenhorabilidade da pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, o que não altera muito a dicção anterior.  O importante, contudo, é a ausência da exceção da hipoteca para fins agropecuários, que foi banida.  A nova redação, assim, não permite a execução da pequena propriedade rural em face de dívidas agropecuárias, salvo no que tange à expressa previsão do §1º do mesmo dispositivo, ou seja, a impenhorabilidade não é oponível à cobrança do crédito concedido para a aquisição do próprio bem.


Por fim, o que pode ser considerada a grande novidade da Lei 11382/2006 é a impenhorabilidade dos recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social.


CONSIDERAÇÕES FINAIS


A abordagem empreendida neste artigo permite  lançar luzes sobre a discussão relativa às clausulas abertas e conceitos jurídicos indeterminados para tentar responder ao questionamento se existe ou não a discricionariedade judicial.


Se o direito fornece a moldura dentro da qual poderá o julgador se mover, ou se, ao contrário, existe uma única resposta correta, o fato é que essa discussão teórica tem muita relevância para efeito de fixação do campo de atuação do juiz mesmo em hipóteses essencialmente técnicas e processuais, como é a hipótese ora sob análise..


Assim, a previsão de impenhorabilidade de bens inserta no art. 649 do CPC, embora redigida com o objetivo de minimizar as controvérsias pertinentes ao tema, não exclui o recurso à amplitude interpretativa do julgador e nem faz o fechamento do sistema, remanescendo vários pontos a serem preenchidos pelo julgador.


 


Referências bibliográficas

COSTA, Judith Hofmeister Martins. O Direito Privado como um “sistema em construção”: as cláusulas gerais no Projeto do Código Civil brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 41, maio 2000. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=513>. Acesso em: 24 jun. 2006

ENGISCH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. Tradução de J. Baptista Machado. 5. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1979

GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 2002

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 13ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001

MOREIRA, José Carlos Barbosa. Regras da Experiência e Conceitos Juridicamente Indeterminados. in Temas de Direito Processual – 2ª série. São Paulo: Saraiva, 1988;

PINTO, José Augusto Rodriges.  Processo Trabalhista de Execução.  São Paulo: LTR, 2006.

TEIXEIRA FILHO, Manoel Antônio.  Execução no Processo do Trabalho.  São Paulo: Ltr, 2005.


Notas:

[1] Vale transcrever as palavras da autora no que tange ao tipos de cláusulas gerais: Multifacetárias e multifuncionais, as cláusulas gerais podem ser basicamente de três tipos, a saber: a) disposições de tipo restritivo, configurando cláusulas gerais que delimitam ou restringem, em certas situações, o âmbito de um conjunto de permissões singulares advindas de regra ou princípio jurídico. É o caso, paradigmático, da restrição operada pela cláusula geral da função social do contrato às regras, contratuais ou legais, que têm sua fonte no princípio da liberdade contratual; b) de tipo regulativo, configurando cláusulas que servem para regular, com base em um princípio, hipóteses de fato não casuisticamente previstas na lei, como ocorre com a regulação da responsabilidade civil por culpa; e, por fim, de tipo extensivo, caso em que servem para ampliar uma determinada regulação jurídica mediante a expressa possibilidade de serem introduzidos, na regulação em causa, princípios e regras próprios de outros textos normativos. É exemplo o art. 7º do Código do Consumidor e o parágrafo 2º do art. 5º da Constituição Federal, que reenviam o aplicador da lei a outros conjuntos normativos, tais como acordos e tratados internacionais e diversa legislação ordinária (COSTA, 2000) .

[2] Os textos normativos de direito material constantemente trazem conceitos juridicamente indeterminados, os quais exigem dos potenciais ou virtuais destinatários a realização de juízo de valor subjetivo. O Código Civil é pródigo no emprego de conceitos dessa natureza. Para diferenciar os conceitos jurídicos indeterminados das cláusulas gerais, Judith Martins Costa ( 2000) dá o seguinte exemplo: Conceito jurídico indeterminado – Art. 51 CDC. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:  IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade; Cláusula Geral  – CDC – Art. 4° A Política Nacional de Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito a sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios.Pela exemplificação dada, verifica-se, claramente, que as cláusulas gerais são bem mais amplas do que os conceitos jurídicos indeterminados.  Com efeito, os conceitos jurídicos são aberturas no texto da lei a conceitos vagos, como “boa fé”, “equidade” etc, enquanto as cláusulas gerais são autorizações mais amplas ao juiz. O código de processo civil também apresenta exemplos de conceitos jurídicos indeterminados , como o artigo 14 do CPC, que estabelece o dever da parte de “proceder com lealdade e boa-fé”.  Por outro lado, no código também são encontradas cláusulas gerais, como as  hipóteses de  concessão de tutela antecipada (273 CPC) e o poder geral de cautela previsto no art. Art. 798 do CPC:  ‘Além dos procedimentos cautelares específicos, que este Código regula no Capítulo II deste Livro, poderá o juiz determinar as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação”.

[3] Herbert Hart, ao publicar seu “O Conceito de Direito” em 1961, teve como objetivo “aprofundar a compreensão do direito, da coerção e da moral como fenômenos sociais diferentes, mas relacionados”[3]. Desde sua edição, o livro foi objeto de diversas críticas, principalmente de Dworkin, cuja obra, no ponto pertinente às decisões judiciais, será analisada mais adiante. Tais críticas foram objeto de resposta por Hart, em seu pós-escrito, anexado à segunda edição inglesa do seu livro, em 1994.  Hart, de forma semelhante a Kelsen, teoriza que o sistema jurídico está composto de regras primárias e secundárias. As primeiras são aquelas que prescrevem condutas ao jurisdicionados. As segundas, por sua vez, são também chamadas de regras de reconhecimento, e fornecem os critérios através dos quais pode ser aferida a validade das regras primárias. Em seu modelo de raciocínio judicial, Hart defende que o Juiz deverá aplicar o direito posto, ou seja, as normas primárias.  Contudo, o autor adverte que em qualquer sistema jurídico haverá sempre hipóteses em que não existe regulação prévia, de forma que o direito apresenta-se como parcialmente indeterminado ou incompleto.  Nesses casos, para o autor, o juiz deve exercer o seu poder discricionário de criar o direito, discricionariedade essa juridicamente limitada.  Assim, para Hart, em caso de lacuna das normas, o juiz deverá criar o direito para solucionar o caso concreto que lhe é apresentado. Entretanto, o autor assinala que os tribunais, ao criarem o direito novo, voltam-se à analogia, “de forma a assegurarem que o novo direito que criam, embora seja direito novo, está em conformidade com os princípios ou razões subjacentes, reconhecidos como tendo já uma base no direito existente”

[4] O estudo da teoria da decisão judicial recebeu grande contribuição de Ronald Dworkin, que criou um modelo segundo o qual o trabalho do juiz é “reconstruir racionalmente a ordem jurídica vigente, identificando os princípios fundamentais que lhe dão sentido”[4], ou seja, a sentença do juiz se situa num termo intermediário entre a mera aplicação silogística pugnada pela Escola da Exegese e o ato de vontade idealizado pelo normativismo jurídico. A proposta de Dworkin é crítica do modelo positivista do raciocínio judicial, em especial ao pensamento de Hart, e funda-se, principalmente, no problema relativo aos hard cases[4], tema a partir do qual desenvolve sua idéia de que quando existem lacunas nas normas o juiz deverá ter sua decisão pautada pelos princípios[4]. Assim, enquanto pelo positivismo o juiz praticaria um ato de vontade para resolver os “casos difíceis”, pela teoria de Dworkin deveria procurar aplicar os princípios em sentido amplo, que se subdividem em princípios em sentido estrito e diretrizes políticas.

[5] O mesmo, aliás, ocorreu quando da edição do Código em 1973. O CPC de 1939 fazia absolutamente impenhoráveis, também, “uma vaca de leite e outros animais domésticos, à escolha do devedor, necessários à sua alimentação ou à sua atividade, em número que o juiz fixará de acordo com as circunstâncias” , o que vinha previsto no art. 942, IV.  A mudança da redação não tornou penhorável a vaca leiteira, mas adaptou o código de 1973 ao tempo em que foi editado.

[6] Manoel Antônio Teixeira Filho (2005) já chamava a atenção para o fato, defendendo que na hipótese de o devedor auferir altos salários e o valor da execução ser de pequena monta, não pareceria  sensato vetar, com rigor absoluto, a possibilidade de penhora de parte do salário, pois esse ato executivo poderia não provocar maiores transtornos e dificuldades ao devedor, além de ser necessário para satisfazer o direito do credor

[7] Parágrafo vetado pelo Presidente da República: § 3o, Na hipótese do inciso IV do caput deste artigo, será considerado penhorável até 40% (quarenta por cento) do total recebido mensalmente acima de 20 (vinte) salários mínimos, calculados após efetuados os descontos de imposto de renda retido na fonte, contribuição previdenciária oficial e outros descontos compulsórios.”  “Parágrafo único.  Também pode ser penhorado o imóvel considerado bem de família, se de valor superior a 1000 (mil) salários mínimos, caso em que, apurado o valor em dinheiro, a quantia até aquele limite será entregue ao executado, sob cláusula de impenhorabilidade

[8] Muito embora a técnica de ponderação seja normalmente utilizada em caso de colisão de princípios e também conquanto se saiba que o conflito de regras se dê na dimensão da validade, a hipótese é de colisão da lei com a previsão principiológica abstrata do devido processo legal, que, a depender do caso concreto, pode levar à interpretação no sentido da penhorabilidade do excesso remuneratório. Assim,  a determinação sobre o deve ceder – e em que medida – é feita a partir de um processo de ponderação no caso concreto.

Informações Sobre o Autor

Flávia Moreira Guimarães Pessoa

Juíza do Trabalho Substituta (TRT 20ª Região), Professora Assistente da UFS, Coordenadora e Professora da Pós-Graduação em Direito do Trabalho (TRT 20ª Região/UFS), Especialista em Direito Processual pela UFSC, Mestre em Direito, Estado e Cidadania pela UGF, Doutora em Direito Público pela UFBA.


Equipe Âmbito Jurídico

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